Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | INÁCIO MONTEIRO | ||
| Descritores: | ABERTURA DE INSTRUÇÃO REQUERIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 02/14/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE TORRES NOVAS | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 283º, N.º 3, AL. B) E C) E 287º, N.º 2 E 3, DO C. P. PENAL | ||
| Sumário: | Um requerimento para abertura de instrução que não contenha factos através dos quais se possam retirar os elementos objectivos e subjectivos de um crime deve ser indeferido por estar ferido de nulidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra No processo supra identificado, findo o inquérito, pelo despacho de fls. 258 a 266, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente a factos participados contra o arguido A...., ao qual era imputado um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, do CP. * B..., constituiu-se assistente, e, notificada daquele despacho de arquivamento, requereu a abertura de instrução, sustentando que deve ser proferido despacho de pronúncia pelos factos participados, por integrarem a prática do crime imputado ao arguido. * A M.ma Juíza de instrução proferiu de fls. 350 a 343 despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução, sustentando sofrer de nulidade, e, consequente inadmissibilidade legal. É do seguinte teor o despacho: «A assistente B... Aquino, não se conformando com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio requerer a abertura de instrução contra o arguido A.... Nos termos do artigo 286º, n.º 1, do Código de Processo Penal “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.” Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no Código de Processo Penal a fase da instrução foi estruturada com uma dupla finalidade: obter a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação, por uma parte, e a fiscalização judicial da decisão processual do Ministério Público de acusar ou arquivar o inquérito, por outra. A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (artigo 287º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal). O requerimento de abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao despacho de arquivamento, bem como, sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (artigo 287º, n.º 2, do Código de Processo Penal). Deve conter ainda a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, e a indicação das disposições legais aplicáveis, nos termos do artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c), por referência do artigo 287º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. Nos termos do artigo 309º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos no requerimento para a abertura da instrução. Ora, o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente, que visa a comprovação judicial da decisão do Ministério Publico de arquivar o inquérito, consubstancia uma acusação que, nos mesmos termos que a acusação formal, condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a decisão instrutória, pelo que, o requerimento para abertura da instrução deve conter a indicação dos factos concretos a averiguar e as disposições legais aplicáveis, de forma a que possam preencher os elementos objectivos e subjectivos dos crimes imputados ao arguido. Tal como refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 20/05/1997 (CJ, XXII, tomo III, pág. 143) “O requerimento do assistente para abertura de instrução, no caso de arquivamento pelo Ministério Público, é que define e limita o respectivo objecto do processo, constituindo, substancialmente, uma acusação alternativa. Assim, e além do mais, deverão dele constar a descrição dos factos que fundamentam a eventual aplicação de uma pena ao arguido e a indicação das disposições legais incriminatórias.” Com efeito, regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e do contraditório, a necessidade de uma tal demarcação tem subjacentes duas ordens de fundamentos: Um inerente ao objectivo imediato da instrução: a comprovação judicial da pretensa indiciação que, para que se possa demarcar o âmbito do objecto específico desta fase de processo e para que o arguido se possa defender, tem que reportar-se a imputação de factos concretos e delimitados; e Outro implícito a uma finalidade mediata mas essencial no caso de se vir a decidir pelo prosseguimento do processo para julgamento: a demarcação do próprio objecto do processo, reflexo da sua estrutura acusatória com a correspondente vinculação temática do Tribunal, que por sua vez, na medida que impede qualquer eventual alargamento arbitrário daquele objecto, constitui uma garantia de defesa do arguido, possibilitando a este a preparação da defesa, assim salvaguardando o contraditório. Acresce que, o Juiz de Instrução Criminal, caso discorde da decisão do Ministério Público e aceite as razões aduzidas pelo assistente, não ordena ao Ministério Público que proceda em conformidade com a sua decisão; mas sim recebe a acusação implícita no requerimento instrutório do assistente, pronunciando o arguido pelos factos dessa acusação, respeitando-se formal e materialmente o princípio da acusação imposto pela estrutura acusatória do processo. A omissão dos elementos indicados no n.