Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | RIBEIRO MARTINS | ||
Descritores: | QUEIXA DO OFENDIDO | ||
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Data do Acordão: | 12/03/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE TOMAR – 3º J | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA PARCIALMENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 115º, Nº 1 DO CP, 49º, Nº 1 DO CPP | ||
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Sumário: | 1. A noção de queixa não se cinge à mera transmissão do facto com relevância criminal, ou seja, não releva como queixa uma simples declaração de ciência acerca do facto. 2. Relativamente à acção penal pode verificar-se quer a falta de titularidade da acção penal quer a falta de condições concretas do seu exercício. Na primeira hipótese faltará um pressuposto da existência do processo; na segunda um pressuposto da validade do processo. | ||
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Decisão Texto Integral: | I 1- No processo comum com o n.º 209/07 do 3º Juízo do tribunal de Tomar, PM... foi condenado na pena única de 22 meses de prisão emergente do cúmulo jurídico da pena de 20 meses de prisão pela prática dum crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204º/1 alínea f) do Código Penal e da pena de 4 meses de prisão pela prática dum outro de dano p. e p. pelo art.º 212º do mesmo Código. 2- O arguido recorre, concluindo – a) Perante os depoimentos das duas testemunhas inquiridas, o tribunal não deveria ter optado pela condenação do arguido, b) Por absoluta carência de prova; c) Antes devendo tê-lo absolvido, ao menos que fosse com base no princípio "in dubio pro reo”; d) É que do processo não consta qualquer elemento factual indiciador de que tenha sido ele o autor do furto e do dano. e) Do depoimento da testemunha C..., padrasto do arguido, não se extrai factualidade segura. f) Sendo que refere que o arguido lhe entregou o telemóvel e o dinheiro. g) E que o arguido se acusou à mãe que tinha sido ele quem fora ao estabelecimento onde entrara pelo vidro partido; h) Directamente ao padrasto o arguido referiu que tinha sido ele que partira o vidro. i) De todos os objectos furtados apenas três maços de cigarros não foram recuperados. j) A testemunha PP... de relevante só refere que possivelmente pelo vidro partido poderia aceder à abertura da janela. l) O arguido não desejou prestar declarações; m) Os factos descritos na alínea g) não podiam ter sido valorados pelo tribunal; n) A ser assim os factos referidos anteriormente são insuficientes para aquilatar da responsabilidade do recorrente; o) Por outro lado, não devia o tribunal ter dado como provado que foi o arguido o autor do furto dos objectos referidos sob as alíneas b) e d) dos factos provados; p) Deu como provado que foi o arguido o autor do furto do telemóvel e da quantia em dinheiro, por ele os ter entregue ao padrasto; q) Todavia não foi o arguido quem procedeu à entrega dos objectos constantes das preditas alíneas b) e d); r) Ora, por absoluta carência de prova, melhor teria decidido o tribunal se tivesse considerado não provados estes factos; s) No tocante ao valor do vidro a única testemunha que a ele se refere é o padrasto do arguido que, expressamente disse: «o vidro partido vale para aí um euro ou dois euros... não faço ideia; mas eu penso que com dez euros fazia aquele serviço». t) Destarte, por absoluta carência de prova, deveria o arguido ter sido absolvido, ainda que para tanto o tribunal se socorresse do princípio «in dubio pro reo». u)Dispõe o artigo 374°/2 do CPP que o tribunal deve fazer uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção. v) O tribunal refere que a sua convicção resultou da prova produzida. Mas que prova? x) A que resultou do depoimento do padrasto do recorrente são insuficiente e nada convincente; o agente da PSP não produziu qualquer prova; a participação e as fotografias não nos fornecem alguma prova conclusiva sobre a actuação ou não actuação do arguido; w) E se se analisar a mesma prova seguindo as regras da experiência, no máximo ela vai conduzir-nos à dúvida; z) E a dúvida conduzir-nos-á à absolvição; aa) Até porque no tocante ao crime de dano, o padrasto do arguido não soube quantificar o