Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CUSTÓDIO COSTA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DIREITO DE REGRESSO ALCOOLÉMIA SEGURADORA | ||
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Data do Acordão: | 03/13/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL, OBRIGAÇÕES | ||
Legislação Nacional: | ART.º 19.º C) DO DEC.LEI N.º522/85 DE 31 DE DEZEMBRO ART.º 81.º, N.º 2 DO COD. EST. | ||
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Sumário: | I. Para que a seguradora exerça o direito de regresso a que se reporta a al. c) do 19.º do Dec.Lei n.º 522/85 de 31 de Dezembro (condução com álcool) não basta que o condutor esteja com alcoolémia acima dos limites legais no momento do acidente: é necessário que tenha agido sob a influência do álcool, ou seja, que a alcoolémia tenha dado causa ao ou contribuído para o acidente ou, por outras palavras, que haja nexo de causalidade entre o álcool e o acidente. II. Não é à seguradora que compete fazer a prova desse nexo, bastando-lhe alegar e provar que o condutor era portador, no momento do acidente, de alcoolémia superior a 0,5 g/l, pois que por lei se presume que, quem conduz com tal alcoolémia, o faz sob a influência do álcool. III. Se o acidente se ficou a dever a outra causa que não o álcool, o mesmo é dizer, se inexiste o nexo causal entre álcool e acidente, isso é uma excepção à presunção legal, pelo que é ao condutor que cabe alegá-la e prová-la, a fim de impedir o direito de regresso da seguradora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I 1.º - A Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., exercendo o direito de regresso nos termos do art.º 19.º c) do Dec.Lei n.º522/85 de 31 de Dezembro (condução sob o efeito de álcool), demandou o Réu A..... pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 20.339.470$00, e juros legais desde a citação, montante que despendeu em indemnizações às vítimas (dois mortos, seis feridos, três deles muito graves, e dois veículos danificados) de acidente de viação por si causado, no dia 26 de Dezembro de 1988, por força do contrato de seguro entre ambos vigente, com o limite de 20.000 contos. Alega, em resumo e no essencial para o que ora interessa, que após a condenação em 1.ª instância, que esta fixou em mais de 36.000 contos, e que em recurso neste Tribunal da Relação foi aumentado em mais de 5.000 contos, atribuindo a culpa do acidente exclusivamente ao Réu, logo colocou á disposição das vítimas, que o receberam, o montante do seguro e juros que entretanto se venceram. Tendo o Réu sido submetido, três horas após o acidente, a teste de alcoolémia, acusou ainda uma TAS de 1,10g/l de álcool no sangue, pelo qual foi condenado em pena de multa em processo de transgressão, e em pena de prisão em Processo Comum Singular, por crime de homicídio negligente com culpa grave e exclusiva, sob o efeito do álcool. 2.º O Réu contesta e alega de útil, para o que ora interessa, que não ficou provado que o acidente se ficasse a dever ao álcool, sendo por causas desconhecidas que o veículo do Réu saiu da mão e colidiu de raspão num primeiro veículo e, depois, já descontrolado, foi embater frontalmente num segundo veículo. Em resposta a Autora alega que não se exige a existência de nexo de causalidade entre a influência do álcool e o acidente. 3.º Fixada a matéria assente, elaborou-se a Base Instrutória e efectuou-se o julgamento e, após, proferiu-se a sentença que julgou a acção improcedente, com fundamento, em resumo, de “que a seguradora tem o ónus de demonstrar a existência do nexo de causalidade entre a condução feita sob a influência do álcool e o acidente, o que não logrou demonstrar, como resulta da resposta de não provado aos quesitos formulados nos autos”. 4.º Inconformada com a decisão, dela vem a Autora apelar, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões, em resumo: - o art.º 81.º, n.º 2 do Cod. Est. consagra uma presunção legal, que consiste na ilação de que quem conduz com uma taxa de alcoolémia acima do legal o faz sob influência do álcool. - o preceito legal, ao estabelecer o limite máximo, está a afirmá-lo como o máximo aceitável para a prática de uma condução minimamente segura. - cabe assim ao condutor provar que o facto de conduzir com 1,10 g/l não foi causa directa do acidente. Indica como violados os art.