Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1577/25.3T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA
CONTRATO DE EMPREITADA
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 07/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 195.º, 415.º, 419.º, 420.º, 615.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Perante uma nulidade processual – art. 195.º do CPC –, há que reclamar perante o tribunal a quo; em face de uma nulidade da sentença – art. 615.º do CPC –, há que recorrer para o tribunal superior.

2. A produção antecipada da prova tem por desiderato garantir a demonstração probatória de factos relativos a um direito exigindo-se como requisito específico para o seu deferimento o justo receio de que a prova se possa tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil, implicando um juízo de prognose sobre essa impossibilidade ou dificuldade.

3. Justifica-se a produção antecipada de prova, previamente à instauração de uma acção declarativa de condenação, se a requerente, empreiteira, alega que é credora do dono da obra por trabalhos realizados, no âmbito de um contrato de empreitada, e aquele não permite a prossecução das obras pela primitiva empreiteira, porquanto a futura adjudicação da conclusão da empreitada a um terceiro, objectivamente, pode tornar muito difícil ou mesmo impossível apurar a percentagem de trabalhos executados pela empreiteira inicial e o seu valor.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção),[1]


A..., Lda., empreiteira, invocando incumprimento de um contrato de empreitada pelo requerido, veio requerer a produção antecipada de prova, contra AA, consistente na realização de prova pericial para apuramento “da percentagem de obra executada pela Requerente e o respetivo valor, até à referida data em que se deu a privação de acesso ao local da obra”, concluindo da seguinte forma: “Nestes termos, e com a prévia notificação do Requerido para intervir no presente procedimento, requer a V/Exa. se digne deferir a produção antecipada da prova ora requerida, mediante a produção de prova pericial colegial aos factos constantes no artigo 32.º do presente requerimento, seguindo-se os demais termos processuais até ao final”.


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O requerido respondeu e alegou, em síntese, que “não deve ser admitida a produção antecipada da perícia, devendo ser indeferido o pedido correspondente”, porquanto “da alegação da Requerente não resulta justificada a necessidade da antecipação da perícia, ou seja, a necessidade de realização antecipada desta como a única via para lhe conferir utilidade, tendo em conta o risco de desaparecimento ou de erosão dos elementos materiais suscetíveis de sustentar o relatório pericial” – arts. 24.º/25.º da oposição.
Sem prescindir, sustenta que “toda a prova testemunhal e documental a obter de terceiro e da parte contrária, na medida em que se refere à pretensa prova da probabilidade da existência do direito que a Requerente se arroga e não ao periculum in mora da prova dos factos relevantes para a sua apreciação, deva ser rejeitada e/ou indeferida a sua produção”, impugnando “toda a factualidade descrita sob os art.s 2º, 3º, 5º a 29º do requerimento inicial apresentado pela Requerente” – arts. 27.º/28.º da oposição –, aditando que o “procedimento em causa constitui um incidente processual de natureza probatória, cumprindo ao Requerente concretizar os factos sobre que há de recair a perícia, o que a Requerente não cumpre em vista das premissas de facto em que assenta a utilidade da perícia e da necessidade da sua antecipação” – art. 36.º da oposição.
Ainda sem prescindir, refere que “[t]ratando-se de um incidente, cada parte não pode produzir mais de cinco testemunhas sobre os concretos fundamentos da necessidade de antecipação da prova, nos termos do art.294º, nº1 e 2, do Código Processo Civil, devendo ser tidas como não escritas todas as testemunhas arroladas após as cinco primeiras do rol apresentado pela Requerente” – art. 37.º da oposição.
De harmonia, conclui:
“a) não deve ser admitida a produção antecipada da perícia, nem deve ser admitido qualquer um dos quatro quesitos indicados pela Requerente para o efeito; e
b) não deve ser admitida a prova testemunhal arrolada, bem assim a prova documental a obter de terceiro e da parte contrária”.
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Por decisão judicial de 15-04-25, o tribunal a quo expendeu e decidiu:
“De acordo com o disposto no artigo 419.º do Código do Processo Civil, “havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação”.
Ora, como é sabido, a produção antecipada da prova constitui um incidente processual que tem por objetivo garantir o direito à prova de factos relativos a um direito e destinando-se a possibilitar a constituição da prova antecipadamente.
Exige-se como requisito específico da produção antecipada de prova o justo receio de que a prova se possa tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil, requerendo-se para o seu deferimento um juízo de prognose sobre essa impossibilidade ou dificuldade.
Pois bem, tendo em conta o alegado pela requerente (designadamente que o requerido se propõe prosseguir os trabalhos de construção – facto este que não foi negado pelo requerido), entende-se, pois, existir o justo receio a que alude a citada norma, na medida em que, prosseguindo os trabalhos, a prova que a requerente pretende produzir poderia ficar efetivamente prejudicada, pois que, como a requerente assinala no seu requerimento inicial, “prosseguindo então a tramitação do processo declarativo comum de condenação, a realização de perícia com o aludido objeto, apenas ocorrerá em momento que, face ao possível decorrer dos trabalhos (de acabamento da obra) será impossível, ou muito difícil a verificação do estado atual da obra, por forma a ser corretamente avaliados os gastos e os trabalhos realizados pela Requerente”.
Nesta parte, acompanhamos a posição vertida no acórdão de 24.05.2021 do Tribunal da Relação do Porto, relatora Ex.ma Sra. Desembargadora Dra. Fátima Andrade, quando refere que “através da produção antecipada de prova, visou o legislador salvaguardar a possibilidade de produzir prova quando a espera pelo momento processual próprio para o efeito coloque em risco a demonstração dos factos que da mesma serão objeto. Seja por que então tal prova será impossível de produzir, seja por que se tornará muito difícil. Em causa estará portanto e sempre o periculum in mora para a produção da prova. II - Ao contrário do que acontece nos procedimentos cautelares não pressupõe o deferimento deste procedimento a alegação e demonstração da probabilidade séria da existência do direito (que para aqueles é exigida – vide artigo 368º do CPC), mas tão só do periculum in mora aferido pela prova que se pretende produzir”.
É o que sucede, salvo o devido respeito por opinião contrária, no presente caso, em que a espera pelo momento processual próprio para produzir a prova ora requerida poderia colocar em risco a sua obtenção, na medida em que prosseguindo o requerido com os trabalhos de construção tornar-se-ia muito difícil, senão mesmo impossível, em momento posterior, perceber quais os concretos trabalhos realizados pela requerente e quais os concretos trabalhos realizados pelo requerido (ou terceira pessoa a seu mando).
De modo que, na procedência do pedido, defere-se a requerida produção antecipada de prova.
A perícia será colegial.
Terá por objeto a factualidade indicada pela requerente no artigo 33.º do requerimento inicial.
Indique a secção pessoa idónea a fim de ser nomeada como perito do Tribunal e notifique o requerido para, em 5 dias, (1.º) indicar o seu perito (sob pena de, não o fazendo, a sua nomeação se considerar devolvida ao tribunal) e (2º) para apresentar o documento a que a requerente se reporta na alínea D do requerimento inicial.
Notifique ainda o Banco 1..., SA (agência de ...) para, em 5 dias, apresentar a documentação solicitada pela requerente na alínea C, alertando-o para o dever de colaboração previsto no artigo 417.º do Código do Processo Civil.
