Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3418/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JOÃO TRINDADE
Descritores: CRIME PRETERINTENCIONAL
Data do Acordão: 12/03/2003
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º 145 C. P.
Sumário:
I- É insuficiente para caracterizar a negligência exigível para preencher o tipo do artº 145º do CP o facto do agente saber apenas que a vítima sofria de problemas cardíacos há vários anos.
II- Para o efeito, caracterização da referida negligência, impõe-se também apreciar o momento concreto em que se desenrolou a acção e os reflexos que a emoção para a violência decorrente , teve na capacidade de discernir do agente.
III- Não têm potencialidade para serem causa adequada de morte, murros , bofetadas e mordidelas nas orelhas que provocaram, esfacelo com perda de substância no bordo posterior do pavilhão auricular direito medindo cinco centímetros de comprimento por um de largura, sendo visível a cartilagem, esfacelo com a mesma localização e características do lado oposto, medindo neste caso seis centímetros de comprimento por um de largura, e diversas escoriações e equimoses na cabeça, pescoço e membros superiores , quando a morte veio a ocorrer em consequência da existência da cardiopatia prévia que causou uma falência letal resultante da situação de "stress" prolongado vivenciado pela vítima, após ter sido surpreendido pelo arguido quando se encontrava na cama com a esposa deste, , "stress" emocional que se foi progressivamente agravando quando foi notada a sua presença no sótão e depois foi convidado pelo arguido para descer as escadas, sendo obrigado a passar por este e sofrer as lesões físicas atrás descritas.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal desta Relação:

O M°P° veio interpor recurso da decisão que absolveu o arguido João Saraiva Pinto da prática de um crime de homicídio previsto e punido nos termos do artigo 131 do Código Penal e o condenou na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 5 Euros pela prática de um crime de ofensa da integridade física simples p.p. no artigo 143 do Código citado.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso onde se refere que:

1 - Havendo dado como provada e, simultaneamente, como não provada, factualidade coincidente, o acórdão recorrido enferma de contradição insanável na fundamentação.

2-Já quando sustenta que a causa próxima da morte de Luís Avelino Cruz da Cunha Mendes foi o stress emocional prolongado e progressivo e que o esforço físico a que a vítima foi sujeita (durante a agressão pelo arguído) contribuiu para aumentar esse estado emocional, para depois concluir, ilógica e irracionalmente, pela inexistência de nexo causal entre essa morte e as lesões produzidas nessa ofensa, o acórdão recorrido está também inquinado de erro notório na apreciação da prova.

3-O acórdão recorrido não julgou correctamente os factos relacionados com o grau de conhecimento que o arguido João Saraiva Pinto tinha da patologia cardíaca do vitimado Luís Mendes e com o processo causal da morte dessa vítima (já que a prova pericial disponível nos autos, que não foi suficientemente infirmada por qualquer outro meio de prova, permitia e impunha estabelecer nexo causal entre a agressão física - enquanto factor gerador não só de acentuado esforço físico e contributivo para o aumento de stress emocional do ofendido, mas, também e não menos relevante, de intensa dor e da perda de sangue que, conjuntamente com o medo, provocaram o choque neurogénico (este, sim, concurso de causas fatais, favorecidas por cardiopatia prévia) - e aquela morte.

4- Resultando provados todos os elementos objectivo e subjectivo que constituem o crime tipificado nos artigos 143 nº l, e 145°, n.° l, al a), ambos do Código Penal, havia e haverá que condenar-se o arguido João Saraiva Pinto, a tal título, em pena que, considerada a culpa do agente e as exigências de prevenção, não devia nem deverá ser inferior a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a suspender, nos termos do previsto nos artigos 50, 51 nº1 alínea a daquele diploma legal, na respectiva execução, pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada ao pagamento das quantias em que aquele fosse (seja) condenado neste processo.

Neste instância O Exmo. Sr. Procurador Geral adjunto advoga a procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência há que decidir :

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação,bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As questões a resolver são as seguintes:
A. Vício da sentença.
B. Enquadramento jurídico

Factos dados como provados:

1-Na noite de 18 para 19 de Outubro de 2000, a hora não concretamente determinada, mas que terá sido cerca das 0,30 horas, o arguido, que há cerca de três dias havia saído de casa, por divergências com a esposa Isaura do Carmo de Oliveira César, fundadas em desconfianças de infidelidade conjugal por parte desta e com intenção de se reconciliar com a esposa, dirigiu-se à residência do casal, sita no lugar das Fiandeiras, nas proximidades da Estrada Nacional no° 17 -Lagarinhos Gouveia.

2 - Uma vez aí, o arguido bateu à porta, que lhe foi aberta algum tempo depois pela esposa.

