Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
| Descritores: | CRIME DE DANO CRIME DE USURPAÇÃO DE IMÓVEIS CRIME CONTINUADO DIREITO DE QUEIXA DOLO: ELEMENTO SUBJECTIVO | ||
| Data do Acordão: | 05/10/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DE TOMAR | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 30º, 115º, N.º 1, 212º, N.º 3 E 215º, N.º 3 DO C. PENAL | ||
| Sumário: | I- O crime de usurpação de imóveis é um crime que se consuma, inserindo todos os elementos do tipo, com a acção de violência exercida sobre as pessoas ou o estado de facto instalado, relativamente às coisas usurpadas, de uma forma instantânea, sendo que a acção ilícita perdura enquanto se mantiver a situação de ocupação da coisa; II- Igualmente o crime de dano é um crime de consumação instantânea cuja terminação se pode prolongar no tempo; III- O crime de feição continuada incorpora uma pluralidade de acções que colimando na mesma linha de injusto, acção, de resultado e pessoal de acção, importa uma diminuição significativa da culpabilidade pessoal do agente; IV- No caso de accionamento do direito de queixa, releva não o momento em que cessa a terminação da situação antijurídica, mas sim o momento em que o titular do interesse juridicamente protegido teve conhecimento do facto delitivo e do autor.; V- Não estando o arguido convencido, isto é, não tendo a representação intelectual de que o prédio pertence a outrem não se vê como possa ter dirigido a sua vontade à realização do tipo. | ||
| Decisão Texto Integral: | I. Relatório. Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: O assistente, A..., na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio requerer a abertura de instrução, pedindo, a final, que o arguido B..., fosse pronunciado pela prática de dos crimes de usurpação de coisa imóvel e de dano, p. e p. pelos arts.215º e 212º, ambos do Código Penal, por imputação da sequente facticidade, em síntese apertada,:“Em data e hora concretamente não apuradas do ano de 2003, usando máquinas de elevado porte, tinha destruído uma servidão de passagem que há mais de 70 anos dava acesso à propriedade do assistente sita no Lugar do Vale da Pereira, em Alqueidão, Olalhas, Tomar, assim querendo e logrando fazer sua a casa de habitação que – alegou – lhe pertence a ele assistente”. No decurso da instrução foi junta, pelo assistente, fotocópia da caderneta matricial relativa ao prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art.2037. Foi solicitada certidão da petição inicial e da sentença proferida pelo 3º Juízo deste Tribunal relativa à acção de processo sumário que aí esteve pendente sob o nº.37/2002, a qual foi junta aos autos (cfr. fls.156 a 206). Foi junto aos autos cópia simples de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do já aludido processo cível nº.37/2002 do 3º Juízo deste Tribunal. Realizadas as diligências probatórias requeridas, inquirição de testemunhas e junção dos documentos supra referidos, veio a ser proferida decisão instrutória, de que se transcreve o essencial, com a devida vénia e por economia de meios. “(…) o assistente imputa ao arguido a prática de dois crimes, em concurso efectivo. Um crime de dano, previsto e punível pelo nº.1 do art.212º do Código Penal e um crime de usurpação de coisa imóvel previsto e punível pelo nº.1 do art.215º do mesmo diploma legal. Qualquer destes crimes reveste natureza semi-pública (cfr. nº.3 do art.212º e nº.3 do art.215º, ambos do Código Penal). Vale por dizer que o Ministério Público apenas está legitimado para o exercício da acção penal quando tenha sido tempestivamente apresentada queixa crime (cfr. art.49º nº.1 do Código de Processo Penal). Na verdade, o direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz (art.115º nº.1 do Código Penal). No caso vertente, o assistente apresentou queixa crime no dia 12.05.2004 (cfr. fls.9). Sucede que os factos em discussão nos autos – movimentação de terras em determinada terreno – terão ocorrido, de acordo com o próprio assistente, no ano de 2002 (cfr. declarações do assistente a fls.282). Acresce que o assistente tomou conhecimento de tais factos, e dos seus autores, ainda no ano de 2002, por contacto com a sua irmã Natália Brás e com o seu irmão Agostinho Rodrigues. Estas declarações estão, aliás, em relativa sintonia com as de Natália Brás, que refere que tomou conhecimento dos factos que aqui se discutem no ano 2000 e que logo os participou ao assistente. Conclui-se, pois, que à data em que o assistente exerceu o direito de queixa este já há muito se havia extinto, por terem decorrido mais de seis meses desde o momento em que o assistente tomara conhecimento dos factos e dos respectivos autores. Ainda que assim não fosse, importa, ainda, assinalar que, a nosso ver, e cremos que estamos com a “generalidade da doutrina portuguesa, a presunção de inocência opera também nos casos em que subsista dúvida acerca de um facto impeditivo ou extintivo da responsabilidade e, por consequência, o arguido deve também nesses casos ser absolvido” (sublinhado nosso)[ Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo Editora, 1999, p.108]. Serve para dizer que, caso subsistisse a dúvida quanto ao momento em que o assistente tomara conhecimento dos factos em discussão, face ao intervalo de tempo decorrido até à apresentação da queixa crime, sempre haveria que concluir se extinguira o direito de queixa”. Ponderou-se, ex abundant, que:”(…) ainda que assim se não entendesse – como efectivamente se entende – em todo o caso, sempre soçobraria a pretensão acusatória do assistente. Na verdade, a instrução, sendo uma fase facultativa, tem em vista a sindicância jurisdicional de uma decisão do Ministério Público, no sentido de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, constituindo ainda “um suplemento de investigação autónoma, feita pelo Juiz de instrução – em que este não tem, por isso, que limitar-se, em vista da pronúncia, ao material probatório que lhe seja apresentado pela acusação e pela defesa”.