º 2 do artigo 287º do Código de Processo Penal conduzem à não formulação e delimitação do “thema decidendum”, ficando assim a instrução sem objecto. Conforme referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 358/2004 de 19/05, publicado no Diário da República n.º 150, 2ª série, em 28/06/2004 (processo n.º 807/2003): “A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução. Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa. Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. [...] Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre [...] de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória.” Ora, a assistente B... no seu requerimento de abertura de instrução limita-se a impugnar os fundamentos da decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público e os factos que pretende provar com as diligências de instrução cuja realização requer, não indicando de forma concreta as circunstâncias de tempo, espaço, e o modo em que os factos alegadamente ocorreram, factos estes que deverão figurar de forma coerente e unitária de uma eventual decisão instrutória de pronúncia. O requerimento de abertura de instrução da assistente não constitui uma acusação alternativa susceptível de ser integralmente confirmada em sede de pronúncia e ulteriormente submetida a julgamento e, sem acusação alternativa, sem estar fixado o objecto da instrução, a instrução é inexequível, sendo legalmente inadmissível. A omissão da narrativa dos factos no requerimento de abertura de instrução traduz-se num caso de inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no artigo 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Acresce que, nos termos do Acórdão proferido pelo plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005, publicado no Diário da República n.º 212, I série, em 04/11/2005, “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.” Face ao exposto, rejeito liminarmente o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente B...». * O assistente, não se conformando com o despacho de rejeição dele interpôs recurso: Formula as seguintes conclusões: «1- No douto despacho de rejeição de requerimento de abertura de instrução, concluiu a M.ma Juiz "a quo" : “O requerimento de abertura de instrução da assistente não constitui uma acusação alternativa susceptível de ser integralmente confirmada em sede de pronúncia e ulteriormente submetida a julgamento e, sem acusação alternativa, sem estar fixado o objecto da instrução, a instrução é inexequível, sendo legalmente inadmissível. A omissão da narrativa dos factos no requerimento de abertura de instrução traduz-se num caso de inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no artigo 287.º n.º 3 do Código de Processo Penal”. 2 -Sobre o requerimento de Abertura de Instrução, apresentado pela Assistente, recaiu despacho de "rejeição liminar", proferido pela M.ma Juiz a quo. 3 -Estabelece o artigo 287.º n.º 2 do Código de Processo Penal que, o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais. 4 -A Assistente, ora Recorrente no requerimento de Abertura de Instrução verteu as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, expondo sucintamente cada facto e remetendo para os autos. 5 -Do requerimento de Abertura de Instrução apresentado pela Assistente consta a seguinte narração da factualidade: I) que o acidente de viação, do qual resultou a morte de C... , se deu ao cair da noite, já com alguma escuridão, vide artigo 11.º alínea a) do requerimento de abertura de instrução; artigo 12.º alínea a) daquele requerimento; e artigo 13.º alínea a) do mesmo requerimento. II) que o acidente ocorreu cerca das 17h 50m, vide artigo 11.º alínea c) do requerimento de abertura de instrução; artigo 12.º alínea b) do mesmo requerimento; e artigo 13.º alínea b) daquele requerimento. III) que do embate resultou uma nuvem de fumo branco, vide artigo 11.º alínea d) do mesmo requerimento de abertura de instrução; artigo 12.º alínea c) e d) do mesmo requerimento; e artigo 13.