3 - Estando ambos no interior da residência já há alguns minutos, o arguido, suspeitando das relações extraconjugais da esposa com um amigo do casal de há vários anos, Luís Avelino Cruz da Cunha Mendes, bancário reformado, nascido a 01/11/936, e desconfiando que o mesmo estivesse, nessa altura, escondido no sótão, por ter ouvido barulho, dirigiu-se para a porta que dava acesso às escadas daquele compartimento, abriu-a e, vendo um vulto e reconhecendo-o como sendo aquele amigo, disse-lhe para descer.

4 - No momento em que Luís Avelino Mendes acabava de descer aquelas escadas e estava prestes à porta da sala de estar, o arguido, agarrou-o de imediato e envolveu-se em confronto físico com ele, empurrando-o, dando-lhe murros e bofetadas, fazendo-o cair e rebolar no chão, não obstante a esposa o tentar segurar e retirar e de lhe dizer que o deixasse.

5 -Uma vez no chão, o arguido, dominou o Luís Avelino Mendes, colocou-se por cima dele, continuou a bater-lhe com murros e bofetadas, cravou-lhe os dentes nas orelhas, onde, sucessivamente, lhe foi dando dentadas, assim lhe provocando esfacelo com arrancamento de parte da substância de ambos os pavilhões auriculares e com perda sanguínea.

6 - Conduta esta que o arguido manteve durante algum tempo, pelo menos cinco minutos, apesar de a esposa continuar a agarrá-lo e a dizer-lhe para parar e de o Luís Avelino Mendes ter procurado sempre libertar-se, fazendo esforço físico para esse efeito.

7 - O arguido só parou quando notou que este deixara de lhe opor resistência e se encontrava inanimado no chão.

8 - De imediato, o arguido abandonou o local e só aí regressou passado algum tempo, quando Luís Avelino Cruz Mendes já estava a ser socorrido pelos Bombeiros Voluntários de Gouveia, na sequência de solicitação telefónica efectuada por Isaura do Carmo Oliveira César.

9 - O ofendido foi socorrido prontamente de ambulância ao SAP de Gouveia, onde já chegou cadáver.

10 - Com a conduta acima descrita, causou o arguido na pessoa de Luís Avelino Mendes as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 122 a 129, cujo teor se dá inteiramente por reproduzido, e, designadamente, esfacelo com perda de substância no bordo posterior do pavilhão auricular direito medindo cinco centímetros de comprimento por um de largura, sendo visível a cartilagem; esfacelo com a mesma localização e características do lado oposto, medindo neste caso seis centímetros de comprimento por um de largura; e diversas escoriações e equimoses na cabeça, pescoço e membros superiores.

11 - A morte de Luís Avelino Cruz da Cunha Mendes veio a ocorrer em consequência da existência da cardiopatia prévia que causou uma falência letal resultante da situação de "stress" prolongado por si vivenciada, após ter sido surpreendido pelo arguido quando se encontrava na cama com a esposa deste, lsaura do Carmo Oliveira César, "stress" emocional que se foi progressivamente agravando quando foi notada a sua presença no sótão e depois foi convidado pelo arguido para descer as escadas, sendo obrigado a passar por este e sofrer as lesões físicas atrás descritas.

12 - O arguido, sabia que o Luís Avelino Mendes sofria de problemas cardíacos há vários anos, pois sabia que costumava consultar o cardiologista.

13 - O Luís Avelino Mendes sofria de doença crónica cardíaca, isto é, de isquemia crónica, miocardiopatia dilatada com hipertrofia ventricular esquerda e fibrose subendocárdica, cujo elevado potencial arritmogénico, proporcionou uma situação favorável para o desencadeamento súbito de arritmias

14 - Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que atingia a integridade física do falecido e lhe causava as supra referidas lesões corporais e o sujeitava a sofrer dores físicas.

15 - O arguido tinha ainda perfeito conhecimento de que a sua conduta era punida criminalmente.

16 - O Luís Avelino Mendes passou à situação de reforma em l/7/1996,por proposta dos Serviços Clínicos do Banco Espírito, entidade para quem trabalhava, devido à doença crónica cardiovascular que o impedia para o trabalho habitual e à data da morte auferia a pensão mensal de 199.392$000.

17 - O arguido possui a 4ª classe como habilitações literárias, beneficia de uma pensão de reforma como operário têxtil de 36.000$00 mensais Actualmente vive com a esposa, em casa própria, auferindo esta no exercício da profissão de cozinheira o salário de 90.000$00,

Do pedido cível, para além dos factos atrás dados como assentes provaram-se ainda os seguintes:

18 - O Luís Avelino Mendes durante o tempo em que esteve em luta com o arguido e enquanto este lhe infligia as agressões físicas atrás mencionadas, dando-lhe murros e bofetadas e mordendo-lhe as orelhas com arrancamento de substância em ambos os pavilhões auriculares, teve sofrimento intenso e prolongado pelo menos por cinco minutos.