[ Anabela Miranda Rodigues, O Inquérito no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1997, p.77] Por outro lado, para a prolação de despacho de pronúncia, tal como para a dedução de acusação, importa que se tenham recolhido nos autos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. nº.1 do art.308º e nºs.1 e 2 do art.283º do Código de Processo Penal). Como se refere no Ac. da Relação do Porto de 20.10.1993[ in Colectânea de Jurisprudência 1993, T. IV, ps.261 e ss.], nas fases preliminares do processo, não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes tão-só indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, constituindo as provas reunidas nessa fase pressuposto, não da decisão de mérito, mas da decisão processual de prossecução dos autos para julgamento. Não obstante, e porque a submissão a julgamento representa sempre forte gravame, importa analisar da prova recolhida no sentido de averiguar se esta permite concluir no sentido de ser mais forte a probabilidade de condenação do arguido do que a probabilidade da sua absolvição. Ora, no caso submetido a apreciação, basta atentar no facto de, por sentença proferida no âmbito do processo nº.37/2002, se ter reconhecido que o aqui arguido é dono e legítimo proprietário do prédio em causa nestes autos e, bem assim, que é nula, por falsa, a escritura de justificação notarial com base na qual o assistente efectuou a inscrição registral da propriedade no respeitante à parcela que sustenta ser sua, para se afastar a indiciação do arguido pelos crimes de dano e de usurpação de coisa imóvel. Faz-se notar que o facto de o terreno em causa – incluindo a casa em ruínas – pertencer ao arguido, é corroborado, além do mais, pelos depoimentos de Jorge Filipe Rosa (fls.224), João Martinho Rosa (fls.227), José Rosa Correia (fls.238), José Henriques Correia (fls.239). Ora, como doutamente se faz ver no despacho de arquivamento, para cujas considerações se remete, quer no crime de dano quer no crime de usurpação de coisa alheia é indispensável que a acção criminosa tenha por objecto coisa alheia. No caso dos autos, tudo indicia, pelo contrário, que a coisa sobre a qual recaiu a acção do arguido lhe pertence a ele, arguido. De todo o modo, cumpre assinalar que ambos os apontados tipos legais de crime são dolosos, sendo imprescindível, para a sua consumação, que o agente represente todos os seus elementos típicos, incluindo, obviamente, o carácter alheio da coisa. Sucede que, no caso vertente, não se mostra, de todo em todo, possível firmar uma tal representação por banda do arguido”. Por tudo o exposto o que ficou transcrito, decidiu “o tribunal não pronunciar o arguido B..., pela prática dos crimes de usurpação de coisa imóvel e de dano”. Não colheu o decidido aquiescência do assistente, que impele o presente amparo recursivo, para o que despede a úbere motivação com as seguintes conclusões: “1- O Recorrido, removeu o caminho de acesso à propriedade do aqui Recorrente e com serventia constituída há mais de 70 anos, impedindo-o de aceder a tal propriedade, e de usar e fruir da mesma, tendo deste modo violento feito sua a propriedade que pertence por herança ao Recorrente. 2- O Recorrido comprou o terreno envolvente à propriedade do Recorrente, o que se prova pelo registo a seu favor em que a descrição feita é que se tratou de aquisição de prédio rústico e não de prédio misto, como teria necessariamente de ser se o terreno em causa comportasse a referida casa em ruínas; Fez seu o terreno e a casa em ruínas propriedade do recorrente, com conhecimento e autorização da herança, e em nome deste registada, como prédio urbano. 3- Facto que ainda hoje persiste desde então; O Recorrido destruiu o caminho para impedir o acesso, que ainda hoje se encontra impedido; manteve e ainda mantém a interdição de acesso à propriedade pelo Recorrente e intentou acção cível contra este último com recurso apenas a prova testemunhal pouco clara, onde pessoas que foram ao local dizem que não foram ou, como é o caso do Presidente do Centro de Dia dizer que nunca quis comprar o terreno com a casa dentro, quando o próprio vendedor do terreno onde se encontram encravadas as ruínas afirma que o Centro De Dia não comprou o terreno porque não lhe davam o preço pretendido mas efectivamente houve, como houve negociação. 4- O Recorrido abriu um fosso no caminho que dava servidão para a sua casa em ruínas e assim impediu o Recorrente de poder exercer os direitos de gozo, uso e fruição inerentes ao seu direito real de propriedade, perdendo o mesmo direito, atenta a total impossibilidade de aí aceder de outro modo, desde então até agora excepto se atravessar outra propriedade alheia; O douto despacho entendeu que este facto continuado no tempo e que ainda hoje persiste caducou? Mas um facto continuado que ainda não cessou pode fazer extinguir o direito de contra ele se efectuar queixa? – Cremos que não e o direito positivo é neste particular clarividente! 5- Objectiva e subjectivamente está preenchido o tipo de usurpação de coisa imóvel p. e p. pelo art.º 215.º do CP., tal como está também preenchido o crime de dano p. ep. Pelo art. 212.º do CP, porquanto não existe nenhuma decisão transitada em julgado que de forma definitiva e sem possibilidade de impugnação confira o direito de propriedade das ruínas ao Recorrido. 