Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
Descritores: | CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO INICIATIVA DO EMPREGADOR PROCEDIMENTOS FORMAIS ILICITUDE DO DESPEDIMENTO DISPONIBILIDADE DO DIREITO AOS CRÉDITOS LABORAIS | ||
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Data do Acordão: | 01/11/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA - 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 396º A 428º E 429º, AL. A), DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
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Sumário: | I – O actual Código do Trabalho prescreve a obrigatoriedade de um conjunto de procedimentos formais para a cessação do contrato por iniciativa do empregador, com a indicação do motivo da cessação do contrato (artºs 396º a 428º). A inobservância do procedimento respectivo, consoante as justificações tipificadas na lei, gera a ilicitude do despedimento (artº 429, al. a). II – Uma simples carta a declarar “prescindir dos serviços” não corresponde a procedimento tipo, previsto na lei, pelo que, em tal situação, nenhuma dúvida pode haver quanto à ilicitude do despedimento. III – A cessação do contrato de trabalho por acordo das partes é um negócio formal, nos termos do artº 394º do Código do Trabalho, onde se exige que conste de documento escrito e assinado por ambas as partes (formalidade ad substantiam), cuja omissão gera a nulidade de um eventual acordo nesse sentido. IV – O direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se considera indisponível durante a vigência da relação laboral, ou seja, uma vez cessada a relação laboral nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus créditos laborais, quer salariais quer outros emergentes da relação de trabalho ou da respectiva cessação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A autora instaurou contra o réu a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum Proc. nº 355/05.0TTLRA do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Leiria pedindo que este seja condenado a pagar-lhe: € 885,82 a título de retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (31/03/2004) até ao termo do contrato (4/06/2004); € 673,92 referentes à compensação prevista no art.º 388.º n.º 2 do C.T.; € 835,33 de diferenças de retribuição; € 664,00 a título de subsídio de alimentação; € 271,73 de subsídio para falhas; € 4.971,87 a título de retribuição pelo trabalho suplementar que a A. prestou nos anos de vigência do contrato de trabalho; € 146,88 a título de descanso compensatório a que a A. tinha direito por força da flexibilização do horário de trabalho no mês de Dezembro até ao limite de 48 horas semanais; € 79,60 a título de compensação pelo trabalho prestado ao sábado à tarde no mês de Dezembro dos anos de vigência do contrato de trabalho; € 1.031,04 a título de descanso compensatório que a A. não gozou e a que tinha direito, nos termos do disposto na cláusula 10ª n.º 1 al. b) do CCT aplicável ao caso sub judice; € 146,25 a título de descanso compensatório remunerado devido à A. pelo trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho nos meses de Dezembro de 2003, Janeiro, Fevereiro e Março de 2004; € 34,50 a título de diferenças na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato de trabalho; € 812,00 a título de retribuição de férias e respectivo subsídio, vencidos no ano da cessação do contrato de trabalho. Todas as quantias acrescidas de juros de mora desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento. Alegou, em resumo, que mediante contrato de trabalho a termo certo, foi admitida ao serviço do réu para prestar as funções inerentes à categoria profissional de caixeiro de terceira numa loja por aquele explorada. Que o réu através de carta datada de 31/03/2004, pôs fim a esta relação laboral, sem ter observado o procedimento legalmente prescrito. E, assim, que este seu despedimento foi ilícito, pelo tem direito a ser compensada e ainda às remunerações que deixou de auferir até ao termo do contrato. Fundamenta, ainda, o direito a receber diversos créditos salariais que discrimina, segundo os valores previstos na regulamentação colectiva aplicável ao sector. Contestou o réu pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos, aduzindo argumentos de facto e de direito que em seu entender devem conduzir à improcedência da acção. Reconheceu a relação laboral, mas não os créditos invocados. Alegou que aquela relação laboral terminou por acordo e que a autora emitiu uma declaração de que ele nada lhe deve. