Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | AUTORIA MORAL INSTIGAÇÃO TENTATIVA PRISÃO PREVENTIVA | ||
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Data do Acordão: | 09/12/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CANTANHEDE - 1º J | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 191º, 193º, 202º, Nº 1, AL. A) E 204º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EX VI DOS ART.ºS. 131º, 132º E 26º, DO CÓDIGO PENAL | ||
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Sumário: | I. No caso de autoria mediata a tentativa é punível, no caso da instigação a punição do sujeito activo só é adoperada se tiver havido execução ou se a mesma tiver tido o seu início. Assim, ao instigador não poderá ser assacada qualquer responsabilidade penal se não tiver havido execução ou começo de execução, quedando de fora a punibilidade da tentativa, ao passo que se se considerar que o arguido actua na veste de autor mediato, então será possível a sua punição como autor do facto típico, na forma tentada. II. O começo da tentativa surge naquele momento em que círculo de protecção dos direitos do titular do direito se revela, objectivamente, ameaçado pela acção realizada e quando entre esta acção e o verbo típico ocorre um contínuo temporal que, inexoravelmente, deveria conduzir à realização do tipo de ilícito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra. I. – Relatório. Estimando ter o tribunal a quo violado os artigos art.s. 191º, 193º, 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, ex vi dos art.s. 131º, 132º, nºs. 1 e 2, alínea i), 22º, nºs. 1 e 2, alínea c) e 26º, do Código Penal, recorre o Ministério Público, do despacho do Mmo. Juiz de Instrução Criminal da comarca de Cantanhede que, desatendendo a douta promoção lavrada no processo supra referenciado, não aplicou ao arguido A... a medida de coacção de prisão preventiva. Da motivação com que ceva o recurso, extracta a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita. «1. A conclusão do Tribunal quanto ao juízo indiciário a que se reporta as als. k), I) e m) da matéria de facto dada como indiciada não está conforme aos elementos de prova que foram carreados para os autos e contraria abertamente as regras da experiência comum, já que resulta inequívoco dos autos que a entrega do cheque no valor de € 2.500 efectuada pela B... ao arguido, D..., o foi como princípio de pagamento do serviço contratado pelo seu companheiro, ora arguido, A..., para matar a sua ex-mulher, que só não veio (ainda) a efectivar-se em virtude de problemas surgidos com a provisão do cheque. 2. Ao assim não julgar violou o tribunal a quo o art. 127º do Cód. Proc. Penal. 3. E autor mediato o “homem de trás”, que persuade o aliciado a praticar o facto criminoso através de uma contrapartida pretendida pelo executor, pois tem o domínio do facto, sob a forma de domínio da vontade 4. No aliciamento o acordo criminoso é o momento decisivo do início da execução do crime, o acto determinante da resolução criminosa do autor imediato. 5. Na autoria mediata a tentativa inicia-se com o final da actuação do autor mediato sobre o instrumento, ou seja, com a saída do acontecimento do âmbito do domínio do autor mediato. 6. O ponto de partida para determinar o início da tentativa do autor mediato é o primeiro acta de execução que tanto pode ser realizado pelo autor mediato como pelo autor imediato, desde que realizado algum acta que possa considerar-se abrangido por algumas das alíneas do n.º 2 do artigo 22º do Código Penal. 7. Dos autos resulta fortemente indiciado que o arguido, A..., praticou actos que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, sempre seria de esperar que se seguissem actos, praticados pelo arguido D..., que preenchessem os elementos constitutivos do crime ou que fossem idóneos a produzir a morte da vítima C.... 8. Pelo que está, assim, fortemente indiciado, nos presentes autos, a prática pelo arguidoA..., como autor mediato, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea i), 22º, nºs 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal. 9. Ao assim não considerar, fez o tribunal a quo uma incorrecta interpretação do direito aplicável à materialidade fáctica indiciada, violando, desta maneira, o disposto nos citados artes. 131º,132º, nos. 1 e 2, alínea i), 22º, nos. 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal. 10. Ainda que se entenda que a conduta do arguidoA... se enquadra antes no conceito de instigação, sempre teríamos de concluir pela existência de fortes indícios da prática de actos de execução pelo instigado D..., pelo que, mesmo assim, estaria fortemente indiciada prática pelo arguidoA..., como instigador, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigo 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea i), 22º, nº 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal. 11. No caso sub judice verifica-se a existência dos perigos concretos de perturbação da tranquilidade pública, continuação da actividade criminosa, fuga, perturbação do decurso do inquérito e para aquisição da prova no que tange ao arguidoA.... 12. Sopesando os critérios de proporcionalidade, adequação, necessidade, a prisão preventiva é a única medida de coacção adequada às I exigências de natureza cautelar que o presente caso requer nos termos das disposições conjugadas 191º, 193º, 202º, n.º 1 alínea a) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal. Termos em que deve o despacho em apreço ser revogado e substituído por outro que, considerando fortemente indiciado a prática pelo arguido, A..., como autor mediato, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelas disposições conjugadas dos art.s. 131º, 132º, nºs. 1 e 2, alínea i), 22º, nºs. 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal, lhe aplique, em conformidade com o disposto nos art.s. 191º, 193º, 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, a medida de coacção de prisão preventiva». Ao recurso respondeu o arguido, tendo rematado a peça processual adrede, com a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita. «1º - Vem o Digníssimo Representante do ministério público recorrer do Douto Despacho proferido o qual determinou que o arguido, aqui recorrido, aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito a Termo de Identidade e Residência, já prestado, determinando ainda a imediata restituição do arguido à liberdade uma vez que o mesmo se encontrava detido. 2º - Entendendo e bem o tribunal a quo, que a conduta imputável ao arguido, apesar de moralmente censurável, não era punível como crime de homicídio qualificado, na forma tentada. 3º - Considerou o tribunal a quo, que a conduta do arguido, aqui recorrido, não se poderia enquadrar no conceito de autoria mediata mas tão só no de instigação, no caso, na forma tentada, quer pela ausência de começo da execução, quer porque o executor imediato nunca teve intenção de eliminar a esposa do arguido A..., sendo que a figura de instigação não é punível no código penal. 4º - Bem considerou o tribunal a quo, “é também patente que enquanto o agente imediato não praticou nenhum acto de execução não há verdadeira instigação. Aliás, nem outra forma podia ser, já que então estar-se-ia a punir as meras cogitaciones. Vale a este propósito a regra da acessoriedade” (Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p.173)». Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto, em avisado parecer, é de opinião que a posição assumida pelo tribunal e mostra adequada à factualidade que vem patenteada nas peças processuais que forma mandadas juntar ao processo – cfr. fls. 139 e 140.. As questões, ainda que não explicitamente expressas nas conclusões do recurso, deverão abarcar ou atinar com as temáticas a seguir enunciadas: - Tentativa – Actos preparatórios/actos de execução; Autoria (Autoria mediata); e Instigação. II. – Elementos pertinentes para a Decisão. - Promoção do magistrado do Ministério Público, de 31 de Janeiro de 2007 «Conforme já deixámos explanado no despacho que determinou a apresentação do arguido no primeiro interrogatório judicial, pensamos que os autos são eloquentes do plano concebido pelo arguido A..., para pôr termo à vida da sua ex-mulher, ofendida C..., tendo para o efeito contratado para a execução desse “serviço” o arguido D..., e a quem como contrapartida entregou como princípio de pagamento da quantia de dois mil e quinhentos euros titulado por um cheque sacado sobre urna conta de que o mesmo é titular, no BPN de Cantanhede. Isso mesmo nos dizem os elementos de prova já carreados para os autos, designadamente do que resulta da generalidade dos depoimentos dos intervenientes nos factos denunciados, bem como, dos