Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | BRÍZIDA MARTINS | ||
Descritores: | DANO DANO QUALIFICADO OFENDIDO DIREITO DE QUEIXA LEGITIMIDADE PARA A QUEIXA | ||
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Data do Acordão: | 12/06/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE FIGUEIRA DA FOZ | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 212º E 213º DO C. PENAL | ||
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Sumário: | 1. Só o proprietário do bem objecto de um crime de dano tem legitimidade para impulsionar o respectivo procedimento criminal através da indispensável queixa. 2. A circunstância qualificativa do nº. 1 do artigo 213º do C. Penal, em caso de destruição parcial, opera atendendo ao prejuízo causado e não ao valor da coisa danificada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra. * I – Relatório.1.1. No uso da faculdade concedida pelo disposto no artigo 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal [doravante CPP], o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A...; B... e C..., todos já devidamente identificados nos autos, porquanto autores materiais de factos integrantes, sob a forma consumada, do cometimento: - Pelo primeiro, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 213.º, n.º 1, alínea a); 202.º, alínea a) e 26.º do Código Penal [vulgo CP e diploma de que serão os demais preceitos doravante a citar, sem menção da origem), em co-autoria com os arguidos B... e C...; de dois crimes de ofensa à integridade física simples, sendo o primeiro previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, e, o segundo, cometido em co-autoria com o arguido B..., previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 26.º; de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 e (na adesão à acusação particular que infra se mencionará) de um crime de injúrias, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1. - Pelo segundo, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 213.º, n.º 1, alínea a); 202.º, alínea a) e 26.º em co-autoria com os arguidos A... e C...; de um crime de ofensa à integridade física simples, cometido em co-autoria com o arguido A..., previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 26.º e de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1. - Pelo terceiro, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 213.º, n.º 1, alínea a); 202.º, alínea a) e 26.º, em co-autoria com os arguidos A... e B..., D..., também já melhor identificado nos autos e neles admitido a intervir na qualidade de assistente, deduziu acusação particular contra o primeiro dos ditos arguidos imputando-lhe a autoria material consumada do acima mencionado crime de injúrias, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1. O mesmo assistente arvorando-se agora na veste de lesado cível deduziu contra todos os mencionados arguidos competente e tempestivo pedido de indemnização tendente a obter o ressarcimento de alegados danos patrimoniais e não patrimoniais sobrevindos por virtude das suas relatadas condutas e que quantificou no montante de € 10.493,23 acrescidos dos devidos juros de mora que discriminou, tudo como melhor sobressai de fls. 235/243. Mais deduziu contra o arguido A... autónomo pedido de indemnização constante de fls. 199/200 para ressarcimento dos danos não patrimoniais causados por virtude dos factos consubstanciadores do imputado crime particular e que fixou em € 2.500,00. 1.2. Na subsequente e normal tramitação do processo, realizado o contraditório, veio a ser proferida sentença que determinou, além do mais por ora não relevante: - Extinguir o procedimento criminal na parte referente aos crimes de dano, relativamente a todos os arguidos, por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal. - Absolver o arguido B... da prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e de ameaça pelos quais vinha acusado. - Condenar o arguido A... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz € 400,00 euros. Subsidiariamente fixou em 66 dias a prisão correspondente. - Condenar o arguido A... pela prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz € 320,00. Subsidiariamente fixou em 53 dias a prisão correspondente. - Condenar o arguido A... pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz € 280,00. Subsidiariamente fixou em 46 dias a prisão correspondente. - Condenar tal arguido na pena única de 170 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfaz o montante de € 680,00. Subsidiariamente fixou em 113 dias a prisão correspondente. - Extinguir o pedido cível deduzido, por impossibilidade da lide, na parte referente ao crime de dano, ou seja, quanto aos pedidos de € 3.735,93 e € 1.750,00, bem como respectivos juros. - Absolver os arguidos C... e B... do pedido cível relativo aos danos não patrimoniais pelo crime de ameaças, ou seja, da quantia de € 1.500,00 e respectivos juros. - Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 250,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime de injúrias. - Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 350,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime de ameaça, montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento. - Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 450,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime de ofensa à integridade física simples, montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento. - Condenar o arguido A... a pagar ao ofendido D... o montante de € 7,30 a título de indemnização por danos patrimoniais, montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data para contestar o pedido cível deduzido e até efectivo e integral pagamento. - Relegar para liquidação em execução de sentença o montante dos prejuízos patrimoniais sofridos pelo facto do ofendido não ter efectuado o trabalho na Madeira. 