ºs 19.º, al. c) do Dec.Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro e 81.º, n.º 2 do Cod. Est. O apelado contra-alegou, refutando a argumentação da apelante e pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II Prescreve o art.º 19.º, do Dec.Lei n.º 522/85 de 31.12: “Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem o direito de regresso: ... c) Contra o condutor, se este tiver agido sob a influência do álcool”. A questão que se coloca é a de fixar o alcance da locução “agir sob a influência do álcool”, e concretamente saber se basta, para que a seguradora exerça o direito de regresso, que o condutor acuse uma alcoolémia superior ao máximo permitido para poder conduzir, ou se haverá também de provar-se que o álcool contribuiu para o acidente, e neste caso, quem tem o ónus dessa prova. Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nem se afigurando que haja lugar a qualquer alteração, têm-se por provados os factos tal como constam dos termos da decisão em 1.ª instância (art.º 713.º, 6 do CPC). No entanto, e para melhor compreensão, resume-se a seguinte factualidade: - A Autora pagou, em consequência do acidente em causa, a quantia de 20.339.470$00, sendo 20.000 contos referentes ao capital seguro, e o mais referente a juros vencidos na pendência da acção (Proc. n.º 60/96 do Trib. de Círc. de Coimbra contra si proposta e contra o Réu, ora apelado). - Sob apelação dos Autores e do Réu Álvaro, a acção subiu em recurso e o Tribunal da Relação confirmou a decisão recorrida quanto à responsabilidade do acidente, que ocorreu por culpa grave e exclusiva do Réu Álvaro, pois que circulava fora de mão, com os faróis da sua viatura na posição de “máximos” e sob o efeito do álcool, pelo qual foi também condenado em 28.11.91, no Proc. Singular n.º 44/91, na pena de 16 meses de prisão e 200 dias de multa, e aumentou a indemnização arbitrada na 1.ª instância, indemnização que acabou por ultrapassar os 40.000 contos. - Em 31.05.89 foi o Réu condenado no âmbito do Proc. Sumaríssimo n.º 1.311/89, por infracção ao disposto nos art.ºs 1.º. n.ºs 1 e 2 e 7.º, n.º 1 e al. b) da Lei 3/82 de 29.03. - Cerca de três horas após o acidente o Réu Álvaro, ao ser submetido à competente análise, era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,10 gr/l. III o Juiz "a quo", perfilhando o entendimento de que é necessário provar o nexo causal entre o acidente e a alcoolémia, elaborou a Base Instrutória com a formulação de dois quesitos, integrando a seguinte factualidade, vertida no art.º 61.º da PI. 1) - Aquando do acidente o ora Réu tinha atingido um estado de euforia, decorrente da taxa de alcoolémia de que era portador, que lhe perturbava acentuadamente os reflexos e prolongava o tempo de reacção? 2) – Se o Réu não se encontrasse sob a influência do álcool não provocaria o acidente? Ambos os quesitos obtiveram resposta negativa e, partindo daí, concluiu que não ficou provado o nexo de causalidade entre o estado de alcoolémia do condutor e o acidente, pelo que julgou a acção improcedente. Que dizer deste entendimento? A Jurisprudência não é unânime quanto à exigência de se demonstrar o referido nexo. No Acórdão da RL de 28.06.91, CJ Ano XVI t. 3,178 decidiu-se que até em caso de mero risco, onde nem sequer ficou provada a culpa do condutor, por se desconhecerem as circunstâncias em que ocorreu o acidente, há direito de regresso da seguradora, pois não pode deixar de considerar-se criador de risco a alcoolémia do condutor. No Acórdão da RC de 31.10.90, CJ Ano XV t. 4, 100 refere-se que a influência do álcool nunca pode, de todo em todo, ser estranha ao comportamento do condutor, não sendo ousado afirmar-se que se este não se encontrasse sob a influência do álcool teria adoptado os cuidados necessários para evitar o acidente, uma vez que o álcool acima de certo limite, reduz consideravelmente as faculdades psicológicas elementares absolutamente necessárias à condução. No Acórdão da RP de 01.06.93, CJ Ano XVIII t. 3,223 refere-se que “a mera circunstância de o