documentos apreendidos aos arguidos. Está ainda por esclarecer, contudo, a razão pela qual o tal serviço não chegou ainda a ser efectuado, ao que tudo Indica derivado a questão relacionadas com o respectivo pagamento, resultante dos autos que os arguidos D..., E... estarem a fazer jogo duplo na tentativa de extorquir dinheiro também à ofendida. Existem também indícios suficientes que terá sido o arguido a dar instruções expressas sobre o modo como o serviço contratado havia de ser efectuado, bem como das respectivas circunstâncias de tempo e lugar, chegando mesmo a deslocar-se com o arguido D... ao local onde o crime haveria de ser consumado (declarações do arguido D... a fls. 165 a 176). Acresce ainda todo o circunstancionalismo em que se deram os factos, ocorridos na sequência dos inúmeros problemas surgidos com o divórcio e com a regulação do exercício do poder paternal filho de ambos, o que motivou que o arguido andasse, segundo as suas próprias palavras “desorientado”, admitindo que chegou a ameaçar a sua ex-mulher de morte e que já tinha contratado alguém para a matar. Não nos merecem por isso, qualquer credibilidade as declarações hoje aqui prestadas pelo arguido, não s6 porque em oposição aos demais elementos de prova já constantes dos autos, como também pelo facto, a nosso ver, o mesmo ter adiantado algumas explicações para os factos, que se nos afiguram inverosímeis. Desde logo no que se refere à insistência do arguido D..., em fazer o tal trabalho sob ameaças de vária ordem I quando o arguido diz nunca ter manifestado uma real intenção de executar tal serviço. Podemos também surpreender no seu depoimento algumas contradições e incongruências, no que se refere nomeadamente à explicação quanto à razão pela qual a fotografia da sua ex-mulher foi encontrada na posse do arguido D..., não nos parecendo minimamente credível o arguido andar com uma fotografia da sua ex-mulher quando vinha mantendo com ela enormes conflitos, também ficamos sem perceber, nesta visão das coisas, qual a real intervenção da sua actual companheira B......, que segundo as suas palavras terá tido um papel preponderante em toda esta situação, quando à partida os factos nada tinham a ver com ela. Também nos parece incongruente a descrição do episódio relativo à entrega do cheque. Estamos assim, convictos que, efectivamente, o arguido quis pôr termo à vida da sua mulher recorrendo a um terceiro para lhe executar esse serviço. Uma vez que, felizmente, tal propósito não chegou a consumar-se por motivos qua, em concreto, ainda não estão devidamente esclarecidos, a questão que ora se nos coloca, por referência naturalmente ao crime de homicídio, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º do Código Penal, é a de saber, designadamente, no que se refere ao arguido A..., se foram praticados actos de execução para efeitos da tentativa do referido ilícito criminal. A nosso ver, tendo o arguido procurado deliberadamente determinar um terceiro à prática de um crime de homicídio, fornecendo para o efeito identidade da vítima (sua ex-mulher), informações sobre o seu local de trabalho, bem como os termos em que o crime haveria de ser cometido, deslocando-se inclusivamente com o executor ao local da prática do mesmo, entregando ainda uma soma em dinheiro como contrapartida do resultado que pretendia obter (a morte da sua ex-mulher), não podemos deixar de considerar que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis sempre seria de esperar que se seguissem actos constitutivos do crime ou que fosse idóneos a produzir a morte da vítima (cfr. art. 22º, nº2, alínea c) do Código Penal), conforme se pode ler no Ac6rdão da Relação do Porto de 20-09-2006 (www.dgsLpt) “teremos que admitir que ao fornecer o conhecimento necessário para a execução do crime nos termos apontados, efectuando ainda pagamento de parte de quantia combinada, como retribuição do seu cometimento, existe um começo de execução, em que o arguido, inclusivamente, deixa o processo o processo causal sair da sua esfera de domínio. Tanto basta para que se deva considerar ultrapassado a fronteira dos meros actos preparatórios, situando-se a acção já no domínio dos actos de execução, na previsão da alínea c) do nº 2 artº 22º, logo, no domínio da tentativa, não sendo necessário para o efeito uma efectiva colocação da vítima em perigo”. Penso, assim, que independentemente do comportamento do arguido contratado para a execução do crime, na presente situação o arguido A..., ao dar orientações expressas da forma como se haveria de consumar o crime, fazendo-se acompanhar para o efeito do arguido D... ao local em questão, está efectivamente a praticar actos de execução do crime ora em análise, constituindo a sua actuação elemento indispensável à produção do resultado final, devendo por isso ser considerado (co)-autor do referido crime, ou, numa outra perspectiva seu instigador, já que nos parece também defensável considerar que o mesmo determinou dolosamente outra pessoa à prática de um facto criminoso, facto esse que teve o seu início de execução com os contactos e posterior diligências encetadas por ambos arguidos no sentido de melhor executarem o seu projecto criminoso, não se chegou a verificar por razões completamente alheias ao arguido A.... Temos pois fortemente indiciado, para além do mais, a prática pelo arguido A..., de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nºs 1, 2, al. i), por referência aos art.s 22º, nºs 1 e 2, al. c) e 26º, todos do Código Penal. Ao mencionado ilicito corresponde uma pena de prisão superior a três anos, sendo, por isso, admissível quaisquer medidas de coacção elencadas na nossa lei processual penal, tanto é quando se verifica os perigos visados pelo legislador no art. 204º do C.P.P.. o crime iniciado nos presentes autos, apesar de tentado, é no elenco dos crimes contra as pessoas o de maior gravidade e o que gera maior sentimento de repulsa na consciência do cidadão comum. Revelam-se por isso intensos os juízos de censura e alarme social, acresce, que o caso em apreço assume contornos particularmente gravosos tendo em conta que a vítima é ex-mulher do arguido e mãe de um dos seus filhos. Estamos também em crer existir perigo de continuação da actividade criminosa, pois não estando devidamente esclarecidas as razões que levaram o seu propósito a protelar-se no tempo, tudo indicando que a este sejam alheias, existem fundadas suspeitas que o mesmo volte a tentar comportamentos idênticos, nem que seja por vingança quanto à situação por si hoje vivenciada. A personalidade do arguido apontam também para o facto de o mesmo não se conformar com a reacção penal a que o mesmo venha eventualmente a ser sujeito, havendo assim, tendo em conta também a grave moldura penal culminada para o ilícito em causa manifesto perigo de fuga. Também não será descabido considerar uma eventual perturbação no decurso do inquérito e para a aquisição da prova, sendo previsível que o mesmo venha a tentar influenciar os testemunhos já recolhidos nos autos bem como os que vierem a ser prestados. Entendemos, por isso, insuficientes e inadequadas quaisquer medidas de coacção não privativas da liberdade. A demais, nesta linha de raciocínio estamos também convictos que a permanência na habitação com vigilância electrónica não será, no caso, suficiente para obviar à concretização dos perigos referidos pois não é desde logo adequada a restaurar desde logo a tranquilidade pública, bem como evitar a fuga, dada a relativa liberdade de actuação que confere à pessoa a ela sujeita, só devendo ser aplicada em casos em que tais perigos estejam muito atenuados, o que não se verifica no caso presente. De todo o exposto, sopesando os critérios de proporcionalidade, adequação e de natureza cautelar que apresente caso requer, entendemos que a única medida de coacção adequada é, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191º, 193º, 202º, nº 1 al. a) e 204º I als. a), b) e c), todos do C.P.P. a prisão preventiva, o que se requer». - Requerimento da Ilustre defensora do arguido: “[…] face à posição assumida pelo Digno representante do Ministério Público, a qual nos merece o maior respeito, entendemos que a mesma, porque excessiva, e por isso inadequada, não deverá a mesma ser aplicada. Desde logo, não obedece a mesma ao princípio da legalidade (cfr. art2 1912, n21 Código de Processo Penal), na medida em que a liberdade das pessoas só pode ser limitada total ou parcialmente em funções de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei. Neste sentido prevê a lei várias medidas de coacção por forma, e sempre em referência ao caso concreto, determinar por forma adequada e proporcional às exigências cautelares que o caso requer a medida