Prazo – 20 dias, a contar da notificação da documentação a apresentar pelo requerido e pelo Banco 1..., SA.
Preparos com a diligência a cargo da requerente.
Custas pela requerente, sem prejuízo de serem posteriormente atendidas na ação a propor, nos termos do disposto no artigo 539.º, n.º3 do Código do Processo Civil.”.

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Inconformado, recorreu o requerido, alinhando as seguintes conclusões:
              “A) A Requerente não cumpriu o ónus de alegação e prova da necessidade da antecipação da perícia.
B) Para aferir do custo total que a obra teria para a Requerente (quesito 4º), esta não concretiza no seu requerimento todos os trabalhos e valores discriminados e acordados com o Requerido para conclusão da obra adjudicada.
C) De resto, a determinação do valor dos materiais e da mão-de-obra a que se referem os quesitos 1º e 4º não carece de prova pericial e menos se justifica a necessidade da sua antecipação.
D) Na discussão da causa de pedir e do pedido da ação a intentar pela Requerente são irrelevantes os valores de mercado dos materiais e da mão-de-obra a que se referem os quesitos 1º e 4º.
E) Para o efeito apenas relevam os valores efetivamente acordados com o Requerido, o que torna impertinente e inapropriada a prova pericial requerida e mais ainda injustificada a necessidade da sua antecipação.
F) Por conseguinte, da alegação da Requerente não resulta justificada a necessidade da antecipação da perícia, ou seja, a necessidade de realização antecipada desta como a única via para lhe conferir utilidade, tendo em conta o risco de desaparecimento ou de erosão dos elementos materiais suscetíveis de sustentar o relatório pericial.
G) O Requerido impugnou toda a factualidade descrita sob art.s 2º, 3º, 5º a 29º do requerimento inicial apresentado pela Requerente.
H) O Requerido impugnou igualmente o teor da Fatura 1/414 junta sob Doc.3.
I) A decisão recorrida desconsiderou totalmente a alegação e prova oferecida pelo Requerido sobre a desnecessidade da antecipação da perícia e sua inidoneidade probatória em vista do direito de crédito que a Requerente pretende acautelar, bastando-se com a invocação genérica e acrítica do justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos factos por meio de perícia.
J) Tudo com base e só na mera alegação da Requente, segundo a qual “prosseguindo então a tramitação do processo declarativo comum de condenação, a realização de perícia com o aludido objeto, apenas ocorrerá em momento que, face ao possível decorrer dos trabalhos (de acabamento da obra) será impossível, ou muito difícil a verificação do estado atual da obra, por forma a ser corretamente avaliados os gastos e os trabalhos realizados pela Requerente”.
K) O incidente previsto no art.419º e 420º, do Código Processo Civil, não dispensa a alegação e prova dos concretos factos em que se traduz o pressuposto da necessidade (periculum in mora) de antecipação e idoneidade da prova a produzir, cujo ónus recai sobre o Requerente.
L) O risco de obtenção da prova pericial há-de resultar da subsunção dos concretos factos alegados e a demonstrar previamente pelo Requente para admissão do incidente de antecipação da prova.
M) A faculdade prevista no art.420º, nº2, do Código Processo Civil, da parte contrária intervir no decurso do procedimento probatório é uma decorrência do princípio do contraditório para que aquela possa influenciar a decisão sobre a necessidade da antecipação da produção de prova, bem assim sobre a admissão e produção da prova a produzir.
N) O direito ao contraditório, consagrado quanto ao incidente em causa no art.420º, nº2, decorrência do princípio geral do art.3º, nº3, ambos do Código Processo Civil, confere ao Requerido o direito de participar probatoriamente na ponderação do tribunal aquando da subsunção dos factos à previsão normativa dos art.s 419º, e 420º, nº1, do Código Processo Civil.
O) O exercício desse direito implica necessariamente que quem arrolou testemunhas as possa inquirir, contra inquirir ou esclarecer, pelo que a sua omissão não fundamentada, como foi o caso, constitui uma nulidade que se invoca, nos termos do art.195º, nº1, do Código Processo Civil, nulidade que influiu no exame e decisão do incidente probatório.
P) No caso, o Requerido impugnou e ofereceu contraprova sobre a necessidade da antecipação e a pertinência do objeto da perícia (quesitos colocados pela Requerente).
Q) Ainda que se trate de prova sumária é necessária, quando impugnada, a demonstração fáctica pelo Requerente da probabilidade ou verosimilhança de que a perícia se torne impossível ou muito difícil.
R) No caso concreto, ainda que oferecida essa prova e contraprova pelas partes sobre a necessidade de antecipação e pertinência da perícia, o tribunal a quo desconsiderou-as olimpicamente, ordenando sem mais a produção antecipada de prova pericial colegial e documental, esta a obter de terceiro (Banco 1..., S.A.), sem demonstração daquela necessidade e pertinência.
S) E fê-lo não para prova da quantidade e valor acordado com o Requerido em relação à prestação (mão de obra e materiais) realizada pela Requerente até deixar a obra em finais de 2024, única que teria relevância para acautelar a prova do direito que esta se arroga, mas agora para prova do estado atual da obra e do seu valor de mercado, questões que não se confundem.
T) Assim decidindo, o tribunal a quo incorreu na nulidade prevista no art.195º, nº1, do Código Processo Civil, ao omitir sem fundamentação a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, com a consequente influência da decisão recorrida, sendo – por isso – nula.
U) O tribunal a quo não conheceu da questão expressamente suscitada pelo Requerido sobre a impertinência da perícia, o que fere de nulidade a decisão recorrida, vicio que se invoca nos termos das disposições conjugadas dos art.s 613º, nº3, in fine, 615º, nº1, al.d), e nº4, do Código Processo Civil.
V) Finalmente, a decisão recorrida violou o disposto nos art.s 419º e 420º, nº1 (sobre a verificação da necessidade da antecipação), bem assim o art.476º, nº2 (sobre a verificação da pertinência da perícia) e o direito ao contraditório consagrado no art.420º, nº2, decorrência do princípio geral do art.3º, nº3, ambos do Código Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene a produção de prova testemunhal indicada pelas partes à matéria do incidente, caso não se entenda indeferir o pedido de produção antecipada da perícia.
Assim Se Fazendo A Sempre Douta E Acostumada Justiça!”.

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Não foram deduzidas contra-alegações e o tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades arguidas nos seguintes moldes:
“O Recorrente sustenta que a decisão recorrida é nula por ter desconsiderado a contraprova oferecida e por não ter conhecido da questão suscitada quanto à pertinência da perícia.
Apesar de não a termos subscrito, cremos que a decisão que deferiu a requerida produção antecipada de prova ponderou os fundamentos da oposição deduzida pelo ora Recorrente, todavia, considerou, de modo fundamentado, existir o justo receio que o artigo 419.º do Código do Processo Civil exige.
Neste contexto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ajuizando que a decisão não padece dos vícios que lhe foram assacados, decide-se indeferir a arguida nulidade; todavia, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, melhor decidirão.”

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As questões a decidir em sede de recurso são duas: 1.ª indagar se a decisão recorrida padece de alguma nulidade; 2.ª verificar se estão reunidos os pressupostos para determinar a realização antecipada de prova, nos termos dos arts. 419.º e 420.º do Código de Processo Civil (CPC).

