Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2044/14.6T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RICARDO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
AÇÃO EXECUTIVA
AGENTE DE EXECUÇÃO
IMPULSO PROCESSUAL
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 281.º, N.º 5, E 719.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – O impulso processual no âmbito da acção executiva cabe, via de regra, ao agente de execução, a quem incumbe efectuar todas as diligências que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (art. 719º, nº 1, do C.P.C.).
II – Sendo as funções do agente de execução desempenhadas por oficial de justiça, cabe a este a tramitação do processo nos precisos termos que incumbiriam ao agente de execução.
III – Para que exista deserção da instância é necessário que o exequente, estando obrigado a praticar um acto do qual dependa o andamento ou tramitação do processo executivo, omita a prática do mesmo (art. 281º, nº 5, do C.P.C.).
IV – Não se enquadra no regime previsto no art. 281º, nº 5, do C.P.C. a situação em que os autos não são impulsionados durante mais de 6 meses após o exequente ter sido notificado de que a entidade patronal do executado não tinha pago ou liquidado os respectivos subsídios de férias e de Natal.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º2044/14.6T8PBL.C1

Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

Juízo de Execução de Ansião – J...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.      

                                                                                                                                                         

Na execução que AA move contra BB, ambos identificados com os sinais dos autos, foi proferido despacho, em 13/6/2023, a declarar deserta a instância executiva, de harmonia com o disposto no art. 281º, nº5, do C.P.C..


**

O exequente, não se conformando com a referida decisão, interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

     

“1) O Recorrente intentou a presente execução contra o Executado, requerendo nos presentes autos diligências de penhora;                         

2) Foi notificado o Requerente para se pronunciar sobre a deserção, tendo o Recorrente alegado o que acima se transcreveu;                                              

3) Por Sentença de fls. a Meritíssima Juiz decidiu o que se transcreveu;                                         

4) A instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses; 

5) Conforme se alegou e demonstrou nos presentes autos o processo não ficou deserto por negligência do Exequente;                                   

6) O Exequente tudo fez, bem como requereu as diligências de penhora, nomeadamente, penhoras de vencimento, de imóveis, do direito e quota da herança;

7) Sendo que o Exequente intentou processo de inventário para proceder à partilha do direito/quota que o Executado detinha em herança;                                          

8) O Exequente, tomou todas as diligências necessárias para poder ver-se ressarcido do seu crédito, conforme alegado e documentos juntos;

9) Ao exequente incumbe o impulso inicial da execução, mediante o envio do requerimento eletrónico para o tribunal (no qual, caso assim o entenda, pode indicar bens a penhorar, devendo, sempre que possível indicar o empregador do executado, as contas bancárias de que este seja titular e os bens que lhe pertençam – artigo 724º, NCPC);                                                                    

10) Apresentado o requerimento executivo e paga a taxa de justiça inicial e os montantes que lhe forem solicitados pelo agente de execução a título de provisão, o andamento do processo executivo não dependerá de qualquer outro ato do exequente, até que algo lhe seja comunicado ou solicitado pelo agente de execução ou pelo tribunal;                                                           

11) Assim sendo, e precisamente porque, em regra, não é ao exequente que incumbe o impulso da execução ou a promoção dos seus termos, o prazo de seis meses contar-se-á unicamente a partir do dia em que o exequente é notificado pelo agente de execução (ou pela secretaria, se tal notificação for efetuada na sequência de despacho do juiz) do resultado das diligências a que procedeu e da advertência expressa de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou o seu impulso;

12) Para que a paragem do processo possa ser imputável ao Exequente tem de lhe ser dado conhecimento do estado do processo e de que, na sequência da informação que lhe é prestada, o prosseguimento do processo ficará efetivamente a aguardar pela resposta do exequente ou pelo seu impulso;

13) O que não foi o caso;

14) O Exequente já havia respondido a requerimento idêntico e igual ao notificado ao Exequente, tendo requerido a notificação da Entidade Patronal para vir proceder ao pagamento do Subsídio de Férias, uma vez que ainda não o tinha feito;                                                                                        

15) Na notificação feita ao exequente, não consta expressamente para o Exequente se pronunciar ou requerer qualquer ato;

16) Deve ser revogada a Sentença recorrida, e consequentemente prosseguir a execução conforme requerido pelo Exequente, com todas as consequências legais daí resultantes, o que, desde já e aqui se requer;                                                        

17) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto e juridicamente relevante, suscetível de informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão dos Recorrentes.                                                   

18) Isto é, o (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;                                                                                                             

19) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma Sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: Os elementos constantes no processo;                                                 

20) Etc.;    

21) Deixando a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;

22) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão;   

23) Cometeu, pois, uma nulidade.”.


