Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ATAÍDE DAS NEVES | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO ESTRADAL PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO RADAR | ||
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Data do Acordão: | 10/22/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE ALCOBAÇA – 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 132º,170º, 171º,188º CE, 27º, 27ºA RGCOC | ||
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Sumário: | 1. A Lei de Autorização Legislativa nº 53/2004, de 4 de Novembro (ao abrigo da qual foi publicado o Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), no que à prescrição concerne, limitou-se no seu art. 3º, alínea dd), a autorizar a previsão de prazo de dois anos para a prescrição do procedimento contra-ordenacional, da coima e das sanções acessórias. 2. Nada foi autorizado quanto a outros aspectos do instituto da prescrição, designadamente, quanto a causas de interrupção e de suspensão e por isso, também o C. da Estrada nada prevê quanto a estas. 3. Mas daqui não deve extrair-se a conclusão de que, no âmbito das infracções rodoviárias, não existem causas de interrupção e de suspensão da prescrição. Na verdade, tal entendimento, para além de se traduzir numa injustificada distinção de tratamento relativamente a este tipo de infracções, tenderia a manter a situação que determinou o legislador a estabelecer um prazo especial de prescrição para as contra-ordenações rodoviárias. 4. A garantia do cumprimento do princípio do contraditório, no caso de infracção detectada por radar, decorre do artº 171º do Código da Estrada ao definir como é que deve ser identificado o arguido e em que medida pode e deve o titular da viatura identificar o autor da infracção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
Por decisão proferida no recurso de contra-ordenação n.º 2365/07.4TBACB.C1 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça o arguido JA viu confirmada a decisão da Direcção Geral de Viação – Delegação Distrital de Leiria que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 60 (sessenta) dias embora com execução suspensa pelo período de 9 (nove) meses.
Inconformado com a decisão, o arguido interpõe recurso com as seguintes conclusões: 1) Requer - se, assim, que a douta sentença do Meritíssimo Juiz "a quo" seja revogada e substituída por outra que não viole o normativo disposto no artigo 188° do Código da Estrada, relativo apenas a contra-ordenações rodoviárias; 2) A não verificação do instituto da prescrição nos presentes autos, que é de conhecimento oficioso, viola claramente o normativo legal do artigo 188° do Código da Estrada, que, salvo o devido respeito por douto entendimento, deve ser o regime aplicado nos presentes autos, em virtude do disposto no artigo 132° do mesmo diploma legal, sendo de aplicar a legislação especial existente, prescrição de dois anos; 3) O preâmbulo do Decreto-Lei n. 44/2005, de 23/02 também refere que a aplicação das normas do regime geral das contra-ordenações a contra-ordenações rodoviárias permite o prolongamento excessivo dos processos com a consequente perda do efeito dissuasor das sanções e segundo o n. 1 do artigo 9° do Código Civil, a interpretação não deve cinzir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada. 4) Impugna-se, assim, a douta sentença por ter sido proferida relativamente a uma contra-ordenação por ter sido violado o instituto da prescrição para o procedimento contra-ordenacional de contra-ordenações rodoviárias. 5) O agente autuante não procedeu, nem justificou o porquê de não ter procedido à identificação do autor da infracção, não permitindo que o arguido possa exercer o contraditório, uma vez que a mesma lhe foi comunicada quatro meses após a data imputada pela prática da contra-ordenação O recurso foi admitido.
Na resposta diz o Ministério Público: 1.- A decisão recorrida não violou o disposto no art. 188º do Código Processo Penal. 2.- Aos prazos de prescrição das contra-ordenações rodoviárias aplica-se, conjuntamente, o regime dos art. 132º e 188º do Código da Estrada, dos art. 27ºA e 28º do RGCO e do artº 121º nº2 do Código Penal; 3.- O procedimento contra-ordenacional não se encontra prescrito; 4.- Tal prescrição ocorrerá apenas em 19/11/08.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto dá parecer no mesmo sentido.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
O recurso tem como objecto a contagem do prazo de prescrição e a garantia do contraditório.