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo o réu do demais pedido, condenou-o a pagar à autora os seguintes valores: € 692,00, a título de diferenças remuneratórias, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o último dia do mês a que se reportam, até integral pagamento; € 941,80, a título de diferenças remuneratórias dos subsídios de férias e de Natal, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o primeiro dia de trabalho do ano subsequente, em relação ao subsídio de férias vencidos no 2003, do dia 15 de Dezembro do ano a que se reportam, em relação aos subsídios de Natal vencidos nos anos 2002 e 2003 e do dia 04/06/2004, na parte restante, até integral pagamento; € 462,50, a título de subsídio de alimentação, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o último dia do mês a que se reportam, até integral pagamento; € 236,00, a título de abono para falhas, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o último dia do mês a que se reportam até integral pagamento; € 2.719,86, a título de remuneração pelo trabalho suplementar e descanso compensatório, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o último dia do mês a que se reporta esse trabalho ou até ao qual deveria ser gozado o descanso, respectivamente, até integral pagamento; € 1.452,70, a título de remunerações vencidas de 01/04/2004 até 04/6/2004 e compensação pela cessação do contrato de trabalho, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o último dia do mês a que se reportam aquelas remunerações e do dia 05/06/2004, respectivamente, até integral pagamento. É desta decisão que, inconformado, o réu vem apelar. Alegando,conclui: “1. O recorrente não se conforma com douta sentença que considera a rescisão do contrato de trabalho, um despedimento ilícito, por não respeitar o formalismo legal, 2. Tendo ainda considerado inválida a declaração emitida pela A. que reconhecia ter recebido todos os seus direitos e que nada mais havia a reclamar. 3. A douta sentença de que se recorre viola os artigos 394° do CT e 236°, nº 1 do C.C. 4. O contrato de trabalho existente entre a A. e recorrente cessou por mútuo acordo na data da emissão da referida carta por si subscrita, 5. Basta atentar que a A. subscreveu a declaração junta aos autos onde declarou “referente à cessão do contrato de trabalho”, recebeu todos os seus direitos. 6. Nem se entenderia, caso a A. estivesse em desacordo com a cessação que no mesmo dia tivesse emitido uma declaração, onde reconhece ter cessado o contrato de trabalho e recebido todos os seus direitos. 7. É uma ilação, por demais óbvia, não entendendo o recorrente a posição do tribunal “a quo” em não querer ver, 8. Nem sequer resulta dos autos, e não poderia resultar, que a A. ao emitir a referida declaração, tivesse a vontade viciada por qualquer motivo. 9. Na verdade, a declaração de cessação do contrato de trabalho assinada pelo recorrente e a declaração emitida e assinada pela A. reproduzem a exacta transacção ou acordo celebrado entre A. e Recorrente. 10. E repete-se encontram-se assinadas por ambos, recorrente e A. 11. Cumprindo todo o formalismo imposto pela Lei. 12. E embora a declaração emitida pela A. seja um documento particular, porque assinado pela A., que não impugnou a sua assinatura, tem força probatória plena, não só quanto às declarações nela contida, mas também no que concerne aos factos que para a declarante são desfavoráveis. 13. Na verdade, tal declaração é o reconhecimento da cessação do contrato de trabalho, para além de ser abdicativa, pois implica para a A. a impossibilidade de exigir mais fosse o que fosse do Réu. 14. E nem se diga que essa declaração necessitaria de ser assinada pelo recorrente, pois foi ele que a exibiu conformando-se com o seu teor, que reproduziu para todos os efeitos legais. 15. Tal declaração exprime na verdade uma concordância entre a vontade e a declaração, para cuja formação não contribuiu qualquer razão anómala e valorada pela ordem jurídica como ilegítima. 16. E mesmo considerando o Tribunal “a quo” que o recorrente pôs fim à relação laboral de modo inválido e como tal ineficaz para extinguir aquela relação, 17. Jamais será legítima a posição assumida, que a A. não poderia “abdicar ou renunciar aos seus créditos salariais”. 18. É que a A. quando emitiu a referida declaração, emitiu-a com a consciência de que a sua relação laboral tinha, naquela data, terminado. 