Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5089/22.9T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
RESPONSABILIDADE POR ERRO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 221.º, DA CRP
ARTIGOS 1.º, E 4.º, DO ETAF
ARTIGO 13.º, N.º 1, DA LEI 67/2007, DE 31/12
Sumário: I. A função jurisdicional é apenas exercida pelos juízes e não pelos Magistrados do Ministério Público, e porque no caso em apreço, o A./aqui recorrente, imputa precisamente ao Ministério Público a prática de acto/omissão ilícito no âmbito das suas funções, é de concluir que não estamos, perante um erro judiciário, nem de uma decisão jurisdicional.

II. A competência material dos tribunais administrativos só está excluída quando estejam em causa as acções de responsabilidade contra magistrados que envolvem erro judiciário e se reportem a juízes de outra jurisdição que não a administrativa.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

                                               Proc.º n.º 5089/22.9T8LRA-A.C1

1.- Relatório

1.1.- AA, solteiro, nascido a ../../1992, c.c. n.º ...17, c.f. n.º ...33, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou a presente acção comum declarativa de condenação - que designou por «Ação de Responsabilidade Civil Extracontratual por Erro Judiciário, pelo Despacho do MP proferido pela ex-Unidade de Apoio MP do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral de 26-11-2003» -, contra o Estado Português - Procuradoria da Instância Central de Família e Menores de Caldas da Rainha junto do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (Palácio da Justiça, Praça 25 de Abril, 2500 – 110, Caldas da Rainha), pedindo a sua condenação do pagamento da quantia global de €511.182,79, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde janeiro 2001, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que através da presente acção visa efectivar a responsabilidade civil por erro judiciário atribuído ao Despacho do MP proferido pela ex- Unidade de Apoio MP do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral de 26-11-2003, porquanto o Estado, através do M.P., proferiu um despacho sem acautelar os interesses do autor então menor de idade e sem formalizar a seu favor uma tutela civil a um tutor e respetivo conselho de família; que em virtude da inexistência de tutela legal implicou que a partir de 2001, em face da inexistência de providência tutelar cível para nomeação de um tutor legal, a avó materna do autor ficou indevidamente privada da pensão de sobrevivência, subsídio de morte e abono de família que podia ter sido atribuída ao autor; mais alega que sofreu, em consequência da actuação do Ministério Público, danos não patrimoniais por ter sido entregue à guarda da avó materna, pessoa inidónea para o criar como um bom pai de família, tendo sofrido maus tratos físicos e psicológicos, ficar privado de cuidados de higiene e ser desprezado até sair de sua casa quando atingiu a maioridade.

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1.2. - Citado, o réu Estado, representado pelo Ministério Público junto desta Comarca, apresentou contestação, por excepção e por impugnação, sustentando ocorrer litispendência, incompetência absoluta do tribunal cível, prescrição do direito de indemnização, impugnando ainda os factos alegados na p.i., bem como o nexo de causalidade entre a actuação do Ministério Público e os danos alegados pelo autor.

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            1.3. Respondeu o A., referindo que não se verifica a exceção de litispendência, nos termos e para efeitos do artigo 581º CPC, por inexistir identidade de causa de pedir e pedido, nem se verifica a Incompetência Absoluta dos Tribunais Civis.

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1.4. – Foi proferida decisão, onde foi decidido:

 I - Julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal civel, em razão da matéria.

II - Julgar o Juízo Central Cível de Leiria, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente acção.

III - Julgar competentes para julgar o presente litígio os tribunais administrativos.

IV – Absolver o réu da presente instância.

V - Condenar o autor no pagamento das custas – cf. CPC: art. 527º-1-2; sem prejuízo do apoio judiciário de que é beneficiário: vd. a decisão do ISS junta com a p.i.

VI - Fixar o valor da causa em €511.182,79 – cf. CPC: art..s 296º, 297º-1-2 e 306º-1-2.

            VII – Notifique e registe.