a aplicar. Assim sendo, e porque dos autos não resulta matéria consubstanciada em meros indícios porque nesta face processual de matéria indiciada se trata, deverá ser casuisticamente e cuidadosamente ser ponderada a medida a aplicar. Assim sendo, e como bem referiu o Exmo. Sr. Procurador “o tal serviço não chegou a ser efectuado não podemos considerar que os elementos carreados para os autos, se traduzam na tentativa do crime de homicídio. Neste sentido, a lei é explícita quando faz a distinção entre actos preparatórios e actos de execução. No art. 21º do C.P. os actos preparatórios não são puníveis desde logo os factos enunciados apenas poderem configurar a preparação e mesmo assim, os mesmos nunca poderão, porque de preparação se trata, conduzir à efectivação do crime aqui em apreço (homicídio). A emissão de um cheque e a entrega do mesmo, ou de uma quantia em dinheiro, não podem conduzir à consumação de um crime. A consumação do crime de homicídio a ser considerada como tentada teria de ser revestida de actos conducentes à morte, como por exemplo o disparo de uma arma, o arremesso de um qualquer objecto adequado a produzir esse resultado, ou por qualquer outra forma que visa-se obter o resultado (a morte). Inexistem nos autos quaisquer actos que se possam ter semelhança com quaisquer actos descritos, estes exemplificativos de tal operação. Se assim não se entendesse a lei nos seus art.s 21º e 22º C.P, não deixaria claro a distinção entre actos preparatório e actos de execução. Em reforço desta posição e da necessária e criteriosa distinção atenta a relevância jurídico-penal da situação em apreço, o art. 22º, nº2 do Código Penal estabelece que são actos de execução os que preencherem um elemento constitutivo e um tipo de crime e os que forem idóneos a produzirem um resultado típico. Ou seja, ainda nesta segundo classificação art. 22º, nº 2, al. b) a lei ainda exige entre os actos de execução os quais são por si distintos dos preparatórios, que os mesmos sejam idóneos, ou seja, sejam conducentes, aptos, eficazes a produzir o tal resultado típico. Neste entendimento, não se podem configurar os indícios constantes dos autos, como actos de execução, mas sim meramente preparatórios. A versão apresentada pelo arguido é perfeitamente enquadrada nesta categoria, tendo revelado coerência na medida em que num espírito de colaboração com a Justiça, chegou a admitir que numa primeira fase terá perspectivado a possibilidade de atentar contra a vida da mulher, porém, nunca concretizou essa intenção pelo que o desenrolar dos acontecimentos e do desfecho dos mesmos nunca constitui perigo para vida e integridade física da mulher. De facto, o envolvimento que o arguido acabou por ter neste processo com as pessoas com as quais admite ter contacto revelam ao contrário da posição assumida pelo Digno Representante do Ministério Público que o mesmo, se teve intenção de mandar matar, não desenvolveu esforço no sentido de concretizar essa mesma intenção. Assim sendo, e devendo obedecer aos princípios que a lei exige para aplicação da medida de coacção referida não deverá a mesma ser aplicada». - Despacho do Exmo. Senhor do Exmo. Senhor Juiz de Instrução. «Indiciam suficientemente os autos a prática dos seguintes factos: a) O arguido A... casou com a denunciante C... tendo um filho menor desse seu casamento; b) Em 25 de Setembro de 2005 a referida C...abandonou o lar conjugal alegando que o arguido a agredia e instaurou contra o mesmo, acção de divórcio que foi julgada procedente tendo o arguido interposto recurso dessa decisão; c) Encontra-se estabelecido regime provisório no que respeita ao filho menor do casal que se encontra à guarda do arguido durante a semana passando os fins-de-semana com a mãe; d) Em virtude da relação conflituosa que passou a existir entre o arguidoA... e a esposa este, pelo menos desde Outubro do ano transacto, formulou o propósito de lhe tirar a vida; e) Para concretizar esse projecto o arguidoA... entrou em contacto como arguido E... propondo-se pagar-lhe € 5000,00 e outros € 5,000 ao indivíduo que este encontrasse para executar o “serviço”; f) Assim, num encontro que ocorreu no parque de estacionamento do Retail Park, Eiras, Coimbra, o E... apresentou ao arguidoA... o arguidoD... como sendo a pessoa que se propunha matar a C...; g) Os arguidosA... e D...conversaram combinando a estratégia para matar a C..., sendo que oA... já havia referido ao arguido E...como pretendia que a morte fosse executada, dizendo que teria de parecer um assalto e que deveriam ser feridas mais pessoas no local onde seria suposto ocorrer a morte, numa pastelaria sita em Febres, local onde trabalha a C...; h) Nesse dia ficou ainda definido que a morte da C...só teria lugar após o pagamento; i) Cerca de uma semana depois o arguido A... e os arguidos E...e D...encontraram-se novamente no parque de estacionamento do Intermarché de Cantanhede, tendo aquele primeiro entregue ao D...uma fotografia da C....; j) Nesse encontro o A... deslocou-se a Febres com os arguidos D...e E..., indicando ao D...o local de trabalho da esposa onde pretendia que fosse executado o projecto de a matar e deu ainda ao D...instruções expressas sobre a forma de o fazer, dizendo-lhe para entrar no estabelecimento por volta das 24H00, por porta das traseiras, para atingir não mortalmente o proprietário, retirar o dinheiro da caixa registadora por forma a simular um assalto e matar a C...; k) Posteriormente o arguido D...ligou para o arguidoA... atendendo a actual companheira deste, B..., a quem exigiu a quantia de € 2500 para fazer face a alegadas despesas uma vez que a projectada morte da C...não iria ser executada; l) Em 23/11/2006 a B..., pressionada pelo arguido D..., entregou-lhe um cheque no valor de € 2500 que se encontra a fls. 160 dos autos, previamente assinado pelo arguidoA...; m) Os arguidos E...e D..., ao contrário do que era vontade do arguido A..., jamais tiveram intenção de tirar a vida a C..., pretendendo apenas aproveitar para se apropriarem do dinheiro que o arguidoA... se propunha pagar-lhes. A factualidade assim descrita resulta desde logo das declarações da própria C...., como essencialmente das declarações dos arguidos E...e D... (vide fls. 169 a 172 e 175 a 179), tudo em conjugação com os documentos que lhes foram apreendidos (fls. 154 a 161) bem como ao arguido A... (fls. 205 a 229). Por outro lado, as escutas telefónicas já transcritas (vide fls. 124 a fls. 136) contribuem fortemente para reforçar a credibilidade merecida pelos depoimentos dos arguidos E...e D..., salientando-se a propósito a sessão transcrita a fls. 130, onde o arguido D...espontaneamente refere referindo-se ao arguido A... que o mesmo lhe tinha dado o cheque para matar uma pessoa. Assim, como salienta o Digno Magistrado do Ministério Público, não foram credíveis as declarações do arguidoA..., não só porque em oposição com os elementos de prova já referidos mas também porque adiantou explicações incongruentes para os factos, salientando-se a referida insistência do arguido D...em matar a C...quando o arguido A... afirma nunca ter manifestado real intenção nesse sentido, bem como a incongruência no que respeita à explicação para o facto de o arguido D...ter sido encontrado na posse da fotografia da C...., sendo certo que não é credível que o A... fosse portador da fotografia da esposa com quem vinha mantendo relação reconhecidamente conflituosa. Coloca-se pois a questão de saber se ao arguido A... é imputável, ainda que indiciariamente, a prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artºs 131º e 132.º, n.º1 e 2, al. i), por referência aos artºs 22.º, nºs 1 e 2 al. c) e 26º todos do Código Penal. Segundo o que dispõe o artº 26º do Cód. Penal “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. É sabido que o primeiro segmento da citada norma legal se refere à autoria imediata (quem executar o facto por si mesmo) e mediata (quem executar o facto por intermédio de outrem), o segundo à co-autoria (quem tomar parte directa na sua execução por acordo ou juntamente com outro ou outros) e, finalmente, no seu último segmento, à instigação (quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução). Na visão do Ministério Público o arguidoA..., por ter procurado deliberadamente determinar um terceiro à prática de um crime de homicídio, fornecendo a identidade da vítima, informações sobre o seu local de trabalho, bem como os termos em que o crime haveria de ser cometido, praticou actos de execução do referido crime de homicídio. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, tal entendimento não merece a nossa concordância. Com efeito, deparando-nos, como resulta evidente, com uma situação de comparticipação, afigura-se que deve analisar-se sempre, em primeiro lugar, por força da acessoriedade, o comportamento do executor imediato. E, no caso vertente, resulta evidente que este (o arguido D...