valor do dano; bb) Depois o seu procedimento criminal depende de queixa, que ninguém apresentou; cc) Nomeadamente a senhoria do estabelecimento; dd) Por outro lado, o tribunal devia ter atenuado especialmente a pena, em obediência ao disposto no artigo 206°/2 do Código Penal; ee) Dado que os objectos furtados foram restituídos; ff) Assim, o tribunal não devia ter valorado a prova a que se refere a pretérita alínea g) da matéria de facto; gg) Ao fazê-lo violou o disposto no artigo 129/1 do Código de Processo Penal; hh) Não devia ter condenado o arguido; ii) Porque assim não aconteceu violou o disposto no artigo 375°/1 e 376° do Código de Processo Penal; jj) E a condenação violou o que dispõem os artigos 212°/1 e 3; 203°/1; 204°/1 alínea f) e 206°/2 do Código de Processo Penal. 3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso. Nesta instância emitiu parecer a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no sentido da procedência do recurso apenas quanto à condenação por dano, já que quanto a ele carecia o Ministério Público de legitimidade para acusar. 4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir! II – 1- Decisão de facto inserta no acórdão recorrido – A) Factos provados – 1) Em momento não concretamente apurado, mas situado entre as 00 horas e 30 minutos e as 8 horas do dia 27 de Maio de 2007, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial de café denominado “www.www”, sito na Rua dos M…, em Tomar, pertencente a C..., com o propósito de se introduzir no interior daquele estabelecimento e dali retirar todos os bens que lhe interessasse e que pudesse transportar consigo. 2) C… é padrasto do arguido. 3) De forma não apurada o arguido introduziu-se no estabelecimento. E dele retirou - a) €700 (setecentos euros) em notas e moedas do Banco Central Europeu que se encontravam no interior de uma caixa registadora cuja gaveta se encontrava aberta; - b) três maços de tabaco SG Filtro, no valor de €3 (três euros) cada um; - c) um telemóvel de marca Nokia no valor indicado de €500 (quinhentos euros); - d) uma bolsa em pele, de cor castanha, contendo duas carteiras de documentos em pele, de cor preta, diversos documentos pessoais, quatro livros de cheques e cerca de vinte cartões de débito e de crédito; bens que o arguido levou consigo fazendo-os seus. 4) Na mesma ocasião o arguido partiu o vidro de uma janela do estabelecimento, com o intuito de fazer crer que o autor dos factos descritos havia logrado entrar no seu interior, através do vidro partido. 5) O vidro referido no artigo anterior tinha o valor de €10 (dez Euros). 6) O arguido entregou ao ofendido, C…, o telemóvel e a quantia em dinheiros supra referidos. 7) Ao entrar no interior do estabelecimento comercial pertencente ao ofendido, o arguido agiu com o intuito de se apoderar de todos os objectos que ali encontrasse e que pudesse transportar consigo e fê-lo sempre sem autorização e contra a vontade do respectivo proprietário. 8) O arguido agiu bem sabendo que os bens supra mencionados, cujo valor conhecia, não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo dono e, no entanto, quis integrá-los na respectiva esfera patrimonial, o que conseguiu. 9) Ao partir o vidro da janela, o arguido, causou ao ofendido um prejuízo no valor de €10 (dez Euros), equivalente ao valor do vidro partido. 10) O arguido sabia que com este comportamento estragava, como estragou, um bem que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário, o que quis. 10) O arguido agiu, em todos os momentos, com vontade livre e consciente bem sabendo que os seus comportamentos eram e são proibidos e punidos pela lei penal. 11) Do C.R.C. do arguido consta que: a) Por decisão datada de 22.11.1988, foi condenado nos autos de processo de querela n.º 245/87, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto, na pena de oito meses de prisão, suspensa por três anos. b) Por decisão datada de 29.11.1990 e por factos ocorridos a 29.04.1989 foi condenado nos autos de processo comum n.º 605/89, do 3º Juízo Tribunal Judicial de Oeiras, como autor material de um crime de furto de uso de veículo e um crime de condução ilegal na pena de multa de 90 dias á taxa diária de 300$00. c) Por decisão datada de 07.02.1992, foi condenado nos autos de processo comum n.