6- Pela prática dos ilícitos denunciados, o Recorrente ainda hoje está impedido de aceder à sua propriedade; O crime que existe e que foi denunciado não é apenas o da destruição do caminho; é o da apropriação ilícita, pela violência, da propriedade alheia; É o de através dessa violência impedir o acesso, uso e gozo da propriedade; Ainda impede hoje e nunca cessou esse impedimento; é o de pela violência e calada da noite fazer seu o que a outrem (Recorrente) pertence! 7-O Recorrido quando registou a sua aquisição não mencionou a casa, porque nunca a mesma fora objecto de qualquer negócio, ainda que tentasse a sua aquisição como se prova a seu favor. Se era sua, como diz o douto despacho, porque a não incluiu e em vez de prédio rústico não registou o prédio urbano já então existente?! 8- Existe pois continuação da actividade criminosa do agora Recorrido em relação ao bem jurídico que a norma penal visa proteger e que é a propriedade, na medida em que na base da continuação criminosa está a “perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa”, e que aqui foi precisamente o muro que veio a impedir a passagem do Recorrente ao seu terreno, e em relação à qual o mesmo detinha o direito real de servidão de passagem que lhe foi concedido pela anterior proprietária do terreno envolvente às ruínas, conhecida por “D. Celeste Rata”, ou Celeste Calheiras, prima directa da testemunha Mário Ribeiro – Cfr., Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in op. cit., pág. 289. ESTÁ NOS AUTOS ESCRITO, pelo que não colhe a fundamentação de extinção do exercício de direito de queixa, na medida em que os crimes denunciados são actuais e mantêm-se até hoje em execução pelo Recorrido que usa, goza e frui da propriedade do recorrente como se de sua se tratasse. 9- Pelo que nos termos do art.º 308.º do CPP, n.º 1, 1.ª parte deve o arguido ser pronunciado, atenta a verificação objectiva e subjectiva dos factos ilícitos e denunciados. 10- Normas violadas: - arts. 115.º e 30.º do CP: porquanto o douto despacho de não pronúncia veio a fundamentar a extinção do direito de queixa pelo decurso do prazo de seis meses nos termos do disposto no art.º 115.º do CP para o exercício do direito de queixa, todavia tal artigo deverá ter aplicação nos crimes cujo resultado se produz no momento da sua prática, o que nos presentes autos não sucede, na medida em que o recorrido continua com a sua conduta ilícita a praticar o dano e a usurpar a propriedade do Recorrente. Tratam-se crimes de execução continuada que ainda hoje abalam a esfera jurídica do Recorrente e lesão o bem jurídico que a norma penal visa proteger: a propriedade. O presente preceito neste caso não teria aplicação, porquanto os crimes denunciados encontra-se ainda em execução, sendo o direito à propriedade do Recorrente todos os dias violado. Nos presentes autos estão reunidos os pressupostos do crime continuado, na medida em que existe uma “realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam o mesmo bem jurídico)”; uma “homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção)”; uma “unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção) e uma “ persistência de uma situação exterior” – cfr, Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in op. cit., pág. 289.(negrito e sublinhado nosso) Assim, os crimes denunciados são actuais e mantêm-se até hoje em execução pelo Recorrido que usa, goza e frui da propriedade do recorrente como se de sua se tratasse. - art.º 677.º do CPC: porquanto do douto despacho de não pronúncia fundamentou essa decisão com base na sentença cível existente e que tornou nula a escritura de justificação a favor do Recorrente. Contudo tal sentença foi objecto do competente recurso e que por isso não transitou em julgado, pelo que não pode o Recorrido ser reconhecido como proprietário de algo que é objecto de litígio ainda não resolvido. Não existe caso julgado, pelo que a decisão judicial a que o douto despacho de não pronúncia fez menção é passível de alteração pelo Tribunal superior, o que estamos em crer acontecerá, pelo que não pode tal sentença ser fundamento para justificar a inexistência do direito de propriedade do recorrente e afastar a prática dos denunciados crimes contra o património daquele, NEM AS DECISÕES JUDICIAIS PODEM SER MOTIVADAS por factos hipotéticos ou eventuais; São factos concretos; reais, absolutos, indiscutíveis que tornam a sentença irrefutável e imutável no mundo jurídico. Deste modo, o douto despacho de não pronúncia violou supra referido preceito legal, na medida em que enquanto aquele litígio não estiver definitivamente decidido e, portanto, transitado em julgado, PREVALECE A ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO, E O REGISTO PREDIAL URBANO, e nesta reconhece-se a titularidade do direito de propriedade ao aqui Recorrente e sua esposa, atento que o Recorrido nunca se reconheceu como dono e legítimo proprietário de nenhuma propriedade urbana, que nunca registou sequer. - Art.º 308.º do CPP - O direito de propriedade sobre o prédio rústico pertence ao recorrido e ninguém pôs tal facto em causa, nem podia, o que não lhe pertence é o direito de propriedade sobre a casa (prédio urbano), esse pertença do recorrente desde tempos imemoriais, ou, pelo menos, desde há mais de 70 anos, e para se fazer alguma justiça, era indispensável que o douto despacho não passasse, como passou ao lado de alguns depoimentos que claramente o alertaram para o facto de que o que foi adquirido por usucapião pelo Recorrente não foi o prédio rústico, pertencente ao Recorrido, mas o direito de superfície, como prevê a lei vigente no nosso ordenamento jurídico; A nossa doutrina e a nossa jurisprudência. Mas tal realidade foi indiciariamente provada pelas testemunhas Natália Brás, Maria de Lurdes Filipe e Mário Ribeiro que confirmaram que aquelas ruínas há mais de 70 anos eram propriedade da família do Recorrente, que as usava para guardar lenha e abrigar o gado. Assim não foi cumprido o art.