1.2. É na discordância com esta decisão que vem interposto pelo assistente o presente recurso, sendo que da motivação oferecida extraiu a formulação das conclusões seguintes: 1.2.1. Ao dar como provado que o arguido A...danificou coisa alheia de valor elevado (cfr. o que consta dos pontos 5., 9., 10., 14., e 25., dos factos provados) e como não provado que os arguidos C... e B... não danificaram coisa de valor elevado, e ao não condenar o primeiro e absolver os segundos do crime de dano qualificado por que vinham acusados, antes decidindo pela extinção do procedimento criminal por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal – queixa –, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 213.º, conjugado com o disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea a). 1.2.2. Isto porque, assim, o dito Tribunal interpretou o n.º 1 do mencionado artigo 213.º no sentido de que o referente do “valor elevado” é, não a coisa objecto do dano, mas o montante do prejuízo. 1.2.3. Ora, tal interpretação não só viola o espírito do referido preceito (que visa proteger, justamente, as coisas de valor elevado), como não tem a mínima correspondência verbal com a letra da lei, questionando, consequentemente, o artigo 9.º do Código Civil [CC]. 1.2.4. Aquele normativo só pode, em face da sua letra e da sua ratio, ser interpretado no sentido de que o referente de valor elevado é a coisa alheia danificada, e não o montante do prejuízo em que se traduz o dano. 1.2.5. Ao decidir da forma enunciada na 1.ª conclusão (extinção do procedimento criminal quanto ao crime de dano, por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal - queixa), não reconhecendo ao ora recorrente legitimidade para apresentar queixa pelo crime de dano imputado aos arguidos, e resultando implícito dos factos provados que era o assistente quem, não obstante não ser o proprietário, retirava as utilidades do veículo objecto do crime de dano imputados aos arguidos, o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no artigo 113.º, n.º 1, por referência aos artigos 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1. 1.2.6. Pois interpretou aquele primeiro preceito no sentido de que, no crime de dano, só é ofendido o proprietário da coisa danificada, e não quaisquer terceiros não proprietários, ainda que sejam estes, e não o proprietário, que retiram o proveito das utilidades da coisa danificada. 1.2.7. Sendo que, ofendido, para efeitos do crime de dano, é, atendendo à “função social” da propriedade e à necessidade de a proteger, não só o proprietário, mas também o titular de direitos de gozo, fruição e uso da coisa danificada, ou seja, aquele a quem está confiada, pelo dono, a fruição da coisa e que, portanto, retira dela as suas utilidades. 1.2.8. Em consequência, ao não condenar nem absolver os arguidos pelos crimes de dano por que vinham acusados, fosse na sua forma qualificada (artigo 213.º, n.º 1), fosse na sua forma simples (artigo 212.º, n.º 1), a sentença recorrida violou, também, o disposto no artigo 374.º, n.º 3, alínea a), do CPP, o qual impõe que a sentença termine pela decisão condenatória ou absolutória, sendo a mesma nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), também desse diploma. 1.2.9. Ao decidir pela extinção do pedido cível deduzido pelo assistente, atenta a impossibilidade da lide, e na parte referente ao crime de dano, ou seja, quanto aos pedidos de € 3.735,93 e € 1.750,00 e respectivos juros, após julgamento, conhecimento e apreciação da matéria de facto (em termos de dar como provados e não provados) constitutiva do referido pedido, que, de resto, não altera a matéria constante da acusação relativa ao crime de dano, violou o Tribunal a quo o artigo 377.º, n.º 1 ainda do CPP, conjugado com o artigo 71.º do mesmo diploma, bem como o subsequente artigo 72.º, n.º 1, alínea b), interpretado a contrario. 1.2.10. Sendo que o Tribunal a quo considerou que, extinguindo-se o procedimento criminal relativamente a um crime, a instância relativamente ao pedido cível com ele conexionado extingue-se, automaticamente, por impossibilidade da lide, independentemente de ter havido ou não julgamento e do tribunal ter conhecido e apreciado, dando como provados e/ou não provados, os factos que integram a causa de pedir. 1.2.11. No entanto, uma interpretação teleológica do apontado artigo 377.º, n.º 1 determina que, verificando-se os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, o tribunal condene o arguido no pedido de indemnização civil, sempre que haja julgamento e conheça e aprecie a matéria de facto do pedido cível conexo com o crime, mesmo que o arguido não seja condenado pelo crime, quer essa decisão de não condenação pelo crime derive de decisão absolutória, quer derive de extinção do procedimento criminal, por qualquer causa, após o julgamento. 1.2.12. Em consequência, ao não condenar nem absolver os arguidos no pedido cível deduzido pelo assistente referentemente ao crime de dano por que vinham acusados, quando se lhe impunha que o fizesse, a sentença ora recorrida violou o disposto no artigo 374.º, n.º 3, alínea a) do CPP, que impõe que a sentença termine com a decisão condenatória ou absolutória, sendo a mesma nula, nos termos do citado artigo 379.º, n.º 1, alínea a). Terminou pedindo que na procedência do recurso seja decretada a nulidade da sentença proferida, atenta a apontada violação do disposto no artigo 374.º, n.º 3, alínea a) do CPP, e na justa medida em que não condena/absolve os arguidos pelos crimes de dano que lhes são imputados e não condena/absolve os arguidos no pedido de indemnização cível referente ao crime de dano. Concedendo distinto entendimento que, em igual provimento, seja revogada a decisão recorrida por violação como dito ao disposto conjugadamente nos artigos 213.