º 352/91, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 400$00. d) Por decisão datada de 12.03.1992, foi condenado nos autos de processo comum n.º 362/91, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto qualificado e um crime de introdução em casa alheia na pena única de dezoito meses de prisão, suspensa por três anos (cuja suspensão lhe foi revogada por decisão datada de 29.01.1993). e) Por decisão datada de 16.02.1993, foi condenado nos autos de processo comum n.º 41/93, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 400$00. f) Por decisão datada de 22.06.1993, foi condenado nos autos de processo comum n.º 385/92, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto na pena de um ano de prisão, suspensa por dois anos. h) Por decisão datada de 06.01.1994, foi condenado nos autos de processo comum n.º 230/93, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto qualificado na pena de dois anos de prisão. i) Por decisão datada de 21.04.1994, foi condenado nos autos de processo comum n.º 19/93, do Tribunal de Circulo de Abrantes, como autor material de um crime de furto simples na pena de sete meses de prisão. j) Por decisão datada de 20.06.1995, foi condenado nos autos de processo comum n.º 59/95, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto simples na pena de sete meses de prisão. k) Por decisão datada de 20.06.1995, foi condenado nos autos de processo comum n.º 63/95, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto qualificado e um crime de tráfico de estupefacientes em relativamente indeterminada (oito meses a três anos e quatro meses de prisão). l) Por decisão datada de 03.03.1997, foi condenado nos autos de processo comum n.º 17/96, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de ofensas à integridade física, na pena de seis meses de prisão. m) Por decisão datada de 02.01.1999, foi condenado nos autos de processo comum n.º 57/99, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de oito meses de prisão. n) Por decisão datada de 27.09.1999, foi condenado nos autos de processo comum n.º 100/99, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de dezoito meses de prisão. o) Por decisão datada de 20.01.2000., foi condenado nos autos de processo comum n.º 147/99, do Tribunal Judicial de Tomar, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos de prisão. p) O arguido declarou ter ainda pendentes 2 processos crime por furto e ofensas corporais (neste Tribunal). 12) Encontra-se desempregado. B) Factos não provados – “… o arguido levou consigo a chave da porta de entrada daquele estabelecimento, da qual se apoderou previamente, no interior da residência do ofendido C….” “Já junto do estabelecimento, o arguido, fazendo uso da referida chave, abriu a respectiva porta de entrada.” C) Fundamentação – Os factos provados fundaram-se nos seguintes meios de prova: - Auto de notícia de fls.3; (relevante para concretizar a data dos factos); -Aditamentos de fls.8,15 e 18 (corroborado as declarações do ofendido quanto à recuperação dos objectos); - Fotografias de fls.13 e 14 (nomeadamente foto de fls. 14 mostrando os danos causados na janela e levando á conclusão, como referido pelas testemunhas, não ser possível o arguido ter entrado por aquele orifício atentas as suas dimensões); -CRC de fls. 98 a 113 (confirmando os antecedentes criminais). [ Prova ] Testemunhal: - C... que relatou o ocorrido, esclarecendo a data local e objectos retirados, pressupondo que o arguido tenha entrado com as chaves do estabelecimento já que vivia consigo, e mais que uma vez se apercebeu que o arguido lhe retirava as chaves do estabelecimento. No entanto não pode confirmar que, naquela noite tal tenha sucedido (o que nos levou a não dar como provada a forma de entrada como imputada na acusação). A imputação dos factos ao arguido também se funda no depoimento desta testemunha já que, com ele conviveu durante vários anos, sabendo que tem problemas de toxicodependência e, por várias vezes já lhe ter furtado dinheiro e tabaco, corroborado com o facto de ter sido o próprio arguido a entregar-lhe o telemóvel e a quantia furtada (após ter apresentado queixa). No que concerne aos factos subjectivos, os mesmos, por presunção natural, inferem-se dos factos objectivos