19. Mas mais, a declaração emitida pela A. não será uma mera declaração abdicativa, mas também uma declaração de quitação, 20. Pois declarou e transcreve-se “tendo recebido todos os meus direitos, nada mais tendo a reclamar”. 21. E nem se diga que a forma empregue pela A. ao declarar que recebeu todos os seus direitos, é genérica e imprecisa, 22. Pois é clara ao referir-se a "todos os direitos". 23. E de acordo com a teoria da impressão do destinatário consagrada na nossa Lei, leva à conclusão inquestionável de que a A. abdicou de exigir mais fosse o que fosse ao recorrente em consequência do contrato de trabalho que os ligava. 24. Não se podendo sequer colocar em questão a situação de eventual inibição do trabalhador em tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial face ao recorrente, 25. Pois a A. acordou na cessação do contrato de trabalho e declarou ter recibo todos os seus direitos, 26. Não tendo sido coagida, sob pena de qualquer represália, assinou a referida declaração de forma livre e consciente. 27. E que traduziram exactamente o que ressalta à leitura de um qualquer destinatário, isto é, 28. Reconheceu a cessação do contrato de trabalho entre ambos e recebeu os direitos entre A. e recorrente acordados, nada mais e nada menos do que isto. 29. Deve pois ser revogada a douta sentença que considerou ter existido um despedimento ilícito por parte do recorrente, e inválida a declaração emitida pela A. 30. Encontrando-se violados os artigos 394° do CT e 236°, nº 1 do C.C. 31. Devendo a douta decisão recorrida ser substituída por outra que considere ter existido uma cessação do contrato de trabalho por mutuo acordo, 32. Assim bem como considerar válida e suficiente para produzir todos os efeitos para os quais foi emitida, 33. Concluindo-se que a A. abdicou de exigir mais fosse o que fosse ao recorrente em consequência do contrato de trabalho que os ligava. 34. Devendo o Recorrente ser absolvido do pedido, tudo com as demais consequências legais.” A autora apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente. O réu apresentou resposta a este parecer. * II- FUNDAMENTAÇÃO1. De facto Do despacho de fls. 76, que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada: 1. O R. era e é empregado numa empresa situada na zona de Rio Maior e mantinha laços de amizade com a A. e o ex-marido desta. 2. No final de 2002, o R. decidiu abrir um estabelecimento comercial na Batalha, para a venda de roupa. 3. Para esse efeito, o R. admitiu ao seu serviço a A., no dia 2 de Dezembro de 2002, mediante o “contrato de trabalho a termo certo”, com a duração de seis meses, cuja cópia consta de fls. 8 a 10, que se dá aqui por integralmente reproduzida. 4. Para exercer no estabelecimento comercial do R., sito na Urbanização dos Infantes, Lote 4, Freiria, Batalha, por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização do mesmo, as funções inerentes à categoria profissional de caixeiro de terceira. 5. Tais funções consistiam, designadamente em: vender a mercadoria existente no estabelecimento (vestuário) aos clientes da loja; falar com estes a fim de se esclarecer sobre o que pretendem; auxilia-los nas respectivas escolhas; enunciar o preço; esforçar-se por concluir a venda; elaborar notas de encomenda e outros documentos de balcão; verificar as somas devidas, receber a importância das vendas (em cheque ou numerário), passar o recibo e registar essas operações. 6. A A. era a única funcionária do referido estabelecimento do R. 7. O R. não comunicou à A. a intenção de não renovar o contrato. 8. Por carta datada de 31 de Março de 2004, o R. informou a A. de que, a partir dessa data, prescindia dos seus serviços. 9. Em contrapartida do trabalho prestado, a A. auferia mensalmente a remuneração de €: 350,00, montante que, a partir de Fevereiro de 2003 foi actualizado para €: 360,00, a que acrescia uma comissão, de montante variável, sobre as vendas efectuadas em cada mês. 10. A A. trabalhava para o R. de segunda-feira a sexta-feira das 10h às 20h, com intervalo para almoço das 13h às 14h e ao sábado, pelo menos, das 10h às 13h. 11. Trabalhou ainda a A. para o R. nos dias 1 e 8 de Dezembro de 2003 e nos domingos de Dezembro de 2002 (a partir da sua admissão) e 2003, pelo menos das 14h às 20h. 12. O R. chegou a tomar conta da loja, pelo menos nalgumas tardes de Sábado. 13. O R. pagou à A., em 31 de Março de 2004, €: 270,00, a título de férias, subsídio de férias e de Natal. 