19 - A requerente Clementina à data da morte do falecido Luís era casa com este e sentiu a falta de apoio do marido.

20 - A requerente Isabel, nascida a 24/11/l967, é filha da requerente Clementina e do falecido Luís Avelino Mendes

21 - A requerente Isabel tinha uma ligação afectiva forte com o pai e sentiu
muito a sua falta.
22 - A requerente Clementina com despesas do funeral gastou a quantia de 161.000$00.

23 - O falecido Luís Avelino Mendes havia nascido em l/11/l936, estava reformado auferindo mensalmente do Banco Espírito Santo a importância de 185.939$00, importância esta também recebida a título de subsídio de férias e subsídio de Natal.
24 - O falecido Luís, da reforma que auferia, destinava a maior parte para o sustento do agregado familiar e não sofria de outros problemas de saúde, para além da deficiência cardíaca atrás apontada.
25 - As requerentes são as únicas e universais herdeiras do falecido Luís Avelino Mendes.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos constantes da acusação,
designadamente os seguintes:
O arguido ao agredir o Luís Avelino Cruz da Cunha Mendes, por este ter problemas de saúde cardíacos, sabia que, por isso, não podia estar sujeito a situações de grande esforço e de stress.
O arguido utilizou a sua maior força física.
A morte de Luís Avelino Cruz da Cunha Mendes veio a ocorrer em consequência das leses traumáticas da cabeça descritas no relatório de autópsia, que se dão por reproduzidas, complicadas de choque neurogénico, num quadro de doença cardíaca crónica -isquemia crónica, miocardiopatia dilatada com hipertrofia ventricular esquerda e fibrose subendocárdica de que o mesmo padecia.
Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que ao atingir a integridade física do falecido lhe causava as supra-referidas lesões de forma a desfigurá-lo grave e permanentemente e que, não obstante ter representando a possibilidade de, desse modo, e por força dessas lesões, em conjugação com os problemas cardíacos de que Luís Avelino Mendes padecia e com a situação de esforço e stress extremos a que o sujeitou até à exaustão, lhe poder vir a causar a morte, não se absteve de actuar, conformando-se com a produção desse resultado, que efectivamente veio a acontecer.

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A- Vício da sentença.

Uma vez que a nossa discordância se prende unicamente com o enquadramento jurídico passamos a transcrever a parte relativamente ao vício da sentença.

A primeira linha de impugnação formulada pelo recorrente incide sobre a existência de uma contradição dos factos considerados provados. Tal contradição situar-se-ia em dois planos distintos:

-Em primeiro lugar reporta-se a circunstância de a decisão recorrida ter dado como não provado que o arguido utilizou a sua “maior força física” e, simultaneamente, ter considerado provada factualidade demonstrativa de tal superioridade nomeadamente os pontos 4 a 7 da factualidade supra descrita.

Num segundo momento aponta-se a circunstancia de se afirmar que o esforço físico imposto à vitima não foi, obviamente, indiferente ao complexo causal da morte e, por outro lado se sustentar que as lesões se não encontram em relação de causalidade com a morte da vítima.

Nenhuma das duas criticas tem fundamento sustentado ou é iluminado por um sentido de objectividade que também parametriza a actividade do MºPº. Na verdade, a circunstancia de alguém assumir uma posição de absoluto controle, ou domínio, numa situação de confronto físico pode radicar-se numa superioridade física, mas também pode resultar de outros factores fisiológicos ou psicológicos ou até, inclusive, numa maior preparação ou treino. Por qualquer forma não se denota entre as duas situações aquela contradição pretendida pelo recorrente.

A segunda contradição apontada emerge de uma invocação que se situa fora do contexto em que é produzida. Na verdade, a decisão recorrida, no trecho agora em causa, afirma expressamente a relação de causalidade quando aponta que a situação de stress estimulou uma potente libertação de catecolaminas, cuja acção num miocárdio já debilitado, e previamente sensibilizado à sua acção, conduziu a uma arritmia fatal. Obviamente que não foi alheio o esforço físico a que foi submetida a vítima para aumentar o seu estado emocional.

Não existe qualquer contradição entre dois factos simultaneamente considerados provados, mas sim uma questão totalmente distinta, que se prende com o núcleo essencial do presente recurso e que é a do estabelecimento de uma relação de causalidade .Aliás, tal confusão estende-se em relação á impugnação aplicando-se, também aí, o ora exposto.

