Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
472/09.8TAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
ELEMENTOS DO TIPO OBJECTIVO
Data do Acordão: 06/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 180ºE 181ºDO CP
Sumário: 1.A imputação de um facto é idónea para lesar a honra do ofendido quando é adequada a desacreditar, desprestigiar ou diminuir o seu bom nome perante os demais cidadãos.
2. As expressões «tu foste para a Junta de Freguesia porque andas cheio de fome” e, “se não fosses para a Junta já tinhas morrido de fome!» não ultrapassam o nível discursivo da indelicadeza ou grosseria, sendo assim inócuas para a atingir a honorabilidade ou respeitabilidade daquele a quem são dirigidas e consequentemente não possuem idoneidade objectiva para preencher o tipo incriminador ( injúria).
3.Não assumindo as expressões proferidas relevância penal, é inútil a apreciação da questão dos elementos do tipo subjectivo de ilícito em apreço.
Decisão Texto Integral: pág. 15
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação deduzida contra o arguido:
ML casado, reformado, filho de ML da Silva e de R nascido a 1.1940, natural da freguesia de … concelho de Ourém e residente na Rua …., Pombal,
Sendo decidido:
a) Absolver o arguido do crime de injúria de que vinha acusado;
b) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente V contra o demandado ML e, em consequência, absolver o demandado do pedido.
***
Inconformado interpôs recurso, o assistente V
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1ª- Os factos tidos por não provados:
9. "O arguido actuou de forma livre, voluntaria e, consciente, com a intenção de ofender o assistente na sua honra, consideração e bom nome;
10. O arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida e criminalmente punível;
11. O assistente é pessoa respeitadora e respeitada;
12. O arguido pretendeu denegrir a imagem do assistente enquanto autarca a nível local;
13. O assistente ficou transtornado e angustiado com a possibilidade de se desconfiar da apropriação de dinheiros públicos;
14. Não conseguia descansar, ficando com a sensação de mau estar geral; 15. Andando nervoso e sobressaltado;
16. Com receio de tais factos fossem comentados na freguesia e a sua imagem denegrida, evitando cruzar-se com o arguido”.
Deveriam ser antes e, especificadamente; tidos por como provados, atenta a prova produzida; analisando esta, à luz da experiência comum, numa perspectiva critico-reflexiva, inserida no contexto e circunstancialismo ocorrido, De facto e;
2ª- Os depoimentos ficaram registados por meio de gravação áudio, em sistema Habilus e; parcialmente, transcritos em anexo; designadamente, nas passagens concretizadas e evidenciadas; revelam erro na apreciação e decisão da matéria de facto; pelo que, se impugna. Ademais,
3ª- O Tribunal a quo deu como provado que, no dia 28 de Abril de 2009, pelas 16h15, o arguido, quando o Assistente representava a Junta de Freguesia de …, acompanhado de dois funcionários da Junta numa obra sita na Rua da Feteira, Cartaria, … na via pública, dirigindo-se-lhe, na presença daqueles funcionários de viva e alta voz, de forma a poder ser ouvido por outras pessoas, proferiu as seguintes expressões: "Tu foste para a Junta de Freguesia porque andas cheio de fome"; "Se não fosses para a Junta já tinhas morrido de fome!".
4ª- Tais expressões, não podem deixar de ser interpretadas, como proferidas com o intuito de ofender a honra e, a consideração do assistente, incutidas no sentido de; o assistente se ter aproveitado ilicitamente do erário público, em beneficio próprio; além de, inserirem uma carga desvalorativa. Na verdade e, até;
5ª- Atento, o cargo de tesoureiro que, desempenha - do perfeito conhecimento do arguido - gerindo e, administrando os dinheiros públicos da junta de freguesia, tais expressões são atentórias do bom nome, reputação e, seriedade do assistente, junto da comunidade local, onde é natural e reside.