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            1.5. - Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. - AA -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “1- O tribunal a quo , considerou que a pretensão do recorrente, ora autor, deu AA, ao instaurar a presente Acão comum declarativa de condenação - que designou por «Ação de Responsabilidade Civil Extracontratual por Erro Judiciário, pelo Despacho do MP proferido pela exUnidade de Apoio MP do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral de 26-11-2003» não é competente os tribunais civis, mas sim os tribunais administrativo.

2- O Estado Português - Procuradoria da Instância Central de Família e Menores de Caldas da Rainha junto do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, invocou incompetência material e que improcede-se o pedido da sua condenação do pagamento da quantia global de €511.182,79, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde janeiro 2001, até efectivo e integral pagamento.

3- O autor alegou que ação visava efetivar a responsabilidade civil por erro judiciário atribuído ao Despacho do MP proferido pela ex- Unidade de Apoio MP do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral de 26-11-2003, porquanto o Estado, através do M.P., proferiu um despacho sem acautelar os interesses do autor então menor de idade e sem formalizar a seu favor uma tutela civil a um tutor e respetivo conselho de família; que em virtude da inexistência de tutela legal implicou que a partir de 2001, em face da inexistência de providência tutelar cível para nomeação de um tutor legal, a avó materna do autor ficou indevidamente privada da pensão de sobrevivência, subsídio de morte e abono de família que podia ter sido atribuída ao autor; mais alega que sofreu, em consequência da atuação do Ministério Público, danos não patrimoniais por ter sido entregue à guarda da avó materna, pessoa inidónea para o criar como um bom pai de família, tendo sofrido maus tratos físicos e psicológicos, ficar privado de cuidados de higiene e ser desprezado até sair de sua casa quando atingiu a maioridade.

4- O réu Estado, representado pelo Ministério Público junto desta Comarca, apresentou contestação, por excepção e por impugnação, sustentando ocorrer litispendência, incompetência absoluta do tribunal cível, prescrição do direito de indemnização, impugnando ainda os factos alegados na p.i., bem como o nexo de causalidade entre a actuação do Ministério Público e os danos alegados pelo autor.

5- O tribunal errou ao considerar que os tribunais comuns não são os competentes, em razão da matéria, para dirimir o presente litígio e, como tal competência cabe na atribuição dos tribunais administrativos.

6- o objeto da ação move-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por erro judiciário emergente de ação imputada a um Magistrado do MP Ministério Público de um tribunal judicial, consistente comportamento omissivo na emissão de despacho de arquivamento do processo do menor e a errada interpretação da lei da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em não ter proferido «despacho sem acautelar os interesses dos menores e sem formalizar uma tutela civil a um tutor e respetivo conselho de família» quando o autor era menor para proteger os seus interesses e, em consequência dessa omissão ilícita, o autor ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais com o arquivamento do processo do acompanhamento da situação dos menores.

7- A competência de um tribunal determina-se em função da forma como o demandante configura o litígio, a avaliar nos termos do pedido formulado e da causa de pedir que o sustenta.

8- Os tribunais judiciais exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, competindo aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – cf. CRP: art.s 211º-1 e 212º-3; ETAF: art. 1º.

9- Ora , artigo 4.º do ETAF, estabelece algumas exclusões, como sucede com as previstas no seu n.º 4, em que, entre outras, estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: “a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;”

10- Ora, com o devido respeito pela posição assumida pelo tribunal a quo, os presentes autos versam sobre qualquer “erro judiciário cometido por outras ordens de jurisdição, no caso, Ministério Público do tribunal da comarca Bombarral.

11- O Tribunal errou ao assumir que objeto da açao estava enquadrada em Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional prevista alinha F) nº 1 do artigo 4 do ETAF

12- Pois não está em causa o funcionamento deficiente na administração da justiça ou um violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável decisão do processo, como esta previsto no art 12º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas).

13- A lei preceitua que ficam excluídas do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, não pode apenas se quer aí incluir as questões relativas ao exercício do poder judicial, do qual apenas os juízes são titulares , sob pena de não ter relevância expressão “outras ordens de jurisdição”

14- A competência dos tribunais administrativos está excluída quando esteja em causa as acções de responsabilidade contra magistrados que envolvem erro judiciário de outra jurisdição que não a administrativa. Como é os presentes autos

15- A função jurisdicional, é tambem aplicável ao magistrado do Ministério Público do tribunal judicial.

