Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | GRAÇA SANTOS SILVA | ||
Descritores: | SENTENÇA ACLARAÇÃO ARGUIÇÃO DE NULIDADES | ||
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Data do Acordão: | 03/10/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA - VARAS MISTAS | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 668º/1, D), E ALÍNEA A) DO Nº 1 DO ARTº 669º/CPC | ||
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Sumário: | 1. O pedido de esclarecimento da sentença, feito ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 669º/CPC apenas se pode fundamentar em obscuridade ou ambiguidade da decisão. 2. É nulo o despacho judicial que, perante um requerimento de aclaração, o entende como arguição de nulidade, nos termos do artº 668º/1, d), do CPC, e altera a parte decisória da sentença proferida. 3. A referida nulidade resulta da violação disposto na 2ª parte da alínea d) do nº1 do artº 668ª/CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, nesta 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** *** I – Relatório: A... , intentou contra B... e mulher, C... a presente acção declarativa constitutiva, pedindo a declaração de nulidade do contrato-promessa, que identificou, por violação do disposto nos artºs 892.º e 893,º do Código Civil, e a condenação dos RR. a restituir-lhe o montante correspondente ao sinal pago, de € 37.410,00, acrescido de juros, à taxa legal, a contar da data da celebração do contrato-promessa objecto desta acção, os vencidos no montante de € 12.739, e os vincendos até integral pagamento. Os Réus contestaram a acção e deduziram pedido reconvencional, nos seguintes termos: “Deve a reconvenção ser julgada provada e procedente, e, em consequência, ser declarado válido e eficaz o contrato promessa de compra e venda celebrado em 21/02/2001 entre Autora e Réus, junto sob doc. 2 com a P.I., declarando-se que a obrigação do seu cumprimento apenas se verificará após a emissão do alvará de loteamento pela Câmara Municipal de D... e do registo dos prédios dele provenientes na Conservatória e Finanças e a A. condenada a tudo reconhecer. Se eventualmente, o contrato em causa vier a ser declarado nulo (o que não se aceita) declarado deve ser também que a Autora é obrigada, pelos fundamentos alegados, a restituir aos Réus a quantia de € 850,00, por cada mês de ocupação do prédio objecto do mesmo contrato, o que ocorre desde a data da sua celebração, ou seja, 21/02/2001, até à data em que seja proferida sentença transitada em julgado, que eventualmente declare (o que não se aceita) a nulidade, obrigação de restituição que, na presente data, se eleva à quantia de € 73.100,00, ou seja, operando a compensação de créditos dos Reconvintes com a restituição à Autora Reconvinda de € 37.410,00, deve a Autora ser condenada a restituir aos reconvintes a diferença, que neste momento se eleva a € 35.690,00, ou na restituição da quantia que, no momento da sentença transitada em julgado, for apurada, se superior, e ora Reconvinda, devendo a Reconvinda em tudo condenada e condenada a tudo reconhecer, tudo com todas as legais consequências e ainda no pagamento das custas e demais encargos legais”. Seguiram-se mais dois articulados e foi proferida sentença, na fase do saneamento, nos com o seguinte segmento decisivo: “Considerando o exposto, julgo a acção improcedente e extinta a instância quanto ao pedido reconvencional por impossibilidade de continuação com a lide. Custas da acção e da reconvenção pela A.” Pelos RR. foi requerida aclaração da sentença, com os seguintes fundamentos: “Diz-se na douta sentença proferida que os Réus "deduziram reconvenção, mas apenas para o caso da acção proceder, pedindo a condenação do Autor a pagar uma importância correspondente ao valor do uso do armazém", o que (se) deve, certamente por lapso, pois se tal é certo, certo é também que os Réus para além desse pedido formularam outro "o de que deve ser declarado valido e eficaz o contrato promessa de compra e venda e que a obrigação do seu cumprimento apenas se verificará após a emissão do alvará de loteamento pela C.M.C. e do registo dos prédios dele provenientes na Conservatória e Finanças e a Autora condenada a tal reconhecer". - Ora, do teor da sentença proferida, resulta que esta parte de reconvenção é procedente e que só por mero lapso, não terá esta, nesta parte, sido julgada procedente, requerendo-se, por isso, se digne esclarecer, nos termos do artigo 669° do C.P.C. a douta sentença nessa parte”. Foi proferido despacho nos seguintes termos: “1. Verifica-se que a questão suscitada pelos Réus não respeita a uma questão de «aclaração», mas sim de omissão do conhecimento de um pedido feito na reconvenção, o que equivale à dedução da nulidade da sentença nessa parte, nos termos do artigo 668º., n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil. Efectivamente os Réus têm razão quando referem que a improcedência da acção não prejudica o primeiro pedido que fizeram e que consiste em se fixar neste processo a partir de que factos seria marcada a escritura pública de compra e venda. Este pedido é autónomo em relação à acção, podendo ser conhecido. O que implica que se anule a decisão (artigo 670.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) nessa parte. 