Na verdade, assume-se que as lesões contribuíram para uma situação de aumento do estado emocional mas, simultaneamente afirma-se que a morte veio a ocorrer em virtude da cardiopatia prévia que causou uma falência letal resultante da situação de stress prolongada vivenciada pela vítima.

Nada impede a coexistência de tais factos, a qual tem suporte na prova produzida.

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B- Enquadramento jurídico

No ilícito previsto no artº 145º do CP o crime base é doloso e o resultado é imputado a título de negligência.( - Cfr. Ac. do STJ de 7-3-90, processo nº 40419)

Assim teremos que apreciar a provada conduta do arguido nesta perspectiva ,ou seja teremos de fazer uma valoração qualitativa do poder e dever de previsão da idoneidade normal das lesões imediatamente oriundas da agressão para provocarem o decesso da pessoa agredida.( Ac. do STJ 17-4-91, BMJ 406-341)

Assim a questão a merecer especial exame, neste ponto, prende-se com a imputação a título de negligência, ou seja sobre a possibilidade de previsibilidade, mais concretamente se o facto de o arguido saber que a vítima “sofria de problemas cardíacos há vários anos” é suficiente para caracterizar a sua actuação como negligente.

A resposta, parece-nos, terá se ser negativa.

É que previsibilidade e dever de prever são elementos que objectivamente delimitam a negligência, no entanto , o concreto conteúdo ,âmbito de tais elementos deve ser aferido, não em termos absolutos ,mas sim de acordo com as regras gerais da experiência dos homens, ou de certo tipo de homem , pelo que existe dever de prever , sempre que uma conduta em si,sem as necessárias cautelas e cuidados ,seja adequada a produzir um evento.

Como diz Eduardo Correia( - Direito Criminal (1971),I, 424 e segs.): “ É um nexo de causalidade adequada que vem a fixar objectivamente os deveres de previsão ,que, quando violados , podem dar lugar à negligência , ou seja, que vem dizer quando se deve prever um resultado como consequência duma conduta, em si ou na medida em que se omitem as cautelas e cuidados adequados a evitá-lo.”

Tais cuidados e cautelas tanto podem resultar ,pois, de regras ou preceitos jurídicos (caso das regras de trânsito) como da adequação da conduta para produzir um resultado, desde que as regras comuns de experiência não sejam tomadas na devida conta. Assim ,se segundo as regras comuns de experiência, uma conduta revela aptidão para produzir um resultado proibido, ocorre violação do dever de diligência e, portanto, existe culpa(negligência), independentemente daquilo que pessoalmente o agente poderia prever como normal e necessário.

No caso a acusação para o crime de homicídio assenta o dolo eventual ( o agente ao actuar conformou-se com a possível realização do facto criminoso) num conjunto de factos e circunstâncias que só em parte ficou provada, precisamente aquela que menos reforça a ideia de “conformação” ou a que permitiria falar em negligência , numa “previsibilidade subjectivamente possível” para utilizar a expressão de Figueiredo Dias.( - Responsabilidade pelo resultado e Crimes Preterintencionais- 1961-123)).

Explicitando.

Ficou provado que “o arguido sabia que o Luís Mendes sofria de problemas cardíacos há vários anos , pois sabia que costumava consultar o cardiologista” .

Esta factualidade é insuficiente para caracterizar a negligência exigível para preencher o tipo do artº 145ºdo CP.

Perante tal factualidade o resultado ,decesso da vítima, excede a capacidade de previsão de qualquer agente. Se o arguido soubesse que o Luís Avelino Cruz da Cunha Mendes , não podia estar sujeito a situações de grande esforço e de stress já a situação poderia ter solução diferente já que esta sim poderia ser consubstanciadora de negligência. Assim considerando que o evento agravante tem de ser imputado ao agente pelo menos a título da culpa consideramos que, não existindo esta, não se verifica o ilícito do artº 145º do CP .

Acresce que teremos de nos debruçar sobre a situação ,também,na vertente momento concreto em que se desenrolou a acção e os reflexos que a emoção para a violência decorrente, teve forçosamente na capacidade de discernimento do arguido que agiu impulsiva que não reflectidamente.

Aliás é de sublinhar que ele em nada contribui para o desencadear de situação e consequente surgimento da sua própria emoção e estado de espírito que determinou a sua actuação.

Ao invés tudo indica que foi o stress emocional em que a vítima, ela própria, se colocou que determinou o desfecho fatal, ao ir a casa de um “amigo” ter relações de sexo com a mulher deste, refugiando-se durante algum tempo no sótão e depois convidado a sair pelo marido arguido para descer as escadas.

É que o dever de prever deve ser aferido em termos de capacidade para tal, entendida esta numa dupla vertente, não só de conhecimento das implicações do seu acto, como em termos de estado de espírito no momento da prática do acto.