º, n.º 1; 202.º, alínea a); 113.º, n.º 1; 377.º, n.º 1, interpretado teleologicamente e conjugado com os artigos 71.º e 72.º, n.º 1, alínea b). 1.3. Admitido o recurso, apenas o Ministério Público apresentou resposta sufragando a manutenção da decisão da 1.ª instância. 1.4. Cumpridas as formalidades legais e remetidos os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer tendente ao não provimento da impugnação. Cumpriu-se com o estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2 do CPP. No exame preliminar a que alude o n.º 3 de igual normativo consignou-se que nada obstava ao conhecimento de meritis. Colhidos os vistos dos M.mos Juízes Adjuntos, seguiram os autos para realização de audiência, a que se procedeu na estrita observância do disciplinado pelo artigo 423.º do mesmo e último diploma indicado. Cabe, então, apreciar e decidir. * II – Fundamentação de facto.2.1. A matéria de facto considerada como provada na decisão recorrida, foi a seguinte: 2.1.1. No dia 18 de Janeiro de 2004, cerca das 7 horas, no interior da discoteca Bergantim, sita na Rua Dr. Lopes Guimarães, área da comarca da Figueira da Foz, o ofendido D... estava a conversar com o arguido C... entre o balcão de pagamento e a porta interna de saída quando, subitamente, foi abordado pelo arguido A... que lhe chamou “cabrão” e, acto contínuo, o A... desferiu um soco no lado direito da cabeça do ofendido D.... 2.1.2. De seguida, o arguido A... arrastou o ofendido D... á força e para o exterior da discoteca. 2.1.3. Já na rua, o arguido A... desferiu novo soco na zona da boca do ofendido, momento em que este se viu rodeado por diversos indivíduos, entre os quais os arguidos A..., C... e B.... 2.1.4. De seguida, o ofendido D... dirigiu-se ao seu carro que se encontrava estacionado na Rua de Santa Catarina e, já de carro, decidiu passar á porta da referida discoteca. O D... na discoteca estava acompanhado do seu amigo E.... 2.1.5. Ao chegar á porta da discoteca, o arguido A... rodeou o Peugeot 206, de matrícula 53-08-XQ, que o ofendido conduzia, desferindo inúmeras pancadas, com um objecto não concretamente apurado, e pontapés em toda a carroçaria do veículo, sendo que entre outros actos, o arguido A... bateu no tejadilho, amolgando-o e bateu no vidro da porta lateral direita, partindo-o. O arguido A... disse ainda para o ofendido D... “põe-te a andar senão dou cabo de ti”. 2.1.6. O ofendido D... arrancou com o carro, saindo do local em direcção á Rua de Santa Catarina, onde o arguido A... e outros indivíduos não identificados, alcançando-o, se colocaram no meio da rua impedindo a sua passagem. O ofendido travou e iniciou manobra de marcha-atrás vindo a embater num carro que ali estava estacionado. 2.1.7. Vendo que o arguido A... se dirigia para o carro e que gritava “filha da puta, põe-te a andar senão levas mais”, o ofendido fugiu do local, aí deixando o veículo que conduzia. Quando deixou o veículo deixou igualmente o seu telemóvel dentro do carro. 2.1.8. Como consequência dos actos descritos, o D... sofreu as lesões examinadas e descritas nos relatórios clínicos de fls. 27 e 50 a 53, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que lhe determinaram um período de doença de 7 dias com incapacidade para o trabalho. 2.1.9. Com a conduta descrita, o arguido A... atingiu o veículo conduzido pelo ofendido da forma supra descrita, causando um prejuízo em montante não concretamente apurado. Este arguido utilizou meio adequado a causar os respectivos estragos, o que conseguiu. 2.1.10. O veículo conduzido pelo ofendido tem um valor não concretamente apurado mas superior a € 4.500,00. 2.1.11. O arguido A... agiu ainda com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido e de lhe produzir as lesões verificadas, conformando-se com tal resultado, que representou. 2.1.12. O arguido A... ao proferir as expressões supra referidas, causou inquietação e receio ao ofendido, temendo este que o arguido concretizasse os seus enunciados propósitos atentando contra o seu corpo e a sua saúde. 2.1.13. O arguido A... ao proferir as expressões “cabrão” e “filho da puta”, pretendeu atingir o bom-nome e consideração do ofendido, tendo este ficado envergonhado e vexado. 2.1.14. O arguido A... agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, lhes estavam vedadas e são penalmente punidas. 2.1.15. O arguido C... é conhecido por “Baleia” e o arguido B... é conhecido por “Galinha”. 2.1.16. As expressões “cabrão” e “filho da puta” foram proferidas em voz alta, de modo a serem ouvidas por várias pessoas, pelo que o assistente se considera ofendido na sua honra e consideração. 2.1.17. O ofendido foi para a discoteca com o seu amigo E.... O ofendido tinha por hábito levar o E... a casa. 2.1.18. Uma vez que o ofendido tinha necessidade do veículo, mandou reparar o mesmo na oficina de bate-chapas, mecânica e pintura de “António Figueiredo Ferreira”. O veículo esteve a reparar por período de tempo não concretamente apurado. 2.1.19. Em virtude das lesões referidas supra 2.1.8. o ofendido sentiu dores. 2.1.20. O ofendido, que é mergulhador profissional, na data dos factos, tinha tudo acordado para ir prestar serviços de mergulho na ilha da Madeira, por período não concretamente apurado, indo ganhar montante igualmente não concretamente apurado. Em virtude das lesões referidas em 2.1.8., o assistente, já depois de tudo combinado, teve de recusar tal proposta de trabalho 2.1.21. O ofendido sofreu angústia por ter recusado tal proposta de trabalho. 2.1.22. Ainda devido ás agressões de que foi alvo, o ofendido deslocou-se, no dia 18.1.004, ao Hospital Distrital da Figueira da Foz, a fim de ser examinado, porque lhe doía a cabeça. Consequentemente, pagou as taxas moderadoras no montante de € 7,30. 