“contratado” para o efeito de executar a morte da C....) não praticou qualquer acto de execução do crime em análise que, aliás, em nenhum momento teve intenção de cometer. Não estamos, como nos parece evidente, perante uma situação de co-autoria entre o arguido A... e o arguido D..., pois não se vislumbra que a conduta do A... possa qualificar-se como fazendo parte directa na execução do homicídio, sendo certo que, como o Digno Magistrado do Ministério Público não deixa de reconhecer, o mesmo procurou sim foi determinar o D... à prática do crime de homicídio. Afigura-se, assim, sempre salvo o devido respeito, não ser de sufragar a tese do citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Ac. TRP 20/9/2006, relator Jorge Jacob, www.dgsi.pt), desde logo porque, admitindo-se que o arguido deixa o processo causal sair da sua esfera de domínio, deixa de poder ser qualificado como autor do facto, aceitando-se a tese de acordo com a qual se verifica ainda em situações de co-autoria uma repartição de funções em que existe, por parte de cada um dos co-autores, um domínio funcional do facto. Por outro lado, também não pode enquadrar-se a conduta do arguido A... no conceito de autoria mediata. Efectivamente, aqui o agente executa por intermédio de outrem mas, todavia, não perde o domínio do facto, sendo que a autoria mediata não se pode afirmar se o “instrumento” é, em si mesmo, um autor plenamente responsável, uma vez que a lei penal considera que o autor imediato, nesse caso, deve responder pelo facto como autor, de tal forma que o outro interveniente só pode caber nas figuras na co-autoria, instigação ou cumplicidade (vide Manuel Leal-Henriques, Manuel Simas Santos, Código Penal, 1º Vol, 1995, p. 256). Desta forma, a conduta do arguidoA... só pode enquadrar-se dentro do conceito de instigação, cuja relevância criminal depende da posterior conduta do instigado, em termos de concretizar o crime para que foi procurado (veja-se, neste sentido, o acórdão do STJ, de 31/10/1996, Relator Nunes Cruz, www.dgsi.pt, assim sumariado: “para ser punível a autoria moral é, antes de mais, necessário que o suposto autor material represente e queira o correspondente crime (no caso, um homicídio voluntário) e que o comece a executar”). No caso vertente o pretenso instigado esteve, desde o início, indisponível para a prática do acto de que foi incumbido, não tendo praticado qualquer acto do iter criminis que possa ser qualificado como acto de execução. Por outro lado, ainda no que respeita ao pressuposto da instigação que se reporta a determinação de outrem a praticar o facto escreve Faria Costa: “Dir-se-á que tal acontece quando alguém consegue criar em outra pessoa a firme decisão de esta querer praticar uma infracção. Tal decisão terá de abranger todos os elementos subjectivos inerentes ao facto. É também patente que enquanto o agente imediato não praticou nenhum acto de execução não há verdadeiramente instigação (sublinhado nosso). Aliás, nem de outra forma podia ser já que então estar-se-iam a punir as meras cogitaniones. Vale neste particular a regra da acessoriedade” (Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 173). Assim, quer pela ausência do começo de execução quer porque o executor imediato nunca teve intenção de eliminar a esposa do arguido A..., afigura-se que estamos perante a figura da tentativa de instigação que não é punível pelo Cód. Penal. As medidas de coacção em concreto aplicáveis devem ser as adequadas às exigências cautelares do caso concreto e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (artº 193º, nº 1 do Cód. Proc. Penal). Ora, como supra se referiu, a conduta imputável ao arguidoA..., apesar de moralmente censurável, não é punível como crime de homicídio qualificado na forma tentada. Desta forma, não se defere a aplicação ao arguido A... a da medida de coacção de prisão preventiva, determinando-se que o mesmo aguarde os ulteriores termos processuais sujeito ao Termo de Identidade e Residência (artº 196º do Cód. Proc. Penal) já prestado». - Despacho de Sustentação do Exmo. Senhor Juiz de Instrução, de 12.04.2007. «Coloca-se a questão de saber se ao arguido A... é imputável, ainda que indiciariamente, a prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artºs 131º e 132.º, n.º1 e 2, al. i), por referência aos artºs 22.º, nºs 1 e 2 al. c) e 26º todos do Código Penal. No que respeita ao juízo sobre a factualidade indiciada há a acrescentar que o tribunal procedeu ainda à audição das conversas gravadas (fls. 247) e depois transcritas a fls. 354 a fls. 374. Aqui afirma o D...a fls. 356 “agora eu, eu é que me quero desviar de tudo(…)Também eu tenho filhos, vê lá se me entendes. E eu não quero “tar” metido nestas…não sei se me estás a entender?” Mais à frente a fls. 357 “Pode acontecer alguma coisa daqui para a frente, e para não pensarem que eu, que sou eu (imperceptível) c’a gente e não tem nada a ver c’a gente (…) Eu saí-me disto para fora [voz de fundo de Biló: (imperceptível) por acaso caiu na nossa mão mas se calha na mão de outro…]”. Pretende com isto reafirmar-se não ter havido qualquer erro no que respeita ao juízo indiciário que consta da alínea m) da factualidade considerada suficientemente indiciada, sendo certo que das referidas conversações dos arguidos com a C... só pode mesmo concluir-se que os arguidos nunca tiveram intenção de lhe tirarem a vida. Aliás declara expressamente o arguido E... a fls. 170 que “nesse momento o arguido pensou logo numa forma de enganar oA... e”comer-lhe” algum dinheiro. Assim, ligou para um indivíduo da sua confiança, o D..., também feirante, e perguntou-lhe se ele alinhava no jogo para sacarem dinheiro aoA..., tendo este de imediato dito que era fácil enganarem-no”. Declarou também o arguido D...a fls. 176 que “após ter ficado a saber que tipo de serviço é que o A... pretendia, combinou com o Biló continuarem a manter o esquema com aquele, de forma a apenas lhe darem a “banhada” ao dinheiro e nunca concretizar as pretensões daquele, ficando cada um com 5.000€”. Veja-se igualmente no mesmo sentido a conversa entre os mesmos arguidos transcrita a fls. 130 quando o D...afirma que oA... lhe havia dado o cheque era para matar uma pessoa e continua afirmando “(…) mesmo que ele dê como roubado, dê como ele quiser(…) eu digo logo”. E também a testemunha G....declarou que “no decurso deste encontro o D... explicou que não era pessoa para matar ninguém, mas que apenas tinha aproveitado a situação para ganhar algum dinheiro (…)” (vide fls. 191) Pretende ainda o Ministério Público nas suas doutas alegações imputar a prática do crime ao arguidoA... como autor mediato, citando em abono da posição defendida a tese da Professora Maria da Conceição Valdágua. Sem qualquer tipo de pretensão crítica (sendo que a autora não deixa de reflectir ampla e criticamente sobre a tese que adopta, especialmente nos casos em que o agente imediato não chega sequer a executar o crime pretendido pelo homem da retaguarda), dir-se-á apenas que ocorrerá alargamento indevido da responsabilidade criminal do agente mediato para quem sustente, quanto ao início da tentativa do autor mediato, alguma das teses que admitem que a tentativa pode começar, em regra, antes de o agente imediato praticar qualquer acto de execução, entendimento que, no seu conteúdo essencial, a própria autora não deixa de rejeitar (vide Liber Disciplinorum para Figueiredo Dias, Maria da Conceição Valdágua, Autoria Mediata em virtude do Domínio da Organização ou Autoria Mediata em virtude da subordinação voluntária do executor à decisão do agente Mediato), pp. 651 e ss). Para definir em que consiste subordinação voluntária do agente imediato à decisão do agente mediato, afirma a autora haver que partir do pressuposto de que o acordo criminoso é, no momento decisivo, do início da execução do crime, determinante ou co-determinante da resolução criminosa do agente imediato. Ora, como supra se referiu, no caso vertente, o arguidoA... não logrou firmar no espírito dos pretensos agentes imediatos qualquer resolução criminosa. Desta forma, sempre estaria, também na tese da mesma autora, afastada a hipótese de o agente da retaguarda ser responsabilizado criminalmente, quer como autor mediato, quer como instigador. Finalmente, citando a mesma autora (Início da Tentativa do Co-Autor, 2ª edição, Lex, 1993, p. 42) não pode deixar de salientar-se que “no artº 31º do Projecto de Eduardo Correia (de 1963) previa-se a punição (não só da tentativa de instigação e outros casos, mas também) daquele que “com outra pessoa se concerta para cometer um crime. Este preceito (…) não foi acolhido pelo legislador português”, o que permite concluir não ter estado na mente do legislador a punição de qualquer tipo de qualquer tipo de acordo, ajuste ou pacto criminoso. Em conclusão, reafirma-se o entendimento de que o instigador influência de forma decisiva a vontade do autor material mas não a domina uma vez que este, como autor responsável (como acontece no caso dos arguidos E...e D...) é livre de a adoptar ou não. No caso concreto punir o arguidoA... seria punir uma mera intenção interior criminosa que não releva para efeitos penais, pelo que se mantém o despacho recorrido». II. – De Direito. II.A. – Tentativa (Começo). Autoria (Autoria Mediata) e Instigação. Na procura de um fio director que permitisse delimitar os contornos dos actos preparatórios dos actos de execução a dogmática jurídica ter-se-á fixado num núcleo teorético referente edificado na esteira da consolidação da doutrina do domínio do facto. Não sendo este o lugar para discorrer sobre as distintas teorias que se foram planteando para dar configuração a esta temática, caberá dizer que na sequência da formulação da teoria da união, concebida a partir da teoria da impressão, Roxin forneceu os critérios rectores da aferição do quadro conceptual a tender para fixação do começo da execução. Para este autor, o começo de execução ocorre quando se verifiquem, cumulativamente, duas circunstâncias: 1) que o autor com a acção iniciada incida na esfera de direitos (segurança, tranquilidade e liberdade de acção) da vitima; 2) - que exista “uma estreita relação temporal entre a acção e o resultado perseguido”, dito nas palavras do próprio Roxin “na tentativa inacabada deve, portanto, chegar-se conjuntamente a duas coisas: a «perturbação das esferas» e a «estreita conexão temporal» entre a acção do autor e a pretendida produção do resultado” [1] . Do mesmo modo, ensina Jescheck [2] , para distinguir a tentativa dos actos preparatórios há que partir da “representação do autor do facto”, pois o acontecer externo só se pode compreender na parte do efectivamente realizado, mesmo na tentativa não acabada, desde o plano do autor. Concordantemente com Roxin este Professor de Direito Penal estima que com o elemento dar principio imediatamente á realização do tipo, se pretende acercar a tentativa “até raiar no limite da acção típica”. A solução figurada, embora sendo maioritária, padece, na perspectiva de outros autores, de uma dificuldade de acomodação a situações, hipoteticamente ideadas, como não sendo capaz de responder satisfatoriamente às necessidades de fixar limites objectivos e suficientemente determináveis na definição dos contornos que hão-de reger para actos preparatórios e actos de execução. Assim para Rafael Alcácer Guirao [3] a teoria que de maneira mais adequada poderia responder a esta problemática, seria a teoria dos actos intermédios, ou seja a ocorrência de uma imediatidade da acção entre o acto realizado e o acto típico, nas palavras do próprio: […] “que entre o acto a julgar e a acção que realizaria o verbo típico da Parte Especial não sejam necessários actos intermédios (ainda assim actos intermédios essenciais), de forma a que a acção possa arribar na realização propriamente típica sem interrupções nem obstáculos”; e com esta imediatidade ou conexão entre acto realizado e o que realiza o verbo típico ocorra uma imediatidade temporal. Ou ainda que, “os actos constitutivos da tentativa são, por tanto, só aqueles sucessos “que se encontram na zona imediatamente anterior á realização de um elemento do tipo”. O decisivo para isso é que o comportamento que ainda não é típico, segundo o plano do autor esteja tão estreitamente vinculado á acção executiva, que sem escalões ou degraus intermédios essenciais possa passar à fase decisiva do facto». Com a afirmação do começo de execução estabelece-se momento a partir do qual o autor vulnerou a norma de conduta, o que vale por dizer que realizou uma conduta contrária ao Direito, daí que a diferença meramente «quantitativa», desde um ponto de vista causal ou naturalístico, deva realizar-se a partir de um critério que permita estabelecer um salto «qualitativo», que avalize essa diferente valoração jurídico-penal”. Do ponto de vista do Direito Penal só poderá ser proibido aquilo que atente directa e de forma insofismável contra a esfera de interesses de terceiros. Do ponto de vista material esta asserção entronca no princípio da “lesividade”, que se traduz em que só acções que lesem ou sejam perigosas para interesses alheios poderão ser objecto de castigo. Transferindo a aplicação deste princípio para a temática do começo da execução, isso implicará uma proximidade directa ao momento da incidência do bem jurídico protegido, pois ainda que as acções preparatórias comportem uma expressão evidente de vontade de delinquir, de um autor perigoso para o direito, devem permanecer impunes, radicando a razão dessa impunidade nos possíveis abusos que a sua punição poderia acarretar, o que vale por dizer, razões de insegurança jurídica, intoleráveis do ponto de vista do Estado de Direito” – cfr. Farré Trepat, “La tentativa del Delito”. “Para determinar o começo da execução de um delito torna-se necessário convocar a disposição que define os contornos que adoptará a tentativa típica, posto que só dessa disposição se poderão extrair os critérios básicos que delimitarão o momento a partir do qual se dará começo da execução, os quais, num segundo momento, haverão de acomodar-se á concreta estrutura do tipo legal respectivo”. (Mir Puig, diversamente do que acontece com outros autores, por ex. Rodriguez Devesa/Serrano Gómez, na linha de Jescheck/Weigend, que situam a tentativa como uma forma de aparição do delito, ou seja que a tentativa e o delito consumado são diversas formas de aparição de um só delito, ou seja que a tentativa é um tipo dependente, posto que deve sempre referir-se a um tipo de um determinada classe de delito, sustenta que a tentativa é um delito distinto do delito consumado, o que vale por dizer que a tentativa possui um tipo de injusto próprio diverso do tipo de injusto do delito consumado) [4] [5] [6] . O começo da tentativa há-de, pois, colocar-se naquele momento em que círculo de protecção dos direitos do titular do direito se revela, objectivamente, ameaçado pela acção realizada e quando entre esta acção e o verbo típico ocorre um contínuo temporal que, inexoravelmente, deveria conduzir à realização do tipo de ilicito [7] .. Esboçada, em traços largos, a delimitação do momento a que haverá que se atender para localizar o começo da tentativa, em termos gerais, intentaremos fixar o momento a partir do qual a doutrina considera dever operar-se a punição do autor mediato. A característica predominante do autor mediato, no entender de Günther Jakobs “é a responsabilidade predominante do autor mediato em virtude do seu superior domínio da decisão. Superior domínio da decisão quer dizer: ao instrumento é dificultada a evitação da realização do tipo de um delito doloso de um modo que exclui a imputação e de este dificultar é responsável o autor mediato. A autoria mediata não é, pois, possível na actuação plenamente delitiva (doloso ou culpável) do executor. Mas o autor mediato sempre terá que operar de modo plenamente delitivo”. Para o penalista espanhol Demétrio Crespo, a solução que melhor acode às aporias colocadas pela punição do agente mediato, nos casos em que ocorre uma acção tentada, é a teoria que Roxin desenvolveu a partir da teoria individualista. Nas palavras do autor: “a teoria que melhor permite estabelecer um fundamento unitário da autoria para todas as suas formas é a do domínio do facto: enquanto que na autoria directa (imediata) é o agente o autor na medida em que possui o domínio da sua própria acção, na autoria mediata pode considerar-se autor o sujeito detrás ainda que não execute por si mesmo o tipo e isto em virtude do domínio sobre a vontade do instrumento. Esta forma de domínio sobre o facto punível, que da lugar à autoria mediata, não é, sem embargo, incompatível, com a autoria imediata, pois que num mesmo acontecimento típico podem apresentar-se simultaneamente um domínio da acção e um domínio da vontade. Roxin situa o começo da tentativa no término da actividade do autor mediato quando existe já um perigo imediato para o bem jurídico, mas ao mesmo tempo, permite situá-lo num momento posterior se ainda não existe esse momento de perigo directo. Roxin afirma que “ainda quando tenha feito tudo o seria necessário, pela sua parte, para a consumação do delito, se move no âmbito da preparação impune considerando que: primeiro, o objecto da acção não esteja