º alínea c) daquele requerimento. 6 - A Assistente, ora Recorrente, ainda no requerimento de Abertura de Instrução optou por narrar factos, que pretendia sujeitar a controlo judicial por um Juiz de Instrução Criminal, relatando a factualidade exposta também pelo próprio arguido A..., em sede de inquirição, quando o mesmo referiu “...Tentou desviar-se para a esquerda, não conseguindo evitar a colisão...Nunca se apercebeu da existência de um veículo a ser ultrapassado pelo veículo ligeiro interveniente no acidente, só se apercebeu da existência do mesmo, quando saiu do interior do veículo que conduzia”. 7 -A narração dos factos constante dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º do Requerimento de Abertura de Instrução, apresentado pela Assistente, ora Recorrente, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, consubstanciam, para efeitos do artigo 283.º n.º 3 alínea b) ex vi artigo 287.º, ambos do C.P.P. a factualidade, que se pretende que seja objecto dos presentes autos de Instrução. 8 -A Recorrente indicou o modo e as circunstâncias em que os factos ocorreram, no artigo 25.º do Requerimento de Abertura de Instrução, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, de acordo com o legalmente exigido no artigo 283.º n.º 3 alínea b) ex vi artigo 287.º, ambos do CPP. 9- A Assistente indicou no requerimento de Abertura de Instrução o lugar da prática dos factos nos artigos 11.º, 12.º e 13.º do seu requerimento, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 10- A ora Recorrente identificou o agente da conduta, nos artigos 21.º e 22.º do Requerimento de Abertura de Instrução. 11- A Recorrente delimitou a tipicidade da conduta do arguido, por homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º do Código Penal, resultando s probabilidade de aplicação de uma pena ao arguido, em sede de julgamento, indicando assim as normas legais aplicáveis, nos termos do art. 283.º n.º 3 alínea c) ex vi artigo 287.º, ambos do CPP. 12- Independentemente do seu enquadramento jurídico, na instrução compete ao Meritíssimo Juiz de Instrução, investigar os factos que constam do requerimento da Assistente, sendo que com os factos narrados pela Assistente, o Juiz de Instrução Criminal estava em condições de vir a pronunciar o Arguido. 13- Ao rejeitar liminarmente o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente, ora Recorrente, a M.ma Juiz a quo coarctou à Assistente a garantia constitucionalmente de um controlo judicial da actuação do Ministério Público, violando o disposto no artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, vide "Jornadas de Direito Processual Criminal", pág. 119, Souto Moura. 14- O requerimento de Abertura de Instrução apresentado pela Assistente, ora Recorrente, descreve os factos que definem o objecto dos presentes autos que se pretende ver sujeitos ao controlo judicial do Juiz de Instrução Criminal, consubstanciando, uma Acusação alternativa, nos termos e para os efeitos do artigo 283.º n.º 3 alínea b) ex vi artigo 287.º, ambos do CPP. 15- Em suma, a Assistente descreveu os factos que definem o objecto dos presentes autos e que se pretende ver sujeitos ao controlo judicial do Juiz de Instrução Criminal; os factos concretos susceptíveis de integrarem o tipo legal de crime de homicídio negligente, tendo para tal indicado o lugar e o tempo da prática dos factos, mencionando as disposições normativas, aplicáveis àquele tipo legal de crime. 16 -O requerimento em causa não pode ser rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução. 17 -Decidindo-se como se decidiu, violou-se o princípio da investigação ou da verdade como fim do processo, traduzido e consubstanciado na descoberta da verdade material e na realização da justiça. 18 -Violou, pois, o Tribunal "a quo" o disposto no artigo 283.º n.º 3 alínea b) ex vi artigo 287.º, ambos do CPP, e ainda o artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 19- O despacho ora recorrido, deve ser revogado e substituído por outro que admita a abertura de instrução e marque o debate instrutório». * Notificado o Ministério Público para os efeitos do art. 413.º, do CPP, na resposta, em conformidade com o seu despacho de arquivamento, conclui que o recurso não merece provimento. A senhora juíza limitou-se a mandar subir os autos. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso. Após cumprimento do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não houve resposta. Colhidos os vistos legais, cumpre-nos decidir. * O Direito São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso. Questão a decidir: Apreciar da adequação ou não do despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, com o fundamento de estar ferido de nulidade, por não satisfazer as exigências legais previstas nos art. 283.