Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO CITAÇÃO FALTA | ||
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Data do Acordão: | 07/18/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE ALVAIÁZERE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 193º, 195º E 771º DO CPC | ||
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Sumário: | Ao incumprir o dever de colaboração e lealdade a que estava obrigada – omitindo informações relevantes de que dispunha – a apelada deu lugar a que o tribunal ordenasse indevidamente (sem ter solicitado todas as informações) a citação edital, considerando-se verificada a falta de citação do art. 195.º, n.º 1, alínea c), do CPC e, assim, preenchido o 2.º requisito exigido pelo art. 771.º, e), do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A... , casada, residente na Florida, EUA, e B... , residente em Michigan, EUA, interpuseram Recurso de Revisão da decisão proferida na acção sumária em que foi autora C... , casada, residente no ....., concelho de Alvaiázere, e em que os ora recorrentes foram réus. Alegaram, em síntese, que a referida acção, em que foram citados editalmente, correu à sua revelia. Sucede que, à data em que tal acção entrou em juízo, estava em curso, no Tribunal Judicial de Ansião, uma outra acção em que eram autores os recorrentes e réus a recorrida e o seu marido, razão pela qual a autora sabia, à data em que propôs a acção contra os recorrentes – e mesmo depois dessa data – que estes poderiam ser citados, se não fossem encontrados nas moradas que indicou como sendo as deles nos EUA, com a colaboração dos seus legais representantes, aqui advogados signatários, já que estes também os patrocinaram, enquanto autores, na referida acção que correu termos no Tribunal Judicial de Ansião, sendo que também o advogado da autoraC...a patrocinou nesse processo. Invocaram, assim, que nunca tiveram conhecimento da acção proposta pela autora C..., até que a advogada, primeira signatária do recurso de revisão, na qualidade de procuradora da 1ª recorrente, tomou conhecimento da execução (da sentença proferida na acção que correu à revelia) contra a sua constituinte, por ter sido bloqueada uma conta de que a mesma é titular no BES. Concluíram dizendo que existiam razões, do conhecimento da autora e do seu patrono que impediam o recurso à citação edital, verificando-se, por isso, o fundamento do artigo 771º, alínea e), do CPC e, em consequência, devendo ser revogada a sentença de condenação proferida no processo principal e anulados os termos posteriores à citação em cumprimento do disposto no artigo 776º do referido Código. A recorrida respondeu, sustentando, em resumo e com relevo, que não sabia se os mandatários dos recorrentes tinham ou não poderes para serem citados pessoalmente em nome dos seus representados, como, na verdade, não têm, ao que acresce o facto de o seu advogado apenas ter patrocinado a aqui recorrida no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Ansião na parte final do mesmo, quando os autos aguardavam decisão final do STJ. Acrescentou que não se sabe quando é que os recorrentes tomaram conhecimento da acção, sendo que o prazo de sessenta dias se conta da data em que a parte e não o seu mandatário teve conhecimento do facto que serve de base à revisão e que, além disso, os recorrentes não apontaram qualquer vício da citação, a qual foi feita com observância de todos os legais formalismos. Terminou pedindo que seja o recurso de revisão julgado improcedente. Realizadas as diligências julgadas indispensáveis, a Mm.ª Juíza proferiu decisão, julgando totalmente improcedente o Recurso de Revisão interposto. Inconformados com tal decisão, interpuseram os Recorrentes recurso de Apelação, visando a procedência do Recurso de Revisão. Terminam a sua alegação com conclusões em que, em síntese, sustentam: (…) b) Deve ser dado por provado o facto de a Dra. D... ter patrocinado a ora recorrente no processo que correu termos na comarca de Ansião; c) Assim como deve ser dado por provado que o ora patrono da recorrida também foi seu patrono naquele mesmo processo de Ansião; d) Em ambos os casos porque tal foi alegado pelos recorrentes e foi admitido por acordo na contestação da recorrida; e) Ao decidir-se de modo oposto, na douta sentença recorrida, ofendeu-se o disposto nos Art. 773.