provados. As condições pessoais e processos pendentes resultam das suas declarações obrigatórias sobre tais factos, prestadas pelo arguido. Os antecedentes criminais, como referido, fundam-se no teor do Certificado de Registo Criminal junto a fls. 98 a 113 Quanto aos factos não provados os mesmos fundam-se na ausência de prova concludente no sentido da sua positividade. Nomeadamente no que concerne ao modo de entrada nas instalações conforme já referido não era possível a entrada pela janela, não se apurou que o arguido tenha retirado a chaves de entrada, apenas se podendo concluir, em face das regras da experiência comum que, encontrando-se o telemóvel o dinheiro, o tabaco, dentro do estabelecimento, necessariamente o arguido aí [entrou] – desconhecendo-se apenas como. * 2- Apreciação – O recorrente discorda da decisão de facto na parte em que esta o compromete com o assalto, tendo também por violado o princípio «in dubio pro reo». E a ter-se por certo que fora ele o seu autor, então advoga uma atenuação especial da pena face à restituição do subtraído (art.º 206º do Código Penal). Quanto ao dano também alega a falta de apresentação de queixa do ofendido. 2.1- O recorrente deu cumprimento mínimo à estatuição do ónus de impugnação estatuído no art.º 412º/3 e 4 do Código de Processo Penal, razão por que conheceremos do recurso sobre a decisão de facto. 2.1.1- O arguido afirma que não se produziu prova que o comprometa com o assalto. Contudo sem razão, como veremos. Efectivamente do depoimento do ofendido C… resulta que a certa altura o arguido, já intimidado por saber que a Polícia Judiciária se deslocara ao estabelecimento do padrasto e que procedia a investigações sobre o assalto, resolveu referir-lhe que fora ele quem partira o vidro da janela e furtara o estabelecimento, daí retirando o subtraído. De seguida, deslocando-se com o irmão à casa onde residia, de lá trouxe e devolveu ao ofendido o dinheiro e o telemóvel que tinham sido subtraídos conjuntamente com o demais referido no auto de notícia. Há, assim, prova bastante para ter o arguido como o autor do assalto. Note-se que para se chegar à conclusão que fora o arguido quem assaltara o estabelecimento tanto pode o julgador estribar-se em prova directa do facto (v.g. alguém que naquela noite o tivesse visto no estabelecimento…) como em prova indiciária, ou seja, a obtida por dedução doutros factos provados dos quais se infere o facto probando. Ora, este infere-se da comprovada conversa que o arguido teve com o padrasto e da imediata entrega do dinheiro e do telemóvel subtraídos. Não há, assim, que lançar mão de qualquer depoimento indirecto; não é a conversa que o arguido teve com a mãe, referida pela testemunha, que se valorizou; mas a conversa que ele teve com o próprio ofendido/testemunha, bem como o acto de restituição de parte do subtraído. E o tribunal pode firmar a sua convicção na base dum só depoimento desde que se convença da sua veracidade. Ora, o depoimento da testemunha C… merece toda a credibilidade pela forma aparentemente isenta como foi prestado, não havendo elementos que o infirmem. Que o “assalto” ocorreu nas circunstâncias de tempo e lugar e que o subtraído foi o referido, ninguém o duvida. E que o seu agente foi o arguido aí está o depoimento do ofendido com quem o arguido se abriu, devolvendo-lhe de imediato parte do subtraído. O recorrente saberá que a prova processual, diferentemente da demonstração matemática ou da experimentação física, apenas visa, num esforço de razoabilidade, a convicção essencial às relações práticas da vida social. Mesmo sem termos a imediação das provas desfrutada pelo tribunal recorrido, não temos dúvidas em afirmar que foi o arguido o autor da ocorrida subtracção. Apenas há a precisar o ponto n.º9 dos factos provados, alterando-se a expressão final «equivalente ao valor do vidro partido» para a expressão «equivalente ao valor da reposição do vidro partido». 