***

Não foram apresentadas contra-alegações.

*** 

Questão objecto do recurso: possibilidade, face ao estado dos autos, de ser declarada a deserção da instância.


***

II – FUNDAMENTOS.

**

2.1. Factos provados.

                                                                                                                                                                                                                                                  

Importa tomar em consideração a seguinte tramitação processual com interesse para a decisão do presente recurso: 

1 – Na sequência de notificação remetida à entidade patronal do executado com vista à penhora do respectivo subsídio de férias, a mesma, em 5/9/2022, enviou ao Tribunal recorrido um e-mail com o seguinte teor: 

Na qualidade de contabilista da empresa L..., Lda, a pedido da mesma e em resposta à vossa notificação com a Ref.ª ...32, informo que ainda não foi pago o subsídio de férias ao trabalhador BB, conforme se pode comprovar pelos recibos de vencimento que anexo.”.

2 – Tendo sido notificado, em 23/9/2022, do e-mail supra identificado e dos documentos que o acompanhavam, o exequente, em 6/10/2022, apresentou o seguinte requerimento:

                                                                                                                                                                                                                     “Exmo. Senhor Doutor Juiz de Direito do

Tribunal Judicial da Comarca de

LEIRIA                                                                                                  

AA, casado, contribuinte n.º ...81, residente na Rua ..., ..., ... – ..., Exequente na execução à margem referenciada, em que é Executado: BB, atualmente residente na Rua ..., ...,                                                                                                                                                             Vem,   

em virtude da Notificação de fls., com a referência nº ...95, requerer a V. Exa. Que seja notificada a entidade patronal do Executado para proceder à entrega dos valores, referentes à penhora do Subsídio de Férias, nos presentes autos, tendo em conta o tempo decorrido, com todas as consequências legais daí resultantes.”.

3 – Em 7/10/2022, a secretaria (secção de processos) do Tribunal recorrido enviou à entidade patronal do executado uma notificação com o seguinte teor:

Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado e tendo em conta o V. email de 23-09-2022, para no prazo de 10 dias comprovar nos autos a penhora do vencimento do executado, designadamente o subsídio de férias, sob pena dos autos prosseguirem, a requerimento da exequente, contra a entidade partonal nos termos do art. 777º n.º 4 do CPC.”.

4 – Em 14/10/2022, a referida entidade patronal remeteu aos autos de execução o seguinte e-mail:                                                                                            

Em resposta à v/ notificação ref.ª ...31, na qualidade de contabilista da empresa L..., Lda. e a pedido dos sócios, informo que, até à presente data, ainda não foram pagos ao executado BB os montantes referentes a subsídios de férias e de natal, conforme se pode comprovar pelos recibos que anexo.”.

5 – O e-mail supra identificado e os documentos anexos ao mesmo foram remetidos ao exequente através de notificação datada de 17/10/2022.                                                                                                                                                

6 – Em 16/5/2023, a secção de processos remeteu ao exequente uma notificação com o seguinte teor:        

Fica deste modo V. Exª notificado(a), relativamente ao processo supra identificado, compulsados os presentes autos, que se encontram parados há mais de 6 meses, tendo por referência o requerimento de 17-10-2022.

 Determina o artigo 281º n.º 5 do NCPC que no processo de execução, a instância considera-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, sendo certo que, nos termos do art. 277º, al c), do NCPC, a deserção da instância constitui uma causa de extinção da instância.                                      

Assim, fica V. Exª notificado(a) para em 10 dias, pronunciar-se, querendo.”