º, in fine, e 490°., n° 2., ambos do Código de Processo Civil; f) Na douta sentença recorrida faz-se uma ampla demonstração dos males que a citação edital pode causar; g) E diz-se, nomeadamente, que sobre o autor impende o dever imperioso de comunicar ao tribunal todos os elementos de que dispõe que permitam uma localização dos réus e assim se impeça o recurso àquele meio; h) Os recorrentes alegaram que a autora, ora recorrida, sabia que os réus, ora recorrentes, estavam a ser representados pelos advogados signatários nesse processo de Ansião, à data em que — e mesmo mais tarde – ela propôs a acção de cobrança de dívida, nesta comarca de Alvaiázere; i) E que, por conseguinte, ao ter-se verificado a falta de citação nos Estados Unidos, a A. deveria ter fornecido esse elemento ao tribunal, a fim de que este mandasse inquirir os advogados signatários sobre o paradeiro dos seus clientes; j) A circunstância de a A., ora recorrida, vir alegar que não sabia se os advogados signatários tinham, ou não, poderes para serem citados em representação dos seus mandantes, em nada releva, visto que o que se impunha era que o tribunal fosse informado de que havia em Portugal dois advogados que representavam, noutra comarca aliás vizinha, os réus que não tinham sido citados nos EUA; 1) Era de elementar cumprimento do dever de colaboração com a Justiça, ter sido fornecida ao tribunal essa informação; m) Ao decidir, como decidiu, a Mma. Juiz “a quo” violou, entre outros, os Art. 659°, n°3, 773°, e 490°, n° 2., todos do C.P.C. A douta sentença recorrida deve, pois, ser revogada, dando-se provimento do presente recurso e, em consequência, concedendo-se a pedida revisão de sentença, porque, assim decidindo, se fará inteira e merecida (…)” Os Recorridos não responderam. Foram dispensados os vistos, cumprindo apreciar e decidir. * II – “Reapreciação” da decisão de facto Como questão prévia à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – analisar as questões, a propósito da decisão de facto, colocadas a este Tribunal. Até à reforma operada pelos DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância era praticamente imodificável e os poderes do Tribunal da Relação encontravam-se quase circunscritos ao julgamento das questões de direito. Tal realidade alterou-se, entretanto, em virtude da gravação das audiências finais, a requerimento das partes ou por determinação do tribunal (art. 522º-B do CPC), e da ampliação dos poderes da Relação, nesse campo, introduzida por aqueles diplomas legais ao darem nova redacção ao art. 712º do CPC. Segundo este, em três hipóteses pode a Relação alterar a decisão relativa à matéria de facto proferida pela 1ª instância: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. No caso vertente, os depoimentos prestados não foram gravados. Não constam, assim, do processo todos os elementos probatórios com que a 1.ª Instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto. Em todo o caso, face às concretas questões colocadas, nesta sede, pelos Apelantes, podemos dizer que do processo constam todos os elementos de prova. Revertendo ao caso concreto – tendo em vista explicar o que vimos de afirmar – importa começar por referir que os 2 factos que estão em causa são os seguintes: Ter sido a aqui Apelante A... patrocinada pela Sra. Dra. D...na Acção Ordinária 160/99 que correu termos em Ansião. Terem sido os aqui Apelado sC... e marido E... patrocinados em tal Acção Ordinária 160/99 pelo Sr. Dr. F... . Factos estes que a Ex.ma Juíza deu como não provados, para o que, na respectiva fundamentação, escreveu que “os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de prova a esse respeito, já que as partes não juntaram qualquer documento que os comprovasse” Ao que os Apelantes não opõem que os documentos comprovativos foram por si juntos aos autos. Aliás, a tal propósito – saber quem patrocinou as partes na A. O. 160/99 de Ansião – os Apelantes juntaram uma certidão (fls. 74 e 75) que “atesta” ter sido o Apelante B... patrocinado pelo Sr. Dr. G..., facto este que, como é evidente, não deixou de ser dado como provado. Argumentam antes os Apelantes – para que os 2 factos sejam dados como provados – com a posição que a Apelada assumiu nos art. 15.º a 17.º da resposta ao Recurso de Revisão; em que, segundo os Apelantes, teria confessado tais 2 factos. Articulou a Apelada na sua resposta: 15.