º, n.º 3, al. b) e c) e 287.º, n.º 2, do CPP. A instrução, nos termos do art. 286.º, n.º 1, do CPP, diploma do qual farão parte os preceitos a citar, sem menção de origem, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Em conformidade com o disposto no art. 308.º, n.º 1, se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Porém, a simples apresentação de requerimento para abertura de instrução não determina de forma automática que esta fase processual tenha lugar. No caso dos autos o senhor juiz de instrução indeferiu o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal. A participação deve ser escorreita e concentrada, fazendo constar da mesma os elementos estritamente necessários e que fazem parte da estrutura do crime participado. No caso dos autos o Ministério Público ordenou o arquivamento dos autos por falta de indícios. O juiz de instrução pode e deve rejeitar o requerimento só e apenas nas situações previstas no art. 287.º, n.º 3, isto é, por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. Quando a lei fala em “inadmissibilidade legal”, tem em vista os casos em que da própria lei resulta clara e expressamente, como não admissível aquela fase processual, ou seja: nas outras formas de processo que não a comum e abreviado (art. 286.º, n.º 3); se requerida por outras pessoas não o arguido ou assistente, ou ainda que requerida por estes, quando o fazem fora dos casos definidos no art. 287.º, n.º 1, al. a) e b), do mesmo código, ou se o requerimento do assistente não configurar uma verdadeira acusação (não contiver a identificação do arguido, ou não descrever os factos componentes do crime imputado ou se os factos descritos não constituem crime, nomeadamente), caso em que faltará o próprio objecto do processo. Em conclusão diremos que a inadmissibilidade legal da instrução tem a ver essencialmente com requisitos de forma e não com a substância do requerimento, isto é, com os fundamentos de ser deduzido despacho de pronúncia ou não pronúncia. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação (...), sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º, n.º3, alíneas b) e c). Por seu turno, o art. 283.º, n.º 3, do mesmo diploma diz-nos, sob pena de nulidade, quais os elementos que uma acusação deve conter, onde consta, na al. b), que a acusação deve narrar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. A alínea c) do citado artigo 283º, n.º 1 refere que a acusação deve conter as disposições legais aplicáveis. Finalmente há, ainda, que ter em conta o artigo 303.º, do mesmo diploma, que vincula o Juiz aos factos descritos no requerimento de abertura de instrução, estipulando o n.º 3 desse artigo que uma alteração substancial do requerimento de abertura de instrução leva a novo inquérito. Da conjugação destes citados artigos conclui-se que o requerimento do assistente para a abertura de instrução tem de configurar substancialmente uma acusação, devendo constar do mesmo a descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis (art. 283.º, n.º 3, al. b) ex vi do art. 287.º, n.º 2). Logo, a falta de narração, por parte do assistente, requerente da instrução, dos factos integradores do crime imputado, constituiu uma nulidade (artigo 283.º, n.º 3), o que é facilmente compreensível, uma vez que o requerimento de abertura de instrução, pelo assistente, no caso de arquivamento por parte do Ministério Público, fixa os objectos do processo (art. 303.º e 309.º). Tal mais não é que uma decorrência do princípio do acusatório consagrado no art. 32.º, n.º 5 da CRP. Quando os factos descritos no requerimento de abertura de instrução não integram, só por si, qualquer tipo de ilícito, a inclusão de outros no despacho de pronúncia que integram um tipo de ilícito não pode deixar de ser vista como uma alteração substancial dos factos (art. 1.º, al. f)). No requerimento para abertura de instrução, caso não tenha sido deduzida acusação pelo Ministério Público, por ordenar o arquivamento dos autos, por falta de indícios, devem constar os factos concretos a averiguar através dos quais se possam retirar os elementos objectivos e subjectivos do crime. Diremos que, neste caso, o requerimento de abertura de instrução deve traduzir-se também numa acusação deduzida pelo assistente, a qual delimita o objecto submetido à apreciação do juiz de instrução. De todo o explanado temos de concluir que quando o requerimento do assistente para a abertura de instrução não narra os factos que integram um crime, não pode haver pronuncia, sob pena de violação dos artigos 303., 283.