Quanto ao nexo causal consideramos que as lesões sofridas não tinham potencialidade para serem causa adequada de morte.

Foi sim causa adequada o momento, o espaço de tempo, mais um, durante a qual a agressão ocorreu, e que voltamos a sublinhar o arguido não tinha a possibilidade de prever , que contribuiu para o potenciar e culminar o stress máximo que provocou o desencadeamento súbito de arritmias.

Outra não poderá ser ,na nossa perspectiva ,a leitura a retirar da factualidade dada como provada.(11- A morte de Luís Avelino Mendes veio a ocorrer em consequência em consequência da existência da cardiopatia prévia que causou uma falência letal resultante da situação de “stress” emocional que se foi progressivamente agravando quando foi notada a sua presença no sótão e depois foi convidado pelo arguido para descer as escadas, sendo obrigado a passar por este e sofre as lesões físicas atrás descritas.)

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Nestes termos se decide:
- Julgar por não provido o recurso da sentença.

Sem tributação.

Coimbra, 2003-12-03



Vencido nos seguintes termos:
-O cerne do presente recurso reconduz-se á discordância do recorrente em relação á atipicidade do comportamento do arguido que fundamentou a decisão absolutória.
Na verdade, como refere Costa Andrade a redução do universo de práticas jornalísticas puníveis a título de atentados à inviolabilidade pessoal, reclamada por razões de política criminal e exigências de justiça material pode alcançar-se tanto a nível dos tipos-incriminadores como dos tipos-justificadores.O desejável reforço da descontinuidade ou fragmentaridade da ilicitude penal pode igualmente lograr-se estreitando o alcance dos primeiros ou, inversamente, alargando o número e o âmbito de eficácia dos segundos.
À semelhança do que em geral acontece, também aqui não é inteiramente indiferente que a redução do punível se faça em sede de tipicidade ou de ilicitude. Como Jakobs recorda, "a justificação pode afastar o ilícito mas não a soziale Auffalligkeit da conduta (...) , É verdade que as consequências penais de um facto atípico típico-justificado são as mesmas ,só que a fundamentação jurídica das consequências é diferente". A conduta típica configura sempre a concretização de uma expressão paradigmática de danosidade social intolerável e, como tal, digna de tutela penal e carecida de tutela penal Para além de corresponder à primeira valoração jurídico-penal, reveste-se invariavelmente de uma carga simbólica negativa.
Nesta perspectiva a ponderação de interesses subjacentes aos direitos fundamentais em colisão deve tomar, necessáriamente, em conta o significado institucional de uns e outros numa relação flexível em que o ponto de partida da interpretação deve ser dado pela posição fundamental que ocupa a liberdade de expressão no Estado democrático de Direito.
Parece sobrar assim como líquida a conclusão de que não é correcto erigir o “topos”da conflitualidade em critério de contraposição e distinção entre a tipicidade e a ilicitude. Intervindo com sentido e alcance naturalmente diferenciados em cada uma das instâncias, a conflitualidade configura em qualquer caso um elemento de comunicabilidade entre a ilicitude e a tipicidade que, por vias disso, vêem as linhas de fronteira que as separam esbatidas. Se é assim, em geral, por maioria de razão terá de sê-lo no domínio das incriminações pré-ordenadas á tutela de bens jurídicos caracterizados pela sua vinculação social e pela sua estrutura irredutivelmente conflitual. Trata-se, por isso, de normas com uma compreensão e extensão que só é possível actualizar reactualizando as linhas de conflito e os critérios normativos de superação predominantes na decisão do legislador.
Acrescem as implicações normativas do efeito-recíproco e do efeito-de-irradiação que a lei constitucional adscreve à liberdade de imprensa.E que resultam num incontornável mandamento hermenêutico que tem como destinatário tanto o legislador como o intérprete e aplicador do direito e que se faz sentir tanto em sede de determinação do tipo como de exclusão da ilicitude.
A conclusão sobre a tipicidade, ou não, de uma determinada conduta implica um juízo sobre a sua carga negativa em relação á honra.
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Abarcando uma das questões sensíveis da dogmática a nível criminal com uma necessidade de compreensão de conceitos tão abrangentes e relevantes como os a liberdade de expressão ou o atributo fundamental da dignidade humana que é a honra.
Se a questão que nos suscita a atenção reveste uma natureza criminal não é menos certo que a mesma reveste um inegável contorno civilizacional que a transformam num tema recorrente em contextos culturais com mesma matriz do nosso país.Não admira assim que sobre o tema em causa tenha incidido uma sólida jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Na verdade, enunciada pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homen a liberdade de expressão é "um direito fora do comum: é simultaneamente um direito em si e um direito indispensável à realização de outros direitos (por exemplo, a liberdade de expressão e de informação é necessária à liberdade de reunião, mas não deixa de constituir uma ameaça ao direito ao respeito da vida privada). É simultaneamente um direito individual, que releva da liberdade espiritual de cada um, e um direito colectivo ou sobretudo convivial, que permite a comunicação com os outros.Considerada como "um dos direitos mais preciosos do homem" (artigo 11 da Declaração francesa de 1789) é um direito democrático por excelência.
O TEDH tem insistentemente sublinhado, após a decisão do caso Handyside que ela constitui "um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um”. O valor político e social considerável da liberdade de expressão justifica que o seu exercício seja acompanhado de deveres e responsabilidades próprias.Uma concepção similar impregna outros textos internacionais, além da CEDH, por exemplo o Pacto internacional sobre direitos civis e políticos, artigo 13, e a Convenção Americana dos Direitos do Homem, que todos enunciam o direito à liberdade de expressão e as restrições autorizadas ao seu exercício.Mas, sob o efeito das transformações sociais e técnicas, a liberdade de expressão tem conhecido uma evolução sensível do direito de exprimir uma opinião individual e o direito de informar os outros. A liberdade de opinião, por seu turno, é o elemento clássico da liberdade de expressão e supõe que ninguém possa ser inquietado pelas suas opiniões. Mais: a possibilidade de cada um poder exprimir mesmo uma opinião minoritária, é uma componente essencial da sociedade democrática, que repousa sobre o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura.