14. A A. subscreveu e entregou ao R. a seguinte declaração, datada de 31 de Março de 2004: “Eu, A..., divorciada, residente na Quinta do Bispo, lote 43, 2º drtº, em Leiria, declaro ter feito as contas com R...., referente à cessação do contrato de trabalho, tendo recebido todos os meus direitos, nada mais tendo a reclamar”. * 2. De direitoÉ pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil. Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma: - se o contrato de trabalho mantido entre as partes cessou por despedimento ilícito, por não respeitar o formalismo legal, ou antes por mútuo acordo; - se a declaração emitida pela autora que reconhecia ter recebido todos os seus direitos e que nada mais havia a reclamar é ou não válida e, neste caso, se implica o reconhecimento da cessação do contrato de trabalho, para além de ser abdicativa, com impossibilidade de exigir mais fosse o que fosse do réu. a) Na sentença em apreciação, reconheceu-se – e bem – que na vigência de contrato de trabalho a termo certo, o réu proferiu despedimento ilícito da autora, na medida em que o concretizou através de procedimento inválido através de carta na qual lhe comunicava que, a partir da data daquela, prescindia dos seus serviços. O Código do Trabalho, já em vigor à data daquela declaração e, portanto, aplicável ao caso, prescreve a obrigatoriedade de um conjunto de procedimentos formais para a cessação do contrato por iniciativa do empregador, com a indicação do motivo da cessação contrato (artºs 396º a 428º). A inobservância do procedimento respectivo, consoante as justificações tipificadas na lei, geram a ilicitude do despedimento (429º al. a)). Ora, a simples carta a declarar “prescindir dos serviços” não corresponde a procedimento tipo, previsto na lei, pelo que, por aí, nenhuma dúvida poderia haver quanto à ilicitude do despedimento (o artigo 429º al. a) é aplicável aos contratos a termo, por força do artigo 440º). O réu defende, no entanto, como flui das conclusões do recurso, que o contrato de trabalho existente cessou por mútuo acordo na data da emissão da referida carta, situação que ocorreria pelo cruzamento dessa declaração com a declaração emitida pela autora na mesma data, na qual ela declarou que “referente à cessação do contrato de trabalho” recebeu todos os seus direitos. Acrescentando que nem se entenderia que, caso a autora estivesse em desacordo com a cessação, no mesmo dia tivesse emitido essa outra declaração. A declaração de cessação do contrato de trabalho assinada pelo recorrente e a declaração emitida e assinada pela autora reproduziriam, assim, o acordo de cessação, cumprindo todo o formalismo imposto pela lei. Não tem razão, contudo, como é facilmente intuível. A cessação do contrato de trabalho por acordo, que corresponde na terminologia do Código do Trabalho a revogação por acordo das partes, é um negócio formal. O artigo 394º nº 1 exige que conste de documento escrito e assinado por ambas as partes. A dificuldade de prova do acordo de cessação do contrato de trabalho e, principalmente, a prevenção de pressões e fraudes que, mais facilmente, prejudicariam o trabalhador, conduziram a que se estabelecesse a exigência de forma escrita, tanto no anterior art° 8º nº 1 do DL nº 64-A/89, como no actual Código do Trabalho (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª ed., pag. 522; Pedro Rodrigues Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, págs. 926 a 928). A exigência de forma não se compadece com possibilidades de cruzamento de proposta e aceitação em documentos escritos diversos, com as inerentes dificuldades de interpretação decorrentes da falta de clareza – pense-se que a clareza é aqui exigida, para além do mais, para a concretização da possibilidade da própria revogação, pelo trabalhador, do acordo extintivo (artigo 395º). Trata-se, pois, de uma formalidade ad substantiam cuja omissão gera a nulidade de acordo que, apesar de tudo, tenha sido declarado (artigo 220º do Código Civil). Por isso, improcedem as conclusões do recurso nesta parte, tendo a sentença recorrida concluído bem que ocorreu despedimento ilícito. b) Vejamos, noutro passo, a questão do valor a atribuir à declaração escrita da autora, emitida na mesma data do despedimento, por ela assinada e na qual declarou o seguinte: “Eu, A...., divorciada, residente na Quinta do Bispo, lote 43, 2º drtº, em Leiria, declaro ter feito as contas com R....., referente à cessação do contrato de trabalho, tendo recebido todos os meus direitos, nada mais tendo a reclamar” (ponto 14 dos Factos Provados). Na sentença recorrida, considerou-se que a mesma consubstanciava uma renúncia aos créditos que a lei atribuía