condutor, no momento do acidente, se encontrar sob a influência do álcool, confere à seguradora o direito de ser reembolsada pela indemnização que pagou, independentemente do nexo causal entre aquele estado e os danos produzidos”. Esta corrente jurisprudencial perfilha um entendimento como que de efeito automático, logo que se verifique uma situação de alcoolémia no condutor, no momento do acidente. E um argumento forte que esgrime, é que seria estranha a técnica jurídica se na mesma alínea se juntasse uma hipótese nítida em que se prescinde desse nexo (a falta de habilitação legal para conduzir), com outra em que (a embriaguês) em que ele já seria exigível, a que acresce a dificuldade de provar tal nexo, o que viria esvaziar o conteúdo do preceito. No entanto, vem impondo-se outra corrente, que perfilhamos também, que opina no sentido de ser exigível esse nexo, por força do princípio geral do nosso direito de que só existe responsabilidade civil havendo culpa do agente – art.º 483.º Cod.Civil – só ocorrendo responsabilidade pelo risco nos casos especificados na lei. Como a culpa não se presume, há que prová-la, e isso mesmo se extrai da análise literária do texto da lei. A alínea c) do referido art.º 19.º refere o condutor que tiver agido sob a influência do álcool (sublinhado nosso). Ora, “agir sob influência do álcool” não é o mesmo que “estar sob influência do álcool”. O termo “agir” contempla uma realidade dinâmica de se actuar por causa do álcool e não apenas uma simples situação estática de se estar com álcool. O que se prevê e pune é o agir e não o estar. Assim, para o direito de regresso, não basta que se constate a alcoolémia (estar com álcool), mas haverá que provar-se que o acidente ocorreu por se ter agido com álcool, o mesmo é dizer que o acidente se deu por causa do álcool. É sabido que a alcoolémia num condutor pode ou não, conforme as circunstâncias, ser causa adequada de um acidente (Acórdão RL de 24.10.96, CJ 1996, t. 4,140). A essa conclusão se chega também fazendo-se uma análise histórica das sucessivas leis até à presente (Dec.Lei n.º 522/85). A alínea c) do art.º 19.º deste Dec.Lei é a transcrição sem alteração do que já se prescrevia no Dec.Lei n.º408/79 de 25 de Setembro. Ao tempo deste Dec.Lei nada havia na lei que proibisse a condução com álcool. Só a Lei 3/82 de 29 de Março o fez pela primeira vez. Então, parece ser de concluir que a alínea c) em causa não pretendia penalizar o condutor só porque estava com álcool – pois nem sequer se sabia qual a quantidade mínima de álcool necessário para qualificar a hipótese da alínea c), porque na altura não existia qualquer limite legal e por não ser razoável, por outro lado, que se quisesse proibir um mínimo que fosse de álcool – mas apenas quando o álcool provocava ou contribuía para o acidente. É sabido, porém, que o álcool é nocivo à condução automóvel a partir de certos limites que, na prática, não são iguais para todos, dependendo da constituição física e hábitos de consumo de álcool da pessoa. Na impossibilidade de a lei prever toda a casuística, fixou-se então um limite acima do qual é proibido conduzir: “Considera-se estar sob a influência do álcool todo o condutor que apresentar uma alcoolémia igual ou superior a 0,8 g/l”, quantidade que um ano depois foi reduzida para 0,5 g/l – art.ºs 1.º, n.º 2 e 7.º, n.º 4 da Lei 3/82 de 14 de Abril, que foi revogado pelo Dec.Lei n.º 124/90 de 14 de Abril, mas que manteve o mesmo limite. Extrai-se daqui que a lei presume que acima deste limite, o condutor não está em condições de conduzir. Confronte neste sentido, Acórdão RP de 30.09.93, CJ 1993, t. 4, 216, em que é relator o então Juiz Desembargador Sampaio da Nóvoa que, agora como Juiz Conselheiro, é também relator do Acórdão do STJ, in BMJ n.