6ª- O tribunal a quo, devia dar como provado que, o arguido agiu de forma livre e, consciente com intenção de ofender o assistente na sua honra, consideração e bom nome;
7ª- Bem sabendo que, aquela conduta não lhe era permitida e criminalmente punível;
8ª- O Tribunal, a quo, não fez uma correcta interpretação e, aplicação das normas legais previstas nos arts. 285; 340; 345; todos do C.P.P. e, art. 181 do C.P.
9ª- O arguido cometeu o crime de injúrias e, lesou, moralmente; o assistente.
DEVE O RECURSO OBTER PROVIMENTO E; CONSEQUENTEMENTE, A DOUTA SENTENÇA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA, POR ACORDÃO QUE; JULGUE PROCEDENTE A ACUSAÇÃO E, O PEDIDO CÍVEL.
Foi apresentada resposta, pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:
1-A injúria tem como bem jurídico duas ordens de interesses que se exprimem pela honra e consideração.
2-O crime de injúria pode ser preenchido mediante as seguintes acções típicas:
- a imputação de um facto ofensivo (ainda que meramente suspeito);
- a formulação de um juízo de desvalor;
- a reprodução de uma imputação ou de um juízo.
3-Não é de relevar uma ofensa meramente relativa, sentida só pelo lesado, concretamente, e não idónea a produzir esse resultado em termos objectivos.
4-Por outro lado, tem que se retirar das expressões proferidas, um cariz ofensivo, em termos objectivos, tomando como paradigma o sentir geral da comunidade, a "consciência ético-social da comunidade histórica que há-de legitimar a decisão legislativa de incriminar uma conduta".
5-No caso, a questão base é se as expressões proferidas: - "Tu foste para a Junta de Freguesia porque andas cheio de fome"; "Se não fosses para a Junta já tinhas morrido de fome!”- preenchem ou não o tipo legal de crime de injúria.
6-O assistente afirmou que tais expressões o ofenderam, pois que entendeu que o que o arguido queria dizer é que ele se estava a servir do dinheiro da Junta de Freguesia, onde desempenha as funções de Tesoureiro.
7-Todavia, tal interpretação pejorativa, dada pelo assistente, não foi comungada, desde logo, pelos demais presentes, designadamente pelas testemunhas G e V.
8-Ora, só serão de integrar na previsão legal as imputações objectivamente ofensivas da honra e consideração.
9-De facto, no crime em análise não se pune a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja, mas apenas a dignidade individual da pessoa, expressa na honra e consideração que lhe são devidas.
10-Assim, somos levados a concordar com o entendimento da M. ma Juiz que considerou que as expressões proferidas pelo arguido, no respectivo contexto, não configura ilícito criminal, por não ser ofensiva da honra ou consideração do assistente.
11-Por último, o tribunal motivou, suficientemente, a sua convicção com a prova produzida em julgamento, designadamente com a prova testemunhal, fazendo uma apreciação crítica, lógica e racional da prova.
12-O Tribunal não violou, na nossa opinião, quaisquer normativos legais, mormente os apontados no recurso.
Deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
A
II - FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 28 de Abril de 2009, pelas 16h15m, quando o assistente representava a Junta de Freguesia de .. acompanhando dois funcionários da Junta numa obra sita na Rua da Feteira… ..
2. O arguido, na via pública, dirigindo-se ao assistente, na presença daqueles funcionários, de viva e alta voz, de forma a poder ser ouvido por outras pessoas, proferiu as seguintes expressões: “Tu foste para a Junta de Freguesia porque andas cheio de fome”; “Se não fosses para a Junta já tinhas morrido de fome!”;
3. Existem conflitos familiares entre os familiares do assistente e do arguido por questões de extremas e limites de propriedade;
4. O arguido imputou ao assistente aquelas expressões na presença de funcionários da Junta de freguesia;
5. O assistente é natural daquela freguesia;
6. Faz parte dos órgãos sociais da Junta de Freguesia, desempenhando as funções de tesoureiro, gerindo e administrando os dinheiros públicos da junta de freguesia;
7. Tais expressões deixaram o assistente preocupado com as repercussões de tais imputações;
8. O assistente ficou ofendido na sua honra e consideração;
9. No dia 28 de Abril de 2009 Á construía um muro no terreno do demandado;
10. O material aplicado na construção do dito muro tinha sido fornecido pela Junta de Freguesia de…;
11. O arguido está reformado, auferindo mensalmente a quantia de € 1.200,00/€ 1.300,00;
12. Vive em casa própria com a esposa;
13. Tem dois filhos que já não estão na sua dependência económica;
14. Tem um veículo automóvel, marca Toyotta, modelo Starlet, com 27 anos;
15. De escolaridade tem a 4ª classe;
16. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.