A pluralidade de opiniões é a própria fonte da liberdade de expressão que, segundo a jurisprudência do TEDH, "vale não apenas para as informações e ideias acolhidas favoravelmente" mas também para aquelas "que ferem, chocam ou inquietam"
Acontece que existem restrições autorizadas à liberdade de expressão. A reserva de ordem pública do artigo 10 n° 2, da CEDH, à semelhança do que sucede no Pacto e na Convenção americana autoriza três categorias de restrições: para protecção do interesse geral, para protecção de outros direitos individuais e imparcialidade do poder judiciário.
0 TEDH tem-se mostrado particularmente exigente no exame das condições a que essas restrições devem obedecer para serem compatíveis com a Convenção. Podemos resumi-las do seguinte modo a liberdade de expressão é um principio fundamental da sociedade democrática; as restrições autorizadas são excepções que carecem de uma interpretação restritiva.
O TEDH tem julgado, em várias sentenças, que certas ingerências na liberdade de imprensa são desproporcionadas ao fim legítimo prosseguido. A própria protecção da autoridade do poder judiciário é uma noção objectiva que deixa aos Estados uma débil margem de apreciação de apreciação. Mas o Estado retoma uma liberdade maior quando se trata da necessidade de uma limitação à liberdade de informação para protecção da moral. O pluralismo impossibilita, no entanto, uma noção europeia uniforme da moral, as exigências desta variam no tempo e no espaço particularmente em matéria de moral sexual.Também é evidente que as actuais exigências de uma informação o mais larga possível ligam mal com a salvaguarda da vida privada. A CEDH não organiza uma qualquer hierarquia entre os direitos proclamados e opera uma neutralização recíproca à liberdade de expressão e do direito ao respeito da vida privada, devendo as autoridade esforçar-se por garantir ambos estes direitos" O artigo 10, n° 2 fornece ao Estado o meio de realizar essa conciliação, autorizando-o, sob controlo europeu, a limitar por via legislativa, a liberdade de informação para “protecção dos direitos de outrem” Só que a protecção do direito ao respeito da reputação de outros é automaticamente reduzido quando se trata de homens políticos ou quando colocam a sua vida privada em contacto publica (Cfr. Os casos Lingens e Oberschlick). Por isso se diz que a liberdade de expressão é um “direito condicional”, por susceptível de restrições e derrogações através das limitações que o afectam.
O TEDH tem enunciado o princípio da interpretação estrita das limitações a esse direito doutrinando que uma restrição ao seu exercício jamais poderá atingi-lo na sua substância. E a sua jurisprudência, de um modo geral tem contribuído para definição do concreto conteúdo de tal direito.
Não falta quem tenha tentado uma espécie de escala dos direitos do homem
Consagrados nos textos internacionais: direitos de protecção absoluta, quer dizer direitos relativamente aos quais nenhuma derrogação, excepção ou restrição é admitida, mesmo em caso de guerra ou de perigo publico excepcional que ameace a existência da nação, proclamado por acto oficial; direitos de protecção quase absoluta, quer dizer protecção sem restrições ou restrições mas que podem ser suspensos temporariamente, em caso de guerra ou de perigo publico que ameace a vida da nação; direitos que gozam de protecção relativamente forte nos quais são admissíveis excepções limitativamente enumeradas e impostas sem margem nacional de apreciação (é o caso, por exemplo, do direito à liberdade e à segurança); enfim direitos que gozam de protecção relativamente clébil em que as restrições são admitidas com uma margem nacional de apreciação.
O direito à liberdade de opinião e de expressão integra-se nesta última categoria (artigo 10ºda CEDH ). Na falta de uma lista limitativa, as restrições pressupõem três condições: têm de ser previstas na lei, conformes a um fim legítimo, necessárias a uma sociedade democrática.Só que a enumeração dos fins legítimos das medidas restritivas é bastante larga: segurança nacional, defesa da ordem e prevenção de infracções penais, protecção da saúde e da moral, protecção dos direitos, liberdades e reputação de outrem, imparcialidade do poder judiciário etc.
Sem duvida que é unicamente pelo jogo dessas três condições (legalidade, legitimidade e necessidade democrática), que a CEDH pode permitir-se censurar as limitações impostas em nome da razão de Estado Lopes Rocha “A liberdade de expressão como direito do homem” Sub Judice 15/16 pag 21 e seg. (
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É também numa perspectiva de dialética ou de confronto entre atributos fundamentais do cidadão que,também deve ser encarada tal dialética face ao nosso direito constitucional.
Na verdade, o artigo 26 da Constituição da Republica atribui a todos os cidadãos o direito ao bom nome e reputação.Por seu turno o artigo 37 do mesmo diploma fundamental vem consignar os direitos constitucionais de expressão e de informação.
Consiste o primeiro daqueles direitos no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa .Por seu turno o direito á expressão consubstancia-se na liberdade de exprimir e divulgar livremente o pensamento; direito de resposta e de rectificação Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição Anotada pag 180.
É, assim, na esteira do que Figueiredo Dias denomina de uma relação de mútua referência ou analogia substancial entre a ordenação axiológica constitucional e a ordem dos bens juridico-penais, que surge a tutela de tal direito sempre no pressuposto de que o Direito Penal deve ser o último meio a intervir para defesa de um bem digno de tutela penal e só o deverá fazer quando para tal for considerado adequado (Confrontar “Constituição e Crime-Uma perspectiva de criminalização e da descriminalização” de Maria da Conceição F. da Cunha pag 240 e seg)