à autora. Todavia, como teria sido emitida quando ainda vigorava, “no plano estritamente jurídico - mas que é o determinante – a relação contratual entre as partes” (o despedimento inválido era ineficaz para extinguir a relação laboral), então, mantendo-se essa relação, a autora não podia abdicar ou renunciar aos seus créditos salariais, pelo que a declaração seria ineficaz e de nenhum valor útil. É neste plano que discordamos da sentença. O princípio da irrenunciabilidade do direito ao salário tem vindo a ter consistente tratamento jurisprudencial desde há muitos anos. Não decorre directamente da lei (apenas tendo afloramento em alguns preceitos, designadamente hoje no artigo 271º do Código do Trabalho), e tem vindo a ser justificado sobretudo pela situação de subordinação económica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de poder ser prejudicado na sua situação profissional. Justificação essa que conduz à conclusão que o direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral (v. por todos, Ac. STJ de 24-11-2004, in www.dgsi.pt, processo 04S2846, o qual constitui expressão de jurisprudência uniforme, não se tendo encontrado outros divergentes desta tese). Ou seja, cessada a relação laboral, nada justifica já que o trabalhador não disponha livremente dos seus créditos laborais, quer salariais, quer outros emergentes da sua violação ou cessação, terminados os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação. Por isso a eles pode renunciar já ou estabelecer transacção sobre eles. E sendo a justificação para a irrenunciabilidade a que se apontou, naturalmente que se tem de equiparar à cessação de jure do contrato a cessação de facto, na sequência de ruptura nos seus vínculos funcionais efectivos, pois também aqui os referidos constrangimentos dos trabalhadores deixam de ocorrer. Nessas situações de ruptura de facto, o trabalhador não tem de esconder o conflito, tem de assumi-lo, pois nada tem a perder com ele, não se evidenciando qualquer condicionamento na sua vontade em função do temor pelas consequências negativas no desenvolvimento de uma relação que, na prática, cessou. Situação de cessação de facto ou de ruptura que ocorre quando se verifica um despedimento ilícito. Daí a prática –generalizada – nos tribunais de trabalho de se julgarem válidas transacções judiciais no âmbito das quais, em processos de impugnação de despedimento, os trabalhadores transigem/desistem/renunciam em relação a créditos laborais, pondo termo aos respectivos processos. Feita uma busca não exaustiva, encontramos vários arestos onde esta posição é reconhecida (da não verificação da irrenunciabilidade depois da cessação de facto): Ac. Rel. Lisboa de 6.6.1990, in CJ, t. III, pag, 190, Ac. do STJ de 3.07.96 em www.dgsi proc. 96S248, AC do STJ de 12.5.99, in CJ t. II, pág. 281, Ac. da Rel. do Porto de 22.05.2000, CJ, 2000, T. III, pag. 246, Ac. STJ de 24-11-2004, in www.dgsi.pt, processo 04S2846, Ac. STJ de 25-5-2005, in www.dgsi.pt, processo 05S480, Ac. da Rel. de Lisboa de 28-9-2005, in www.dgsi.pt, processo 1693/2004-04, Ac. da Rel. de Coimbra de 2-3-2006, in www.dgsi.pt, processo 3900/05, Ac. da Rel. do Porto de 8-5-2006, in www.dgsi.pt, processo 0542317. Por isso, ao contrário da sentença da 1ª instância (e de alguns arestos jurisprudenciais, como o Ac. Rel. Porto de 3-10-2005, in CJ, t. IV, p. 244), não encontramos óbice a que ocorra renúncia de créditos laborais após concretização de despedimento ilícito. Visto isto: A autora emitiu a declaração supra referida no mesmo dia em que ocorreu o seu despedimento. Como a declaração faz referência à cessação do contrato, é possível inferir, sem dificuldade, que ele é posterior àquele. Tratando-se de renúncia a reclamar direitos, tal como a sentença focalizou a questão, situamo-nos no domínio do contrato de remissão (a renúncia, enquanto negócio jurídico unilateral, não é reconhecida em termos típico-legais no domínio das obrigações, como causa de extinção de créditos – v. Pires de Lima/Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, Vol. II, anotação ao artigo 863º). A remissão constitui uma causa de extinção das obrigações previstas no capítulo VIII do título I do livro II do Código Civil. O art. 863º do Código Civil caracteriza-a como a renúncia contratual do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aceitação do devedor, podendo revestir a natureza de remissão donativa e de remissão puramente abdicativa (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II volume, 7ª