2.1.23. Foi o ofendido quem pagou a reparação do veículo, tendo ascendido a mesma ao montante de € 3.735,93. Tal reparação englobou todos os danos do veículo, incluindo aqueles que foram provocados com a batida no carro estacionado, tal como referido no ponto 2.1.6. 2.1.24. O ofendido ficou com medo de sair á noite, sozinho, e mesmo quando acompanhado andava sempre angustiado, com medo de ser vítima de agressões por parte do arguido A.... 2.1.25. O veículo automóvel de marca Peugeot 206, de matrícula 53-08-XQ, que o ofendido conduzia á data da prática dos factos era e é propriedade de Natércia de Freitas Marques Bom Dinis Ferreira, mãe do ofendido. 2.1.26. A queixa apresentada nos presentes autos, de fls. 1 a 6, que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi apresentada pelo ofendido D.... 2.1.27. O arguido A... é solteiro, vive com seus pais e está desempregado. Tinha um bar na Figueira da Foz que fechou em Setembro ou Outubro de 2005. Desde essa data que está sem trabalho certo. Fez um trabalho durante 15 dias, há pouco tempo, tendo ganho € 400,00. Neste momento não aufere quaisquer rendimentos e são os seus pais quem suportam as suas despesas. 2.1.28. O arguido A...é tido por pessoa não conflituosa. 2.1.29. Todos os arguidos são primários. 2.2. Relativamente a factos não provados, consideraram-se como tais na dita sentença recorrida: 2.2.1. Aquando dos factos referidos no ponto 2.1.1. que antecede, o arguido A... disse ao ofendido D... “o que é que se passa”, e “vê lá se não estás bem com o corpo que tens”; não se provou que tivesse referido “cabrão de merda” mas apenas cabrão como consta da factualidade provada. 2.2.2. Logo de seguida aos factos referidos no ponto 2.1.1., o A... chamou o arguido B... dizendo-lhe “vamos é pôr este cabrão na rua”, após o que, ambos arrastaram á força o ofendido para o exterior da referida discoteca. 2.2.3. Aquando dos factos referidos no ponto 2.1.3, o ofendido interpelou o A... dos motivos para tal comportamento; na mesma ocasião, o arguido B... empurrou o ofendido D... e disse-lhe “põe-te daqui para fora antes que a gente dê cabo de ti”. 2.2.4. Aquando dos factos referidos em 2.1.4., o ofendido D... estava preocupado com o seu amigo E... e, como este não aparecia, decidiu passar de carro á porta da discoteca. 2.2.5. Aquando dos factos referidos no ponto 2.1.5., os arguidos C... e B... rodearam o Peugeot 206 que o ofendido conduzia e desferiram inúmeras pancadas com ferros e pontapés em toda a carroçaria do veículo, sendo que entre outros actos, o arguido B..., arrancou o espelho lateral esquerdo com um pontapé; o A... usou um ferro para bater no tejadilho e no vidro do mesmo carro; o A... disse para os outros dois “vamos dar cabo deste cabrão”. 2.2.6. Aquando dos factos referidos em 2.2.6., os arguidos C... e B... alcançaram o veículo do ofendido e colocaram-se no meio da rua a impedir a sua passagem. 2.2.7. Aquando dos factos referidos em 2.2.7., os arguidos C... e B... correram em direcção ao ofendido D.... 2.2.8. O arguido A... causou danos no veículo do ofendido no montante de € 3.735,93. 2.2.9. Concertadamente e em comunhão de esforços, pretenderam todos os arguidos causar estragos no veículo na posse do ofendido. 2.2.10. Os arguidos A... e B... agiram concertadamente e em comunhão de esforços com o propósito de molestarem o corpo e a saúde do ofendido. 2.2.11. Os arguidos B... e C... agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, lhes estavam vedadas e são penalmente punidas. 2.2.12. O serviço referido em 2.2.20., dizia respeito á construção de uma marina, tinha a duração de um mês, com início em 20 de Janeiro de 2004 e termo em 21 de Fevereiro de 2004, mediante a retribuição de e 2000,00. 2.2.13. O veículo foi entregue ao ofendido reparado em 19 de Abril de 2004. 2.2.14. O ofendido ficou com medo de sair á rua sozinho. 2.3. A motivação probatória inserta na sentença impugnada é, por seu turno, do teor seguinte: “A convicção do tribunal formou-se com base na conjugação das declarações do assistente, do arguido A..., com o depoimento das testemunhas e alguns documentos juntos, como se passa a expor. O arguido A... esclareceu a sua situação económica e familiar; quanto aos factos esclareceu o local, a data e a hora aproximada dos mesmos; sabe quem se encontrava no local; esclareceu quantas vezes foi o ofendido com o carro á porta da discoteca; viu o ofendido bater com o carro que conduzia num veículo estacionado; sabe qual a alcunha do arguido B.... Quanto ao mais o seu depoimento não logrou convencer face aos restantes depoimentos prestados. A testemunha E..., amigo do ofendido que o acompanhou á discoteca e que por isso se encontrava com ele aquando dos factos; por essa razão, assistiu aos mesmos; sabe o que se passou ainda dentro da discoteca, quando se preparavam para pagar e saírem; esclareceu qual a atitude e o que fez o arguido A... ao ofendido D... e o que lhe disse, nesse local; sabe de que forma o arguido A... agrediu o D..., tanto dentro como fora da discoteca; esclareceu quem empurrou o D... á força para fora da discoteca; sabe o que se passou depois á porta da discoteca, o que aí o A... disse ao D...; viu o D... á porta da discoteca de carro e o que o arguido A... fez ao carro conduzido pelo D...; esclareceu o que fez o D... de seguida, o que faz o arguido A... e como o D... embate num carro estacionado; esclareceu o que fez o D... de seguida e o que o arguido A... nessa altura lhe disse; sabe como o D... ficou assustado e com medo em consequência daquilo que ouviu do arguido A...; sabe das lesões com que ficou o D... em consequência das agressões de que foi alvo por parte do A... e que foi ao Hospital devido ás mesmas lesões; referiu um valor aproximado do veículo Peugeot; tem conhecimento de que o D... deixou de fazer um trabalho na Madeira devido