Matéria de facto não provada
Não se provaram os seguintes factos:
1. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de ofender o assistente na sua honra, consideração e bom nome;
2. O arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida e criminalmente punível;
3. O assistente é pessoa respeitadora e respeitada;
4. O arguido pretendeu denegrir a imagem do assistente enquanto autarca a nível local;
5. O assistente ficou transtornado e angustiado com a possibilidade de se desconfiar da apropriação de dinheiros públicos;
6. Não conseguia descansar, ficando a sensação de “mau estar” geral;
7. Andando nervoso e sobressaltado;
8. Com receio que tais factos fossem comentados na freguesia e a sua imagem denegrida, evitando cruzar-se com o arguido;
9. O Presidente da Junta de Freguesia, Engenheiro R esteve no local da obra em representação da Junta;
10. A troca de palavras entre o arguido e o assistente aconteceu no mês de Fevereiro e Maio, por causa da acção sumária nº …/08.7, do 3º Juízo, que teve julgamento marcado para o dia 26 de Maio;
11. O demandado é autor na referida acção e o demandante réu e o objecto do litígio é a extrema de prédios;
12. Tendo o demandante passado na estrada e vendo o demandado a trabalhar no prédio objecto do litígio, disse que ele tinha vindo de França, cheio de fome da terra;
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Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base na análise crítica e ponderada da prova produzida na audiência de julgamento analisada à luz das regras que presidem ao direito processual penal.
Com efeito, o arguido confessou ter proferido as expressões constantes dos factos provados, dirigindo-se ao assistente, apesar de ter referido que tal aconteceu em Fevereiro de 2009 e não em Abril do mesmo ano.
Todavia, afigurou-se-nos que estaria confundido com as datas, tanto mais que referiu estarem presentes dois funcionários da Junta de Freguesia, bem como a testemunha Á..
Por outro lado, foram consideradas as declarações do assistente que, apesar do seu interesse na causa, confirmou que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, o arguido dirigiu-lhe as expressões constantes dos factos provados, na presença de dois funcionários da junta de freguesia de A – G e V, acrescentando que no local também se encontrava o pedreiro que estava a fazer o muro, de nome Á.
Esclareceu que tais expressões o ofenderam, pois que entendeu que o que o arguido queria dizer é que ele se estava a servir do dinheiro da Junta de Freguesia de…, onde desempenha as funções de Tesoureiro.
Para além disso, o tribunal atendeu ao depoimento espontâneo e credível da testemunha G, funcionário da Câmara Municipal de Pombal, destacado nas suas funções para a Junta de Freguesia .. que, pelo facto de se encontrar no local demonstrou ter conhecimento dos factos em causa nos autos.
Na verdade, referiu que nas circunstâncias referidas na acusação andava a trabalhar com uma máquina num terreno do arguido, a abrir um alicerce para a construção de um muro. Confirmou que a certa altura chegou o assistente e o arguido dirige-lhe as expressões constantes dos factos provados, esclarecendo que não viu o arguido, pois do local onde estava não o conseguia ver, mas ouviu e reconheceu a sua voz, confirmando também que no local se encontrava o Sr. Á e o seu colega Vítor que estava a descarregar material para a obra.