2. O que fica referido implica que a reconvenção siga para apuramento do primeiro pedido reconvencional, ficando a instância apenas extinta quanto aos outros. 3. Pelo exposto, decide-se anular a sentença na parte relativa à reconvenção ficando a sentença com o seguinte dispositivo: << Considerando o exposto, julgo a acção improcedente e extinta a instância quanto ao pedido reconvencional por impossibilidade de continuação com a lide quanto a todos os pedidos reconvencionais à excepção do primeiro. Custas da acção pela Autora>>”. Inconformada, veio a A., requerentes, recorrer, pedindo a declaração de nulidade do despacho, mediante a apresentação das seguintes conclusões: “1. A Decisão aqui em crise enferma de múltiplas nulidades, tendo violado inter alia o disposto nos artºs 668°, n°1, al. d), e 669°, nº 3, ambos do C.P.C, dado que e pelas razões supra aduzidas : 2. Devia ter indeferido liminarmente o pedido de esclarecimento dos RR; 3. Acresce que, in casu e em sede de aclaração, não é admissível sindicar uma pretensa omissão de conhecimento de um pedido reconvencional, 4. e muito menos alterar o já julgado”. Não foram apresentadas contra-alegações. *** *** II- Questões a decidir: Compulsadas as conclusões das motivações do presente recurso verifica-se que a única questão que se coloca é da violação do disposto nos arts. 668°, n°1, al. d), e 669°, ambos do C.P.C. Tais questões serão apreciadas com respeito pelas normas contidas nos artºs. 660º/2, in fine, 684º/3, 685-A, do CPC, (vide Acs. do STJ, de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”). *** *** III – Factos a considerar: Os factos a considerar consubstanciam-se nos termos da sentença, requerimento e despacho, acima transcritos. *** *** IV – Fundamentos de Direito Insurge-se a recorrente contra o despacho que alterou a parte decisória da sentença, invocando a verificação de nulidades. E com razão. Não obstante os RR. terem apelidado a pretensão que deduziram de pedido de aclaração, invocaram o disposto no artº 669º do CPC, verifica-se que pediram um simples esclarecimento da sentença, face aos fundamentos que invocaram. O artº 669º/CPC, no que ao caso interessa, divide-se em duas partes: uma relativa ao pedido de esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade da decisão ou seus fundamentos (nº 1), outra relativa à reforma de sentença (nº2). Manifestamente, os requerentes pretenderam accionar o nº1 do artigo. Não pediram qualquer alteração da decisão, não obstante terem invocado lapso na fundamentação da sentença. O Juiz do processo foi mais longe, e não obstante não lhe ter sido pedida a reforma da sentença, nem invocada nulidade, entendeu reformular a parte decisória da sentença, o que fez de forma pouco clara. Declarou a extinção da instância quanto “ao pedido reconvencional por impossibilidade de continuação com a lide quanto a todos os pedidos reconvencionais à excepção do primeiro”, e não disse se este primeiro procedia, total ou pacialmente, ou se improcedia. Por outro lado, decidiu de um pedido reconvencional cujos fundamentos não tinha analisado. Por fim, ocorre manifesta contradição entre a fundamentação contida no despacho que aponta para a necessidade de continuação da acção para apreciação desse pedido e a apreciação que incluiu na parte decisória. É certo que, por princípio, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes quanto à interpretação, indagação e aplicação das normas jurídicas – jus novit curia (artº 664º/CPC), devendo afastar-se da qualificação jurídica que as partes dão ao acto que pretendem ver praticado, se não tiver correspondência com a lei, e aplicar-lhe as normas efectivamente aplicáveis. Contudo, esgotado que se mostra o poder jurisdicional pela prolação da sentença, apenas é lícito ao juiz esclarecê-la, reformá-la ou reparar nulidades, mediante expresso pedido das partes. Estamos face a uma excepção ao princípio “jus novit curia”, na medida em que a lei processual colocou na disponibilidade dos interessados a invocação do vício. A declaração do interessado constitui um elemento da previsão da norma, sem o qual o efeito não se produz (cf. Lebre de Freitas, em “Introdução do Processo Civil”, conceito e princípios gerais, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 130.) Por outro lado, não se vislumbra qualquer situação de nulidade de sentença, como foi feito constar do despacho recorrido. A invocada nulidade da sentença, decorrente da alínea, d) do nº 1 do artº 668º do CPC, traduz-se na situação em o Juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, ou conhece de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está directamente relacionada com o disposto no art. 660º, nº 2, do CPC, segundo o qual “o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Quanto à decisão tomada na sentença há duas interpretações possíveis. Uma é a de que ela tinha decidido da reconvenção. Só que mal. Foi declarada extinta a instância quanto ao pedido reconvencional. Essa extinção foi entendida na sequência lógica do constante da fundamentação da sentença, de que todo o pedido reconvencional tinha sido deduzido apenas para o caso de a acção improceder. Ou seja, não obstante o pedido reconvencional ter sido tomado como uma unidade, quando na realidade continha dois pedidos autónomos (imprecisão de linguagem