ás agressões e que por isso deixou de ganhar dinheiro em montante que não soube precisar; esclareceu que o carro foi todo reparado, incluindo os danos ocasionados com a batida no carro estacionado e que o ofendido ficou algumas semanas sem carro devido á reparação. A testemunha F..., pai do ofendido D...; recebeu um telefonema do seu filho D..., por volta das 7 da manhã do dia em causa, a relatar o que tinha sucedido e de imediato deslocou-se para junto dele; viu onde se encontrava o carro Peugeot e os danos que apresentava; sabe a quanto ascendeu a reparação de todos os danos do veículo; referiu um valor aproximado do veículo Peugeot; viu as lesões que apresentava o seu filho D... e sabe que este foi ao Hospital devido a tais lesões; tem conhecimento que o ofendido deixou de fazer um trabalho na Madeira; no entanto não soube dizer quanto ele deixou de ganhar com esse trabalho; não convenceu quando referiu a duração de tal trabalho, pela forma pouco convicta como respondeu; esclareceu quem se encontrava á porta da discoteca quando lá chegou; sabe como ficou o seu filho D... em consequência das expressões que lhe foram dirigidas pelo A...; não soube precisar quantos dias de reparação teve o veículo, acabando por referir mais de 1 mês, de forma pouco convicta. A testemunha G..., irmão do ofendido, encontrava-se em casa, juntamente com os pais, quando o ofendido telefonou a contar o que tinha sucedido; deslocou-se de imediato, juntamente com a anterior testemunha, para junto de seu irmão; viu onde se encontrava o carro e quais os danos que apresentava; viu as lesões que o ofendido apresentava e sabe que foi ao Hospital devido a tais lesões; tem conhecimento que o ofendido pagou as taxas do Hospital; descreveu como ficou o seu irmão em consequência daquilo que lhe disse o arguido A...; sabe que o D... deixou de fazer um trabalho na Madeira, não tendo referido por que período de tempo; referiu quanto ele ia ganhar; no entanto, nesta parte não logrou convencer, uma vez ter sido a única pessoa a referir tal montante; sabe onde foi reparado o Peugeot, a quanto ascendeu a reparação e quem pagou a mesma; sabe o que incluiu essa reparação; esclareceu quem era a proprietária do Peugeot que o D... conduzia; sabe como se sentiu o ofendido em consequência das injúrias de que foi alvo. O assistente D..., esclareceu onde se encontrava aquando da prática dos factos e em que data e hora, aproximadas, os mesmos ocorreram; sabe quais as alcunhas dos arguidos B... e C...; descreveu qual a actuação do arguido A... quando ainda se encontrava dentro da discoteca; sabe quem o arrastou para a rua; descreveu bem e de forma convincente as agressões de que foi alvo dentro e fora da discoteca, sabe quais as expressões que o arguido A... lhe dirigiu tanto dentro como fora da discoteca; descreveu o que percurso que fez com o carro que conduzia; sabe como o arguido A... danificou o Peugeot que conduzia; deixou bem claro que nem o arguido B... nem o C... tiveram qualquer actuação relativamente a ele; não danificaram o carro, não o agrediram ou lhe dirigiram quaisquer expressões ameaçatórias ou injuriosas; esclareceu como embateu num carro que se encontrava estacionado; sabe das lesões com que ficou e do medo que sentiu das expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido A...; esclareceu quem era a proprietária do Peugeot que conduzia; sabe a quanto ascendeu a reparação do veículo e qual o valor aproximado desse veículo á data dos factos. Não convenceu quando referiu que voltou á porta da discoteca para apanhar o seu amigo E..., porque pretendia dar-lhe boleia para casa; ora, se já tinha sido agredido dentro e fora dessa discoteca e se a pessoa que o agrediu ainda lá se encontrava, bastava ligar para o seu amigo para se reencontrarem e dar-lhe a alegada boleia. Não é crível que para ir buscar o seu amigo á porta da discoteca se arriscasse a ser de novo agredido, quando o poderia apanhar noutro local, bastando para tal ligar-lhe, sendo certo que raro é alguém não se fazer acompanhar de telemóvel e que o D... tinha um telemóvel no carro. A testemunha H..., amiga do arguido A... há cerca de 4 anos; conheceu o arguido através de amigos comuns e desde essa data nunca lhe conheceu quaisquer problemas nem teve conhecimento que ele estivesse envolvido em zaragatas. A testemunha I..., proprietário da discoteca em causa, encontrava-se á porta da mesma aquando dos factos; sabe quem lá se encontrava; viu que o ofendido estava de carro e sabe das vezes que passou á porta da discoteca; viu como bateu no carro estacionado. No mais não logrou convencer por estar em contradição com outros depoimentos. Ajudou ainda a formar a convicção do Tribunal os documentos de fls. 7 a 10, 27, 50 a 53, 186 a 188, 194 a 197, 244 e 245. Os factos não provados resultaram, uns, de não terem sido referidos pelas testemunhas, como se comprova pelo que fica dito supra, outros porque as testemunhas não convenceram nessa parte (como se explicou supra), outros ainda devido ás contradições apresentadas na prova testemunhal. Exemplo disto é o tempo de reparação da viatura Peugeot, em que cada testemunha referiu um período de tempo, sendo certo que a data de uma factura não significa que a viatura tenha sido entregue nesse dia; significa apenas que a factura foi passada nessa data. Quanto ao montante que o ofendido deixou de receber com o trabalho que ia efectuar na Madeira, é insuficiente apenas uma testemunha referir um montante; tanto mais que era uma testemunha que não teria conhecimento directo dos factos, por ser irmão do ofendido; alguém lhe teria falado em tal montante; não se percebe como não foi junto aos autos documento comprovativo da empresa que iria dar trabalho ao ofendido; aliás, á semelhança do documento junto a fls. 547 quando se requereu a inquirição por teleconferência.” * III – Fundamentação de Direito.3.1. No caso em apreço, esta Relação tem poderes de cognição restritos à matéria de direito. Na verdade, como é consabido e decorre do disposto no artigo 412.