º 308.º do CPP que estabelece que: “Se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário, profere despacho de pronúncia”. A propriedade das ruínas é desde há muito da família do Recorrente e agora deste, pelo que nestes termos o Recorrido invadiu de forma violenta a propriedade que lhe não pertencia, tendo-a também tornado não utilizável. - art.º 215.º e 212.º do CP: Da prova indiciária produzida em fase de instrução verificou-se que houve invasão e destruição de caminho público; serventia pública existente há mais de 70 anos, que impede o acesso à propriedade do Recorrente e que o Recorrido pretendia como o fez fazer sua (a casa do Recorrente). O denunciado destruiu o caminho que dava acesso à casa do recorrente e fez sua essa casa na medida em que passou a comportar-se como dono de algo que sabe que não é seu; A casa está encravada no seu terreno, mas não é do Recorrido. O Recorrente deixou, mediante a abertura do fosso no caminho que dava servidão para a sua casa, de poder exercer os direitos de gozo, uso e fruição inerentes ao seu direito real de propriedade, perdendo o mesmo direito, atenta a total impossibilidade de aí aceder de outro modo, excepto se atravessar outra propriedade alheia. Já o Recorrido procedeu não só à invasão do terreno do Assistente, como também à sua ocupação, o que este e aliás douto despacho parece legitimar. Com a conduta ilícita que foi indiciariamente provada estavam não só reunidos os elementos típicos do crime de usurpação denunciados, como o de dano, na medida em que a ocupação do terreno pelo Recorrido com a destruição do caminho que dava acesso à casa em ruínas propriedade do Recorrente tornaram não utilizável a mesma, impossibilitando-o que usufruir de algo que é seu por direito. - arts.º 3.º; 13.º; 18.º; 20.º e 32.º da C.R.P., que se consubstanciam respectivamente no Princípio da Soberania e Legalidade; Princípio da Igualdade; princípio da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais; princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais e as garantias a que o processo criminal está sujeito. De facto a nossa constituição constitui o parâmetro da aferição da validade dos actos dos órgãos do Estado e por isso consagra um conjunto de princípio fundamentais, mormente o da igualdade, na medida em que todos os cidadão são iguais perante a lei, pelo que perante a lei todos os cidadãos têm direito de impugnar decisões judiciais de modo a que em instâncias superiores lhe seja dada a oportunidade de ver alterada um decisão tomada em seu desfavor, pelo que até haver essa decisão não pode o douto despacho vir a invocar que uma sentença que não transitou em julgado é título fortemente indiciador de que o Recorrido seja o proprietário da casa em ruínas, isso é não só contrário à lei processual civil, como se viu mas também contra a constituição que não só estabelece o princípio da igualdade, com estabelece como direito fundamental o direito à propriedade, que também foi veemente violado. Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. a revogação do douto despacho recorrido e sua substituição por despacho de pronúncia do arguido pelos crimes de dano p. e p. no art.º212.º, n.º1 do Cód. Penal e de usurpação de coisa imóvel p. e p. no art.º215.º do mesmo diploma legal”. Em frondosa e proficiente resposta, a Distinta Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal a quo, conclui pela forma seguinte: “- Nos termos do art. 30º, nº2 do Cód. Penal, a existência de um crime continuado pressupõe que a actuação do agente se traduza numa pluralidade de actos de execução do mesmo tipo legal, levados a cabo por forma essencialmente homogénea, sendo um crime sucessivamente renovado, constituído por várias infracções parcelares e que exige uma pluralidade de resoluções criminosas; - No caso em apreço, os factos dizem respeito á colocação de um monte de terra num determinado terreno que, segundo o assistente, visa impedir o acesso à sua propriedade; - Por conseguinte, verifica-se apenas uma resolução (criminosa), no sentido de determinação de vontade, e um acto isolado, que embora possa ter consequências duradouras, não se renovou sucessivamente no tempo, tendo sido objecto de uma única resolução inicial; - A jurisprudência tem perfilhado o entendimento que o crime de usurpação de coisa imóvel não é um crime permanente, sendo ao momento da ocupação ou da invasão do imóvel que se deve atender para a sua consumação; - De igual modo, o crime de dano é um crime instantâneo, que se consuma com a destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa alheia; - Assim, a conduta praticada pelo arguido é um facto instantâneo, que deve considerar-se definitivamente cometido na data da sua realização; - Quer o crime de usurpação de coisa imóvel, quer o crime de dano, revestem natureza semi-pública, extinguindo-se o direito de queixa no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, nos termos do art. 115º, nº1 do Cód.Penal; - Tendo os factos ocorrido no ano de 2002 e o assistente apresentado queixa no dia 12/5/2004, já decorreram mais de seis meses entre a prática dos factos e a queixa, pelo que, bem entendeu o Mmo. Juiz ao considerar que o direito de queixa já se encontra extinto; - Quer o crime deusurpação de coisa imóvel, que r o crime de dano, exigem como seu elemento constitutivo, não apenas que a coisa imóvel seja alheia (elemento objectivo), mas também que o arguido saiba que a coisa imóvel é alheia (elemento subjectivo), para além de que, o