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              A. Fundamentação de facto.
Por prova documental e admissão por acordo, está provada a seguinte factualidade (cf. art. 607.º, n.º 4 ex vi art. 663.º, n.º 2, do CPC):
1. A requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção, ampliação, transformação, restauração, reparação e demolição de edifícios.
2. No exercício da sua actividade a requerente celebrou com o requerido um contrato de empreitada, mediante o qual o segundo (dono da obra) adjudicou à primeira (empreiteira) os trabalhos relativos à construção de um edifício destinado a habitação, sito em ..., ..., concelho ..., freguesia ....
3. No âmbito daquele contrato, a requerente emitiu as seguintes facturas/recibos, no valor total de € 92 000,00 (noventa e dois mil euros) (valor com IVA incluído), que o requerido liquidou:
Rec. 1/263, emitido em 22-06-2021 – € 10 000,00
Fac. 1/291 (materiais e mão de obra), emitida em 22-06-2021 – € 10 000,00
Rec. 1/264, emitido em 15-07-2021 – € 10 000,00
Fac. 1/293 (materiais e mão de obra), emitida em 15-07-2021 – € 10 000,00
Fac. 1/278 (materiais e mão de obra), emitida em 01-04-2021 – € 15 000,00
Rec. 1/245, emitido em 01-04-2021 – € 15 000,00
– Fac. 1/320 (materiais e mão de obra), emitida em 07-02-2022 – € 20 000,00
– Rec. 1/292, emitido em 07-02-2022 – € 20 000,00
– Fac. 1/11 (materiais e mão de obra), emitida em 17-08-2023 – € 7 000,00
– Rec. 1/328, emitido em 17-08-2023 – € 7 000,00
– Rec. 1/321, emitido em 08-08-2022 – € 20 000,00
– Fac. 1/347 (materiais e mão de obra), emitida em 08-08-2022 – € 30 000,00
4. A requerente emitiu, ainda, a factura com a referência Fac. 1/414 (materiais e mão de obra), em 08-08-2022, no valor de € 51 910,00, cujo montante o requerido não aceitou, nem pagou.
5. A 20 de Junho de 2024 a requerente, através do seu mandatário judicial, remeteu carta registada com aviso de recepção ao requerido, que este recebeu pessoalmente, com o seguinte conteúdo:
“Assunto: Notificação extrajudicial avulsa para pagamento de dívida (…)
Mandatou-me a minha constituinte, A..., Lda., no sentido de intervir junto de V. Exa. para intimar a proceder ao pagamento da quantia de € 51 910,00, relativamente à Factura 1/414, [h]á muito vencida, cujo original foi entregue a V. Exa. e que se volta a remeter, sem que tivessem apresentado qualquer reclamação.
A este montante acrescem ainda juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Mais se informa que tendo V. Exa resolvido o contrato de empreitada, bem como o facto de que em Março procedeu à alteração da fechadura, sem que permita à minha constituinte o acesso à obra, indique uma data e hora para que a minha constituinte possa proceder à remoção do seus materiais e equipamentos.
Aguardarei pelo prazo máximo de 5 dias, a contar da recepção desta carta por V. Exa. se dignem liquidar a importância de € 51.910,00 no meu escritório(…) ou perante a minha constituinte bem como a indicar data e hora para a remoção de materiais e equipamentos da m/ constituinte.”
6. O requerido respondeu àquela missiva, nos seguintes termos:
“Foi com enorme surpresa e absoluta incredulidade que me vi confrontado com a sua comunicação, atenta a sua falsidade.
Desde logo, a fatura 1/414 referenciada por V. Exa. nunca chegou ao meu conhecimento, pois contrariamente ao por si referido, nunca me foi entregue, quer o seu original ou mesmo qualquer cópia, pois, inclusivamente e contrariamente ao por si referido, a cópia não foi remetida em anexo à comunicação que V. Ex.ª me efetuou.
Assim, desconheço o seu conteúdo, tratar-se-á de factura que representará factos falsos, pelo que é nula e pelo que a afirmação de que “(…) a factura á muito vencida (…)” não faz qualquer sentido.
Deixando-se contestada a sua emissão, por não se considerar válida, pois, não foram realizados quaisquer trabalhos que a justifiquem, assim, e desde já, procedo para o devidos efeitos à sua rejeição/devolução, considerando que não pode produzir qualquer efeito, pois todos os trabalhos executados foram pagos, não se reconhecendo a existência de qualquer dívida ao seu constituinte.
Muito pelo contrário, pois, o seu constituinte incumpriu com os prazos de realização da obra, atrasando a sua realização e conclusão injustificadamente, acabando por transmitir a sua recusa em cumprir com os termos inicialmente acordados para a sua execução integral, isto é, acabando por exigir valores superiores aos inicialmente acordados.
A verdade é que o seu constituinte procedeu à recolha e levantamento de todos os equipamentos e materiais que tinha em obra, sem que me tivesse informado sequer previamente dessa intenção, tendo em consequência abandonado a obra.
Inclusivamente, o seu constituinte ficou indevidamente com a posse de materiais da obra e que já foram pagos, a saber:
– portas e espelhos de três quadros elétricos,
– porta e espelho do quadro ITED,
– portas de dois quadros de derivações de água,
– ferragens dos cassonetos das portas de correr,
– tubagens para montagem das loiças suspensas das casas de banho,
– comando do automatismo do portão da garagem.
Pelo que solicitamos que, junto do seu constituinte, diligencie para que ele proceda à sua imediata devolução, pois a falta desses equipamentos poderá implicar a necessidade, nuns casos de nova aquisição de equipamentos completos e, noutros, a necessidade de ter de refazer integralmente alguns trabalhos já efetuados, o que resultará em custos acrescidos desnecessários que naturalmente irão ser imputados ao seu constituinte.
Assim, o comportamento inadequado do seu constituinte provocou avultados prejuízos, pelo que, informa-se desde já V.ª Ex.ª que proximamente irei proceder à contabilização e apresentação da totalidade dos prejuízos que me foram causados. (…)”.
7. A 28 de Fevereiro de 2024 a requerente remeteu email ao requerido com o seguinte teor:
“Conforme combinado segue-se o presente email.
O orçamento total é de 133.200.00 + Iva à taxa em vigor.
O começo da obra será entre dia 11 de março a 18 de março.
O final da obra, com tudo pronto, será entre 15 de junho a 24 de junho.
Quanto ao pagamento:
1ª prestação, será agora
2ª prestação, será no final de abril
Restante montante, será no final da obra
Informamos que teremos preços a rever tido em conta todos os aumentos anteriores a esta data.
Com os melhores cumprimentos, A...”
8. O requerido respondeu àquele email, a 2 de Março de 2024, nos seguintes termos:
“Bom dia Sr. BB,
Recebemos o seu email.
Não entendemos o envio de um novo orçamento, pois em momento algum lhe foi pedido.
O que lhe pedimos no passado sábado, presencialmente, foi o envio da calendarização para terminar a obra e descrição detalhada de tudo o que falta lá fazer.
O valor acordado para a construção total da obra sempre foi de 130.000,00€, sem a cozinha, mais especificamente, sem móveis de cozinha e sem eletrodomésticos, pelo que não percebemos, nem aceitamos, o valor agora enviado de 133.200,00€+IVA.