º, n.º 1 do CPP, o âmbito do recurso é definido através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. De facto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o Tribunal Superior tem de apreciar (cfr. Germano M. da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 335). O que não preclude, no entanto, o conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) a c) do dito CPP, mas tão-só quando eles resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum (Ac. do STJ n.º 7/95, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28 de Dezembro de 1995, em interpretação obrigatória). Ora, in casu, não vindo invocada nem subsistindo nenhuma destas questões, lendo-se as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, temos que o primeiro thema decidendum e questão controvertida que nos cumpre apreciar é a de apurarmos se o recorrente tem legitimidade para exercitar o direito de queixa relativamente ao crime de dano. Mostrando-se afirmativa a resposta a tal questão, segunda apreciação que nos importa fazer é, então, as ilações que devem extrair-se, e, mormente quais os exactos contornos jurídico-penais que assume a provada conduta do recorrido A... no que concerne (uma vez que tem de considerar-se como definitivamente assente a factualidade acolhida na decisão recorrida, não se vê como pode emergir qualquer responsabilização dessa natureza dos recorridos C... e B...). Por fim, aquilatarmos da bondade da parte da decisão que deu por finda a lide cível na parte respeitante ao reclamado pedido de ressarcimento dos danos adrede sofridos. Vejamos, então: 3.2. Se o recorrente tem legitimidade para exercitar o direito de queixa relativamente ao crime de dano. Este ilícito, quer na sua natureza simples, quer qualificada, assume natureza semi-pública, isto é, a queixa dos ofendidos condiciona o exercício da acção penal pelo Ministério Público relativamente à promoção dos procedimentos pela sua autoria, constituindo, por seu turno, a legitimidade do Ministério Público requisito de validade do processo (disposições conjugadas dos artigos 212.º, n.ºs 1 e 3; 213.º, n.º 3; 48.º; 49.º e 50.º). Concretamente, disciplina o artigo 49.º, n.º 1: “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que estes promovam o processo”. O presente processo iniciou-se com uma participação do ora assistente ao Ministério Público denunciando, além do mais, o cometimento pelos arguidos A..., C... e B... de factos eventualmente consubstanciadores de um crime de dano sobre um “seu” veículo automóvel. Na subsequente tramitação processual e em audiência, a M.ma Juiz a quo veio a consignar que afinal a propriedade deste bem era à data dos factos da mãe do denunciante. Fundando-se em que a tutela penal do crime de dano se reporta exclusivamente ao proprietário do bem danificado e que este não exercitara adequadamente o exigível direito de queixa, acabou por “Extinguir o procedimento criminal na parte referente aos crimes de dano, relativamente a todos os arguidos, por inexistência de um pressuposto de procedibilidade do procedimento criminal”. Quid iuris? Preceitua o apontado artigo 212.º, n.º 1 que “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia é punido…”. Da análise sumária dos elementos constitutivos deste tipo de crime, constata-se que o objecto material da acção típica consiste em “coisa alheia”, ou seja, coisa que não é própria, coisa que não pertence ao agente, o que pressupõe que seja de um terceiro. Visando assim este tipo legal a protecção jurídico-penal da propriedade alheia, e atenta a mencionada natureza semi-pública respectiva, importa averiguar em concreto, tendo em consideração o disposto no artigo 113.º, n.º 1 qual o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com esta incriminação, por forma a dilucidarmos quanto à legitimidade (versão do recorrente) ou ilegitimidade (versão da sentença impugnada) do Ministério Público para promover o presente processo. A resposta ao género de questão assim colocada não tem merecido resposta uniforme na nossa doutrina e jurisprudência. Na verdade, confrontadas com situações nas quais o possuidor da coisa não é o seu proprietário, ambas têm dado respostas distintas. Em termos doutrinais, pronunciaram-se, por exemplo, o Prof. F. Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 669, perfilhando uma tese mais positiva, isto é, no sentido em que poderia o possuidor exercitar também o direito de queixa em tais hipóteses. Já num sentido oposto, mais restritivo, ou seja, negando tal possibilidade ao possuidor, se pronuncia o Prof. Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, págs. 236/7, considerando o direito de queixa restringido ao proprietário da coisa que foi alvo do acto ilícito típico. Na jurisprudência, também encontramos uma tese que vem de acordo com a primeira linha perfilhada. Assim entende-se, por exemplo, que para além da locadora e proprietária de um veículo automóvel, a respectiva empresa locatária é titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação do crime de dano previsto e punido pelo citado artigo 212.º. Defendeu-se tal hipótese, v.g., no parecer da Ex.ma PGA emitido previamente ao Ac. do STJ, de 9 de Abril de 1997, publicado na CJ, Ano XX, Tomo II, pág. 146 (“… A expressão coisa alheia mencionada no (…) art. 212.º, n.º 1, (…) abrange não só a propriedade plena, mas também os direitos de gozo, fruição e guarda” (…); sufraga-se neste Acórdão que se protegem os arrendatários na medida em que possuem, relativamente à coisa locada, os direitos de gozo, fruição e uso. No mesmo sentido, o Ac. da RP, de 21 de Maio de 1986, in BMJ 357.