7 – Em resposta à referida notificação, o exequente, em 29/5/2023, apresentou o seguinte requerimento:

                                                                                                                                                                                                                     “Exmo. Senhor Doutor Juiz de Direito do

Tribunal Judicial da Comarca de

LEIRIA

                               

AA, casado, contribuinte n.º ...81, residente na Rua ..., ..., ... – ..., Exequente na execução à margem referenciada, em que é Executado: BB, atualmente residente na Rua ..., ...,                                                      

Vem,

Em virtude da Notificação de fls., com a referência nº ...47, dizer e requerer a V. Exa. o seguinte: 

                                                                                                                                          



Não concorda com a apreciação que é feita de que os autos se encontram parados há mais de 6 meses e por falta de impulso processual do Exequente.         

       2º

Na verdade, a par da execução e com vista a exercer os direitos decorrentes da adjudicação que foi feita ao Exequente do quinhão hereditário que o Executado CC tem na herança aberta por morte de sua mãe DD, na sequência de penhora do mesmo, o Exequente, em 06-06-2022, instaurou ação de inventário que correu termos, sob o processo n.º 516/22...., no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... – conforme Requerimento (Início de Processo) que ora se junta como doc. 1.


                                                                                                          Porém, nesses autos de inventário a instância foi extinta por impossibilidade superveniente da lide, em virtude de já ter corrido inventário sob o n.º ...9..., em que em que são inventariados CC e mulher DD, os quais se encontram findos – conforme sentença que ora se junta como doc. 2.     

     4º

A partilha foi efetuada nos referidos autos de inventário n.º ...9, nos quais o executado no presente processo, foi interessado apesar de tanto ele como o cabeça de casal terem sido notificados da penhora do quinhão hereditário que tinha na herança aberta por óbito de sua mãe DD.


Daí que o Exequente tenha intentado, em 29-09-2022) contra o Executado e demais interessados no mesmo inventário (Proc. n.º 1020/09....), ação de processo comum, com vista à anulação da partilha, pedindo no final:                                                           

“Termos em que, deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e em consequência:  

                                  

1) Seja anulada a partilha realizada no âmbito do processo de inventário n.º ...9, que correu termos no Juízo Local Cível ..., homologada por sentença já transitada em julgado, por preterição ou falta de intervenção do Autor, em virtude da penhora e aquisição do quinhão hereditário que BB possuía na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD;                                                                                                                                       

2) Seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição de bens na Conservatória do Registo Predial ..., que tenha como causa a partilha realizada no âmbito do processo de inventário n.º ...9, que correu termos no Juízo Local Cível .... Ou

3) Seja convocada conferência de interessados a fim de se determinar o montante do quinhão hereditário do Autor, em dinheiro;                                                             

4) Serem os Réus condenados em custas e procuradoria condigna.”

Conforme petição inicial que se junta como doc. 3.  


    6º

Esta ação foi distribuída, em 30/09/2022, sob o n.º 855/22...., ao Juízo Local Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., e que se encontra atualmente a correr termos, conforme último despacho que foi notificado ao mandatário do Exequente e Autor naqueles autos, que se junta como doc. 4.


Assim, não se pode considerar que os autos se encontrem parados desde 17-10-2022, e que fundamentem a extinção da instância por deserção.


Não estão assim reunidos os pressupostos legais para a extinção da instância.              


Devendo a presente execução prosseguir os seus normais termos.                                 

10º

                                                                                                          Pelo que se requer, desde já, a V. Exa., a notificação da entidade patronal do Executado L... Lda. para proceder ao depósito dos subsídios de férias vencidos e não pagos ao Executado, à ordem do agente de execução, sob pena de, caso o não faça, o Exequente poder exigir nos próprios autos de execução, à referida entidade patronal, o pagamento dos valores correspondentes a tais subsídios, tudo nos termos do disposto no artigo 777º do Código de Processo Civil.                                                                                                                                                                                                                          

11º

E face ao tempo já decorrido desde o pedido de penhora de saldos bancários, requer-se a penhora dos valores depositados em instituições bancárias, em nome do Executado, ou nas contas bancárias, em que conste o nome do Executado, nomeadamente nos seguintes bancos:

1. Caixa Geral de Depósitos;

2. Banco Comercial Português – Millenium BCP;

3. Caixa Crédito Agrícola Mútuo;

4. Caixa Económica Montepio Geral;

5. Banco BIC (ex Banco Português de Negócios);

6. Banco Santander Totta;

7. Novo Banco (ex Banco Espírito Santo);

8. Banco BPI;

9. Banco Popular;

10. Banco CTT;

Entre outros, até ao montante da quantia exequenda, juros e custas prováveis.