Todavia, referiu que não deu importância a tais expressões porque na sua opinião as mesmas não têm qualquer significado e nunca falou com o assistente acerca da situação.
Por sua vez, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha V funcionário da Câmara Municipal de Pombal, destacado para a Junta de Freguesia de .. que, pelo facto de se encontrar no local, demonstrou ter conhecimento dos factos em causa nos autos.
Com efeito, referiu que em finais de Abril de 2009, num dia em que estava a descarregar materiais para a construção do muro referido, ouviu o arguido proferir a segunda expressão constante dos factos provados, não tendo retirado nada de tal expressão, confirmando que no local encontravam-se ainda o seu colega G e o pedreiro – Á.
Relativamente à situação económica e familiar do arguido consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.
No que diz respeito aos antecedentes criminais considerou-se o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 71.
A convicção do tribunal no que respeita à factualidade não provada resultou do facto de não ter sido produzida prova suficiente e bastante relativamente a tais factos.
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Conhecendo:
A recorrente insurge-se:
- contra a matéria de facto apurada (no que concerne aos factos não provados, sob os pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7 e 8).
- Erro notório de apreciação e julgamento dessa matéria.
-Errado enquadramento jurídico-criminal.
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Matéria de facto e de direito:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma, relativamente a pontos concretos (que enquadram o elemento subjectivo do tipo, a intenção de ofender).
E, a nível de matéria de direito entende que os factos imputados são objectivamente susceptíveis de integrar o ilícito pelo qual o arguido se encontrava acusado.
Pelo que interessa antes de mais, averiguar se os factos provados integram o elemento objectivo do crime imputado, dado que na sentença recorrida se entendeu que não.
É o seguinte o entendimento expresso na sentença recorrida: “…O crime de injúria está inserido no capítulo dos crimes contra a honra, bem jurídico que o legislador penal quis proteger, reafirmando a importância que já lhe era dada pela Lei Fundamental (cfr. Artigo 26º da Constituição da República Portuguesa), sendo esta entendida como um aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radica na sua inviolável dignidade. Ora, a acção típica do crime contra a honra consiste numa manifestação de menosprezo que seja idónea para afectar tal bem jurídico nas circunstâncias concretas em que é utilizada. A conduta, para integrar o tipo legal, deve ser ainda adequada a produzir a ofensa nos bens jurídicos tutelados. A adequação das expressões para atingir o bem jurídico protegido deve ser feita, não de acordo com a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja (o direito penal protege direitos fundamentais dos cidadãos e não particularidades deste ou daquele sujeito), mas sim tendo em conta a dignidade individual a que todos têm direito (dependente no entanto das diferenças no significado das expressões de região para região).
Tais crimes consubstanciam-se na violação daquele “mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo (médio) possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”, violando ainda, “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum deles ... possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público “ – Beleza dos Santos, in R.L.J., ano 92, p. 167 e 168.
Deste modo, a imputação de um facto é idónea para lesar a honra quando é adequada a desacreditar, desprestigiar ou diminuir o seu bom nome perante a opinião pública; o facto não necessita de ser ilícito ou ter carácter criminoso, tem é que ser susceptível de lançar o descrédito e a suspeita perante a opinião pública.
Como refere o Prof. Beleza dos Santos (RLJ, ano 92º, página 165) e é entendimento unânime e actual, tanto na Doutrina como na Jurisprudência, “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível”. É que há “pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo seu eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem e pensam ou outros, que se consideram ofendidos por palavras ou actos que, para a generalidade das pessoas, não constituem ofensa alguma”.
Nestes casos não podemos considerar que existe crime de difamação ou injúria, pois que “Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”.
Com efeito, “O direito criminal não pune por motivos unicamente individuais, mas pela projecção social dos crimes” (cfr. Acórdão do S.T.J., de 28.06.2006, proferido no processo nº 2315/06).
O detentor deste bem jurídico é, como entende o Prof. Faria Costa (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, página 602), o próprio sujeito, a própria pessoa de quem ela é qualidade intrínseca ou atributo.