Será pois dentro das coordenadas que são impostas pelos próprios conceitos constitucionais e ponderação dos valores que lhe estão subjacentes que deverá equacionar-se a resolução do caso concreto. Na verdade, como bem acentua Enrique Bacigalupo Estudios sobre la parte especial del derecho penal de forma alguma se pode equacionar a causa de justificação da lesão de um bem como a honra numa redução á polémica sobre o elemento subjectivo do tipo ou seja a existência de um “animus deffendendi” ou “criticandi”.É num outro plano que se deve colocar a questão que num Estado de Direito democrático a liberdade de expressão tem um carácter constitutivo e uma hierarquia específica quando se trata do exercício do direito a participar na vontade política da comunidade.Por essa forma se justifica que sob certas condições o direito á liberdade de expressão e informação possa ter uma hierarquia superior ao direito á honra e, consequentemente, operar como uma causa de justificação do tipo penal do crime de difamação.
Como refere Figueiredo Dias “ponto de partida de toda a consideração parece pois dever ser o seguinte: se o direito de informação constitui, como começámos por assinalar, um direito fundamental enquanto tal garantido pela Constituição, então é o seu próprio exercício - e não quaisquer outras exigências de índole dogmática, como a do dolo específico ou a da permissão da exceptio veritatis - que há-de valer como justificação jurídico-penal de quaisquer ofensas à honra que aquele traga consigo. Por outras palavras, o exercício do direito jurídico-constitucional de informação há-de valer como aquele exercício de um direito que o nº 4 do artigo 44º do Código Penal considera que justifica o facto.
Daqui não deverá concluir-se que a actividade dos meios de comunicação prevalece em absoluto sobre a da honra das pessoas, pelo que nenhuma ofensa à honra seria punível desde que veiculada pela imprensa na sua actividade noticiosa ou critica;pois sempre seria de saber se uma tal ofensa foi praticada no exercício do direito de informação.
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No caso concreto o escrito onde constam as expressões imputadas ao arguido integra-se no contexto de uma discordância relativa á prática de uma acto inserido na esfera de actuação pública do assistente e têm subjacente uma carga político partidária.
Discorrendo sobre um acto concreto afirma o arguido que o assistente, na qualidade de presidente da autarquia, escolheu um terreno mais pequeno e caro mas cujo proprietário é um grande amigo seu.
Estamos numa situação em que a ofensa dos valores da dignidade pessoal, que constituem a essência do conceito de honra, tem de ser integrada no contexto em que foi proferida.Igualmente é certo, como se referiu, que estamos num domínio de crítica que provem de uma situação concreta e não podemos esquecer o que constitui um dado adquirido em termos de aquisição doutrinal no que concerne ao exercício do direito de crítica.
Na verdade, conforme refere Costa Andrade o exercício do direito de crítica, intimamente associado á liberdade de imprensa, tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância jurídico-penal está à partida excluída por razões de atipicidade. Tal vale designadamente para os juízos de apreciação e valorado crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc. ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo. Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva isto é: enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa do seus autores ou criadores - aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a difamação. Já porque não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., já porque não a atingem com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Num caso e noutro, a atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude.
Três observações formula o mesmo Mestre a propósito da referida atipicidade da crítica objectiva:
Por um lado a mesma não depende do acerto, da adequação material ou da verdade das apreciações subscritas.Os actos praticados serão atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material ou, inversamente a sua impertinência.