º 463,206, tirado na mesma linha do anterior. Assim, se conduzir com alcoolémia acima desse limite, e der causa a um acidente, há que presumir que o acidente ocorreu por influência do álcool, ou que este contribuiu para o evento. Esta é a situação normal, nos termos constantes da lei. Mas não se pode excluir que ocorra uma excepção à prevista normalidade da lei, ou seja, que se ilida aquela presunção. Bem pode suceder que, encontrando-se o condutor com alcoolémia superior ao limite consentido, o acidente nada tenha a ver com essa alcoolémia, v.g. se o veículo saiu da mão por avaria súbita – rebentamento de pneu, fractura da barra de direcção, existência de qualquer factor que no momento perturbou o condutor, etc. – situação em que ocorreria o acidente mesmo que não se verificasse a alcoolémia. Entramos agora na fase crítica da questão que é colocada ao Tribunal: sobre quem recai o ónus da prova para se saber se o condutor agiu ou não sob a influência do álcool? Na abundante jurisprudência que consultámos, da que defende a corrente de que é necessário o nexo de causalidade entre a alcoolémia e o acidente, (quase) sempre se defendeu que é a seguradora que haverá de fazer a prova desse nexo. Salvo o devido respeito, permitimo-nos discordar nesta parte. A lei cria, sem qualquer margem de dúvida, em nosso entender, uma presunção de que, quem conduz com alcoolémia acima do limite consentido, não está em condições de conduzir e, daí, todo o cotejo de punições que vem instituindo para tentar eliminar ou reduzir a trágica sinistralidade das nossas estradas motivadas pelo consumo de álcool: “É proibido conduzir sob a influência do álcool; Considera-se sob a influência do álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l...” – art.º 81.º do Cod.Est. Assim, quem conduz com uma alcoolémia superior a 0,5 g/l e dá causa a um acidente, presume-se que foi por causa do álcool. É o normal nos acidentes com essa alcoolémia. Se o acidente não ocorreu devido a essa alcoolémia, isso é a excepção que, como tal, é ao condutor que aproveita. Ele é que terá de alegar e provar a situação de excepção. A não ser assim, ficaria esvaziado de conteúdo útil a salvaguarda concedida à seguradora pela referida alínea c), pois que, na realidade, se torna praticamente impossível à seguradora fazer a prova de que o acidente se ficou a dever ao álcool, e não a nenhum de tantos possíveis factores que poderão provocar o acidente. Seria uma autêntica probatio diabolica. Feita esta explanação de princípios, vamos então ao caso dos autos. Ficou apurado que o Réu/apelado foi o único responsável do acidente, pois saiu da mão e foi embater nos demais veículos que circulavam em sentido contrário rigorosamente na sua própria mão: “ao iniciar a descrição de uma curva para a direita, muito pouco pronunciada, deixou que o veículo saísse para fora da sua semi faixa de rodagem e repentinamente fosse invadir a oposta. A estrada no local apresentava uma largura de seis metros e piso seco; Conduzia a menos de 90 kms/h e com as luzes acesas na posição de máximos. Cerca de três horas após o acidente era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,10 g/l”. É sabido que a alcoolémia atinge o seu máximo uma hora depois da sua absorção e, a partir daí, diminui 0,15 g por hora. Cfr. Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, 1988, 14, 5.ª ed., Almedina. Assim, no momento do acidente, o Réu era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,55 g/l, ou seja, mais do triplo do legalmente admissível para se estar em condições de poder conduzir – os 0,8 g/l fixados no art.º 1.º da Lei 3/82 de 29 de Março, que entrou em vigor 180 dias após a sua publicação, “foram reduzidos em 0,3 g/l após um ano a contar da entrada em vigor”, nos termos do n.º 4 do seu art.º 7.º. O Réu não indicou qualquer outra causa que explicasse o acidente, e era a ele que competia fazê-lo: logo, por força da presunção legal de que não estava em condições de conduzir, o acidente foi causado pelo álcool. A seguradora nada mais tem que fazer que alegar essa realidade: que o Réu estava com álcool acima do limite legal; se este entende que o acidente não foi causado pelo álcool, então que o diga e o demonstre. Não pode ser a seguradora a ter de provar que não ocorreu um rebentamento de peneu, não partiu a barra da direcção, ou não lhe entrou um mosquito no olho, para, por exclusão de partes, poder afinal concluir que o veículo saiu de mão e foi embater nos outros, porque o Réu não o conseguiu controlar por excesso de álcool. Afigura-se-nos pertinente transcrever uma elucidativa passagem do Acórdão desta Relação de 05.07.94, CJ 1994,21: Contra a exigência de prova do nexo causal entre o álcool e o acidente, no que concerne àquele art.