crime de usurpação de coisa imóvel exige ainda a intenção do arguido exercer o direito real de forma ilegítima (elemento subjectivo); - Apesar da sentença cível ainda não ter transitado em julgado, o facto é que até ao momento, o recorrido tem por base quer a presunção de propriedade que lhe advém do registo inscrito em primeiro lugar a seu favor, quer de uma sentença que lhe veio a reconhecer esse direito de propriedade, tornando nula a escritura de justificação notarial e o registo posterior, a favor do recorrente; - Pelo que, ainda que a sentença não tenha transitado em julgado, a conduta praticada pelo arguido não pode ser considerada arbitrária, destituída de qualquer tutela jurídica, não existindo da parte do arguido o dolo, no sentido de conhecimento de que a coisa imóvel é alheia e vontade de invadir e ocupar a coisa imóvel, sabendo que não lhe pertence; - De igual modo, não pode existir por parte do arguido o dolo específico, ou seja, a intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo, visto que, pelas razões atrás aludidas, ainda que a sentença não tenha transitado em julgado, tal direito de propriedade encontra-se tutelado juridicamente, conferindo-lhe legitimidade para pensar que é legitimo proprietário do prédio urbano; - Face ao exposto, ainda que se considerasse a coisa imóvel como alheia – o que não se considera – o recorrido estaria em erro sobre um dos elementos típicos comuns ao crime de usurpação de coisa imóvel e ao crime de dano, nomeadamente, a coisa alheia, pelo que, o seu dolo estaria excluído, nos termos do art.16º,nº1, 1ª parte, do Cód.Penal; - Ainda que assim se não entendesse, quanto ao crime de usurpação de coisa imóvel, o arguido pensava que estava a exercer um direito real de forma legítima, pelo que, estaria sempre excluído o dolo específico; - Desta forma não se encontram preenchidos os elementos constitutivos dos tipos legais de crime de usurpação de coisa imóvel e do crime de dano, inexistindo crime; Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se, nos seus precisos termos, douta decisão recorrida”. Nesta instância, o distinto Magistrado do Ministério Público, louvando-se na resposta agregada na comarca, é de parecer que o recurso não deve proceder. O recorrente exora deste tribunal pronúncia relativamente ás sequentes questões: - Momento de consumação dos ilícitos típicos de usurpação e de dano – Crimes de realização instantânea ou de realização permanente – Crime continuado; - Direito de queixa – Tempestividade – Extinção do direito; - Inexistência dos elementos constitutivos dos tipos de ilícito participados pelo recorrente. II. Fundamentação. II. A. Facticidade relevante adquirida para a decisão. - No dia 12 de Maio de 2004, A..., apresentou, no posto da GNR, de Tomar, queixa contra B..., por, no mesmo dia, às 12h.e 30 minutos, ter constatado que “o acusado havia obstruído a serventia, tendo par ao efeito removido terras do local, impedindo assim o lesado de aceder ao seu prédio, o que lhe causa prejuízo, cujo valor de momento não sabe quantificar”, tendo manifestado desejo de perseguir judicialmente o participado; - Em despacho prolatado a fls. 34 a 36, o digno agente do Ministério Público, foi considerado inexistir materialidade que preenchendo os elementos objectivos dos tipo de ilícito que haviam sido denunciados pelo denunciante, A... – quanto ao crime de usurpação de coisa imóvel era exigível que o denunciado tivesse a intenção de exercer qualquer direito real como se fosse coisa sua, o que não seria o caso, porquanto a terra havia sido depositada em terreno do arguido, e quanto ao eventual crime de dano, não havia sido danificada, destruída ou desfigurada qualquer coisa alheia, isto é, que não pertencesse ao arguido, ou o que será o mesmo, que pertencesse ao denunciado; - Foi junta a caderneta predial respeitante ao art. 2037, em nome de A...; - Foi junta certidão das acção de processo sumário nº 37/2002, em que são Autores B..., e Réus, A... e C... – cfr. fls.156 a 206; - Na acção referida no item anterior foi proferida decisão – fls.199 a 205 – em que se decidiu: “a) – reconhecer ao A., B..., como dono e legitimo proprietário do prédio rústico com a área de 2.600 m2, inscrito na matriz sob o art. 386, secção AE, da freguesia de Olalhas, Tomar, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 1374/100992; b) – Declarar nula a escritura de “justificação” outorgada pelos RR. A... e esposa, no dia 30.5.200, perante o Senhor Conservador do 2º Cartório de Tomar, constante de fls. 23 e 24, do livro de Notas nº 68-E, e igualmente nula a consequente inscrição no Registo Predial de Tomar, do prédio urbano inscrito sob o nº 3251/000991 e os subsequentes registos; c) – Ordenar o cancelamento da referida descrição predial nº 5251/000991 e dos subsequentes registos”; - Por acórdão, proferido no Tribunal da Relação de Coimbra, em 18.10.2005, foi negado provimento ao recurso interposto pelos aqui assistentes, A..., da decisão referida no item antecedente, “confirmando-se a decisão recorrida” – fls. 269 a 277; - Depois de o denunciado ter adquirido o prédio referido nos itens antecedentes andou uma máquina, durante três ou quatro dias, num espaço onde existem umas oliveiras e um aceso á estrada. - O assistente tomou conhecimento dos factos referidos no item antecedente quando os trabalhos estavam a decorrer, durante o ano de 2002, tendo sido informado por uma sua irmã, Natália Brás e um seu irmão, Agostinho Rodrigues, que estava erigida uma barreira no local, que impedia o acesso à casa em ruínas, uma semana após ele ter presenciado o movimento das máquinas, em 2002; - No ano 2003, verificou a existência da “dita barreira” – fls.282. II. B. – De