todavia em perigo iminente, e segundo, o acontecer permaneça no âmbito do domínio de quem actua e possa ser parado em qualquer momento”. Para Roxin o começo da tentativa na autoria mediata vem dado por dois critérios alternativos: que o bem jurídico seja posto imediatamente em perigo segundo os critérios desencadeados para a tentativa inacabada ou que o autor abandone o domínio do acontecimento que segundo o seu plano deveria conduzir ai resultado, pois se o acontecimento permanece no âmbito de domínio do autor e pode ser detido por ele a qualquer momento, não cabe afirmar o dito começo” (tradução nossa) [8] . Já Rafael Guirao [9] entende que as duas situações (paradigmáticas) apontadas na construção que Roxin à volta do começo da tentativa na autoria mediata – não existência de um perigo iminente, tendo o autor perdido o domínio do facto; existência de um perigo iminente não tendo o autor perdido o domínio do facto – se poderão reconduzir ao primeiro dos apontados critérios, “e isto porque se o autor tem nas suas mãos o controle sobre o perigo da situação, de maneira a que dependa da sua decisão o acontecimento do resultado, não pode existir, nesse momento, um perigo iminente; e se existe um perigo iminente este ocorrerá porque o autor já não possui o controle sobre o perigo». Para este autor o único critério necessário para determinar o começo da tentativa na autoria mediata, sem abandonar o pressuposto do perigo como fundamento imediato do punível, é o abandono do controle sobre o risco por parte do autor mediato. Para Maria Fernanda Palma [10] «no que se refere à autoria mediata, será também o momento a partir do qual o instrumento criminoso se coloca em posição de afectar a segurança e de restringir as condições de liberdade de acção da vítima o que determina o início da tentativa. Chega-se a esta conclusão, sobretudo, pela interpretação do artigo 22.º, n.º 2, alíneas b) e c), na medida em que a previsibilidade de que se sigam actos idóneos à produção do resultado típico, baseada num critério de probabilidade média, é potenciada pela conjugação de vontades. Na autoria mediata, a conduta típica formalmente realizada pelo autor material é accionada pelo autor mediato como se o autor material fosse um seu prolongamento – nos temos do artigo 26.º do Código Penal, o autor mediato comete o crime por “intermédio de outrem”. A actuação do autor material pode tornar-se incontrolável e insusceptível de ser abrangida por uma desistência voluntária do mediato. Assim, quem põe nas mãos de um incendiário inimputável o isqueiro para que este ateie o fogo e o conduz ao local pretendido, afastando-se para longe, realiza as condições da actuação subsequente, sem que, no entanto, tivessem sido praticados actos de incêndio numa perspectiva de autoria singular. Todavia, o agente pratica uma tentativa deste crime, à luz do artigo 22.º n.º2, alínea c), do Código Penal. À “imaterialização” da tentativa opõe-se, neste caso, o domínio do facto do autor material pelo autor mediato. O poder de controlo e o accionamento do processo criminoso concretizam, neste caso, as características da acção típica [artigos 26ºe 22º,n.º2, alínea c)]. Estaremos assim, bem entendidas as coisas, perante uma solução global, pois recorre à lógica do facto conjunto (facto comparticipado), embora na sua expressão individual. Não se determina a execução em função da contribuição de qualquer um dos comparticipantes entendida como autoria singular. Tal critério tem dois pressupostos: a definição dos actos de execução em temos globais e a imputação a cada agente do facto comparticipado». Quedará, no excurso que encetamos para a decisão do tema que vem submetido à apreciação do tribunal, determinar os contornos da figura da instigação contemplada no segmento final do artigo 26º do Código Penal – “[…] ainda, quem dolosamente, determinar outra pessoa á prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. O artigo 26º do Código Penal descreve sucessivamente quatro formas de comparticipação criminosa em que se pode manifestar a imputação pessoal de um facto criminoso e: 1) autoria imediata – o agente executa o facto por si mesmo; 2) autoria mediata – o agente executa o facto por intermédio de outrem; 3) co-autoria – o agente toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros; 4) instigação – o agente determina dolosamente outra pessoa á prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. Para a economia do recurso interessará traçar a fronteira entre autoria mediata e instigação. A diferença, em termos simples, entre as figura de instigador e de autor mediato podemos colhê-la, data vénia, das palavras de Maria Conceição Valdágua [11] , “[…]é instigador, [o] que determina outrem a cometer um crime, mas é forçado a deixar ao instigado a decisão final sobre a prática do facto, (é) agente mediato, [aquele que] emite uma ordem de conteúdo criminoso no âmbito de um aparelho organizado de poder que ele domina (ou que determina o executor (autor imediato) por erro ou coacção) bem sabendo que pode confiar em que os seus subordinados porão inteiramente nas mãos dele a derradeira decisão sobre a prática do facto, executando-o ou não, consoante a ordem for mantida ou revogada”. “O instigador é aquele que, ao criar um risco proibido de nascimento e execução da resolução criminosa no instigado, cria também um risco mediato juridicamente reprovado de ataque ao bem jurídico protegido. Quando este desvalor da acção instigadora se projecta num duplo resultado, i.e., quando se verifica um duplo nexo de imputação objectiva, no âmbito do qual, quer a resolução criminosa do instigado, quer a subsequente prática de actos de execução, consubstanciam uma concretização da esfera de risco criada, então é possível imputar objectiva e acessoriamente o facto principal ao instigador e afirmar que este, em sintonia com o fundamento material da pena prevista para o participante, ataca mediatamente o bem jurídico protegido, encontrando assim razão de ser a punição que para ele se encontra prevista”. A indução [bem como a cumplicidade] perfila-se, para Jescheck, como causas de extensão da pena (para outros como cláusulas de extensão da tipicidade) [12] e colhe a sua justificação na teoria do favorecimento ou da causação (orientada para a acessoriedade), segundo a qual ”a razão do castigo da participação radica no facto de que o participe produz uma acção típica e antijurídica mediante a provocação do dolo do facto, ou ainda assim, favorece psíquica ou materialmente, actuando em qualquer caso forma culpável” [13] . A participação punível pressupõe, para além da determinação dolosa de outrem ao facto antijurídico por este cometido, limitando-se o indutor a provocar no autor a resolução delitiva sem tomar parte no domínio do facto em si mesmo, uma vinculação do facto principal e a acção do instigador, cabendo aqui uma actuação dolosa do instigador dirigido a um determinado facto e a um determinado autor (no qual deve produzir a resolução de delinquir) e resolução de cometimento do facto por parte do autor principal, na forma consumada ou tentada (cominada com uma pena). No direito penal português colhe-se a razão da punibilidade do instigador na contribuição que presta ao facto do autor principal. “O instigador, enquanto participante, é punido pela contribuição que presta ao facto do autor principal. Uma vez que é pressuposto necessário à punição dos comportamentos de instigação e cumplicidade que o facto principal atinja pelo menos o limiar da tentativa e que as respectivas molduras penais são delimitadas em função daquela que corresponde ao facto tentado ou consumado do autor, há que reconhecer, no nosso sistema jurídico-penal, uma dependência jurídica e não puramente fáctica do instituto da participação em face do da autoria. O comportamento do participante reveste, deste modo, entre nós, uma natureza acessória, isto é, o seu conteúdo de ilícito é determinado e deriva essencialmente do facto praticado pelo autor principal, pelo que representa um conceito subordinado ao da autoria”. “O fundamento material da pena prevista para a participação reside assim na circunstância de o participante, ao contribuir para a prática do facto principal, atacar mediatamente o bem jurídico protegido pelo tipo incriminador da Parte Especial, solução que, além de ultrapassar as incompatibilidades com o sistema reveladas pela teoria pura da causação, que defende a total autonomia do ilícito do participante, e pela teoria da causação orientada para a acessoriedade, que entende que o ilícito do participante é exclusivamente determinado pelo facto do autor, respeita na sua plenitude o princípio da culpa, uma vez que o participante não responde assim pelo facto de outrem, mas pela realização do seu próprio ilícito.