Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | OLGA MAURÍCIO | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL PRISÃO EFETIVA PENA DE SUBSTITUIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/09/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU (INSTÂNCIA LOCAL) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 50.º DO CP; ART. 2.º DO DL. 2/98 | ||
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Sumário: | I - Se é verdade que o crime de condução sem habilitação se insere na pequena criminalidade, também é verdade que o legislador tem pretendido reprimir cada vez mais este tipo de ilícito dados os ainda elevados índices de sinistralidade das estradas portuguesas. II - Essencial à decisão de suspender é a convicção que o arguido tem capacidade de sentir essa ameaça de eventual cumprimento da pena e que esta tenha sobre si o efeito dissuasor necessário à repetição de factos ilícitos. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
RELATÓRIO 1. O arguido A... foi condenado na pena de 14 meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, do art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1.
2. Inconformado, o arguido recorreu, concluindo: «I - Entendeu o tribunal ad quo que se impunha a pena de prisão efetiva aplicando ao arguido 14 meses de prisão invocando fortes exigências de prevenção geral e especial, o que se nos revela manifestamente excessivo e desproporcional. II - Na verdade atento os factos descritos e a personalidade demonstrada nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto. III - A pena de prisão aplicada, apenas foi aplicada e valorizada tendo em conta os antecedentes criminais do arguido. IV - Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o denominado binómio factos - personalidade do agente. V - Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência á segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 70 do C. P. VI - O arguido encontra-se social e profissionalmente integrado. VII - O arguido está actualmente a tirar de condução, estando para o efeito inscrito numa escola de condução a frequentar as aulas. VIII - A natureza e gravidade do crime praticado pelo arguido, de delinquência menor. IX - O grau de ilicitude dos factos não é muito relevante, o recorrente conduzia um veículo automóvel sem ser titular de licença de condução que o habilitasse. X - O grau de culpa é diminuto. XI - Não ficou provada a personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, quando e ao contrário, está demonstrada a sua reintegração social. XII - No caso de crimes puníveis, em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exemplo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção - Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 363 e Dr.ª Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 9º, 4º, 663. Medida essa que atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos. XIII - Entre as vozes criticas mais recentes e mais estruturadas estão as recomendações do Relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, concluído a 12 de Fevereiro de 2004 [http://www.portugal.gov.pt] em que se pugna pela restrição da aplicabilidade da pena prisão à criminalidade mais grave e pela diversificação das penas não privativas da liberdade. XIV - A comissão detectou, entre outros "demasiada rigidez nas possibilidades de flexibilização da execução das penas, escassa utilização da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e, em geral, de outras penas e medidas penais não privativas da liberdade". XV - Em sumula, o tribunal ad quo deveria não obstante o passado judiciário do arguido ter optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - o caso de prestação de trabalho a favor da comunidade - visando consolidar no arguido a consciencialização da necessidade de um comportamento cívico e do cumprimento definitivo das suas obrigações. XVI - Deste modo, na medida em que na sentença ora recorrida não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 43º e 70º do CP».
3. O recurso foi admitido.
O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido. Alega que a suspensão da pena assenta num juízo de prognose favorável ao arguido, que no caso não é possível fazer, considerando que o crime foi cometido no período de suspensão da execução de uma pena de 10 meses de prisão, em que fora condenado apenas 4 meses antes. Sobre a duração da pena, também defende a sua manutenção considerado a culpa elevada, as necessidades elevadas de prevenção geral e especial
Nos mesmos termos se pronunciou o sr. P.G.A., que realça a circunstância de os factos revelarem que o arguido foi indiferente à condenação recentemente sofrida, demonstrando não ter interiorizado a ilicitude da conduta nem as consequências do facto. Entende, porém, que a pena deveria situar-se nos 12 meses.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..
4. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Realizada a conferência cumpre decidir. * FACTOS PROVADOS 5. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «1. No dia 11/09/2015, pelas 22h10, o arguido conduziu o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula RL (...) , na EN 229, km 81, na localidade de Cavernães, Viseu; 2. Na referida data, o arguido conduziu o referido veículo, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer licença que o habilitasse à condução desse veículo motorizado; 3. O arguido sabia que para conduzir aquele veículo automóvel na via pública necessitava de ser titular e portador da respetiva carta de condução, passada pelo organismo competente; 4. E, ciente de tal, o arguido conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar ali referidas, querendo proceder dessa forma, bem sabendo não ser titular de carta de condução; 5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os factos eram proibidos e punidos pela lei como crime; Mais se apurou que o arguido: 6. É proveniente de uma família estruturada, sendo o pai trabalhador na construção civil e a mãe doméstica; 7. Até à idade dos 20 anos, trabalhou como pedreiro e manobrador de máquinas, acompanhando o pai em trabalhos no Alentejo e Algarve; 8. Posteriormente e devido ao consumo de drogas e dependência da heroína, desorganizou a sua vida; 9. Beneficia de Liberdade Condicional concedida aos 5/6 da pena em 21/06/2014, até 15/04/2016, sendo acompanhado pela DGRSP, estando a cumprir as obrigações impostas pelo tribunal, nomeadamente, frequenta as consultas na Equipa de Tratamento do CRI de Viseu, trabalha com alguma regularidade na construção civil, e tem comparecido às entrevistas com pontualidade e estabilizado; 10. Vive com uma companheira em casa arrendada; 11. Realiza trabalhos ocasionais na agricultura e construção civil; 12. Encontra-se inscrito em escola de condução; 13. Confessou integralmente e sem reservas os factos; 14. Tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 11 a 37, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, tendo sofrido, além das demais, as seguintes condenações, por sentenças já transitadas em julgado, proferidas: a. Em 05/06/1992, pela prática, no mesmo dia, de um crime condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa; b. Em 19/01/2004, pela prática, em 09/12/2003, de um crime condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa, extinta pelo cumprimento; c. Em 10/12/2004, pela prática em entre 26/12/2003 e 26/01/2004, de três crimes de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa, três crimes de furto qualificado e 2 crimes de desobediência qualificada, em pena única de 10 anos de prisão, extinta pelo cumprimento; d. Em 28/06/2005, pela prática em 16/12/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, extinta por prescrição; e. Em 08/03/2005, pela prática, em 25/01/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 168 dias de multa, posteriormente convertida em prisão subsidiária e extinta pelo cumprimento; f. Em 12/05/2015, no processo n.º 49/15.9PTVIS, desta instância local criminal – J3, transitada em 07/03/2015, pela prática em 23/04/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano, sujeita a regime de prova». * DECISÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
Por via dessa delimitação a questão a decidir respeita à aplicação de pena detentiva. O crime de condução sem habilitação legal, cometido pelo arguido, é punível com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias - art. 3º, nº 1 e 2 da Lei 2/98, de 3/1.
Pela prática de um tal crime foi o arguido condenado na pena de prisão de 14 meses, com base nas seguintes razões: «Tendo em conta o passado criminal do arguido com seis condenações por oito crimes de condução sem habilitação legal, a última delas em pena de prisão suspensa e transitada em julgado quatro meses antes da prática dos factos, que assim foram praticados durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, entendemos que só a aplicação de uma pena de prisão poderá satisfazer as necessidades da punição. No que respeita à concreta medida da pena, a mesma terá como limite a culpa do arguido, revelada nos factos por si praticados (cfr. artigo 40º, n.º 2, do Código Penal) e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40º, n.º 1, e 71º, n.º 1, do Código Penal. Na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal. Há assim que ponderar: - O grau de ilicitude do facto, que se afigura mediano; - O dolo, que reveste a forma de dolo direto; - As condições pessoais do arguido e a sua situação económica, que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas; - A conduta anterior e posterior aos factos, sendo de atentar na existência de oito antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime, à data da prática dos factos a que acresce uma condenação por condução perigosa. Há que ponderar ainda as necessidades de prevenção geral que são elevadas, atenta a frequência com que são praticados estes crimes. As necessidades de prevenção especial mostram-se elevadíssimas, em face da insensibilidade à aplicação de penas decorrente da sujeição a penas privativas da liberdade e da incapacidade de conformação com a ilicitude da conduta revelada nos factos, sendo a antiguidade de parte delas pouco relevante porquanto o período em que não há condenações foi, na sua maioria, de reclusão. Assim, tudo ponderado, concluo ser adequada a aplicação da pena de 14 meses de prisão».