O valor acordado foi um valor fixo global de 130.000,00€ e que nunca se colocou em questão, nem se colocou a possibilidade de passar a ser outro, por nenhuma das partes, até este seu email.
Alterá-lo agora representa uma quebra de contrato da sua parte.
Sendo certo que desses 130.000,00€ já pagámos 92.000,00€ pelo que em rigor faltam os remanescentes 38.000,00€, no pressuposto que a obra é por si concluída.
Apesar do Sr. BB não ter cumprido os prazos inicialmente definidos para a conclusão da obra, entre um ano e meio a dois anos, e de todos os custos suplementares que esses atrasos e incumprimentos nos têm trazido, e lhos termos sempre comunicado, como rendas extra da casa onde vivemos, contas mensais duplicadas, taxas à Câmara, entre outros, estamos dispostos a terminar sem lhe imputar todos estes prejuízos, desde que seja cumprida esta nova calendarização e absolutamente tudo o que foi acordado entre nós no início do processo.
O prazo suplementar para a conclusão dos trabalhos, que nos enviou neste email, parece-nos razoável, mas falta a esse prazo juntar a descrição integral dos actos que falta efectuar para a conclusão integral da obra, tal como lhe pedimos presencialmente no passado sábado.
Estamos de acordo em definir o pagamento restante nas 3 prestações, como aliás lhe tínhamos dito nesse mesmo dia, presencialmente, contudo, as datas serão definidas de acordo com a descrição dos actos que falta enviar-nos e considerando, como sempre esteve acordado entre as partes, o final da obra como a entrega da licença de habitabilidade.”
9. A requerente remeteu email ao requerido, datado de 13 de Março de 2024, acompanhado de documento intitulado “Orçamento para construção de moradia”, com o seguinte teor:
“Trabalhos a executar, exteriores:
• Paineis nas frontarias em pedra de 2 cm;
• Raiado nas partes lisas;
• Granito nas escadas;
• Corrimões nas varandas em vidro e Inox;
• Corrimão nas escadas em Inox;
• Muros acabados em areado;
• Rampa da garagem em mosaico;
• Passeio até à churrasqueira com 1 metro de largura, em mosaico;
• Chapa nos muros com 0,60 cm ou outro menor;
• Portões da entrada da garagem e entrada principal;
• Churrasqueira acabada;
• Painéis no telhado para águas quentes.
Trabalhos a executar, interiores:
• Chão em flutuante dos andares, rés do chão e 1.º andar;
• Carpintaria, roupeiros e portas;
• Escadaria rés do chão, 1º andar em madeira;
• Recuperador e radiadores;
NOTA:
• Conforme solicitado no primeiro email, os valores serão ajustados e terá que haver já um primeiro pagamento.”
10. O requerido remeteu à requerente o seguinte email em 16 de Março de 2024:
“Boa tarde Sr. BB,
Na sequência da comunicação que nos efetuou via e-mail no dia 13/03/24, conforme Documento 1 que se anexa, vimos informar do seguinte.
Reiteramos integralmente o conteúdo do nosso último e-mail, reforçando que o valor integral para conclusão da obra é de 130.000,00€, conforme acordado entre nós.
No que respeita à relação dos trabalhos em falta por si apresentados, entendemos que a lista tem algumas lacunas nalguns dos pontos, assim, consideramos estarem em falta outros trabalhos, com os materiais respetivos que já tinham sido escolhidos por nós, nos parceiros que nos indicou, e por si antecipadamente aprovados, assim:
EXTERIOR
1. Piso Varandas + escadarias exteriores em Granito igual ao das soleiras
2. Piso exterior (Manfra), Laje Bujardada cor granito amarelo, quadrada 40x40 (em todo o piso exterior) Marca Pavings; Rampa garagem e frente da casa, arrumos ao lado garagem, passeio
lateral até traseiras, traseira da casa, incluindo churrasqueira e arrumos junto à churrasqueira.
3. Churrasqueira (70cm largura) em Betão Branco com tijolo refractário bege + pia ao centro do módulo (70cm largura) (Farias e Santos)
4. Porta metálica da sala das máquinas
5. Porta dos arrumos ao lado da churrasqueira
6. Granito de reves mento nos Muros e frontarias casa, de acordo com o projeto e o restante loteamento
7. Chapas dos muros, de dimensão/altura igual ao restante loteamento
8. Caixa do correio igual às do restante loteamento
9. Campainha igual às restantes do loteamento
10. Portões exteriores (garagem e entrada)
11. Vidros das varandas com topo fino de alumínio (varandins)
12. Corrimões das escadas em alumínio
13. Terminar toda a canalização
14. Terminar o sistema de bombagem das águas pluviais + lavandaria (poço rampa da garagem)
15. Tubos de queda da chuva corrigidos na posição certa
16. Escoamento para água da pia e para as águas pluviais do jardim e churrasqueira.
17. Painéis solares térmicos para águas (telhado)
18. Pintura da casa RAL 1003 e branco
19. Pintura da churrasqueira e muros por dentro de branco.
20. Terminar toda a parte elétrica exterior
21. Terminar caixas exteriores dos contadores água, luz, gás, subs tuir a caixa par da
22. Corrigir “moldura” exterior da casa, lateral, frente da casa por cima do canteiro e nas traseiras, na posição correta
23. Terminar chaminé de acordo com o projeto e restante loteamento (granito)
INTERIOR
1. Chão interior, 3 pisos completos, em vinílico marca “Skuba”, modelo “Taj Mahal”, SKU:B1632; perfis, na mesma cor “Taj Mahal” REF 1506 (Matinfra)
2. Corrimão escadas interiores
3. Carpintarias, MVS – Móveis Vil de Souto
a. Rodapés em PVC branco mate (todos os pisos)
b. Escadas interiores em madeira com velatura à cor do vinílico
c. Portas e roupeiros em CPL branco mate liso
i. Roupeiros: 4 roupeiros com 3 portas de correr + 1 roupeiro de 2 portas de correr
ii. Portas:
· Piso da Garagem: 5 portas
· Piso da sala: 1 porta de correr/cozinha + 3 portas
· Piso dos quartos: 1 porta de correr + 7 portas
4. WCs (Ma nfra)
a. Base de Duche (x2), Catálogo “Moovlux”, página 5 “Candor”, Cor Branco, Medidas: +/- 150cm de comprimento por 70cm de largura, Grelha rectangular em inox
b. Portas de duche (x2), Catálogo “HDuo”, página 4, frontal KN (1 fixo + 1 porta), Entre paredes, Abertura de frente, Vidro Transparente
c. Loiças sanitárias – suspensas, Marca “Sanitana”, modelo “Glam” suspensas
i. 3 sanitas iguais com tampa slim e queda amortecida
ii. 1 bidé sem tampa
d. Descarga da Sanita (x3), Marca “Oli” Slim cromado
e. Torneiras marca “Bruma” série “Lusa” cromado
i. Monocomando de lavatório 101 110 1CR (x4)
ii. Monocomando de bidé 101 320 1CR (x1)
f. Sistema de duche com braço ajustável, chuveiro de Ø250mm em Inox e rampa de duche – 101 652 2CR (x2)
g. Móveis WC, Catálogo “Kit Banho Soluções Económicas nº04”, página 13, modelo “Regina”, Lacado branco, brilho
i. 2 móveis 60S, ref BR6001
ii. 1 móvel 120D, ref BR1301
h. Espelhos, Catálogo “Kit Banho Soluções Económicas nº04”, página 22, “Espelho Simples”
i. 2 espelhos 80x60cm ref ES8060
ii. 1 espelho 120x80cm ref ES12080
i. Iluminação Espelhos, Catálogo “Kit Banho Soluções Económicas nº04”, página 23, modelo “Berna”, 4 candeeiros Berna 30
5. Cor nas Blackout cor branco, de acordo com o projeto e restante loteamento
a. Janelas +/- 2200x2200 (com porta de 900mm) – 6
b. Janela +/- 1650x2200 (com porta de 900mm) – 1
c. Janela +/- 1000x2200 (fixo) – 1
d. Janela +/- 950x2200 (porta) – 1
6. Terminar canalização
7. Recuperador/Radiadores (Hiperclima), Marca Solzaima Modelo Acqua Eco sem aro, Estrutura em pladur para aplicação do recuperador, Radiador VOX Global ou similar, ligado ao sistema
solar térmico
8. Terminar parte elétrica
9. Terminar sistema de exaustão dos Wcs
10. Terminar chaminé + tubagens, no úl mo piso com pladur branco
11. Corrigir 1 parede das escadas para a garagem com pladur
12. Terminar pintura interior casa, branco (todos os pisos)
Assim solicitamos que nos confirme os termos acordados relativamente ao valor global da obra, 130.000,00€, e ao prazo para execução integral dos trabalhos que nos enviou no primeiro email (entre 15 de junho a 24 de junho).