º, n.º do CPP e 32.º, da CRP. De facto, a pronunciar-se o arguido por factos que não constam do requerimento de abertura de instrução e que importam uma alteração substancial dos mesmos, tal configuraria uma nulidade, prevista no art. 309.º, n.º 1. Ora, uma instrução que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido, como pretende o assistente no seu requerimento, é uma instrução que a lei não pode admitir. Não faz qualquer sentido admitir uma instrução que, desde o início, está condenada ao insucesso. Enferma pois o requerimento do assistente da omissão da própria configuração do objecto da instrução, o que inviabiliza a sua abertura, tornando-a inexequível, cfr. escreve Souto Moura, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 120 e 121: “Se o Assistente requer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível, ficando o Juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados". De acordo com a lei, nomeadamente de acordo com os já citados artigos 287.º, 283.º e 303.º, um requerimento para abertura de instrução que não contém factos através dos quais se possam retirar os elementos objectivos e subjectivos do crime deve ser indeferido, por ferido de nulidade, nos termos do art. 283.º, n.º 3 ex vi do art. 287, n.º 2. Sendo o requerimento para abertura de instrução nulo por falta de objecto, o mesmo tem de ser obrigatoriamente indeferido, não sendo admissível a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento, sob pena de violação dos citados artigos 287.º, n.º 3 e 283.º, n.º 3 (neste sentido cfr., entre outros, Ac. da RL de 11 de Outubro de 2001, in CJ , T. IV, pág. 141). A este propósito escreve-se no citado Acórdão: “ (...), estando em causa, como se disse, uma peça processual equiparável à acusação, um convite por parte do Juiz, à sua reformulação (por forma a descrever com suficiência e clareza factos que consubstanciam acusação), para além de exorbitar a comprovação judicial objecto da instrução referido no art. 286.º do CPP- e bem assim os correspondentes poderes do Juiz - envolveria de alguma forma “orientação” judicial que, em certa medida, poderia reconduzir-se a procedimento próprio de um processo de tipo inquisitório, banido desde há muito da nossa legislação”. No caso dos autos, a assistente, no requerimento de abertura de instrução limita-se a argumentar expondo os seus pontos de vista que diferem da posição assumida pelo MP, bem como a emitir a sua versão sobre os factos e prova recolhida e a fazer o exame crítico do despacho de arquivamento dos autos. Nos artigos 4.º e 5.º do requerimento de abertura de instrução, a assistente tece várias considerações teóricas sobre os requisitos a que o mesmo deve obedecer e depois na peça processual em causa não as põe em prática. O requerimento de abertura de instrução, depois continua a debruça-se sobre: - Os elementos probatórios colhidos em sede de inquérito. - Os actos de instrução que a assistente pretende ver realizados. - Os factos que a assistente pretende provar. Esquece-se que, enquanto assistente, tendo havido despacho de arquivamento do inquérito, por parte do Ministério Publico, embora o requerimento não esteja sujeito a formalidades especiais, devia deduzir uma verdadeira acusação, com todos os elementos e requisitos constantes do art. 283,º, n.º 3, por força do disposto no art. 287.º, n.º 2, ambos do CPP. Que o requerimento para abertura de instrução, requerida pelo assistente, quando o MP tenha arquivado os autos, tem de vir escorreito, em termos idênticos ao de uma acusação está patente no facto de não poder haver lugar a convite para aperfeiçoamento. Neste sentido o Assento n.º 7/2005, in DR 1.ª Série A, de 4/11/2005. Tal requerimento não constituiu substancialmente uma verdadeira acusação. A matéria factual constante do requerimento de abertura de instrução é manifestamente insuficiente para que alguém possa possam ser pronunciado, não podendo o juiz de instrução, como já vimos - mesmo que durante as diligências de instrução concluísse pela existência de indícios da prática por parte dos arguidos de um crime - alterar a factualidade. Assim sendo, bem andou a senhora juíza de instrução ao rejeitar o requerimento para abertura de instrução, formulado pela assistente, por nulidade do mesmo, e, consequente inadmissibilidade legal. * Decisão: Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso e consequentemente se mantém o despacho recorrido que rejeitou o requerimento do assistente para abertura de instrução, por inadmissibilidade legal. Custas pela assistente cuja taxa de justiça se fixa em 8UCs. |