2.1.2- E não houve a apregoada violação do princípio «in dubio pro reo». Tal princípio é resultante de dois postulados –, o de que o juiz terá de decidir sempre e o da inadmissibilidade de condenação quando o juiz se não convença da efectiva responsabilidade do arguido. Decorre do princípio que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados. O princípio tem aplicação no domínio probatório e significa que em caso de falta de prova sobre um facto a dúvida se resolve a favor do arguido, ou seja, será dado como não provado se desfavorável ao arguido e como provado se justificar o facto ou for excludente da culpa. Nas circunstâncias enunciadas a violação do princípio só será de atender se resultar do acórdão mormente da decisão de facto que o tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido. Ora, não é isso que resulta do acórdão, sendo patente na fundamentação da decisão que o tribunal não manifesta dúvidas sobre a ocorrência dos factos e a sua autoria. 2.2- Não há razões para atenuar especialmente a pena ao arguido com base no apontado art.º 206º/2 do Código Penal. Efectivamente a devolução parcial ocorrida não corresponde a qualquer mitigação da culpa por inadequação do facto à sua personalidade. O arguido fê-lo só por medo de ser contactado pela Polícia Judiciária que procedia a investigações sobre o assalto e de ser descoberto. Intimidado pela notícia de intervenção da PJ, resolveu primeiro contar o seu acto a sua mãe e depois ao próprio ofendido que há cerca de 34/35 anos vivia maritalmente com aquela. 2.3- Quanto ao crime de dano, tem razão ao recorrente ao alegar a falta de queixa do ofendido. 2.3.1- O art.º 212º/3 do Código Penal estatui que o procedimento criminal pelo crime nele previsto no artigo depende de queixa. Trata-se, assim, de crime semi-público para cuja perseguição criminal é sempre necessária a apresentação de queixa pelo ofendido. Mas quanto ao dano não foi, como veremos, apresentada atempadamente qualquer «queixa». O art.º 49º/1 do CPP estatui que quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido, é necessário que este dê conhecimento do facto ao Ministério Público para que este promova o processo. O ofendido C… começou por dizer [a 27/5/2007] que «formalizaria posteriormente a denúncia» (cfr. fls. 3vº). Depois veio dizer [a 29/5/2007] que «não desejava qualquer procedimento criminal (…)» (cfr. fls. 8). Posteriormente [a 14/6/2007] em declarações voltou a repetir, numa altura em que disse já ter recuperado o telemóvel que «continua a não desejar procedimento criminal contra quem vier a ser identificado como autor do ilícito» (cfr. fls. 16vº), sabendo-se que no depoimento prestado em julgamento afirmou que o telemóvel lhe fora devolvido pelo arguido. Que a essa data [14/6/2007] o ofendido já sabia quem o assaltara refere-o o instrutor dos autos a quem o mesmo acabara, na mesma hora, por “desabafar” já ter também recuperado o dinheiro subtraído (cfr. fls. 18). A 10 de Setembro de 2007 o ofendido juntou escrito onde refere saber que foi o arguido o autor do assalto. Mas não afirma desejar procedimento criminal pelo dano causado na janela (cfr. fls. 36). Só a 17/12/2007, em novas declarações, refere «(…) desejar procedimento criminal contra o denunciado» (cfr. fls. 57). Ora, sabendo o ofendido já a 14/6/2007 quem o assaltara é óbvio que a declaração de 17/12/2007 é tardia porque apresentada num momento em que o direito de queixa já caducara. De resto, a nosso ver, tal declaração continua a ser omissa quanto à manifestação de vontade de procedimento criminal pelo dano na janela. 2.3.2- A noção de queixa não se cinge à mera transmissão do facto com relevância criminal, ou seja, não releva como queixa uma simples declaração de ciência acerca do facto. A queixa exige que se manifeste nessa declaração uma vontade de ver o agente perseguido criminalmente pelo facto. A queixa distingue-se da denúncia pois enquanto esta é mera manifestação de ciência [transmissão da ocorrência do facto], na queixa além desta declaração de ciência exige-se ainda uma manifestação de vontade de que seja instaurado um processo para procedimento criminal contra o agente cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., págs. 55 a 59. . Compulsados os autos constata-se a inexistência de apresentação de queixa pelo dano já que o ofendido nunca manifestou uma vontade de procedimento criminal pelo dano na janela do estabelecimento. E mesmo que assim fosse, ou seja, mesmo que se tivesse a declaração de 17/12/2007 como queixa pelo dano na janela, o direito de queixa já caducara. Ou seja, tal declaração é posterior ao decurso do prazo de 6 meses referido no art.