[14] Para o Professor Jorge Figueiredo Dias: “os casos de autoria mediata podem caracterizar-se a uma primeira aproximação, como sendo aquelas hipóteses em que o agente não executa o facto por suas mãos, antes o deixa executar por outras pessoas sem todavia, com isso, perder o domínio do facto”. [15] Para este Professor é seguro que para que ocorra uma situação típica de autoria mediata ao autor imediato terá que faltar o “domínio da acção” e, portanto, o “domínio do facto”, podendo esta carência ficar a dever-se ao facto de o agente ter sido utilizado como instrumento destituído de capacidade de acção; á circunstância de o agente imediato actuar sem dolo e, portanto, sem domínio do facto. Os casos visados pela figura do autor mediato, em que o agente singular executa o facto ilicito por intermédio de outrem “serão, pois, aqueles em que o agente imediato actua sem culpa (quer por inimputabilidade, quer por falta de consciência de ilicitude não censurável, quer em situação de inexigibilidade). Ele é então instrumento – no sentido de conduzido, orientado dirigido – por outrem que explora a deficiência ético-social do agente imediato e é, nesta medida, o único a deter verdadeiramente o domínio do facto. Esse outrem será, pois, o autor imediato”. Para Claus Roxin o “domínio do facto” opera a distinção estrutural entre “domínio da acção”, característico do autor imediato, que executa o facto por suas próprias mãos, e “domínio da vontade”, exponenciadora da autoria mediata, no facto em que “enquanto que ali a realização da acção típica de mão própria fundamenta a autoria, aqui trata-se de casos aos quais falta precisamente a “acção executiva do sujeito detrás” e domínio do facto só pode basear-se no poder da vontade rectora. Por isso, ali onde haja que afirmar o domínio do facto falamos de “domínio da vontade” no autor”. [16] O dissídio encontrado na decisão do Exmo. Senhor Juiz atina com o facto de a actuação do homem detrás haver de ser subsumida no 4º segmento do artigo 26º do Código Penal – “determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução” – enquanto que para o Exmo. Magistrado recorrente a actuação e comportamento do arguido (homem detrás) haverão de ser convalidados pela categoria jurídico-legal contida no 2º segmento do mencionado preceito – “é punível como autor quem executar o facto […] por intermédio de outrem”. A diferença de punibilidade entre uma e outra situação autoral sobressai do facto de que enquanto que no caso da autoria mediata a tentativa é punível, no caso da instigação a punição do sujeito activo só é adoperada na caso de ter havido execução ou a mesma tenha tido o seu inicio. [17] Este o traço que, a nível da punibilidade, opera o tratamento diferenciador nas condutas levadas a cabo por cada um dos agentes criminosos. O quadro factual colectado para o inquérito debuxa-se, em traços largos, da forma seguinte: o arguido ( A...) expressa perante um casal conhecido ( F... e E...) a intenção de matar a ex-mulher; este disponibiliza-se para “agenciar” o executor (D...); o arguido entrega ao D...uma fotografia da ex-mulher e leva-o a conhecer o local onde ela trabalha; fornece-lhe indicações sobre a topografia do local e traça-lhe um plano que poderia conduzir a fazer pensar que o móbil seria um assalto ao estabelecimento (deveria ficar ferido o dono do estabelecimento e a ex-mulher seria morta nessa acção); diz à sua companheira que preencha um cheque no valor de € 2.500,00 (que é entregue ao D...); o cheque não possui provisão; os executores (co-autores imediatos – E...e D...) entram em contacto com a ex-mulher do arguidoA...). Em exemplo académico poder-se-ia escorçar o iter causal com o sequente alinhamento: A (A....) contacta B ( D...) com quem ajusta (promete?) a quantia de € 5.000,00 (para si), e igual quantia para quem ele venha a ajustar (C), para matarem a ex-mulher do primeiro (D). Na cadeia de ajustes não se integram a B...e a F... (mulher do E...) por, relativamente à primeira, se estar um caso que parece configurar uma situação e cumplicidade, e relativamente à segunda em idêntica situação, se se vier a apurar uma comparticipação mais efectiva e essencial na influência do processo conducente à captação do D...(pense-se o exemplo dado no estudo de João António Raposo em que o papel de alguém é determinante na aceitação ou não do executor – caso 2 –fls. 908 do estudo citado). Tal como prefiguramos a cadeia (?) de agentes – tendo em atenção o quadro factual desenhado no despacho sob impugnação (que ainda bastante enxuto nos parece de aceitar nesta fase do inquérito, mas sem prejuízo de dever ser acrisolado e acendrado em momento processual posterior) – e, em face das categorias comparticipativas insertas no artigo 26.º do Código Penal, estaríamos, num primeiro momento – quando o A (arguidoA...) contacta B (o E...) para ajustar com outrem (prometendo a cada um a quantia de €5.000,00) – perante uma situação de instigação. Já após o primeiro e segundo contactos do A com o B e C (no Retail, em Coimbra, e Intermarché, em Cantanhede) – e aqui tendo tão só presente o quadro factual que é apresentado no douto despacho sob impugnação (como se disse supra carente de um mais e esmiuçado cinzelamento) – estaríamos tentados a conferir ao quadro comparticipativo desenhado um enquadramento que passaria por uma autoria mediata (do A) concitada com uma co-autoria imediata (de B e C – que passaram a congraçar e a gerir em conjunto de acção conducente à execução do plano delineado e monitorizado pelo A – forneceu a fotografia, foi com o D...a Febres, ao estabelecimento onde trabalhava a ex-mulher e ideou a plano que deveria ser levado a cabo pelo D...e pelo E...). Os dois quadros funcionais prefigurados coenvolvem soluções diversas. No primeiro caso estaríamos perante uma situação de instigação em cadeia (A contacta B para que este contacte C e este venha a executar o facto típico), que para a maioria da doutrina não está contemplada no segmento 4º do artigo 26º do Código Penal, [18] – não curamos aqui de desenvolver as teorias que classificam de forma diferenciada o chamado “homem detrás” como autor mediato, na esteira de Jakobs, ou como mero cúmplice, para outro autores, mas tão só de ajustar o problema ao quadro legal vigente – que, segundo o quadro factual escorçado, evoluiria para a instigação – se se entender que o “homem detrás” perderia o domínio do plano da acção, deixando de poder influenciar, ordenando, por exemplo o cancelamento da ordem que havia transmitido ao executor – ou para a autoria mediata, se se entender que o “homem detrás” mantém o domínio da vontade do executor ou do autor imediato. [19] A opção por uma ou outra das qualificações jurídico-legais não é, para usar uma expressão cara aos nossos vizinhos, “baladí”. É que conforme se qualifique a posição do arguido como autor mediato ou como instigador, assim se poderá alongar a sua punibilidade à tentativa ou não. Como se deixou dito supra a diferença, neste plano, da qualificação de um agente como autor mediato ou como instigador importará, no plano da apreciação das condutas já levadas a cabo, ponderar a sua punibilidade como autor de um facto típico, na forma tentada ou não. Ao instigador não poderá ser assacada qualquer responsabilidade penal se não tiver havido execução ou começo de execução, queda de fora a punibilidade da tentativa, ao passo que se se considerar que o arguido actua na veste de autor mediato, então será possível a sua punição como autor do facto típico, na forma tentada. Independentemente da integração categorial que possamos vir a conferir á actuação do arguidoA..., e sem prejuízo de ulteriores averiguações que desenhem com maior precisão o quadro factual em que o arguido e os mandatários se movimentaram, quer-nos parecer, frisa-se, numa primeira abordagem e tendo em atenção o estádio em que se encontra o inquérito, que não chegou a existir uma ameaça efectiva, ou na expressão de Roxin, uma “perturbação da esfera” pessoal da vitima que induzam ou figurem um quadro valedor da necessidade de intervenção do direito. No fundo tudo se resumirá em saber se a actuação já encetada pelo “autor mediato”, solução para que propendemos na adesão da posição defendida por Maria da Conceição Valdágua e tendo em conta o quadro factual esboçado na segunda fase do processo de causação, “[…] se o crime tentado é apenas uma fórmula de antecipação da tutela em função de qualquer configuração típica ou se tem uma materialidade determinada pela sua relação com o evento projectado e com o dano. É a segunda orientação que deve prevalecer, não tendo justificação, ante o princípio da ofensividade, conceber tentativas de