Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
45/21.7GBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Descritores: HONORÁRIOS
VALIDAÇÃO DOS HONORÁRIOS APRESENTADOS
REJEIÇÃO DE HONORÁRIOS
RECLAMAÇÃO
COMPETÊNCIA PARA A DECISÃO
Data do Acordão: 02/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: RECURSO PROVIDO
Legislação Nacional: LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO
ARTIGO 28.º, N.º 1, DA PORTARIA N.º 10/2008, DE 3 DE JANEIRO
ARTIGO 157.º, N.º 5, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A validação dos honorários apresentados pelo defensor é um acto da secretaria judicial, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro.

II – A secretaria judicial compreende os serviços judiciais e os serviços do Ministério Público

III – Embora os serviços do Ministério Público não dependam funcionalmente do juiz, do acto do funcionário do Ministério Público que, na sequência de despacho do Ministério Público, rejeitou os honorários apresentados por defensor cabe reclamação para o juiz de quem aquela depende funcionalmente, como decorre utilização do advérbio «sempre» utilizado no nº 5 do art. 157º do C.P.C., aplicável ao processo penal ex vi artigo 4.º do C.P.P.

Decisão Texto Integral: Relatora: Alexandra Guiné
1.ª Adjunta: Ana Carilina Cardoso
2.ª Adjunto: João Bernardo Novais


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. Por despacho datado de 31/10/2022, o M.º Juiz não conheceu a reclamação da rejeição do pedido de pagamento de honorários, apresentado pelo ilustre Defensor, Dr. AA.

2. Inconformado, recorreu o ilustre Defensor apresentando as seguintes conclusões …

«I. Os honorários dos Advogados nomeado, no âmbito do apoio judiciário, vêm fixados na tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10 de novembro;

III. O Ministério Público não tem competência para fixar, ad hoc, os honorários dos advogados nomeados;

IV. Se o Ministério Público o fizer, pratica um ato que transcende as suas competências e, em consequência, pratica um ato ilegal.

V. Sempre que o pedido de honorários seja formulado em concordância com a tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10 de novembro, deverá a Secretaria Judicial confirmar o mesmo;

VI. Caso a Secretaria judicial não cumpra a Lei, do ato praticado é suscetível de ser reclamado para o Juiz, nos termos do artigo 157.º, núm. 5, do Cód. Proc. Civil;

VII. O Juiz do Tribunal do qual aquela Secretaria judicial depende é competente para apreciar da reclamação do ato praticado;

…».

3. O Ministério Público, respondendo ao recurso, pugnou pela sua procedência.

4. … o Exmo. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso.

7. … a questão a que cabe dar resposta é a de saber:

- Se o juiz tem competência para decidir da reclamação da rejeição, por parte da secretaria, ainda que na sequência de despacho do magistrado do Ministério Público, dos honorários peticionados por defensor oficioso no âmbito do inquérito tutelar educativo.

II. DESPACHO RECORRIDO (TRANSCRITO NO QUE ORA RELEVA)

«Veio o Ilustre Defensor Oficioso … apresentar reclamação do ato de rejeição do pedido de pagamento de honorários … que teve por base o despacho do Ministério Público …

Cremos, contudo, e salvo melhor opinião, que a reclamação não pode ser objeto de apreciação jurisdicional.

… encontrando-se os presentes autos tutelares educativos em fase de inquérito, a reclamação apresentada não configura um ato jurisdicional da competência do juiz, por tal atribuição não se lhe encontrar expressamente deferida na Lei (cfr. artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi o artigo 128.º n.º 1 da Lei Tutelar Educativa), sendo certo que a direção daquele inquérito tutelar educativo se encontra cometida ao Ministério Público (cfr. artigos 40.º n.º 1, 75.º n.º 1 e 92.º n.º 2 da Lei Tutelar Educativa).

Por outro lado, afigura-se-nos não ser aqui convocável, para sustentar a competência deste Juízo, o invocado n.º 5 do artigo 175.º do Código de Processo Civil, porquanto o ato reclamado … não foi praticado pela Secretaria Judicial deste Juízo de Família e Menores, mas antes … pelos Serviços do Ministério Público (junto) deste Juízo de Família e Menores, sobre os quais não detém o juiz poder de direção funcional (cfr. artigo 6.º n.º 3 do Estatuto dos Funcionários Judiciais).

Assim, a aplicação aos autos do referido n.º 5 do artigo 175.º do Código de Processo Civil, admissível ao abrigo do n.º 2 do artigo 128.º da Lei Tutelar Educativa, apenas consentirá, a nosso ver, na reclamação do ato dos Serviços do Ministério Público para o competente Magistrado do Ministério Público de quem aqueles Serviços se encontram funcionalmente dependentes.