Estão provados os seguintes factos: 1 – No dia 19 de Maio de 2005, pelas 09h41m, na A8, ao Km 90,1, em Vale Maceira, Alcobaça, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-ZD. 2 – Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido circulava à velocidade de 168,00 Km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível. 3 – A velocidade máxima permitida no local é de 120 Km/h. 4– Ao circular àquela velocidade naquele local, descurou os deveres de prudência e diligência que estava obrigado a observar. 5 – O arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima. 6 – Do registo individual de condutor do arguido não consta qualquer infracção ao Código da Estrada. 7 – O arguido é Engenheiro Agrónomo, auferindo o vencimento mensal de € 1.300,00 (mil e trezentos euros). 8 – Reside em casa de familiares e paga mensalmente a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros), referentes à aquisição de veículo automóvel. 9 – No meio social onde está inserido é considerado um condutor prudente e respeitador das regras de trânsito.
Da prescrição Considera o recorrente que face ao artigo 188° do Código da Estrada, relativo apenas a contra-ordenações rodoviárias, a prazo de prescrição é de dois anos em virtude do disposto no artigo 132° do mesmo diploma legal, sendo de aplicar a legislação especial existente. O prazo normal de prescrição do procedimento contra-ordenacional, para esta infracção, nos termos do art. 188º do Código da Estrada[1] é de dois anos. Para além deste prazo são aplicáveis as regras gerais de interrupção e suspensão da prescrição do regime geral de contra-ordenações e coimas previstos no Dec. 433/82 de 27/10. A questão tem suscitado alguma controvérsia, mas está hoje pacificamente aceite por este tribunal. As regras gerais são aplicáveis. O Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC) no seu art. 27º, fixa os seguintes prazos de prescrição do procedimento por contra-ordenação: a) Cinco anos, quando à infracção seja aplicável coima de montante máximo igual ou superior a €49.879,79; b) Três anos, quando à infracção seja aplicável coima de montante igual ou superior a €2.493,99 e inferior a €49.879,79; c) Um ano, nos restantes casos. Por sua vez, o art. 188º do C. da Estrada (aditado pelo art. 3º do Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro) dispõe que o procedimento por contra-ordenação rodoviária se extingue por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos. Porque de lei especial se trata, esta norma do C. da Estrada relativa à prescrição do procedimento por contra-ordenação prevalece, relativamente às infracções rodoviárias, sobre as normas que no RGCOC regulam a prescrição (lex specialis derogat legi generali). As alterações introduzidas ao C. da Estrada pelo Dec. Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro, nas quais de inclui o art. 188º citado, entraram em vigor no dia 26 de Março de 2005 (art. 24º daquele diploma). Face ao teor do auto de contra-ordenação de fls. 4, e à data da prática que dele consta – 19 de Maio de 2005 – dúvidas não subsistem de que se trata de uma infracção que consubstancia uma contra-ordenação rodoviária, e que à mesma é aplicável o prazo de prescrição de dois anos, previsto no art. 188º do C. da Estrada. Sendo o prazo de prescrição aplicável, o previsto no art. 188º, do C. da Estrada (dois anos), e tendo a infracção sido praticada a 19 de Maio de 2005, aquele prazo terminaria no dia 19 de Maio de 2007. A Lei de Autorização Legislativa nº 53/2004, de 4 de Novembro (ao abrigo da qual foi publicado o Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), no que à prescrição concerne, limitou-se no seu art. 3º, alínea dd), a autorizar a previsão de prazo de dois anos para a prescrição do procedimento contra-ordenacional, da coima e das sanções acessórias. Nada foi autorizado quanto a outros aspectos do instituto da prescrição, designadamente, quanto a causas de interrupção e de suspensão e por isso, também o C. da Estrada nada prevê quanto a estas. Mas daqui não deve extrair-se a conclusão de que, no âmbito das infracções rodoviárias, não existem causas de interrupção e de suspensão da prescrição. Na verdade, tal entendimento, para além de se traduzir numa injustificada distinção de tratamento relativamente a este tipo de infracções, tenderia a manter a situação que determinou o legislador a estabelecer um prazo especial de prescrição para as contra-ordenações rodoviárias. Assim, porque o C. da Estrada, enquanto lei especial, nada prevê quanto a causas da interrupção e da suspensão do procedimento contra-ordenacional, face aos disposto no seu art. 132º, são aplicáveis às contra-ordenações