º/488. E ainda no Ac. da RC, de 6 de Março de 2003, prolatado no recurso n.º 3.917/02, disponível www.dgsi.pt e segundo o qual “ (…) No crime de dano, apesar de o bem jurídico protegido ser a propriedade, não significa que só o titular da propriedade plena tenha legitimidade para se queixar. Se do interesse violado (um particular direito de entre os inerentes à propriedade) for outro o titular, terá este legitimidade para tanto (…)”. Bem como no Ac. da RP, de 6 de Outubro de 2000, proferido no recurso n.º 0140173, também disponível em www.dgsi.pt sufragando que “ (…) No caso de um aluguer de longa duração de um veículo automóvel é titular do interesse juridicamente protegido, …, no crime de dano, o locatário, que, por isso, tem legitimidade para apresentar queixa, já que é aquele que apesar de mero possuidor, detém o direito de gozo da coisa, sendo a respectiva relação (de gozo) juridico-penalmente relevante (…)”. A par com esta surge uma outra defendendo que o interesse jurídico tutelado no caso de dano voluntariamente provocado num veículo automóvel é o direito de propriedade do mesmo, sendo titular do bem jurídico, que a norma visa proteger, o seu proprietário e não o mero possuidor ou detentor. Será, pois, àquele e não a este que assiste o direito de queixa necessário para integrar a legitimidade do Ministério Público para, então, exercer a acção penal – Ac. da RP, de 20 de Maio de 1998, in www.dgsi.pt. Na mesma senda vai o Ac. do mesmo Tribunal, de 5 de Junho de 2006, igualmente disponível em www.dgsi.pt, onde a propósito, se escreveu: “ (…) Acontece que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, entendemos que a C…, por, à data da prática dos factos, não ser proprietária do veículo em causa, não tinha legitimidade para exercer o procedimento criminal. Com efeito, num acórdão deste tribunal relatado pelo ora relator, no processo n.º 5.565/03, em que um arguido foi condenado pela prática de um crime de dano causado num veículo que não era propriedade da pessoa que formulou a queixa e o pedido cível, mas apenas usufruído por ela, foi decidido que o simples possuidor da coisa não goza da protecção do tipo legal do art. 212.º do Código Penal. Por uma questão de economia de tempo, passamos a transcrever aquele acórdão na parte que interessa a esta decisão. “Comete o crime pela prática do qual o arguido foi condenado quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia. Para a maioria da jurisprudência, alguma da qual citada na sentença recorrida, a coisa alheia danificada, para o efeito do enquadramento na previsão do art. 212.º do Código Penal, é aquela cujo direito de propriedade pertence a outrem que não ao agente, sendo o proprietário da coisa o titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação. Deste modo, o simples possuidor da coisa não goza da protecção do art. 212.º do Código Penal. Em abono da sua decisão cita a senhora juíza várias decisões da segunda instância nas quais foi decidido que o arrendatário goza, tal como o proprietário do bem locado, do direito de queixa, transpondo os argumentos que lhe serviram de fundamento para o caso sub judice. Pronunciando-se sobre esta questão, relativamente ao inquilino, mas que aqui tem inteira aplicação, refere o Prof. Manuel da Costa Andrade no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 212, que por vezes o inquilino é atingido de forma mais drástica do que o senhorio pela acção de destruição ou danificação da coisa, o que pode justificar, “de jure dando”, a extensão ao inquilino da posição processual penal do ofendido típico, mas que tal não parece ser a solução consonante com o direito positivo vigente, que erigirá exclusivamente em ofendido típico o portador concreto do bem jurídico tutelado, isto é, o proprietário. Em jeito de conclusão, refere mais que se podem sustentar os seguintes enunciados: 1.º: o inquilino não é, qua tale, tipicamente protegido pela incriminação do dano; 2.º: não comete a infracção o proprietário que, com prejuízo para o inquilino, destrói ou danifica a coisa. No mesmo sentido, um acórdão deste tribunal, no processo n.º 2.898/03, que o ora relator subscreveu na qualidade de adjunto, em que se decidiu que “ (…) de acordo com o nosso direito positivo vigente, a área de protecção da norma só inclui o proprietário. O ofendido típico será o portador do concreto bem jurídico tutelado, ou seja, o proprietário”. Estribados nesta argumentação essencialmente vinculada ao texto legal, também aderimos a tal entendimento. Ora, equivale por dizer que bem andou a decisão recorrida. Na verdade, pese embora o assistente tenha mencionado na participação que a viatura era sua, certo é que sem interferência da prova de que eventualmente até a detinha na altura do sucedido por força de um qualquer direito de gozo, uso, fruição, se veio a apurar que afinal a titular do direito de propriedade era antes sua mãe. Sem que se comprove o exercício do direito de queixa por esta, aliás entretanto precludido pelo decurso do tempo, conclusão só poderá ser, como foi, a de falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal. 3.3. Apreciemos agora de quais os exactos contornos jurídico-penais que assume a provada conduta do recorrido A... no que concerne. A resposta dada à questão antecedente precludiu, sem mais, a necessidade de ponderação desta segunda. Em todo o caso, em breves palavras, diremos que também nesse ponto decidiu com acerto a M.ma Juiz a quo. Preceitua o mencionado artigo 213.º: “1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável: a) Coisa alheia de valor elevado; … É punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.” Por seu turno, e nos termos do artigo 202.