A injúria consiste na imputação de factos ou na formulação de um juízo, mesmo sob a forma de suspeita, ofensivos da honra e consideração de determinada pessoa.
Contrariamente ao crime de difamação o crime de injúria exige que os factos ocorram na presença do ofendido.
Tem natureza dolosa, em qualquer das formas previstas no artigo 14º do Código Penal, não se exigindo para o preenchimento do elemento subjectivo que o agente queira atingir a honra e consideração da pessoa visada, bastando que tenha consciência de que os factos são ofensivos da honra e consideração da mesma e que a sua actuação é proibida por lei.
Atentos os factos provados, verifica-se que não está desde logo demonstrado o elemento objectivo do crime pelo qual o arguido vem acusado, pelo facto de considerarmos que a expressão proferida pelo arguido não configurar ilícito criminal, por não ser ofensiva da honra ou consideração”.
A honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal e interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior – Prof. Faria Costa, Comentário Conimbricense do código Penal, tomo I -607.
Consideração é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública – Cfr. Ac. da Rel. Lx. De 6-02-1996, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 156.
No caso concreto estão em causa as expressões, “Tu foste para a Junta de Freguesia porque andas cheio de fome” e, “se não fosses para a Junta já tinhas morrido de fome!”.
Estas expressões são objectivamente torpes e ofensivas do respeito e consideração devidas a qualquer indivíduo e também a membro da Junta de Freguesia, mas delas não se pode extrair, sem mais, que o arguido quis dizer com tais expressões que o assistente andava a desviar dinheiros da Junta ou governar-se com os dinheiros da Junta.
Das declarações no arguido não se infere que o mesmo colocou em crise a honestidade e honorabilidade do assistente ou que este praticasse qualquer facto menos lícito, da transcrição junta pelo assistente no recurso consta a explicação do arguido relativamente aquelas expressões que confirma ter proferido, explicação que consiste em referir que o assistente por estar reformado e ao ser membro da Junta tirava o lugar, o trabalho e a compensação a outro, “vieste de Lisboa para aqui reformado de um Banco e vieste para a Junta trabalhar para ganhares para comer, estás a tirar trabalho aos outros porque ele está reformado e recebe uma paga”.
Poderá entender-se que tais expressões se enquadram no direito de crítica do arguido relativamente a quem acumula uma pensão de reforma com os serviços “remunerados” de membro de órgão autárquico.
Mas, embora raiando as fronteiras da ofensa (porque a eventual crítica poderia ser expressa em outros termos), temos que, objectivamente, não há factos injuriosos e ofensivos.
Sobre a matéria de direito, transcrevemos a parte da sentença, que se encontra bem elaborada e fundamentada, pouco mais havendo a acrescentar.
Face à fundamentação transcrita, deveria haver norma semelhante ao nº 5 do art. 425 do CPP para todos os casos e não só após confirmação na Relação de sentença absolutória.
As expressões proferidas que, na perspectiva do assistente, foram ou seriam aptas a vexá­-lo ou humilhá-lo, afigura-se-nos, salvo o respeito devido, não possuírem idoneidade objectiva a fim de preencher o tipo incriminador em causa.
De facto, se unanimemente vem sendo entendido que nem todo o facto que envergonha, perturba ou humilha é injurioso ou difamatório, "... tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa" - cfr. Oliveira Mendes, in O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal, 37 -, mais relevantemente cumpre considerar a natureza subsidiária do direito penal, decorrente do princípio da necessidade enquanto matriz orientadora em matéria de direitos fundamentais, e erigida esta a princípio jurídico-constitucional, com assento no preceito geral contido no art. 18°, nº 2 da Lei Fundamental.
Decorrendo de tal natureza subsidiária um princípio de intervenção mínima do direito penal, ou ultima ratio da intervenção da jurisdicidade, significa isso que não deve tal intervenção ocorrer quando seja possível proteger o bem jurídico – com idêntica ou superior eficácia - através de distintas e menos onerosas intervenções tutelares - neste mesmo sentido vide Faria Costa, Comentário Conimbricence do CP , 1-683 (anotação ao art. 187°).