16- Os magistrados do M.P, tem poderes próprios que, no caso da situação de menoridade, o seus Despachos tornam definitivos e com valor de sentença, como foi o caso dos autos na emissão do despacho de arquivamento.

17- A este propósito, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte – Processo 00539/16.6BEPNF - 1ª Secção - Contencioso Administrativo, Data do Acordão 30-11-2017 (TAF de Penafiel, Relator Frederico Macedo Branco), Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo nº 2695/16.4BELSB, Secção CA, Data do Acordão 23-05-2019, Relator: PEDRO MARCHÃO MARQUES e no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 22-09-2011, no processo n.º05/11 RELATOR: RUI BOTELHO .

18- Nesse Despacho 26-11-2003, existe o erro do MP no Despacho proferido, relativo à má interpretação da lei da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, que as medidas não têm a mesma aplicação como a tutela tem prevista no Código Civil, em que incumbe ao MP a obrigação de instaurar um processo de tutela em caso de morte e inibição do poder parental.

19- E, o facto de um Juiz não ter intervindo naquela decisão , não obsta a responsabilidade civil ser da competência do tribunais comuns - pois, é por erro judiciário está, de acordo com a al. a), do ponto 4, do art.º 4, do ETAF excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.

20- Os tribunais comuns são competentes para apreciarem uma acção com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado que tem como causa de pedir, em matéria de ilicitude, actos praticados por Magistrados do M.P. e Judiciais - Acórdão do Tribunal de Conflitos de 22-09-2011, no processo n.º05/11 RELATOR: RUI BOTELHO

21- Errou o tribunal ao invocar independência do MP da ordem jurisdicional, quando no processo de Proteção de menores, a decisões do M.P - Despacho 26-11-2003 - teve efeitos perante terceiros e, obstou a tramitação judicial dum processo de proteção do menor.

22- Assim o tribunal violou as normas al. a), do ponto 4, do art.º 4, do ETAF ao considerar que os tribunais comuns não são os competentes, em razão da matéria, para dirimir o presente litígio e, como tal competência cabe na atribuição dos tribunais administrativos, bem como violou os artigos nº3 do artigo 7º, artigo 12º , 13º e 14º Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades

Públicas) .

23- Assim, face ao exposto, o tribunal competente para apreciar a causa de pedir do A. é tribunal comum, devendo ser revogada a exceção da incompetência absoluta dos Tribunais Civis.

24- Pelo que deverá ser revogada a douta decisão , por não estar em causa incompetência absoluta, em razão da matéria, revogando-se a douta sentença do tribunal a quo.

Nestes termos em que, nos melhores de Direito e com o suprimento de V.Excl.s, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, por não estar em causa incompetência absoluta, em razão da matéria, revogando-se a douta sentença do tribunal a quo.

Assim fazendo-se JUSTIÇA!”

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            1.6. – Feita a respetiva notificação não houve resposta

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            1.7. – Foi proferido despacho a não receber o recurso, por o considerar extemporâneo.

            Houve reclamação nos termos do art.º 643.º, do C.P.C., que foi deferida, tendo os autos sido enviados a este Tribunal.

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            1.8. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

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                                                           2. Fundamentação

            Factos com interesse são os constantes do relatório supra.

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3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber – se o despacho recorrido deve ser revogado e decidir-se, por acórdão, que o tribunal competente em razão da matéria é o Juízo Central Cível de Leiria, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.

Segundo o recorrente o Tribunal “a quo” errou de direito na medida em que considerou não estarmos perante qualquer erro judiciário, e, por consequência, decidiu não ser competente, em razão da matéria, o Juízo Central Cível de Leiria, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.

A decisão recorrida, após fazer uma explanação, sobre a matéria em causa, chegou à conclusão de não estarmos perante qualquer erro judiciário e por consequência, ser o Juízo Central Cível de Leiria, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, incompetente em razão da matéria.

Apreciando.