º: “Para efeitos do disposto nos artigos seguintes considera-se: a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto; …”. Certamente fundado no entendimento de que de acordo com o teor literal da lei a apontada qualificativa opera por virtude do valor do objecto danificado (com efeito, a letra da lei não se refere aos danos sofridos na coisa mas ao próprio objecto da conduta, referindo-se antes a “coisa alheia de valor elevado”, e não a prejuízo de valor elevado), na acusação formulada o Ministério Público atribuiu aos arguidos a co-autoria desse mesmo ilícito. Em audiência, perante a prova ilibatória da não participação de dois deles nesse segmento da factualidade em análise, a M.ma Juiz a quo veio a absolvê-los da correspectiva e eventual co-responsabilização. Já relativamente ao co-arguido A..., concedendo embora a sua participação nessa factualidade, sufragou o entendimento de que em todo o caso estaríamos perante um simples crime de dano, que não o qualificado que lhe vinha assacado. Reafirma-se a bondade da conclusão. A jurisprudência maioritária, que também sufragamos, aponta no sentido de considerar que, face ao estatuído pelo artigo 9.º do Código Civil [CC], a lei deverá ser interpretada de forma não literal, o que implica que, atendendo ao seu espírito, se possa afirmar que “uma coisa danifica-se quando, sem perder totalmente a sua integridade, sofre um estrago substancial com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica” (cfr. Código Penal, de Leal-Henriques e Simas Santos), apenas se podendo falar em identidade do valor da coisa e do prejuízo quando haja destruição da coisa, e não, como no caso dos autos, nos casos de destruição parcial. Isto é, a jurisprudência mostra-se praticamente unânime no sentido de que o teor estritamente literal do citado art. 213.º, n.º 1, alínea a), apenas se coaduna com a destruição total da coisa, impondo-se, nos casos de destruição parcial, a interpretação correctiva que a M.ma Juiz a quo perfilhou. Também em iguais águas navega a doutrina. A título de exemplo, menciona-se o Prof. Costa Andrade, ob. cit., referindo a assertividade da interpretação correctiva efectuada, devendo, pois, reportar-se o valor para efeitos da norma apontada, nos casos de destruição parcial, ao prejuízo causado pela acção e não pelo valor da coisa danificado. Ora, na hipótese em causa, provou-se que com a conduta descrita, o arguido A... atingiu o veículo conduzido, causando-lhe um prejuízo em montante não concretamente apurado. O seu valor venal não foi concretamente apurado, mas mostra-se superior a € 4.500,00. Foi o ofendido quem pagou a reparação do veículo, tendo ascendido a mesma ao montante de € 3.735,93, aqui se englobando todos os danos sofridos, inclusive aqueles que foram provocados com a batida no carro estacionado, tal como referido no ponto 2.1.6. Seja, estamos perante um prejuízo causado pelo arguido A... em montante não concretamente apurado, uma vez que o valor da reparação englobava os danos também provocados com a batida no carro estacionado. Sucede, porém, que mesmo considerando-se o valor global da reparação, nunca os prejuízos atingiriam o valor elevado tal como definido legalmente. Donde que a sua conduta podia e devia antes subsumir-se ao dano simples. 3.4. Resta, por fim, ponderar da bondade da parte da decisão que deu por finda a lide cível na parte respeitante ao reclamado pedido de ressarcimento dos danos adrede sofridos. Neste particular, o recorrente comina a decisão recorrida com o vício de nulidade (disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea a) e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP), pois que mesmo depois de ter considerado extinto o procedimento criminal contra os arguidos relativamente aos indiciados crimes de dano (qualquer que fosse a sua forma), por inexistência de queixa validamente exercida, sempre ela devia ter ponderado o pedido de indemnização cível deduzido com fundamento na factualidade que substanciava e alicerçava tal crime e não ter ordenado, pura e simplesmente, a extinção da lide nessa parte e por inutilidade superveniente (isto por apelo ao disposto no artigo 377.º do mesmo CPP). Também neste aspecto se nos afigura a falta de fundamento da impugnação aportada. Com efeito, o artigo 71.º do CPP é muito claro ao estabelecer que “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”. É o chamado princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal que apenas sofre as excepções previstas na lei. Da letra da lei resulta pois claro que o pedido de indemnização civil tem de ser fundado na prática de um crime. Assim a acção civil que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos emergentes do crime (artigo 129.º do CP). Como se refere no Ac. do STJ, de 9 de Novembro de 1996, publicado na CJ (STJ), 1996, Tomo III, pág. 187, “ (…) se o pedido não é de indemnização de perdas e danos ocasionados pelo crime, se não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que com a prática do crime, causou, então o pedido é ilegalmente inadmissível no processo penal”. Ora conforme se alcança da análise dos autos, esta concreta parte do pedido de indemnização formulado estribou-se nos actos ilícitos alegadamente praticados pelos arguidos – seja, sua causa petendi – e que fundamentaram também, aliás, a própria acusação, sendo os prejuízos sofridos aqueles que decorreram directamente da conduta ilícita desses mesmos arguidos, constituindo esta a causa de pedir. Daí que, atenta a decisão que agora foi proferida de excluir do âmbito do objecto processual a apreciação desse bocado da vida, deixe, naturalmente, de se manter a apontada obrigatoriedade de adesão. Vale por dizer, da inverificação da alegada nulidade. * IV – Decisão.São termos em que perante todo o exposto, se nega provimento ao recurso, mantendo-se, consequentemente, na íntegra, a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UCs. Notifique. |