Ora, injúria (e a difamação não é senão uma forma de injúria “indirecta”) é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo, ou vilipêndio contra alguém, dirigida, tal manifestação, ao próprio visado. Com a incriminação de manifestações conducentes a tal resultado pretende-se salvaguardar, prevalentemente, a chamada honra subjectiva, ou seja, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal - cfr. Nelson Hungria, citado no Ac. da RL de 26.10.00, in CJ, IV-154. A injúria não se pode confundir com a mera indelicadeza ou mesmo com a grosseria, como se nos afigura ser o caso agora em análise: efectivamente, as expressões proferidas verbalmente não ultrapassam o nível discursivo da indelicadeza ou grosseria, aptas a qualificar pejorativamente quem as produz, mas inócuas para atingir as referenciadas honorabilidade ou respeitabilidade de quem as ouve.
Assim o considerou a testemunha G, que “não deu importância a tais expressões porque na sua opinião as mesmas não têm qualquer significado e nunca falou com o assistente acerca da situação”.
E a testemunha V, que “, ouviu o arguido proferir a segunda expressão constante dos factos provados, não tendo retirado nada de tal expressão”.
Não deve considerar-se ofensiva da honra e consideração de outrem, aquilo que o queixoso entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais – Prof. Beleza dos Santos in RLJ 92-168.
Por isso que, não atingindo as palavras em apreço o âmbito normativo do tipo legal, ou por outras palavras por não se nos afigurar conduta juridico-penalmente relevante, ou seja, por não constituir crime, deve improceder o recurso e manter-se a sentença.
Como refere o Ac. desta Relação de 06-01-2010, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 42, “a ofensa à honra e consideração, no sentido pressuposto pelas normas que lhe conferem tutela penal não é susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras ainda que direccionadas para pessoa identificada”.
Como dizia Beleza dos Santos, citado por O. Mendes in ob. citada, pág. 51, o crime respeita a factos ofensivos, que ofendam ou possam ofender, “e não apenas a factos que tenham na realidade ofendido a honra e consideração alheia”, ou Luís Osório, mesmo local, “não é essencial que o facto ofenda, basta que tenha o poder de produzir a ofensa, que seja ofensivo”.
No caso sub judice, tal não se verifica os não são injuriosos, ofensivos do bem nome, honra e consideração.
Como salienta o Cons. O. Mendes in ob. cit. pág. 38, “há um consenso na generalidade das pessoas sobre o que razoavelmente se não deve considerar ofensivo…Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros”.
In casu, raiando a fronteira dos limites correctos, temos o comportamento do arguido desrespeitoso e nada educado e cortês.
Mas como salienta o Cons. O. Mendes, ob. cit. pág. 39, “os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito”, mas “efectivamente, o direito penal, neste particular, não deve, nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências”.
Assim, temos que as expressões proferidas, não constituem facto ilícito com relevância penal, pelo que se deve julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença.
Como se refere no acórdão desta Relação de 6-01-2010, não tendo as expressões proferidas pelo arguido “a virtualidade de causar dano à honra do assistente em qualquer das vertentes tuteladas”, não há necessidade de maior indagação, nomeadamente quanto à verificação do elemento subjectivo do tipo.
“Na medida em que as expressões imputadas ao arguido, apesar de censuráveis do ponto de vista moral, não assumem relevância penal, inútil se revela a tarefa de apreciação das demais questões suscitadas no recurso, uma vez que claudica a própria possibilidade de imputar ao arguido uma actuação relevante do ponto de vista do direito criminal”.
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Decisão:
Pelo que exposto ficou, acordam nesta Relação e Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo assistente V. e em consequência, mantém-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo assistente, com 5 Ucs de taxa de justiça.
Coimbra,
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