Como se sabe, e, como resulta do n.º 1, do art.º 1, do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões ventiladas no art.º 4.º, deste estatuto. A al.ª g), do n.º 1, do preceito (art.º 4, citado), refere:

1-Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso.

Tal normativo legal mereceu, por parte de Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, o seguinte comentário: «... É, enfim, atribuída à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade resultantes do (mau) funcionamento da administração da justiça» (In Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3a edição revista e actualizada.)

Do exposto resulta que, em princípio, compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo citado (art.º 4.º, do ETAF), onde são referidas exceções, entre elas a citada al.ª a), que refere: “A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso”.

A propósito da matéria de “erro judiciário”, que se mostra excluída da competência administrativa, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas) estabelece no seu art.º 13º, n.º 1, sob a epígrafe “Responsabilidade por erro judiciário”: “Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.

Como se sabe, o Ministério Público embora dotado de atribuições que não são materialmente jurisdicionais nem se confinam às exercidas pelos tribunais, é um órgão do poder judicial, participando, com autonomia, na administração da justiça. Ou seja, não é um órgão jurisdicional.

Assim, temos para nós, que a função jurisdicional é apenas exercida pelos juízes e não pelos Magistrados do Ministério Público, e que no caso em apreço,  A./aqui recorrente, imputa precisamente ao Ministério Público a prática de acto/omissão ilícito no âmbito das suas funções, é de concluir que não estamos, perante um erro judiciário, nem de uma decisão jurisdicional (cfr. neste sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., C.ª. Ed.ª, 1993, p. 830 (anotação ao art. 221º), onde esclarecem: «A Constituição determinou a separação entre a magistratura judicial e a do MP, implicando a separação dos respectivos corpos e também a existência de carreiras autónomas» e com efeito, ob. citada p. 831, “o Ministério Público não exerce uma função jurisdicional, nem pertence ao poder judicial, estando organizado hierarquicamente e está funcionalmente subordinado à PGR” .

No mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.06.2005, rel. Pimentel Marcos, proc. n.º 33569/2005-7, onde se aborda aprofundadamente qual a qualificação da intervenção do Ministério Público ou do Juiz, destacando-se que “Os tribunais administrativos não são competentes para o julgamento de acções de responsabilidade civil intentadas contra o Estado por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, nomeadamente nos tribunais judiciais, bem como das correspondentes acções de regresso. Mas não estão aqui incluídos os actos atribuídos aos magistrados do MP, por estes não exercerem uma função jurisdicional,

Sendo também esta a posição defendida por Fátima Galante, na sua tese de doutoramento “Erro Judiciário: a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional” (disponível in www.verbojuridico.pt) o artigo 4º/1/g) e 3/a) do ETAF, não exclui da jurisdição administrativa as acções de responsabilidade contra o Estado e/ou funcionários/juízes/magistrados do Ministério Público dos tribunais por atraso na justiça ou por qualquer outra manifestação de actividade administrativa no seio da actuação dos tribunais. Para a autora “A competência dos tribunais administrativos só está excluída quando esteja em causa as acções de responsabilidade contra magistrados que envolvem erro judiciário e se reportem a juízes de outra jurisdição que não a administrativa”, aludindo ao decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 23 de fevereiro de 2011, proc.º 959/10.0TBGRD.C1, relatado por Teles Pereira).

Atendendo ao exposto, e aos princípios, supra referidos, que advogamos, não vislumbramos razão, para censurar a decisão recorrida, desde logo, por o M.P. não ser um órgão jurisdicional e não cair na exceção da al.ª a), do n.º 4, do art.º 4.º, do ETAF, em conjugação com o art.º 13.º, n.º 1, da Lei 67/2007, pelo que é mantida.

No sentido do decidido (cfr. Ac. do Tribunal de Conflitos de 23/5/2023, datado de 23 de Maio de 2023, relatado por Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza)

                                                        ***

                                                     4. Decisão

Pelo exposto, por acórdão, decide-se, julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 4/6/2024

Pires Robalo (relator)

Teresa Albuquerque (adjunta)

Luís Manuel Carvalho Ricardo (adjunto)