Mal nos seja remetida a respetiva confirmação agora solicitada, de imediato iremos articular com o banco a transferência da 1ª tranche para que inicie de imediato os trabalhos, prevendo nós que tal montante se encontre disponível no prazo de 5 dias após contacto com o banco.
Verificando-se a normal continuidade e boa execução dos trabalhos em falta, estamos disponíveis para fazer o pagamento da 2ª tranche no final de Abril, como nos indicou. No entanto, importa ter em conta a continuidade e normal execução dos trabalhos em falta, pois a disponibilidade de tal valor monetário estará dependente da avaliação do banco, através do auto de medição que definirá a situação em que a obra se encontra, sendo, necessariamente, maior o valor de avaliação na proporção de mais trabalhos que estiverem terminados.
A 3ª tranche, conforme já acordado entre nós, será paga com a obtenção da licença de habitabilidade por parte da CMV.
11. A 19 de Março de 2024 a requerente remeteu ao requerido o seguinte email:
“Boa noite Sr. AA,
Não posso fazer nada quanto ao valor da moradia. Ao preço referido de 130.000,00€ (valor sem IVA), acresce o valor do IVA à taxa em vigor, que é de 23% como se sabe, tendo sido referido no orçamento através das palavras "+ IVA à TAXA EM VIGOR". Logo, procedendo aos cálculos, 130.000.00€ x 1,23 = 159.900,00€.
Até concordo com os trabalhos a executar, porém o preço total é de 159.900.00€, com IVA incluído. Não posso fazer os trabalhos por 130.000,00€.”
12. A 20 de Março o requerido respondeu à requerente nos seguintes termos:
“Boa noite Sr BB,
Nunca, em momento algum, nos foram discriminados estes valores e cálculos. O valor acordado entre nós, como valor global da obra, sempre foi os 130.000,00€.
Foi com base nesse acordo e valor que pedimos um crédito, esse crédito é de um valor fixo, não havendo qualquer possibilidade de ser alterado.
Não podemos fazer nada também quanto ao valor, pelo que desta forma, teremos de entregar este assunto ao nosso advogado.”
13. O requerido realizou as seguintes transferências bancárias para a requerente:
26-03-2021 – € 10 000,00
27-03-2021 – € 5 000,00
21-06-2021 – € 10 000,00
22-06-2021 – € 10 000,00
31-01-2022 – € 10 000,00
30-07-2022 – € 10 000,00
31-07-2022 – € 10 000,00
05-08-2022 – € 10 000,00
10-07-2023 – € 7 000,00
14. A requerente invoca que o requerido pretende dar continuidade à execução da obra da moradia, adjudicando a sua conclusão a um terceiro, impossibilitando-a de os fazer e de não a autorizar a retomar os trabalhos.

*
B. Fundamentação de Direito.
Na decisão recorrida deferiu-se a realização de produção antecipada de prova com a seguinte argumentação, na parte relevante: “(…) [T]endo em conta o alegado pela requerente (designadamente que o requerido se propõe prosseguir os trabalhos de construção – facto este que não foi negado pelo requerido), entende-se (…) existir o justo receio a que alude a citada norma [art. 419.º do CPC], na medida em que, prosseguindo os trabalhos, a prova que a requerente pretende produzir poderia ficar efetivamente prejudicada, pois que, como a requerente assinala no seu requerimento inicial, «prosseguindo então a tramitação do processo declarativo comum de condenação, a realização de perícia com o aludido objeto, apenas ocorrerá em momento que, face ao possível decorrer dos trabalhos (de acabamento da obra) será impossível, ou muito difícil a verificação do estado atual da obra, por forma a ser corretamente avaliados os gastos e os trabalhos realizados pela Requerente».
Nesta parte, acompanhamos a posição vertida no acórdão de 24.05.2021 do Tribunal da Relação do Porto (…) quando refere que «através da produção antecipada de prova, visou o legislador salvaguardar a possibilidade de produzir prova quando a espera pelo momento processual próprio para o efeito coloque em risco a demonstração dos factos que da mesma serão objeto. Seja por que então tal prova será impossível de produzir, seja por que se tornará muito difícil. Em causa estará portanto e sempre o periculum in mora para a produção da prova. Ao contrário do que acontece nos procedimentos cautelares não pressupõe o deferimento deste procedimento a alegação e demonstração da probabilidade séria da existência do direito (que para aqueles é exigida – vide artigo 368º do CPC), mas tão só do periculum in mora aferido pela prova que se pretende produzir»
É o que sucede, salvo o devido respeito por opinião contrária, no presente caso, em que a espera pelo momento processual próprio para produzir a prova ora requerida poderia colocar em risco a sua obtenção, na medida em que prosseguindo o requerido com os trabalhos de construção tornar-se-ia muito difícil, senão mesmo impossível, em momento posterior, perceber quais os concretos trabalhos realizados pela requerente e quais os concretos trabalhos realizados pelo requerido (ou terceira pessoa a seu mando).
De modo que, na procedência do pedido, defere-se a requerida produção antecipada de prova.” (sic).