que continuou a verificar-se no despacho recorrido, pelo que se crê que quando se disse “pedido reconvencional” se pretendeu dizer “reconvenção”), o certo é que foi apreciado. Tendo sido apreciado não se verifica o pressuposto de aplicação da alínea d) do nº 1 do artº 668º/CPC, quanto à sentença. Verifica-se, isso sim, quando ao despacho recorrido, pois não tendo sido arguida nulidade, não era lícito o juiz conhecer dela, tanto mais que o prazo da sua arguição só se começa a contar depois da notificação do despacho que recaiu sobre o pedido de aclaração de sentença (artº 670º/3, do CPC). Fazendo-o, incorreu na prática da nulidade contida na 2ª parte da alínea d) do nº1 do artº 668ª/CPC (é nula a sentença quando (…) o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento). Poder-se-ia entender, com grano salis, que o juiz apenas considerou o segundo pedido reconvencional e, tendo ignorado o primeiro, ter-se-ia caído na situação prevista no normativo invocado. Contudo, não tendo sido arguida nulidade, a solução é a supra referenciada. O despacho recorrido é nulo, porque conheceu para além do que a lei lhe permitia, e porque os fundamentos estão em contradição com a decisão - artºs 668º/1, c) e d), do CPC. Se se diz que importa que a reconvenção siga para apuramento do primeiro pedido reconvencional, e se profere decisão que o abrange, há nítida contradição. Mas como esta última nulidade não foi arguida, este Tribunal não pode conhecer dela. Diga-se, no entanto, que mesmo que a nulidade tivesse sido arguida, cabia recurso da decisão em estava contida, pelo que, nos termos do nº 3 do artº 668º/CPC, a questão só poderia ser invocada nessa sede. O que conta para este normativo é a possibilidade da sentença admitir recurso ordinário. No caso, respeitando a regra da sucumbência, contida no artº 678º/1, do CPC, uma vez que pelo primeiro pedido reconvencional se pretende a declaração da impossibilidade de proceder ao cumprimento do contrato-promessa, o valor a considerar seria sempre o da causa. Invocou ainda a recorrente o disposto no nº 3 do artº 669º/CPC. O despacho recorrido não integrou o requerimento no regime jurídico desta norma, não obstante ter sido invocada. Contudo, ainda que se tivesse entendido que a questão era de reforma de sentença, por manifesto lapso do juiz, sempre o pedido de reforma de sentença teria que ser deduzido em sede de recurso, pois que a decisão é recorrível (solução que decorre do nº2 do artº 669º, do CPC, e não do nº3). O pedido de reforma de sentença só é viável não cabendo recurso da decisão (cf. Lebre de Freitas, C.P.C. anotado, 2ª ed., II, 706 e ss). No caso dos autos, a sentença é recorrível, como supra se referiu. Consequentemente a sentença não é reformável, nesta sede. Apenas seria viável a apreciação da bondade das soluções jurídicas encontradas, em sede de recurso (artº 691º/1, do CPC). Face ao exposto, há que considerar nulo o despacho recorrido, por violação da 2ª parte da alínea d) do nº1 do artº 668ª/CPC. *** Apreciando o requerimento deduzido pelos recorridos, há que referir que a questão, como foi colocada, não é reconduzível a uma situação de aclaração. A aclaração destina-se a tornar claro um ponto obscuro ou ambíguo de uma decisão, e fundamenta-se, sempre, num estado de dubiedade ou ininteligibilidade do texto decisório, gerador de uma incompreensibilidade necessitante de um esforço de explicitação. A sentença não enferma de obscuridade ou ambiguidade, quer na decisão, quer nos fundamentos. Simplesmente apreciou mal o primeiro pedido reconvencional, porque partiu do princípio de que o seu conhecimento estava formulado apenas para o caso de procedência dos pedidos formulados na acção, o que apenas acontece quanto ao segundo pedido reconvencional deduzido. Não sendo questão de esclarecimento, de rectificação de erro material (artº 667º/CPC), ou de nulidade de conhecimento oficioso (artº 668º/2, do CPC), resta indeferir o requerido, condenando em custas os requerentes pelo incidente que provocaram. *** Não se encontra em vigor o Regulamento das Custas Judiciais, que fez a adaptação do sistema de custas ao novo regime de recurso, monista. Ao presente recurso, caberia, no sistema anterior, a natureza de agravo. Os recorridos não deduziram oposição e não determinaram os termos do despacho recorrido. Entende-se, por isso, que não há lugar ao pagamento de custas, pela aplicação do artº 2º, g), do CCJ, ainda vigente. *** *** Sumariando: 1. O pedido de esclarecimento da sentença, feito ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 669º/CPC apenas se pode fundamentar em obscuridade ou ambiguidade da decisão. 2. É nulo o despacho judicial que, perante um requerimento de aclaração, o entende como arguição de nulidade, nos termos do artº 668º/1, d), do CPC, e altera a parte decisória da sentença proferida. 3. A referida nulidade resulta da violação disposto na 2ª parte da alínea d) do nº1 do artº 668ª/CPC. *** *** V – Decisão: Pelos fundamentos expostos, concede-se o provimento à apelação e indefere-se o pedido de esclarecimento da sentença, de folhas 161 dos autos. Custas do incidente pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em montante equivalente a uma UC – artº 16º/1, do C.C.J. Não há lugar ao pagamento de custas pela interposição do recurso. |