Em segundo lugar o direito de crítica com este sentido e alcance não conhece limites quanto ao teor, á carga depreciativa e mesmo á violência das expressões utilizadas.O seu exercício legitima por isso o recurso ás expressões mais agressivas e virulentas mais carregadas de ironia e com os efeitos mais demolidores sobre a obra ou prestação em apreço.
Em terceiro lugar é hoje igualmente pacífico o entendimento que submete a actuação das instâncias publicas ao escrutínio do direito de crítica (objectiva) com o sentido, alcance e estatuto jurídico-penal que ficam consignados.
Isto vale sobremaneira para os actos da administração Publica, as sentenças e despachos dos juizes, as promoções do ministério publico, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo ou o Parlamento. Citando Uhlitz " a ordenação fundamental da vida democrática e livre pressupõe a mais aberta e desinibida discussão dos cidadãos sobre a correcção da condução da coisa Publica"
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No caso concreto trata-se de uma crítica que se situa na sequência de um acto concreto de natureza política praticado pelo assistente.Assim, se é certo que tais expressões contêm alguma contundência política igualmente é exacto que as mesmas se situam num plano concreto-o da vida pública- e, tendo na sua génese um facto determinado, não têm a carga de contundência susceptível de atingir a própria pessoa do assistente no todo da sua personalidade.
Diremos que a expressão utilizada, e que o ora recorrente utiliza como fundamento da sua discordância, se encontra numa zona limite que define a responsabilização criminal.Aliás é por tal motivo que o recorrente, com o propósito de responsabilizar o arguido, se socorre de uma inferência que não está contida na expressão utilizada ou seja o recebimento de uma “comissão”
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O caso vertente é, assim, o exemplo de uma situação limite de tipicidade.Na verdade, há uma linha divisória que deve estar sempre presente entre comportamentos eticamente reprováveis e aqueles em que, além da dimensão ética apresentam uma relevância axiológica que faz sobressair a negação dos valores jurídico criminais
Tais limites como que se acham inscritos num Código de Conduta o qual reflecte o pensamento da própria comunidade e por isso é reconhecido por todos ou pela maioria.Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte regras que estabelecem a obrigação e o dever de cada cidadão se comportar em relação aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social.É evidente que esse mínimo de respeito não se confunde com a educação ou a cortesia.
A referida linha demarcativa situar-se-á, então, conforme refere Augusto Silva Dias, citando Welzel e Mesguer, na susceptibilidade da imputação para lançar o descrédito e a suspeita sobre a vítima perante a opinião pública.Por opinião pública deve entender-se a opinião de um grande número de pessoas que não esteja em contradição com as valorações da ordem jurídica: a determinação deste ponto requer uma interpretação pelo juiz do significado social da afirmação proferida tendo em conta o grau de cultura dos intervenientes, a sua posição social, as valorações do meio, os objectivos reconhecíveis da afirmação.
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Compulsando a matéria constante da acusação entendemos que da afirmação produzida pelo arguido não se pode extrair a conclusão no sentido de que as afirmações produzidas são ofensivas da honra e consideração da assistente, ou seja, susceptíveis de lançarem tal descrédito sobre a assistente. Igualmente é certo que as mesmas são produzidas no contexto de uma crítica a um determinado acto de natureza pública praticado pelo assistente enquanto no exercicio de funções autárquicas não comportando, como pretende o recorrente, outra conclusão que não a de que a escolha do terreno em causa não tinha qualquer justificação que não a relação pessoal.
Repete-se que, em qualquer uma das perspectivas que se tome o conceito de honra, não é manifesta a sua ofensa em virtude do artigo em causa.
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Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se confirmaria a decisão absolutória proferida.