Acresce ainda que, encontrando-se o ato reclamado fundado em decisão do Ministério Público, ou seja, do titular do inquérito tutelar educativo, não cabe ao juiz, por via do meio de reação apresentado e à margem do que são os meios e as circunstâncias processuais tipificadas, sindicar o mérito dos atos decisórios do Ministério Público proferidos em sede de inquérito tutelar educativo e no âmbito dos poderes de direção processual que a lei lhe atribui naquela fase. O juiz … não tem aqui uma competência “recursória” face àquelas decisões, sendo a sua intervenção estritamente limitada aos atos que, por Lei, devam ser praticados/realizados/presididos ou autorizados ou ordenados pelo juiz.

Não fosse assim e ficaria aberta a porta para uma interferência do julgador na titularidade da ação penal, configurando uma ostensiva violação da autonomia que, nessa matéria, se encontra conferida ao Ministério Público (na medida em que por via das reclamações ficaria aberta a porta à sindicância judicial de toda e qualquer decisão proferida pelo Ministério Público em sede de inquérito).

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III. APRECIANDO E DECIDINDO

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Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida por entender que ser o juiz (e não o Ministério Público) competente para apreciar da reclamação do ato praticado pela secretaria, de rejeitar o pedido de pagamento de honorários apresentado.

A Portaria 10/2008 de 3/01 procedeu à regulamentação da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, nomeadamente quanto à nomeação de patrono e de defensor e ao pagamento da respetiva compensação.

Com o regime definido permite-se a simplificação de todo o sistema de acesso ao direito e da sua gestão, tendo esta sido arquitetada para funcionar com recurso a aplicações informáticas.

Considera-se que a existência de um sistema informático permite a desmaterialização do procedimento desde o pedido de nomeação de patrono ou defensor até ao processamento do pagamento ao profissional forense, com ganhos óbvios na celeridade e eficiência de todo o processo.

Nos termos do n.º 1 do art.º 28.º da referida Portaria:

«O pagamento da compensação devida aos profissionais forenses deve ser processado pelo IGFIJ, I. P (…)» sendo que o pagamento pressupõe que a compensação seja «confirmada no sistema, pela secretaria do tribunal ou serviço competente junto do qual corre o processo».

A validação de honorários apresentados é, pois, um ato da secretaria.

Dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente (art.º 157.º n.º 5 do CPC, aplicável ex vi art.º 4 do CPP).

A secretaria judicial compreende os serviços judiciais e os serviços do Ministério Público.

No caso, ocorreu reclamação de ato de funcionário da secretaria judicial, pertencente aos serviços do Ministério Público.

O serviço do Ministério Público não depende funcionalmente de juiz.

No entanto, como decorre utilização pela letra da lei do advérbio «sempre» pretendeu-se assegurar o controlo judicial dos atos dos funcionários das secretarias judiciais, e portanto, também dos funcionários dos serviços do Ministério Público.

É certo que estes funcionários se encontram na dependência funcional do magistrado do Ministério Público, e não do juiz.

No entanto, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 7191/2007-5, datado de 23.10.2007 (rel. pelo Des. Vieira Lamim), disponível in www.dgsi.pt (a propósito da fixação de honorários a defensor, pelo juiz de instrução na fase de inquérito):

«Embora o processo não tenha ultrapassado a fase de inquérito, cujo dominus é o Ministério Público, há um direito que carece de definição, o invocado direito a honorários da Ex.ma Advogada nomeada patrona da ofendida.

Ora, embora o Ministério Público seja um órgão de administração da justiça, não lhe estão deferidas funções definidoras de direitos.

A decisão sobre o direito a honorários da Ex.ma Advogada nomeada patrona é, nitidamente, um acto jurisdicional, que pressuporá, desde logo, a decisão sobre se os mesmos são devidos.

Ao conjunto dos tribunais compete exercer as funções jurisdicionais, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.202, da C.R.P.)».

No ato de rejeição em causa nos autos, pode ler-se, designadamente o seguinte:

- «Tribunal: ... (M.º Público) (09130);

- Secção: Procuradoria do Juízo de Família e Menores ... (04)»;

- «Identificador Pedido Pagamento ...05

Estado Rejeitado

Motivo da Rejeição Dados do pedido incorrectos

Observações da Rejeição ver despacho ...18

Honorários 537,18 €».

O despacho que motivou a rejeição foi proferido pelo digno Magistrado do Ministério Público.

No entanto, atenta a controlabilidade judicial do ato de rejeição pela secretaria, entende-se que para a apreciação da reclamação é competente o senhor juiz do Juízo de Família e Menores da Comarca ....

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IV. DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que aprecie a reclamação.

Sem tributação.

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).