Direito. II.B.1. - Momento de consumação dos ilícitos típicos de usurpação de coisa imóvel e de dano – Crimes de realização instantânea ou de realização permanente – Crime continuado. “Quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave não couber em atenção ao meio utilizado”- art. 215º, nº1 do Cód.Penal. “Quem destruir, no todo, ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa” – art. 212º, nº1 do Cód.Penal. Em ambos os delitos o procedimento criminal depende de queixa – nºs 3 dos respectivos preceitos. Considera o recorrente que: “Nos presentes autos estão reunidos os pressupostos do crime continuado, na medida em que existe uma “realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam o mesmo bem jurídico)”; uma “homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção)”; uma “unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção) e uma “ persistência de uma situação exterior” – cfr, Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in op. cit., pág. 289” (negrito e sublinhado nosso). Para Hans-Heinrich Jescheck [ Vide Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol.II, Bosh, Barcelona, 1982, p. 996.], a doutrina e a jurisprudência “fundam a determinação da unidade de acção na concepção natural da vida. Segundo eles, uma pluralidade de partes componentes do curso de um sucesso externamente separáveis constitui uma unidade de acção quando os distintos actos parciais se acham conduzidos por uma resolução de vontade unitária e se encontra numa conexão temporal e espacial tão estreita que se sintam como unidade por um espectador imparcial”. “Constitui sempre uma única acção a realização dos requisitos mínimos do tipo legal, ainda que o comportamento físico posa decompor-se em vários actos parciais do ponto de vista fenomenológico”. “Dá lugar a uma unidade de acção típica em sentido estrito o delito permanente. Aqui o facto punível cria um estado antijurídico mantido pelo autor mediante cuja permanência se continua realizando ininterruptamente o tipo”[ Cfr. Op. loc. Cit., p. 998.]. São requisitos do crime (delito) continuado: a) – Objectivamente é necessária a homogeneidade da forma de comissão (unidade do injusto objectivo da acção); b) – os actos parciais devem, para além disso, lesar o mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado); c) é decisiva a unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da acção)[ Vide Op. loc. cit., p. 1101.]. A consumação de um delito não depende de o autor haver conseguido o seu objectivo, mas antes se produz no memento em que se realizam todos os elementos do tipo[ Vide Op. Loc. cit., p. 705. ]. Diferente do conceito de consumação é o conceito de terminação (consumação material do delito). O autor que vimos citando agrupa os delitos cuja consumação se destaca da terminação, em: “delitos de consumação antecipada (delitos de intenção, delitos de perigo, delitos de empreendimento). Um segundo grupo em que a terminação continua á consumação, caracteriza-se por uma estrutura iterativa dos tipos (delitos permanentes, delitos de dois actos, tipos com pluralidade de actos). Um terceiro grupo, formam-no os casos em que o resultado final ou total do facto se consegue por acções que não correspondem já em sentido formal à descrição do tipo, com a ocultação do saque do furto, o asseguramento do contrabando uma vez passada a fronteira. O quarto grupo, integram-no os casos de unidade natural de acção e de delito continuado”. Com estes elementos doutrinários, que temos por mais abalizados, a par de idênticos ensinamentos que logramos colher em Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estrutura de la Teoria del Delito, Civitas,Madrid, 1997327 e segs., maxime p. 329, quanto à definição de delitos permanentes e de estado (onde o autor inclui o crime de dano (los hechos están concluídos com la provocación de um determinado estado (por regra general el resultado en el sentido de los delitos de resultado), y por tanto no son susceptibles de mantenimiento por el autor, ni lo necessitan”. Este autor, que é seguido de perto, na recente obra do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, p. 295 e segs., define delitos permanentes (que o Professor de Coimbra prefere crismar de “duradouros”), como sendo “aqueles factos em que o delito não está concluído com a realização do tipo, antes se mantêm pela vontade delitiva do autor tanto tempo como subsiste o estado antijurídico criada pelo mesmo”. Dá como exemplos de delitos permanentes a ocupação de morada (allanamiento de morada): “com a intromissão do autor já se dá um facto consumado, mas dura tanto tempo quanto o sujeito se mantiver dentro do âmbito protegido”, a detenção ilegal (que siegue sendo actual hasta que el autor pone en libertad la vitima o ésta es liberada e ainda a condução em estado de embriaguez. Normalmente o crime consuma-se com a realização de única acção, isto é, o autor realiza os elementos do tipo, tanto objectivos como subjectivos, no momento em que exterioriza o comportamento desvalorativo e antijurídico. Escorçados os conceitos que atinam com as questões que encimam este ponto de análise, adentremo-nos na situação que vem sendo colocada pelo assistente (dizemos “vem sendo”, dado que a linha de actuação não se tem mantido coerente ao longo, ou pelo menos desde o requerimento para confirmação ou infirmação do despacho de arquivamento). Depois de o Ministério Público ter procurado integrar a conduta do denunciado no catálogo, subsumindo-a, eventualmente, aos tipo de ilícito de usurpação de imóveis ou de dano, o assistente (aproveitando a sugestão), deduziu acusação – fls. 72 – apenando o arguido dois crimes, um de usurpação de imóveis – art. 215º, nº1do CP - e um