12º

O Exequente requer ainda a V. Exa. o prévio levantamento do sigilo bancário da conta do Executado, para os efeitos no disposto no nº 1, do artigo 861º-A do CPC.   

                                                                                                                                 

Pelo exposto, requer-se a V. Exa.:        

                                                                               

1. Que a instância executiva não seja extinta por deserção da instância por parte do Exequente, por não se verificarem os respetivos pressupostos legais, devendo a mesma prosseguir os seus normais termos.                                                                       

2. Notificar-se a entidade patronal do Executado, L... Lda. para proceder ao depósito dos subsídios de férias vencidos e não pagos ao Executado, à ordem do agente de execução, sob pena de, caso o não faça, o Exequente poder exigir nos próprios autos de execução, à referida entidade patronal, o pagamento dos valores correspondentes a tais subsídios, tudo nos termos do disposto no artigo 777º do Código de Processo Civil.   

                                                                                                                                                      

3. A penhora dos valores depositados em instituições bancárias, em nome do Executado, ou nas contas bancárias, em que conste o nome do Executado, nomeadamente nos bancos acima identificados.”.

8 – Em 13/6/2023, o Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:                                                                                                                                                       

Da análise dos autos constata-se que os autos se encontraram a aguardar impulso processual do exequente durante mais de seis meses a contar da notificação que lhe foi expedida em 17.10.2022.                                                  

O Tribunal não tinha conhecimento do descrito no requerimento que antecede, sendo que as diligências ora requeridas o deveriam ter sido antes do decurso do referido prazo de seis meses.                                                           

Assim, considera-se automaticamente deserta a instância executiva, por força do disposto no art.º 281.º, n.º 5 do nCPC.

Notifique e comunique ao Ex.mo Sr. Agente de Execução.                                                                                                                                                                               

Oportunamente, arquivem-se os autos. 

                                                                  

Custas pela exequente, fixando-se à acção o valor da execução.”. 


**

2.2. Enquadramento jurídico.       

O despacho recorrido, como resulta do respectivo teor, parte do pressuposto que o exequente, ora apelante, não impulsionou os autos em epígrafe na sequência da notificação que vem aludida no ponto 5 dos factos provados, notificação esse que lhe deu conhecimento do estado em que se encontrava uma diligência, promovida pela secção de processos [1], com vista à penhora de rendimentos auferidos pelo executado [2].

Discordando do entendimento expresso pelo Tribunal recorrido, o exequente sustentou que não lhe incumbia, no caso concreto, diligenciar no sentido de ser concretizada a pretendida penhora, tudo sem prejuízo de ter requerido que fosse realizado um conjunto de actos, melhor descritos no requerimento identificado no ponto 7, com o propósito de alcançar os objectivos a que a execução se destina (cobrança coerciva do crédito que se encontra na sua titularidade).

Vejamos.                                         

No domínio do Código de Processo Civil de 1961 (diploma que vigorou até à entrada em vigor da Lei nº41/2013, de 26 de Junho [3]) não existia uma norma que se ocupasse, especificamente, da deserção da instância no processo executivo, havendo apenas um preceito que, em termos genéricos, regulava a deserção, quer no domínio da acção declarativa, quer no domínio do processo de execução.                                                                                    

Trata-se do art. 291º, nº1 [4], embora – e este aspecto também constitui uma diferença ao nível dos regimes sucessivamente vigentes – a deserção dependesse, sempre, de uma prévia interrupção da instância [5].   

                    

A deserção da instância também não dependia de despacho judicial, regime que, nesta parte, foi transposto para o actual Código, no que diz respeito à acção executiva [6

]

Com efeito, o art. 281º, nº5, do actual Código prescreve que “No processo de execução considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.

Terá o exequente omitido, de forma negligente, a prática de um acto do qual dependia o prosseguimento dos autos ?