º - É irrelevante o alegado nos art. 1.º a 6.º da petição, até porque a A. não sabia sequer se os ilustres mandatários tinham ou não poderes para serem citados pessoalmente em nome dos seus representados. 16.º - Como na verdade não tem face aos termos das procurações por si juntas aos autos. 17.º - Aliás, os advogados da A.C...só na parte final do processo (A. O. 160/99 de Ansião) patrocinaram a ora requerida e quase ou nenhum contacto tiveram com os mandatário dos requeridos no âmbito daquele processo, que apenas aguardava uma decisão final do STJ. Efectivamente, em tais artigos, a Apelada não nega que os Apelantes tenham tido os mesmos mandatários na A. O. 160/99 e admite que o seu advogado tenha estado na parte final – pelo menos, no STJ – da A. O 160/99. A redacção utilizada pela Apelada é confusa e algo esquiva, a oportuna junção duma simples certidão por parte dos Apelantes evitaria quaisquer ponderações e cogitações sobre o que a Apelada admitiu ou não, sobre quem representou quem, desde quando e com que exactos poderes na A. O. 160/99 de Ansião, porém, impõe-se reconhecer, por aplicação do art. 490.º, n.º 1 e 2, do CPC [1] , que a Apelada aceitou, de modo implícito, mas com suficiente concludência: Ter sido a aqui Apelante A... patrocinada pela Sra. Dra. D...na Acção Ordinária 160/99 que correu termos em Ansião. Ter sido a aqui ApeladaC... patrocinada na fase final – pelo menos, junto do STJ – em tal Acção Ordinária 160/99 pelo Sr. Dr.F.... Concluindo, reapreciando as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, designadamente a prova resultante dos factos admitidos por acordo, altera-se a decisão referente ao julgamento da matéria de facto, passando a considerar-se como provados os 2 factos acabados de enunciar. * III – Fundamentação de Facto A) Em 19/01/2001,C... intentou acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, que correu termos sob o n.º 10/2001, contra B... e A...., aqui recorrentes. B) Acção em que se frustrou a citação por via postal e por intermédio do consulado português. C) E em que, sendo desconhecido o paradeiro dos RR., foram os mesmos citados editalmente. D) Acção que correu os seus ulteriores termos, até final, sem que os RR. tivessem apresentado contestação e/ou tivessem intervindo na mesma por qualquer forma. E) Acção em que foi proferida sentença, em 20/06/2003, transitada em julgado em 07/07/2003, em que os RR. foram condenados a restituir à A. a quantia de 700.000$00 acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. F) O BES dirigiu à Recorrente A... e enviou para o domicílio profissional da mandatária desta carta datada de 23/03/2006 – respeitante ao Processo n.º 10-A/2001 do Tribunal Judicial de Alvaiázere (solicitador de execução Leonor Jordão-CED.2245) – da qual consta: Em cumprimento do disposto no artigo 861º-A/7 CPC, vimos por este meio comunicar a V. Exa. que, em 04/01/2005, por instruções da entidade em referência, bloqueámos à ordem dos presentes autos o Dossier de Valores Mobiliários composto por 1953 unidades de participação do Fundo Gespatrimónio Rendimento. G) A PI do presente processo de recurso de revisão deu entrada em juízo em 17/05/2006. H) Na acção executiva para pagamento de quantia certa, apensa à acção identificada em A), os executados, aqui recorrentes, não foram ainda citados. I) Correu termos no Tribunal Judicial de Ansião a A. O. n.º 160/1999, na qual eram AA. B... e A... e R.C... e marido, tendo na 1.ª Instância sido proferida sentença em 20/12/1999 e no STJ sido proferido Acórdão em 21/06/2001. J) Em tal A. O., o aí A. B... foi patrocinado pelo Sr. Dr. G..., também mandatário do mesmo no presente recurso de revisão. L) A aí A. A... foi patrocinada pela Sra. Dra.D..., também mandatário da mesma no presente recurso de revisão. M) E a aí R.C... foi patrocinada na fase final – pelo menos, junto do STJ – pelo Sr. Dr.F..., também mandatário da mesma na A. S. 10/2001 e no presente recurso de revisão. *
IV – Fundamentação de Direito A apreciação e decisão da vertente de direito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos Apelantes (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), passa em exclusivo pela questão de saber se houve ou não falta de citação dos aqui Apelantes (no processo em que foi proferida a decisão que se pretende rever).