O requerido/recorrente dissente deste entendimento, fundamentalmente, pelas seguintes razões: (i) a requerente não concretizou todos os trabalhos e valores discriminados e acordados com o requerido para conclusão da obra adjudicada; (ii) são irrelevantes os valores de mercado dos materiais e da mão-de-obra, relevando os valores efectivamente acordados com o requerido; (iii) da alegação da requerente não resulta justificada a necessidade da realização antecipada da prova tendo em conta o risco de desaparecimento ou de erosão dos elementos materiais susceptíveis de sustentar o relatório pericial; (iv) a decisão recorrida bastou-se com a invocação genérica e acrítica do justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos factos por meio de perícia; (v) o risco de obtenção da prova pericial há-de resultar da subsunção dos concretos factos alegados e a demonstrar previamente pelo requerente para admissão do incidente de antecipação da prova; (vi) a decisão recorrida violou o direito ao contraditório, tendo o recorrente/requerido impugnado e oferecido contraprova sobre a necessidade da antecipação e a pertinência do objecto da perícia, o que foi desconsiderado pelo tribunal a quo; (vii) o tribunal a quo incorreu na nulidade prevista no art. 195.º, n.º 1, do CPC, ao omitir sem fundamentação a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, com a consequente influência da decisão recorrida; (viii) o tribunal a quo não conheceu da questão expressamente suscitada pelo requerido sobre a impertinência da perícia, o que fere de nulidade a decisão recorrida, vício que se invoca nos termos das disposições conjugadas dos arts. 613.º, n.º 3, in fine, 615.º, n.ºs 1, al. d), e 4, do CPC; (ix) a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 419.º e 420.º, n.º 1 (sobre a verificação da necessidade da antecipação), bem assim o art. 476.º, n.º 2 (sobre a verificação da pertinência da perícia) e o direito ao contraditório consagrado no art. 420.º, n.º 2, decorrência do princípio geral do art. 3.º, n.º 3, todos do CPC.
Vejamos.
(a) Comecemos pela apreciação das invocadas nulidades – violação dos arts. 195.º, n.º 1, e 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
Como é sabido o CPC distingue as nulidades processuais das nulidades da sentença, estando as primeiras previstas nos arts. 186.º a 202.º e as segundas nos arts. 615.º, 666.º e 685.º.
Especificamente, o art. 195.º, n.º 1 – após se reportar expressamente, nos arts. 186.º e segs., às situações atinentes à ineptidão da petição inicial, falta de citação, nulidade da citação e erro na forma de processo – prescreve que “(…) a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, dependendo a apreciação dessas nulidades, em regra, de “reclamação dos interessados” – art. 196.º do CPC.
Por sua vez, o art. 615.º do CPC, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, no segmento aqui pertinente, preceitua: “1. É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…) 4. As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
Miguel Teixeira de Sousa, em Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária, estudo publicado em 20-09-2020, exarou: “A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença. Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual”.
E, acrescenta: “A nulidade processual decorrente do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art. 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art. 195.º, n.º 1, CPC” (…) “O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art. 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC”.[2]
Por seu turno, no estudo Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual?, publicado em 12-10-2021, Miguel Teixeira de Sousa esclarece: “(…) [O] recurso é o meio apropriado para impugnar a decisão; isto implica necessariamente que o vício de que padece a decisão não pode ser a nulidade processual, porque nenhuma nulidade processual é impugnável, em primeira instância, através de recurso; um tribunal superior só pode vir a ocupar-se de uma nulidade processual através do recurso que para ele venha a ser interposto da decisão do tribunal do processo que tenha apreciado a reclamação apresentada pela parte.”[3]
Deflui do supra exposto, com clareza, que ocorrendo uma nulidade processual inominada, estabelecida no citado n.º 1 do art. 195.º do CPC, então o meio adequado para a parte reagir contra essa nulidade é a reclamação perante o tribunal na qual a nulidade foi cometida – cf. art. 196.º CPC – e não a via recursal.
Em síntese: perante uma nulidade processual – art. 195.º do CPC –, há que reclamar perante o tribunal a quo; em face de uma nulidade da sentença – art. 615.º do CPC –, há que recorrer para o tribunal superior.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-10-2024, Proc. n.º 123/21.2T8CDR.C1, do aqui relator: “As nulidades processuais, a que aludem os arts. 186.º a 202.º CPC, não se reconduzem a nenhuma das nulidades previstas no art. 615.º, alíneas b) a e), do CPC, tendo, por isso, de ser arguidas perante o tribunal onde ocorreu a nulidade ou a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade foi cometida, só podendo ser objecto de recurso a ulterior decisão que este tribunal venha a proferir na sequência da reclamação da nulidade.”
Por seu turno, no que tange à omissão de pronúncia tout court, conforme é jurisprudência constante, essa falha deve reportar-se às questões ou pretensões que o tribunal devesse apreciar e não às razões ou argumentos em que possa eventualmente desdobrar-se a apresentação e solução da questão.
Conforme expendem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, p. 737 – debruçando-se sobre o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC –, “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”.
Por conseguinte: “A nulidade por omissão de pronúncia, a que alude o art. 615.º, n.º l, d), do CPC, sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-01-2024, Proc. n.º 2529/21.8T8MTS.P1.S1.
Feita esta clarificação, a omissão de pronúncia a que alude a 1.ª parte do art. 615.º, n.º 1, al. d), apenas se registará se se verificar a violação de normas que imponham ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso – cf., v.g., os artigos 578.º e 579.º (conhecimento de excepções dilatórias e peremptórias) –, como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º.
Trata-se, pois, de uma omissão de julgamento de forma ou de mérito, a qual não se confunde com uma decisão efectiva de não conhecimento da questão, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais.
Isto dito, revertendo ao caso em tela, salvo o devido respeito, o facto do tribunal a quo ter decidido a questão que lhe foi colocada – necessidade da produção antecipada de prova – sem que tivesse procedido à inquirição das testemunhas arroladas pelos intervenientes não inquina a decisão tomada de nula, por omissão de pronúncia, não se evidenciando, por outro lado, que ao decidir desse modo o julgador tenha violado o princípio do contraditório.
É facto que o Estado de direito democrático e o direito fundamental de acesso aos tribunais coenvolvem e exigem o processo equitativo – cf. art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, arts. 2.º, 8.º, n.º 2, e 20.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e art. 3.º do CPC –, integrando a garantia dos direitos de defesa, cuja dimensão mais impressiva é a do exercício do princípio do contraditório, implicando a proibição de indefesa, traduzida na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe são respeitantes.
A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, ocorrerá sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 164.
Na senda de Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, p. 17, a efectividade do direito de defesa pressupõe o conhecimento pelo demandado do processo contra ele instaurado; o conhecimento, pelas partes, das decisões proferidas no processo; o conhecimento da conduta processual da parte contrária; a concessão de um prazo razoável para o exercício dos direitos de oposição e de resposta; e a eliminação ou atenuação de gravosas preclusões ou cominações, decorrentes de uma situação de revelia ou ausência de resposta à conduta processual da parte contrária, que se revelem manifestamente desproporcionadas.
Nos termos do art. 341.º do Código Civil, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, havendo que tomar em consideração todas as provas produzidas, independentemente de quem as devia produzir, no dizer do art. 413.º do CPC.
Na situação vertente o juiz a quo decidiu e fundamentou a sua decisão, ao determinar a produção antecipada de prova, não tendo procedido à audição da prova testemunhal, por, implicitamente, ter considerado supérflua tal inquirição, uma vez que, como ficou consignado no despacho recorrido, “(…) tendo em conta o alegado pela requerente (designadamente que o requerido se propõe prosseguir os trabalhos de construção – facto este que não foi negado pelo requerido), entende-se, pois, existir o justo receio a que alude a citada norma, na medida em que, prosseguindo os trabalhos, a prova que a requerente pretende produzir poderia ficar efetivamente prejudicada, pois que, como a requerente assinala no seu requerimento inicial, “prosseguindo então a tramitação do processo declarativo comum de condenação, a realização de perícia com o aludido objeto, apenas ocorrerá em momento que, face ao possível decorrer dos trabalhos (de acabamento da obra) será impossível, ou muito difícil a verificação do estado atual da obra, por forma a ser corretamente avaliados os gastos e os trabalhos realizados pela Requerente” (sic).