certos crimes de perigo que corresponderiam a uma dupla antecipação da tutela penal”. [20] Em nosso juízo a actuação dos agentes não logrou colocar em perigo a esfera de interesses ou a esfera de protecção jurídica da vítima. Na verdade todo o processo causal se processou fora do âmbito de interesses da vítima e até ao momento em que os co-arguidos E...e D... se acercaram dela para lhe participar a intenção do seu ex-marido nenhuma acção foi levada a cabo que fosse susceptível de afectar a sua esfera de tranquilidade e liberdade. A função de activação protectiva do direito, que aqui se deveria traduzir na salvaguarda do direito à vida, ou, até admitindo um plano menos intenso e densificado, na defesa da tranquilidade, liberdade de movimentos e de vivência pessoal e familiar da vitima não logrou necessária, por os actos levados a cabo pelos indivíduos involucrados no processo de realização ou efectivação do mal projectado – materializados na entrega da fotografia da vitima e assinalação do local onde a vitima trabalhava, sem que esta haja tido qualquer percepção do sucedido – não se terem acercado o suficiente da mencionada esfera de protecção, que se revelassem susceptíveis de perturbar o normal desenvolvimento da vida pessoal da vitima. Haverá que ter em consideração que a lei não pune, excepto em situações especialmente taxadas, os actos preparatórios – cfr. artigo 21º do Código Penal - e não será tarefa fácil, em face do mencionado elenco fáctico, integrar a actuação dos agentes na alínea c) do nº 2 do artigo 22º do Código Penal. Sem querermos adiantar solução, que não é pedida para a solução da questão que cumpre decidir, sempre diremos que, à luz do que vem ensinado pelos autores citados, é difícil configurar, na actuação evada a cabo pelos agentes involucrados no caso, uma situação de inicio de tentativa. Tal como o quadro factual nos é apresentado, não é demais frisá-lo, a possibilidade de configuração de um início de tentativa perspectiva-se problemática. Seja, porém, como vier a ser, o facto é que, no estádio actual da investigação, o quadro fáctico apresentado não é suficientemente esclarecedor e não é possível definir com precisão o plano de envolvimento autoral do arguido, pelo que se estima ter o despacho impugnado, em vista dos elementos de que dispunha, sido o mais avisado. III. – Decisão. Na defluência do exposto decidem os juízes que compõem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em: - Julgar o recurso interposto pelo Ministério Público improcedente e, consequentemente, manter a decisão sob impugnação. - Sem tributação. -------------------- [1] Claus Roxin, “Problemas Fundamentais de Direito Penal”, Vega, Universidade, Direito e Ciência Jurídica, pág.307. [2] Hans-Heinrich Jescheck, “Tratado de Derecho Penal, Parte General, Bosch, Barcelona 1981, pags. 710 e segs. [3] Rafael Alcácer Guirao, “Tentativa y Formas de Autoria – Sobre el Comienzo de la Realización Típica”, Edisofer, s.l. pág. 27 [4] “La tentativa, entonces, no debe entenderse – o no solo – en el sentido de una imperfecta realización de un tipo (el del delito consumado), sino «también de que la misma realiza a su vez otros tipos legales» (13/2) distintos del tipo legal de la consumación del respectivo delito”. – cfr. Rafael Alcácer Guirao, “Tentativa y Formas de Autoria”, Edisofer,s.l., Libros Jurídicos, Madrid, 2001, pág. 21./ [5] No mesmo sentido parece seguir Maria Fernanda Palma, “Da “Tentativa Possível” em Direito Penal, Almedina, 2006, pag. 90, quando refere que: “O problema é, no fundo, saber se o crime tentado é apenas uma fórmula de antecipação da tutela em função de qualquer configuração típica ou se tem uma materialidade determinada pela sua relação com o evento projectado e com o dano. É a segunda orientação que deve prevalecer, não tendo justificação, ante o princípio da ofensividade, conceber tentativas de certos crimes de perigo que corresponderiam a uma dupla antecipação da tutela penal. [6] Günther Jakobs.”Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y teoria de la Imputacion”. Marcial Pons, 2ª edicion, pags. 763 e segs. [7] Posição não concordante com as que foram expressas parece ser assumida por Günther Jakobs quando defende que: “Mediante el instrumento, el autor mediato comete un hecho próprio. La acción del hecho concluye al acabar de influir sobre el instrumento, si es que, excepcionalmente, no están previstas otras medidas de dirección ulteriores (p. ej., si el autor mediato debe conducir a la víctima hacia el instrumento). Por eso, en el supuesto normal - a diferencia de en la coautoría (accesoria) -, aI terminar de influir sobre el instrumento hay ya tentativa acabada del autor mediato; paralelamente, eI comenzar directamente a concluir la influencia constituye el comienzo de la tentativa. Si no se influye sobre el instrumento, sino sobre la situación (eI autor instala una barrera en la carretera, contra la que colisionará un conductor que no lo barrunta, de donde resultará su muerte), decide el instante en que se crea la situación”. – cfr. op. loc. cit. pág. 785 [8] Eduardo Demétrio Crespo, “La Tentativa en la Autoria Mediata y en La actio libera in causa – Una contribuición al estudio al comienzo del fundamento de punición y comienzo de la Tentativa”, Editorial Comares, Estúdios de Derecho Penal; Granada, 2003, pag. 109 e segs. [9] Rafael Alcácer Guirao, “Tentativa y Formas de Autoria”, Edisofer,s.l. Libros Jurídicos, 2001, pág. 173 e segs. [10] Maria Fernanda Palma, “Da “Tentativa Possível” em Direito Penal, Almedina, 2006, pag. 96. [11] Maria Conceição Valdágua in “liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias – Autoria Mediata em Virtude do Domínio da Organização ou Autoria Mediata em virtude da Subordinação Voluntária do Executor à Decisão do Agente Mediato”, Coimbra Editora, 2003, 651 a 672. [12] Nesta sentido Helena Morão, “Da instigação em Cadeia – Contribuição para a dogmática das formas de comparticipação na instigação”, Coimbra Editora, 2006., p.39 e João António Raposo, “A Punibilidade das Situações em Cadeia”; in “O Direito”, Ano 133º, 2001, IV, 907 a 956 [13] Hans-Heinrich Jescheck, “Tratado de Derecho Penal, Parte General” II vol., Bosch, 1978, pág. 955 e segs. [14] Helena Morão, op. loc. cit. ,pág. 36, 38, 217 e 221. [15] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal – Formas Especiais de Aparecimento da Infracção Penal – Sumários e notas das Lições do Prof. Doutor Figueiredo Dias ao 1º Ano do Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de 1975-1976, pág. 60 e 62 . [16] Claus Roxin, “Autoria y Dominio del Hecho en Derecho Penal”, tradução da 7ª edição por Joaquin Cuello Contreras y José Luís Serrano González de Murillo, Marcial Pons, Madrid, 2000, pág. 166. [17] Cfr. Maria da Conceição Valdágua, “Figura Central, Aliciamento e Autoria Mediata: contributo para uma critica intra-sistemática da doutrina de Claus Roxin sobre a delimitação da autoria mediata face à participação, no âmbito dos crimes de domínio ”, in “Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra Editora, págs. 917-938; e da mesma Professora “A Autoria Mediata no âmbito da Criminalidade Organizada: contributo para a delimitação entre autoria mediata e instigação” republicada, com elgumas alterações, sob o título “Autoria Mediata em virtude do Domínio da Organização ou Autoria Mediata em virtude da Subordinação Voluntária do Executor à Decisão do Agente Mediato”, in “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, 651-672. [18] Esta é aposição expressa de Figueiredo Dias, in “La instigación como autoria – Un Requiem por la ‘participación’ como categoria dogmática jurídico-penal portuguesa?”, in Homenage al Professor Dr. Gonzalo Rodriguez Mourullo, Madrid, 2005,pp. 343-362 e Conceição Valdágua, in “Figura Central, Aliciamento e Autoria Mediata”, supra citada, bem como de forma João António Raposo e Helena Morão. Estes dois autores embora admitindo que o segmento quarto do artigo 26º do Código Penal não autorizam a figura da instigação em cadeia estimam que o dito segmento não afasta, em condições determinadas, a punibilidade do autor que determina outrem à prática de um ilicito penal – cfr. quanto ao primeiro dos citados autores (em definitivo) op. loc. cit. p. 954/955 e quanto à segunda (em definitivo) pp. 222 a 226. [19] Esta é a posição de Maria de Conceição Valdágua, in “Figura, Aliciamento e Autoria Mediata” (citada), na esteira da posição por si defendida in “Autoria Mediata em Virtude do Domínio da Organização ou Autoria Mediata em Virtude da Subordinação Voluntária do Executor à Decisão do Agente Mediato” (citado). [20] Cfr. Maria Fernanda Palma, “Da “Tentativa possível” em Direito Penal”; Almedina, 2006,p. 90. |