rodoviárias as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no RGCOC[2]. Dispõe porém o nº 3 do art. 28º do RGCOC, que a prescrição do procedimento terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade. Por sua vez, estabelece o art. 27º-A do RGCOC: “1. O procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”. A contra-ordenação rodoviária foi praticada pelo arguido no dia 19 de Agosto de 2005 e portanto, nesta data, começou a correr o prazo de dois anos de prescrição do procedimento. O prazo prescricional foi interrompido em 14/09/05 e suspenso em 08-11-2007 com a notificação do arguido do despacho de exame prévio do recurso - art. 27° A n.1 al. c) do D.L. 433/82 que se prolonga pelo prazo máximo de seis meses nos termos do nº3 do preceito. Na eventualidade de haver várias interrupções das previstas no art.28 n. 1, e nos termos do n. 3 deste normativo, poderá acrescer metade do prazo de prescrição, e bem ainda ao mesmo, nos termos conjugados deste n. 3 com o art. 27º-A n. 2, poderá ainda acrescer o máximo de seis meses de suspensão[3]. Podemos pois concluir que neste caso o prazo máximo de prescrição será de três anos e seis meses. Tendo os factos ocorrido em 19/05/2005 a prescrição ocorre em 19/11/2008.
2.- Do Princípio do Contraditório
Argumenta o arguido/recorrente que o auto de notícia é nulo, pois o agente autuante não identifica o autor da infracção, requisito de validade do mesmo, de acordo com o disposto no artº 171º do Código da Estrada, sendo que aquele também não contém factos que possam integrar a imputada infracção. Estabelece o artº 170º, nº 1 do Código da Estrada que o auto de notícia deve mencionar os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha, mencionando o artº 171º do mesmo Diploma, como deve ser feita a identificação do arguido. Menciona também o nº 2 do aludido artº 171º que “quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente da autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo”, recaindo sobre este o dever de identificar o autor da contra-ordenação, caso não seja o proprietário do veículo. Estabelece ainda o nº 1 do artº 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações que “a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição do facto imputado, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias”. Refere o arguido que no auto de notícia não é feita uma descrição de factos concretos nem o mesmo foi previamente identificado pela entidade autuante, pelo que não poderá saber se foi ou não o autor da contra-ordenação. Nos termos do art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório». Este princípio «impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, nomeadamente que seja dada ao acusado a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação. A densificação do princípio deve, igualmente, relevante contributo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no artigo 6º, par. 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação. No que respeita especificamente à produção das provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial. O princípio do contraditório tem, assim, uma vocação instrumental da realização do direito de defesa e do princípio da igualdade de armas: numa perspectiva processual, significa que não pode ser tomada qualquer decisão que afecte o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade para se pronunciar[4]. Ora, a garantia do cumprimento do princípio do contraditório decorre precisamente do artº 171º do Código da Estrada ao definir como é que deve ser identificado o arguido e em que medida pode e deve o titular da viatura identificar o autor da infracção. Como a identificação do arguido foi feita de acordo com o disposto no nº 2 do artº 171º do Código da Estrada, uma vez que a infracção foi detectada pelo aparelho de radar colocado na via onde o arguido circulava, não tendo o mesmo no decurso do prazo de defesa identificado qualquer outra pessoa como sendo o autor da infracção, não pode agora invocar que não teve oportunidade de refutar a prática dos factos. Aliás, pese embora o disposto no art. 171 nº3 do Código da Estrada que aponta para o titular como arguido não está o mesmo impedido de contraditar a veracidade dos factos em audiência.
Termos em que se nega provimento ao recurso Custas pelo recorrente – 4 UC de taxa de justiça. Coimbra 22 de Outubro de 2008 Os Juízes-desembargadores: ......................................................................... (João Ataíde das Neves, relator) ......................................................................... (Calvário Antunes)
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