Ademais, como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 4.ª edição, 2021, p. 233: “A identificação da pessoa (o réu, ou o previsível autor) contra quem o requerente pretende fazer uso da prova, além de constituir um elemento identificador da futura ação, destina-se a garantir a audiência contraditória no ato de produção da prova a antecipar (art. 415.º)”.
No caso, tendo o tribunal considerado estarem reunidos os pressupostos processuais para a produção antecipada de prova, o requerido terá sempre a oportunidade de indicar o seu perito, uma vez que a perícia será colegial, não ficando postergado qualquer direito processual que lhe assista ao abrigo do princípio do contraditório.
Por conseguinte, julga-se improcedente a 1.ª questão recursiva relativa às alegadas nulidades da decisão, mormente por omissão de pronúncia.
(b) Verificação dos pressupostos para determinar a realização de prova antecipada.
 Os arts. 419.º e 420.º do CPC regulam a produção antecipada da prova – prova ad perpetuam rei memoriam –, nos seguintes termos:
· Artigo 419.º “Produção antecipada de prova”
“Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação”.
· Artigo 420.º – “Forma da antecipação da prova”
“1. O requerente da prova antecipada justifica sumariamente a necessidade da antecipação, menciona com precisão os factos sobre que há de recair e identifica as pessoas que hão de ser ouvidas, quando se trate de depoimento de parte ou de testemunhas.
2. Quando se requeira a diligência antes de a ação ser proposta, indica-se sucintamente o pedido e os fundamentos da demanda e identifica-se a pessoa contra quem se pretende fazer uso da prova, a fim de ela ser notificada pessoalmente para os efeitos do artigo 415.º; se esta não puder ser notificada, é notificado o Ministério Público, quando se trate de incertos ou de ausentes, ou um advogado nomeado pelo juiz, quando se trate de ausentes em parte certa”.
A produção antecipada da prova pode ser intraprocessual, i.e., constituir um incidente de uma acção, ou extraprocessual, enquanto procedimento autónomo, tendo por objectivo, em qualquer um dos casos, garantir o direito à prova de factos relativos a um direito e destinando-se a possibilitar a constituição da prova antecipadamente.
Para a produção antecipada de prova exige-se, como requisito específico, o justo receio de que a sua produção se possa tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil, pelo que o seu deferimento requer um juízo de prognose sobre essa impossibilidade ou dificuldade.
Acompanhando a lição de Alberto dos Reis, a impossibilidade ou a dificuldade da produção da prova tem de decorrer de razões objectivas reconduzíveis a casos de força maior, de que dá os seguintes exemplos: “Tratando-se de prova por inspecção (…), o justo receio traduz-se no perigo de se apagarem os vestígios dos factos que se pretendem verificar. Tratando-se de prova por depoimento, o justo receio pode resultar: a) da iminência ou risco de morte da pessoa cujo depoimento se pretende obter; b) da idade avançada dessa pessoa; c) de doença grave que ela esteja sofrendo e que seja susceptível de a impossibilitar de depor; d) da previsão de ausência do depoente” –  Código de Processo Civil anotado, III, 1950, p. 332.
O n.º 1 do art. 420.º do CPC define o regime geral aplicável a qualquer produção antecipada da prova, e o n.º 2 desse normativo define o regime aplicável quando a acção está proposta ou quando isso ainda ocorreu.
Em qualquer das situações, o requerente tem de justificar sumariamente a necessidade da antecipação probatória, demonstrando a verosimilhança/plausibilidade de que a sua produção posterior será impossível ou muito difícil, devendo indicar, de forma objectiva, os factos sobre os quais recairá a produção da prova.
Na eventualidade da antecipação da prova ser anterior à propositura da acção, o requerente tem o ónus de mencionar o pedido e a causa de pedir da futura acção, devendo, em regra, identificar a pessoa contra quem pretende utilizar a prova, para que esta possa estar presente no momento da sua produção e exercer o contraditório, tal como decorre da leitura combinada dos arts. 420.º, n.º 2, 1.ª parte, e 415.º, n.º 2, do CPC.[4]
Anota Miguel Teixeira de Sousa, em Código de Processo Civil Online, 2024, Livro II, p. 37: “[O] controlo do tribunal no qual é requerida a produção da prova é bastante restrito. Para além de controlar a sua competência (mesmo a relativa: art. 104.º, n.º 1, al. a)) e a razão do justo receio invocado pelo requerente, cabe-lhe essencialmente excluir a prova ilícita e a prova proibida.
Verificados os requisitos estabelecidos no art. 419.º, a parte contra a qual se pretende utilizar a prova pode requerer no procedimento ou no incidente uma produção antecipada destinada a impugnar a prova produzida pela parte requerente ou a provar um facto impeditivo, modificativo ou extintivo”.[5]
A justificação sumária da necessidade de antecipação da prova traduzir-se-á na invocação de factualidade ou circunstâncias conducentes a demonstrar que há justo receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a produção da prova no período normal da instrução do processo.
Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 4.ª edição, 2021, p. 231, os meios de prova “(…) podem ser produzidos antecipadamente, isto é, antes do momento processual em que normalmente seriam produzidos, se estiver em risco a conservação da fonte de prova (impossibilidade) ou a facilidade de a produzir (grande dificuldade).”
Revertendo ao caso em apreço, a requerente veio alegar, em síntese, a seguinte factualidade (sem prejuízo da sua impugnação pelo requerido):
 (i) Arroga-se credora do requerido, a título de trabalhos e mão de obra com a empreitada, do montante de € 51 910,00, constante da factura 1/414, e malgrado várias insistências no sentido de o requerido proceder voluntariamente ao pagamento daquele valor, aquele recusa-se a pagá-lo.
(ii) No mês de Março de 2024, ao chegar ao local da obra, a requerente viu-se privada do acesso ao local, constatando que as fechaduras das portas haviam sido alteradas, sem qualquer aviso prévio, ficando todos os seus materiais de construção no interior da obra.
(iii) A requerente irá intentar contra o requerido acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, para pagamento dos valores de que se diz credora.
(iv) O requerido invoca o abandono da obra por parte da requerente, exigindo, ainda, a devolução de determinados materiais de obra que alega pertencer-lhe e que nunca foram, nem poderiam ter sido removidos do local, pois a requerente deixou de ter acesso à obra, sem ter sido previamente avisada ou informada.
(v) O requerido pretende dar continuidade à execução da obra, ou seja, dos trabalhos que a requerente ficou impossibilitada de fazer, assim como dos acabamentos, adjudicando a conclusão da obra a um terceiro.
(vi) No âmbito da tramitação do processo declarativo comum de condenação, a realização de perícia – para provar a percentagem de obra executada pela requerente e o seu valor, até à data em que se deu a privação de acesso ao local da obra –, apenas ocorrerá em momento que, face ao possível decorrer dos trabalhos (de acabamento da obra), será impossível, ou muito difícil a verificação do estado actual da obra, por forma a serem correctamente avaliados os gastos e os trabalhos realizados pela requerente.