º 115º/1 do Código Penal. A queixa é, quanto ao dano, uma condição de procedibilidade. A sua falta implica o não procedimento. A existência de queixa constitui um pressuposto processual que condiciona a legitimidade do Ministério Público para também nessa parte acusar. A sua falta dita nesse segmento [o crime de dano] a não valia da relação processual. Trata-se dum caso em que a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal se encontra condicionada. A falta de queixa acarreta a ilegitimidade do Ministério Público quanto ao crime em causa. 2.3.3.1- A ilegitimidade é um pressuposto negativo, tradicionalmente conhecido por excepção, cognoscível oficiosamente e a todo o tempo. É uma questão prévia que condiciona o conhecimento de mérito já que a falta dum pressuposto processual dá sempre lugar a uma decisão de cariz processual Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 32/33 . Diga-se que em processo penal não é de atribuir natureza diferente às excepções de direito substantivo ou de direito processual. Verdadeiramente os seus efeitos são sempre processuais e impedem uma decisão sobre o fundo da questão Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, 532. A acção penal deve ser exercida pela entidade para tal legitimada e na forma prescrita pela lei. Sem a acção penal exercida pelo legítimo titular faltará um pressuposto processual. Relativamente à acção penal pode verificar-se quer a falta de titularidade da acção penal quer a falta de condições concretas do seu exercício. Na primeira hipótese faltará um pressuposto da existência do processo; na segunda um pressuposto da validade do processo. A titularidade do direito de acção cabe ao Ministério Público em razão das suas funções. O exercício do direito de acção no caso concreto é que pode depender de circunstâncias diversas que constituem pressupostos desse exercício. E é a verificação desses pressupostos que consubstancia a legitimidade do Ministério Público. Como a acção penal é o motor do próprio processo, os pressupostos do exercício da acção penal são necessariamente pressupostos de todo o processo e costumam ser designados por condições de procedibilidade, por oposição às condições de punibilidade de direito substantivo Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, 539/547. E o seu conhecimento pode ter lugar a todo o tempo enquanto se mantivesse a relação processual. 2.3.3.2- Noutra perspectiva, a sua falta implica [quanto ao crime de dano], a nulidade do processo Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág.34. , nulidade esta insanável e consequentemente invocável por qualquer interessado e do conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final –, cfr. art.º 119º alínea b) do Código de Processo Penal. Efectivamente este preceito comina com nulidade insanável «A falta de promoção do processo pelo Ministério Público nos termos do art.º 48º (…)». Este artigo estatui que «O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º». Ou seja, o art.º 48º também nos remete para os artigos 49º a 52º do mesmo Código. Fica assim claro que nos crimes particulares e nos crimes semi-públicos a queixa dos ofendidos condiciona o exercício da acção penal pelo Ministério Público relativamente à promoção do procedimento por esses crimes, constituindo a legitimidade do Ministério Público requisito da valia do processo. Não tendo sido apresentada queixa pelo crime de dano não podia o tribunal conhecer da sua existência. Revogar-se-á, pois, o acórdão na parte em que condena o arguido pelo crime de dano, consequentemente dando-se também sem efeito o cúmulo jurídico efectuado, mas persistindo a pena de 20 meses pela prática do crime de furto. III – Decisão – Termos em que, dando-se parcial provimento ao recurso, se altera a expressão «equivalente ao valor do vidro partido» constante da parte final do n.º9 do provado para «equivalente ao valor da reposição do vidro partido» e se revoga o acórdão na parte em que condena o arguido pelo crime de dano e procede ao correspondente cúmulo de penas. No mais mantém-se o decidido. Porque decaiu parcialmente, fica o recorrente condenado em custas com a taxa de justiça que se fixa em 7 UCs. Coimbra, |