de dano – art. 212º, nº1 do mesmo livro de leis. Foi com base nesta imputação objectiva que o tribunal fez incidir a prova durante a fase de instrução. Com o surgimento, durante esta fase, da possibilidade de se ter verificado a extinção do direito de queixa, por o assistente haver tomado conhecimento dos factos que inerem os tipos de ilícito que pretendeu accionar contra o arguido, traz agora em sede de recurso a qualificação desses mesmos factos como enfeixando uma plúrima compleição factual a justificar uma divertida qualificação jurídica, qual seja a da figura de continuação criminosa. O objecto da acusação[ Para uma adequada distinção entre “objecto do processo”, “objecto da acusação” e “objecto de juízo”, veja-se o estudo de José Manuel Damião da Cunha, “Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória”, Publicações Universidade Católica, 2002, pags. 468 e segs. ] coincide com o objecto do “julgamento”. ”Exactamente tudo aquilo que, após a realização de uma investigação “devida”, mereceu selecção, em ordem a ser apresentado a julgamento e cujo conteúdo delimita não só o dever de sustentar uma acusação, como o âmbito de relevância dos direitos de defesa, e bem assim a decisão do tribunal”. O assistente ao qualificar os factos que a seu ver justificavam a sujeição do arguido a julgamento, fixou o objecto do “julgamento”, não sendo curial que, em sede de impugnação da decisão instrutória, e porque durante a instrução surgiu um facto que impediria a continuação do procedimento pelos factos denunciados, maxime por extinção do direito de queixa, venha em sede de recurso arrancar uma qualificação que ilaquearia este novo e superveniente empeço. Ainda assim, não deixaremos de analisar a questão tal com nos propusemos e deixamos enunciado na epígrafe deste ponto. Fá-lo-emos, por uma questão académica, sem arrimo á prova que até ao momento foi adquirida para o processo, designadamente, se se verificam os elementos constitutivos dos tipos de ilícito que estão em jogo (este aspecto será debatido no ponto terceiro, que deixamos supra enunciados). O crime de usurpação de imóveis é um crime se consuma, inerindo todos os elementos do tipo, com a acção de violência exercida sobre as pessoas ou o estado de facto instalado, relativamente às coisas usurpadas, de uma forma instantânea, sendo que a acção ilícita perdura enquanto se mantiver a situação de ocupação da coisa, ilicitamente, subtraída ao domínio do legitimo proprietário. Trata-se, pois, de um crime permanente ou duradouro. Do mesmo passo o eventual crime de dano que haja sido praticado pelo arguido é um crime de consumação instantânea cuja terminação se pode prolongar no tempo. Diversamente das figuras jurídico-conceptuais que debruamos, o crime de feição continuada incorpora uma pluralidade de acções que colimando na mesma linha de injusto, acção, de resultado e pessoal de acção, importa uma diminuição significativa da culpabilidade pessoal do agente. O quadro conceptual configurado permite, em nosso juízo, qualificar o eventual ilícito, ou ilícitos, acoimados ao arguido como crime de natureza permanente, ou duradoura, e não como um crime de acções plúrimas com vista á consecução de um resultado. O resultado querido, se algum o arguido teve em mente, foi plenamente conseguido com uma única acção violadora do direito de propriedade do assistente, impedir o acesso às paredes insuladas no terreno adquirido pelo arguido. Não se trata; à luz dos conceitos que explicitamos, de uma acção plúrima, mas sim de uma acção única, com terminação diferida ou prolongada no tempo. Os eventuais crimes (frisamos a eventualidade, dado que como diremos infra consideramos não se encontrarem preenchidos o s elementos, objectivos e/ou subjectivos do tipo) teriam consumação instantânea, porque perfeitos numa única acção, com uma extensão temporal que induz uma permanência da vontade de manter a acção ilícita. II.B.2. - Direito de queixa – Tempestividade – Extinção do direito. Os crimes de usurpação de coisa imóvel e de dano dependem, para a perseguição dos seus autores e dos efeitos danosos que por causa deles hajam sido ocasionados na esfera do lesado, de uma manifestação de vontade por parte do titular do interesse juridicamente protegido. Inculca o art. 115º do Cód.Penal que: “O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz”. (Obviamente o sublinhado é nosso). O poder/dever de denunciar o facto lesivo de um bem jurídico que, directamente e pessoalmente, afecta o titular desse bem jurídico, começa a contar a partir do momento em que o titular tome conhecimento do facto ilícito que ocorreu na sua esfera jurídica e da identidade do autor, ou de qualquer um dos que hajam intervindo na realização da acção típica. O lesado só está desonerado de apresentar a denúncia no prazo fixado no art. 115º do Cód. Penal, nas situações previstas na segunda parte do nº1 do mesmo preceito legal, ou ainda quando o autor do delito é o representante legal do ofendido, caso em que o direito de queixa só começa a correr quando lhe haja sido nomeado tutor, ou após a obtenção do estatuto de maioridade[ Vide Hans-Heinrich Jescheck, op. loc cit., p. 1233.]. Na prescrição a lei manda atender à verificação do resultado não compreendido no tipo – cfr. art. 119º, nº4 do Cód.Penal. Esta ideia retira-se do ensinamento de Hans-Heinrich Jescheck, quando escreve que “la prescrición comienza “tan pronto haya terminado el delito “ (§ 78ªa pfo. 1º). Decisivo para el comienzo de la prescrición no es, por tanto, la consumación, sino la terminación del delito”[ Vide Hans-Heinrich Jescheck, op. loc. Cit., p. 1240. ]. O tribunal a quo considerou que o direito de queixa se encontrava extinto, por o assistente ter tomado conhecimento do “facto delitivo” e do seu autor, pelo menos durante o ano de 2003. A questão que se pode equacionar é se revestindo o crime de usurpação de imóveis um crime de feição permanente, o direito de queixa se inicia a partir do momento em que o lesado toma conhecimento do facto lesivo e do seu autor ou da terminação da situação antijurídica que encordoa evento criminoso. Diversamente do que acontece com a prescrição, instituto criado para segurança do tráfego jurídico e tranquilidade da comunidade[ Cfr. Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Giuffrè Editore,1997, p. 764.], a queixa é um pressuposto processual que comporta a necessidade de uma manifestação de vontade por parte do titular do interesse juridicamente protegido. Enquanto a primeira tem a ver com os efeitos do crime a segunda atina com um pressuposto de procedibilidade. Decorre desta diferença de institutos que enquanto no primeiro, o Estado deixa de ter interesse em perseguir o crime, no segundo é o lesado que tem interesse em que o estado de coisa perturbado com a situação criminosa cesse o mais rápido possível. Daí que, no caso do accionamento do direito de queixa releve, não o momento em que cessa a terminação da situação antijurídica, mas sim o momento em que o titular do interesse juridicamente protegido teve conhecimento do facto delitivo e do autor. À luz deste entendimento, é extemporâneo o exercício do direito de queixa por parte do assistente, pelo que se encontra extinto, nos termos do art. 115º, nº1 do Cód.Penal. II.B.3. - Inexistência dos elementos constitutivos dos tipos de ilícito participados pelo recorrente. Inculca o nº1 do art. 215º do Cód.Penal que: “Quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave não couber em atenção ao meio utilizado”-, e reza art. 212º, nº1 do Cód.Penal, que: “Quem destruir, no todo, ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. No primeiro dos qualificados (pelo Ministério Público, no despacho de arquivamento) ilícitos, o que a lei pretende proteger é o bem jurídico, inviolabilidade do património imobiliário[ Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pag. 261.], enquanto que, no segundo, o bem jurídico que se pretende acautelar é a propriedade (coisa alheia). Reside no carácter alheio da coisa ou da propriedade a impossibilidade de, em nosso juízo, poder ser imputada ao arguido a prática de qualquer dos ilícitos que, em tese, lhe poderiam ser assacados. Resulta dos documentos juntos durante a instrução que o arguido intentou uma acção judicial para ver reconhecido o seu direito a um terreno identificado no artigo da petição inicial – cfr. fls. 157 (prédio rústico, sito em Vale Pereira, com a área de 2600 m2, composto de cultura arvense, oliveiras e olival, a confrontar do norte com José Lopes Filipe, sul com Alexandre Martinho Rosa e outros, nascente com Maria Rosa Martinho e poente com estrada, inscrito na matriz rústica sob o art. 386, secção AE. Da freguesia de Olalhas, concelho de Tomar, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 01374, com registo a favor do A., pela inscrição G-2”, “aqui incluída a parcela que os RR. justificaram como prédio urbano” – cfr. fls.166. Esse direito foi-lhe reconhecido, por decisão proferida em 9 de Dezembro de 2004, e confirmado por decisão do tribunal da Relação de Coimbra, de 18.10.2005. Para qualquer dos ilícitos acoimados ao arguido, torna-se inapelável que o agente da acção desvalorativa aja com dolo, isto é, com “o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito”[ Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, p. 332 a 351. ], em qualquer das suas modalidades, directo, necessário ou eventual. Não estando o arguido convencido, isto é, não tendo o arguido a representação intelectual de que o prédio que o assistente reivindica, ou justificou como sendo seu, pertence a outrem não se vê como possa ter dirigido a sua vontade à realização do tipo. Não é possível configurar um estado intelectual de antijuridicidade e dirigido à concreção de uma conduta desvalorativa, em quem não possui a representação da natureza alheia da coisa ou da propriedade, e ao invés está convencido de que um determinado prédio é seu. Sendo seu o prédio, ou estando de tal convencido, ao ponto de dois órgãos jurisdicionais lho haverem reconhecido, é normal que realize no prédio em apreço as alterações e obras que considere pertinentes para os fins que pretende vir a obter das utilidades que o imóvel lhe possa vir a propinar. Para o arguido, que adquiriu o prédio, o registou e, certamente, o usufruía, a acção de justificação de um prédio urbano (em ruínas) que o assistente reclamou para si, é que se revelou antijurídica, o que desencadeou uma manifestação de vontade de ver clarificado o seu direito, em toda a sua extensão e plenitude jurídica e material, defendendo, e obtendo ganho de causa, nos órgãos próprios, os tribunais. Não vinga, pelas razões expostas, a imputação acoimada ao arguido de que tenha feito qualquer intervenção modificativa ou abusiva em propriedade que não estivesse convencido que era sua pertença e com exclusão de qualquer outro. Afunda-se, assim, a imputação feita ao arguido de ter agido contra propriedade ou coisa que sabia não lhe pertencer, o que vale por dizer que possa ter praticado qualquer dos crimes que, hipoteticamente, lhe poderia ser assacado. III. – Decisão. Acordam, os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em: - Julgar improcedente o recurso interposto pelo assistente A..., mantendo, consequentemente, a decisão de não pronúncia proferida no tribunal a quo. - Condenar o assistente nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 12 (doze) UCs. Coimbra, |