No caso concreto, não se afigura que tal tenha sucedido, pelas razões que, sumariamente, indicamos.                                                                                      

Em primeiro lugar, deve recordar-se – e este aspecto é fundamental para compreender a problemática que analisamos – a acção executiva não depende, em regra, do impulso da parte, neste caso do exequente, para a prática dos actos que integram a respectiva tramitação, ou seja, quem está obrigado a desenvolver um conjunto  de diligências com vista a alcançar o objectivo que este tipo de acções pressupõe (cobrança coerciva de um crédito), é o agente de execução ou, como sucede no caso vertente, o oficial de justiça [7].

É o que resulta do art. 719º, nº1, do C.P.C., o qual dispõe que “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.”.     

                                              

Em segundo lugar, ainda que se admita que o exequente deva colaborar com o agente de execução/oficial de justiça no sentido de serem praticados os actos que melhor se adequem os fins que que se pretendem atingir com o processo [8], não se vislumbra, face à notificação que vem aludida no ponto 5 dos factos provados, que tipo de colaboração o ora apelante devia prestar.

Com efeito, foi, apenas, dado conhecimento ao exequente de que os montantes referentes a subsídios de férias e de Natal ainda não haviam sido pagos ao executado, conforme informação da respectiva entidade patronal, o que inviabilizava, à data, a pretendida penhora.        

Ora, tendo chegado aos autos uma informação dessa natureza, incumbia ao oficial de justiça encarregado da tramitação dos autos diligenciar no sentido de confirmar a veracidade da mesma ou, caso entendesse conveniente, efectuar pesquisas com vista a identificar ou localizar outros bens penhoráveis, ao abrigo do disposto no art. 749º, nº1, do C.P.C. [9].                                                                                                                                                                              

Não o tendo feito e não incumbindo ao exequente o impulso processual [10], carece de sentido a notificação que vem descrita no ponto 6 dos factos provados.  

                                                                                                                        

Com efeito, o modelo de notificação adoptado pela secção de processos é errado, pois partiu-se do princípio – o que não sucede no ordenamento jurídico em vigor – que incumbe ao exequente impulsionar os autos.

                                                                                                              Em terceiro lugar, o exequente, em face da notificação que lhe foi efectuada, colaborou com o Tribunal, indicando outros bens à penhora e informando o estado em que se encontrava um processo que terá relevância para a apreensão de determinado bem.     

Pelos fundamentos expostos, não existiam motivos para ser declarada deserta a instância, pelo que o presente recurso merece provimento, devendo decidir-se em conformidade.                                  


***

III–DECISÃO.

                   

Nestes termos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida.

Sem custas.              

                                                                                                                                                                                                                                                                             

Coimbra, 21 de Novembro de 2023   

(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Sílvia Pires

(1ª adjunta)

António Domingos Pires Robalo                      

(2º adjunto)



                                               SUMÁRIO.

                                               (…)



[1] Os autos em questão encontram-se a ser tramitados por oficial de justiça, incumbindo ao mesmo a prática dos actos que caberiam ao agente de execução.
[2] Subsídio de férias.
[3] Diploma que aprovou o Código de Processo Civil actualmente vigente.
[4] Art. 291º, nº1: “Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.”.
[5] A interrupção da instância encontrava-se regulada no art. 285º nos seguintes moldes: “A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.”.
[6] Diferentemente, na acção declarativa, exige-se a prolação de um despacho a declarar deserta a instância (art. 281º, nº1, do C.P.C.).
[7] Este princípio é aceite pacificamente na jurisprudência, como o comprova o seguinte Aresto, que citamos a título meramente exemplificativo: Acórdão da Relação de Coimbra de 7/6/2016 (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2016:302.13.6TBLSA.C1.4C/).
[8] O art. 7º, nº1, do C.P.C., dispõe que “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.”.
[9] Art. 749º, nº1, do C.P.C: “A realização da penhora é precedida das diligências que o agente de execução considere úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, observado o disposto no n.º 2 do artigo 751.º, a realizar no prazo máximo de 20 dias, procedendo este, sempre que necessário, à consulta, nas bases de dados da administração tributária, da segurança social, das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros registos ou arquivos semelhantes, de todas as informações sobre a identificação do executado junto desses serviços e sobre a identificação e a localização dos seus bens.”.
[10] Conforme se salientou no Acórdão da Relação de Lisboa de 12/1/2023 (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2023:13761.18.1T8LSB.L2.2.45/) “Não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual.”.