Por sentença transitada em julgado, foram os aqui Apelantes – enquanto réus na acção sumária a que os presentes autos correm por apenso – condenados a restituir à aqui Apelada – autor em tal acção sumária – a quantia de 700.000$00 (acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento). Sentença com que os Apelantes não se conformam e que querem ver revista. Daí haverem intentado o presente recurso de revisão – com fundamento em terem sido indevidamente citados editalmente em tal acção, corrida à sua revelia – que foi julgado improcedente; sendo desta (2.ª) sentença – da improcedência do recurso de revisão – de que agora apelam. Considerou-se na sentença ora sob recurso que os Apelantes não haviam “logrado provar os factos tendentes a preencher o fundamento por si invocado – falta de citação – para a revisão da sentença transitada em julgado, tendo o presente recurso (de revisão) necessariamente de improceder.” Foi pois por causa do 2.º requisito, exigido pelo art. 771.º, e), do CPC, que o recurso de revisão soçobrou. É justamente sobre tal 2.º requisito – sobra a sua apreciação e análise no caso sob recurso – que versa o objecto da presente apelação. Exige-se com tal 2.º requisito do art. 771.º, e), do CPC que se mostre que houve falta de citação ou que é nula a citação feita. Constitui tal 2.º requisito a “substância” do fundamento (da alínea e) do art. 771.º) de revisão; de facto, só por si, a situação de revelia é inócua e inconcludente; o que dá ressonância à revelia, o que produz a razão de ser da revisão, é justamente o facto de tal revelia ter ocorrido num contexto de falta de citação ou de nulidade de citação. Somos pois chegados ao cerne do objecto do recurso; que se pode enunciar e circunscrever à seguinte pergunta: Em face dos factos provados, pode afirmar-se que os Apelantes foram condenados em acção em que – para além de ter corrido à sua revelia – não foram devidamente citados? Pergunta que não tem uma resposta simples e única. Se a questão estivesse tão só em apreciar a bondade procedimental da citação dos Apelantes, à luz dos elementos constantes da acção, não podia deixar de ter uma imediata e rotunda resposta negativa. Sucede, porém – este é o ponto – que para se saber se os Apelantes foram ou não bem citados não podem contar e/ou valer tão só os elementos constantes da acção. Vejamos porquê: Na acção, os Apelantes foram citados editalmente. Citação edital que foi ordenada após a devolução duma 1.ª carta registada com aviso de recepção, após a frustração da citação por intermédio do consulado português mais próximo e na ausência, face ao que constava dos autos, duma última residência dos Apelantes em território português. Sucede, porém, que, sendo a citação edital uma forma precária e de certo modo fictícia de comunicar com o réu duma acção [4] , se deve considerar como tendo sido empregue indevidamente a citação edital – configurando a situação de falta de citação prevista no art. 193.º, n.º 1, c), do CPC – quando o autor de tal acção não revela ao tribunal todas as informações que conhece e que são susceptíveis de auxiliar o tribunal a localizar o réu e a permitir o cumprimento da regra da pessoalidade da citação. Afirmou-se no STJ [5] que a citação edital – é um mal necessário, que o exercício adequado do direito de defesa em juízo (…) tem como pressuposto ideal a certeza de que o réu soube do pedido que contra si é feito bem como dos seus fundamentos; e essa certeza só fica garantida com a efectivação da citação em termos que evidenciem terem esses pedido e fundamentos chegado, de facto, ao seu conhecimento. Trata-se de considerações e observações que se aplicam como uma luva ao caso em análise. É que – convém enfatizá-lo – entre os elementos e informações que o autor tem o dever de revelar e disponibilizar ao tribunal, não estão apenas e só aqueles que digam directa e imediatamente respeito ao paradeiro e residência do réu. Pode dar-se o caso do autor não ter qualquer conhecimento sobre a residência e paradeiro do réu e no entanto possuir “preciosas” informações que, devidamente fornecidas ao tribunal, possibilitem a este chegar ao seu paradeiro e residência; ou – o que é a mesma coisa – que possibilitem ao tribunal fazer chegar ao conhecimento pessoal do réu o pedido que contra si foi feito. Era justamente nesta situação que a Apelada se encontrava. Quando na acção começaram a surgir dificuldades na citação dos ali réus – 2.º semestre de 2001 – tinha a autora e a aqui Apelada acabado de ser notificada do Acórdão proferido no STJ, numa outra acção que corria, desde há vários anos, entre as mesmas partes. Estando a autora envolvida, há anos, num litígio judicial com os réus [6], não se pode aceitar – e mal se compreende – que, face às dificuldades surgidas na citação dos réus, tenha omitido ao tribunal da 2.ª acção a existência duma 1.ª acção, em que os réus – autores nesta 1.