(vii) É necessário proceder a uma medição rigorosa do edificado, materiais utilizados, mão-de-obra incorporada e demais critérios de avaliação a adoptar, o que deixará de ser possível ou, pelo menos, será muito difícil, após o reinício dos trabalhos atinentes à conclusão desta obra.
Vejamos.
O contrato de empreitada é negócio jurídico bilateral em que uma parte – o empreiteiro –, se compromete a realizar uma obra para outra pessoa – o dono da obra –, mediante um preço: o empreiteiro executa a obra e o dono da obra paga pelo trabalho realizado, seguindo as instruções e especificações acordadas – cf. arts. 1207.º e segs. do Código Civil.
Trata-se, consabidamente, de uma modalidade negocial frequentemente geradora de discórdia entre os contratantes e que redunda, muitas vezes, em litigância judicial.
Tal como realçam João Carlos Teixeira, Raquel Ribeiro Correia e Rodrigo da Rocha Correia, A Produção Antecipada de Prova em Litígios Emergentes de Contratos de Empreitada, 2024:
“São frequentes os litígios emergentes dos contratos de empreitada, os quais resultam, essencialmente, (i) de atrasos na execução dos trabalhos / na conclusão da obra, (ii) de defeitos na execução desta e (iii) da realização de trabalhos a mais ou de trabalhos a menos.
Quando surge um diferendo entre o dono de obra e o empreiteiro, a obtenção de prova – em tempo diverso do legalmente consagrado – pode ser essencial à boa decisão da causa.
Neste contexto, releva a produção antecipada de prova, que se caracteriza por ser um meio processual que permite a realização de determinadas diligências probatórias (depoimentos, perícias ou inspeções), antes do momento processualmente previsto para o efeito – no limite, anterior à propositura de uma ação judicial.
Este mecanismo visa a preservação de elementos que, caso não sejam recolhidos de forma antecipada, podem ser comprometidos por ações / omissões das partes ou pela simples passagem do tempo.
Nos diferendos relativos a empreitadas, o recurso a este instituto permite, por exemplo, a realização de uma perícia destinada a apurar se existem trabalhos executados pelo empreiteiro com os defeitos alegados pelo dono de obra – os quais, com o mero decurso do tempo, poderiam não ser qualificados como tal se a prova pericial se realizasse na pendência do processo judicial.”[6]
A jurisprudência tem-se confrontado com diversos casos em que se debate a relevância da produção antecipada de prova em litígios relativos a contratos de empreitada; a título de exemplo:
– Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12-11-2003, Proc. n.º 1783/03-1: “É de deferir o requerimento de produção antecipada de prova formulado pelo dono da obra, consistente na realização de uma vistoria à obra que, alegadamente, o empreiteiro não concluiu, ainda que esteja na disponibilidade do requerente a não continuação da mesma, mas estando ela nesse caso sujeita a eventual degradação.”[7];
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-05-2008, Proc. n.º 1162/07.1TBPBL.C1: “Invocando-se, como fundamento do pedido de produção antecipada da prova por arbitramento, a resolução do contrato de empreitada celebrado com a requerida, devido à existência de alegados defeitos na obra e à ultrapassagem do prazo acordado para a sua conclusão, e o recurso à colaboração profissional de um outro empreiteiro, o que implicará a eliminação dos defeitos existentes, está alegado o justo receio de que, na acção principal a propor, venha a ser já impossível a verificação dos defeitos da obra, por os mesmos, entretanto, irem ser afastados, podendo a remoção próxima dos invocados defeitos, com vista à sua eliminação e ao prosseguimento imediato da obra, vir a comprometer, no futuro, aquando da propositura da acção, a apreciação da sua existência, extensão e significado, atendendo à grande dificuldade de, então, obter a produção da prova indispensável para tanto.”
Como explana Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 4.ª edição, pp. 74-87, “o incidente tem natureza cautelar, ainda que o periculum in mora não seja reportado diretamente ao direito que se pretende discutir na ação de que é instrumental, antes à iniciativa da prova de factos relevantes para a sua apreciação. Ao invés do que ocorre quanto a determinados procedimentos cautelares, não é exigível a demonstração da probabilidade da existência do direito em causa.”.
Especificamente, no que tange à prova pericial (art. 467.º do CPC), “que pressupõe a realização de um exame ou de uma vistoria antes da formulação de um juízo técnico, a sua realização antecipada pode constituir a única via para lhe conferir utilidade, tendo em conta o risco de desaparecimento ou de erosão dos elementos materiais suscetíveis de sustentar o relatório pericial (…).” – cf. Abrantes Geraldes, AA Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2020, p. 515.
Como é ostensivo a factualidade acima narrada pela requerente, e aquela que já está apurada, é demonstrativa de que estão reunidos os pressupostos legais suficientes para determinar a produção antecipada de prova, nos termos em que foram peticionados, consistente na realização de perícia colegial.
O facto da requerente não ter ainda encetado a acção definitiva e só agora vir pedir a produção antecipada de prova, não alija, de forma alguma, a situação de periculum in mora a qual, aliás, é plausível que se agrave com o passar do tempo, com a adjudicação da conclusão da obra a outro empreiteiro, potenciando o risco/receio de mais tarde – no decurso de acção a instaurar – ser muito difícil ou até impossível fazer prova do estado em que a obra se encontra(va).
Por conseguinte é de entender que a prova pericial colegial a realizar antecipadamente está plenamente justificada, razão pela qual improcede o recurso.
As custas processuais constituem encargo do recorrente, como decorre dos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.

*
Sumariando: (…)

Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, manter a decisão recorrida que admitiu a produção antecipada de prova.
Custas pelo recorrente, nos termos do art. 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC.

Coimbra, 8 de Julho de 2025

Luís Miguel Caldas
Cristina Neves
Hugo Meireles




[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Cristina Neves e Dr. Hugo Meireles
[2] Acessível online em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+da+senten%C3%A7a
[3] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/2021/10/por-que-se-teima-em-qualificar-decisao.html
[4] Se não for possível notificar o futuro réu, dever-se-á atender ao prescrito na 2.ª parte do n.º 2 do art. 420.º.
[5] Refere o citado autor, op. cit., p. 35: “Em concreto: em vez de a prova ser produzida durante a instrução da causa – como acontece com a prova pericial e a prova por inspecção judicial – ou na audiência final – como sucede com a prova por depoimento de parte e com a prova testemunhal (art. 604.º, n.º 3, al. a) e d)) –, essa produção é antecipada para antes da propositura da acção ou para um momento anterior da tramitação da causa.”.
[6] Publicação de 15-11-2024, acessível online em https://adcecija.pt/producao-antecipada-prova-litigios-emergentes-contratos-empreitada/
[7] Desenvolve-se no aresto: “Visando a empreitada a execução de uma obra de restauro de um edifício para habitação do recorrente e estando essa obra por concluir, sempre segundo a sua alegação, é de admitir que a paragem da obra possa levar à deterioração da construção, alterando até o estado em que o empreiteiro a deixou, com consequências negativas para ambas as partes em termos probatórios e, eventualmente, também económicos./ Do ponto de vista da razoabilidade – e mesmo da justiça – admitindo a alegada necessidade de conclusão da obra por parte do recorrente, nomeadamente no sentido de evitar maiores prejuízos, é de concluir pelo justo receio de que venha a perder-se, em termos de prova, a possibilidade de determinar o estado em que o empreiteiro deixou a obra.”