Tal como resulta do elenco dos factos provados, o arguido cometeu o crime em análise em 11-9-2015 e por sentença de 12-5-2015, transitada em 3-7-2015, havia sido condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 1 ano com sujeição a regime de prova, por crime semelhante.
Este tribunal de recurso concorda, inteiramente, com a opção feita pelo tribunal recorrido. Efectivamente, as necessidades de prevenção geral e especial a satisfazer são muito elevadas. O passado do arguido é revelador pois que, não obstante as várias condenações sofridas, ele persistiu na repetição do comportamento. Para além disso, se é verdade que o crime de condução sem habilitação se insere na pequena criminalidade, também é verdade que o legislador tem pretendido reprimir cada vez mais este tipo de ilícito dados os ainda elevados índices de sinistralidade das estradas portuguesas.
Fixada a pena é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Relativamente à determinação do quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada [1]. Não obstante o passado criminal do arguido, entendemos que a pena de 14 meses de prisão se revela algo desproporcional, atendendo a boa integração do arguido e ao facto de, finalmente, se indiciar que ele anda a tentar inverter esta situação.
Assim, temos por adequada a pena de 11 meses de prisão.
O tribunal recorrido decidiu não suspender a execução da pena de prisão nem proceder à sua substituição, porque «atentas as anteriores condenações do arguido em pena de prisão efetiva e o facto de as mesmas se não revelaram suficientes para o afastar de praticar novamente a mesma conduta, ainda mais quando, quatro meses antes da prática dos factos lhe foi concedida nova oportunidade de, em liberdade, se reinserir socialmente, e ainda assim, sujeito a ameaça de 10 meses de prisão, o arguido não se coibiu de praticar novamente o crime, não é possível realizar tal prognóstico positivo. Assim, é impossível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, inibindo o arguido da prática de futuros crimes de semelhante natureza, pelo que não estão reunidos os pressupostos da suspensão da pena de prisão. Pelos mesmos motivos, também não é de esperar qualquer sucesso na substituição da pena de prisão por trabalho, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 58.º, medida que exige grande empenho e conformação com as obrigações que dela decorrem por parte do condenado e capacidade de interiorização do desvalor da conduta, que o arguido já revelou não possuir».
O nº 1 do art. 50º do Código Penal atribui ao juiz o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos sempre que, reportado à data da decisão, faça um juízo de prognose favorável à suficiência da ameaça da pena. Essencial à decisão de suspender é a convicção que o arguido tem capacidade de sentir essa ameaça de eventual cumprimento da pena e que esta tenha sobre si o efeito dissuasor necessário à repetição de factos ilícitos. Também aqui concordamos com a sentença recorrida quando afasta a possibilidade de suspender a execução da pena pois, no caso, a prognose favorável indispensável à suspensão não é possível. Não obstante o arguido ter sido recentemente condenado em pena de prisão, cuja execução estava suspensa, isso não demoveu de reincidir na prática de factos ilícitos. Significa isto que a pena de suspensão de execução da pena não cumpriu, afinal, os seus objectivos.
Por isso entendemos, também, que não é possível a suspensão da execução da pena. * DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, do art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1, vai o arguido A... condenado na pena de 11 meses de prisão.
Fixa-se no mínimo a taxa de justiça.
Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.
Coimbra, 2016-03-09
(Olga Maurício – relatora)
(Luís Teixeira - adjunto)
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