ª acção – estavam devidamente representados em juízo, representantes a quem, como é de elementar diligência, se podia perguntar pela residência ou paradeiro dos seus constituintes. Como mal se compreende que a autora, que, ao longo da PI da acção, alude por várias vezes aos representantes da ali ré, não tenha solicitado ao tribunal que, junto de tais representantes, obtivesse a informação de residência da sua representada. É que – não será exagerado salientá-lo – os processos/acções correm entre as partes e não entre os mandatários das partes, pelo que, fossem quais fossem os mandatários das partes na 1.ª acção, o certo era que, quando a 2.ª acção foi intentada, há anos [7] que existia e corria o litígio entre as partes, então restrito à 1.ª acção. De todo o modo – embora os processos corram entre partes, a quem todas as alegações e informações processuais são reportadas – dá-se até o caso de, quando na acção começaram a surgir dificuldades na citação dos ali réus (2.º semestre de 2001), a autora já estar representada em juízo, em ambas as acções, pelo mesmo mandatário. Assim, ainda menos se compreende que, antes de se requerer a citação edital, não se tenha ido dizer que os ali réus, tinham, noutra acção, advogados constituídos, que – era razoável admitir – teriam que possuir, tendo em vista a execução do mandato, informações sobre o paradeiro dos seus constituintes. Tais advogados, é verdade, podiam vir dizer que também não conseguiam contactar com os seus constituintes, que já não eram advogados deles, que não tinham poderes para receber citações, que não eram obrigados a dizer o que quer que fosse, enfim, perdoe-se-nos a vulgaridade, podiam dizer o que muito bem lhes apetecesse, porém, uma coisa é certa, aqui e agora podíamos afirmar que a autora e aqui apelada havia cumprido integralmente os seus deveres de colaboração e lealdade (art. 266.º e 266.º- A do CPC) processuais. Este é, insiste-se, o ponto. A questão – de que já denunciámos a resposta – está em saber se a autora cumpriu o seu dever de colaboração e lealdade processuais, se revelou ao tribunal todas as informações, que conhecia, susceptíveis de auxiliar o tribunal a localizar os réus e a permitir o cumprimento da regra da pessoalidade da citação. A circunstância – tão debatida nos autos – de os advogados dos autores (na 1.ª acção) terem ou não poderes para receber citações é relativamente irrelevante e lateral. Dizemos “relativamente”, uma vez que, como é evidente, caso tenham tais poderes e tal esteja documentado na 1.ª acção, então, tal prova, nestes autos, teria conferido mais ressonância à violação dos deveres de colaboração e lealdade processuais por parte da aqui Apelada. Relevante – mais relevante – é o facto, já referido, de a aqui Apelada já estar representada em ambas as acções pelo mesmo mandatário [8] , quando na 2.ª acção começaram a surgir dificuldades na citação dos ali réus. É que – é bom não perder de vista – estamos a falar da citação de pessoas a residir nos EUA, que a aqui Apelada apresentou sem prévia residência em território português e em que, por isso, as formalidades da citação edital se circunscreveram a um edital na porta do tribunal e à publicação de 2 anúncios num jornal nacional; isto é, em que as formalidades da citação edital não incluíram nem a afixação de editais na porta da última residência nem na porta da sede da respectiva junta de freguesia. Enfim, “descendo à realidade” – tendo presente que a citação não é um mero acto formal e burocrático, antes se destinando a dar conhecimento, real e efectivo, ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e a chamá-lo a defender-se e a exercer o contraditório – não se compreende como pelo espírito da autora – e do seu mandatário – nunca haja passado a ideia de que seria por certo muito mais útil, para dar conhecimento da propositura duma acção a réus residentes nos EUA (sem última residência conhecida em Portugal), fazer chegar tal conhecimento aos seus advogados numa outra e 1.ª acção, em vez de publicar 2 anúncios (em letra minúscula) num jornal e afixar um edital à porta do tribunal de Alvaiázere.
Concluindo, a aqui apelada, ao incumprir o dever de colaboração e lealdade a que estava obrigada – omitindo informações relevantes de que dispunha – deu lugar a que o tribunal ordenasse indevidamente (sem ter solicitado todas as informações) a citação edital [9] , pelo que, nesta sede, cumpre considerar verificada a falta de citação do art. 195.º, n.º 1, alínea c), do CPC e assim preenchido o 2.º requisito exigido pelo art. 771.º, e), do CPC. Efectivamente, como flui da argumentação antes expendida, não satisfaz cabalmente o dever de colaboração e lealdade processuais a parte que, propondo uma acção contra pessoas residentes há anos nos EUA [10], requer – após a devolução duma 1.ª carta registada com aviso de recepção e após a frustração da citação por intermédio do consulado português – a citação edital, sem antes revelar ao tribunal que, ela própria, anda em litígio, noutro processo, com tais pessoas residentes nos EUA, e que, em tal outro processo, tais pessoas se encontram devidamente representadas, em juízo, por advogados portugueses. Impõe-se pois, tudo visto e ponderado, conceder procedência à presente apelação. [11] * V - DECISÃO Custas pela apelada. |