º 19.º c) do Dec.Lei n.º 522/85, se insurgiu incisivamente o Dr. Alfredo Gaspar na Tribuna da Justiça, 3, Abril-Maio de 1990, a fls. 95 e 96, epitetando essa exigência de uma falsa questão. Escreveu ele o seguinte: «A lei fala apenas em “ influência do álcool”, na linha de conhecimentos médicos rudimentares, sabido como é que o álcool começa por afectar, primeiro, a coordenação das funções de sensação e de percepção (córtex cerebral), depois a coordenação motora e o equilíbrio (cerebelo) e, só por fim, a memória e as emoções (sistema límbico). Quer dizer; a influência do álcool – para além de uma certa percentagem – diminui sempre as mais simples faculdades de condução e, por isso, nunca pode ser estranha ou alheia ao comportamento do condutor. Ou, se se quiser, e por outras palavras: a condução de quem estiver sob a influência do álcool é sempre dependente – senão em causalidade exclusiva, ao menos em termos de causalidade adequada – dessa influência, mesmo que o condutor se não aperceba disso. Por isso, e porque a influência do álcool reduz consideravelmente faculdades psicológicas elementares, absolutamente necessárias à condução – as sensações e as percepções, desde logo – não há que fazer prova do nexo causal “a se”, porque essa causalidade é inerente à própria influência do álcool». Do mesmo modo se decidiu no Acórdão RP, de 211.05.88, sumariado no BMJ 377,546 que, no domínio da circulação rodoviária, a seguradora, para demonstrar que o seu segurado estava sob a influência do álcool, só necessitava de provar que este apresentava uma taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 g/l, criando assim um risco suplementar na condução, que justifica o direito de regresso da seguradora contra o segurado. Neste mesmo sentido, cfr. também declaração de voto de vencido, tirado no Acórdão do STJ de 18.11.99, BMJ n.º 491.225. Se não perfilhamos o entendimento de que a alcoolémia acima do limite legal confere automaticamente à seguradora o direito de regresso independentemente do nexo causal entre o álcool e o acidente, como defende a primeira corrente jurisprudencial referida, não perfilhamos também a corrente que defende que tenha de ser a seguradora a fazer a prova da existência desse nexo. O nexo causal tem, pois, de existir para que a seguradora exerça o direito de regresso. Mas a lei presume-o – presunção iuris tantum – quando está ultrapassado o limite legal. Mas se não ocorre esse nexo, e foi outra a causa do acidente, é ao condutor que cabe ilidir a presunção, alegando e provando os pertinentes factos, pois é a ele que aproveitam. A seguradora, que tem a seu favor a presunção legal, não carece de fazer prova de um facto – o nexo de causalidade entre o álcool e o acidente – que, à partida, a lei tem como assente, enquanto não for provado o contrário – art.º 350.º do Cod.Civil. Resumindo e concluindo: - Para que a seguradora exerça o direito de regresso a que se reporta a al. c) do 19.º do Dec.Lei n.º 522/85 de 31 de Dezembro (condução com álcool) não basta que o condutor esteja com alcoolémia acima dos limites legais no momento do acidente: é necessário que tenha agido sob a influência do álcool, ou seja, que a alcoolémia tenha dado causa ao ou contribuído para o acidente ou, por outras palavras, que haja nexo de causalidade entre o álcool e o acidente. - Não é à seguradora que compete fazer a prova desse nexo, bastando-lhe alegar e provar que o condutor era portador, no momento do acidente, de alcoolémia superior a 0,5 g/l, pois que por lei se presume que, quem conduz com tal alcoolémia, o faz sob a influência do álcool. - Se o acidente se ficou a dever a outra causa que não o álcool, o mesmo é dizer, se inexiste o nexo causal entre álcool e acidente, isso é uma excepção à presunção legal, pelo que é ao condutor que cabe alegá-la e prová-la, a fim de impedir o direito de regresso da seguradora. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, e se condena o Réu/apelado no pedido. Custas em ambas as instâncias, pelo Réu/apelado. Coimbra, 13 Março de 2001 |