ed., pág. 247 e segs.). Como vimos já, a remissão abdicativa por parte dos trabalhadores é possível após a ruptura do vínculo laboral (v. arestos já citados). Qual então o valor jurídico da declaração da autora? Poderá valer como remissão abdicativa? Como vimos, não basta a declaração abdicativa do credor para extinguir a obrigação. É necessário o acordo entre os dois titulares da relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova da aceitação do devedor, facilitada pelo disposto no art. 234º do Código Civil: “quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído, logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta”. A declaração em si não revela a aceitação dos seus termos pelo réu/devedor. Mas, para o consentimento deste, a lei não exige que seja manifestado de forma expressa, estando, antes, sujeito às regras gerais sobre declarações negociais (arts 217º e 218º do Código Civil). Pode assumir a forma tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. Ora no caso em apreço, a anuência do recorrente resulta da natureza da própria declaração porquanto tal tipo de declarações é normalmente emitido aquando do acerto de contas na sequência da cessação do contrato de trabalho e, no caso, foi emitida no mesmo dia do despedimento, evidenciando, assim, um acordo de interesse para ambas as partes, sendo irrelevante que a iniciativa da declaração abdicativa tenha partido do empregador ou do trabalhador. Porém, ainda que assim se não entendesse, sempre seria de considerar que ao juntar a referida declaração abdicativa aos presentes autos com a contestação, o réu demonstrou a intenção de a aceitar (neste sentido, v. Ac. da Rel. do Porto de 22.05.2000, CJ, 2000, T. III, pag. 246, Ac. da Rel. de Coimbra de 2-3-2006, in www.dgsi.pt, processo 3900/05, Ac. da Rel. do Porto de 8-5-2006, in www.dgsi.pt, processo 0542317). Por isso, podemos concluir que a declaração emitida pela autora se trata da concretização de um acordo com o réu. E assim poderíamos também concluir que a declaração da autora de que recebeu “todos os meus direitos, nada mais tendo a reclamar”, tem todas as condições para revestir uma eficaz declaração abdicativa. Mesmo a circunstância de se tratar de uma declaração genérica, não descriminando as importâncias, não invalida, por si só, essa conclusão. Sob pena de, como refere o Acórdão desta Relação 19-01-2005 in www.dgsi.pt, processo 3598/04, se entrar “em colisão com as normas que regem quer a figura da remissão, quer as próprias normas que regulam a forma de interpretar as declarações negociais, quer ainda o princípio da possibilidade de renúncia a direitos de natureza disponível”. Contudo, na resposta à contestação, a autora veio alegar que só assinou a declaração porque foi pressionada pelo réu que lhe disse que se o não fizesse não recebia qualquer quantia e porque o réu a convenceu de que mais nenhum direito lhe assistia, tendo sido assim induzida em erro. Independentemente da pertinência dessa matéria, como verdadeira contra-excepção (excepção à excepção arguida pelo réu) na medida em que coloca a validade da declaração em crise, pela existência de vícios internos, cumpre observar que o tribunal recorrido não considerou tais factos como provados. E também quando se referiu à matéria que considerou como não provada a eles se não referiu concretamente. Ora, para melhor julgarmos se ocorreu deficiência na decisão da matéria de facto, pode esta Relação avaliar os elementos de prova produzidos, uma vez que constam do processo (os depoimentos prestados foram registados em gravação), nos termos da primeira parte da al. a) do nº1 do artigo 712º do Código de Processo Civil. Assim, analisando os depoimentos prestados, sobretudo os das testemunhas Rosa Ribeiro Costa e Zenália Maria Cordeiro Pereira (indicadas pela autora), as quais depuseram à matéria da resposta à contestação, verificamos que não foi feita qualquer prova relativamente aos factos alegados que poderiam consubstanciar os vícios de vontade na declaração abdicativa (coacção moral e erro sobre o objecto). O ónus da prova desses factos caberia à autora (342 nº 2 do Código Civil). Temos assim que, com a declaração, a autora abdicou de exigir mais fosse o que fosse ao réu, relativamente a créditos emergentes do contrato de trabalho que com ele manteve. E assim sendo a acção tem necessariamente que improceder. * III- DECISÃOTermos em que se delibera julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e absolver o réu de todo o peticionado. Custas pela recorrida. |