Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | MEDIDA DE SEGURANÇA NULIDADE DA DECISÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/29/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CANTANHEDE - 2ª JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 100, N.º 1, DO C. PENA E 374, N.º 2, DO C. P. PENAL; ARTIGOS 374, N.º 2 E 379, N.º 1, DO C. P. PENAL | ||
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Sumário: | I- Enquanto as penas têm por pressuposto e por limite a culpa, as medidas de segurança têm por base a perigosidade (individual) do delinquente e visam evitar futuras condutas ilícitas: função de segurança e de socialização, prevalecendo esta. II- A aplicação de medida de segurança não é automática pelo que, não constando da pronúncia a possibilidade da sua aplicação e sendo esta fundamentada por forma inconsistente, torna nula a decisão por falta de fundamentação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: I. – Relatório. Após o julgamento efectuado no processo supra mencionado, foi o arguido, A..., casado, empresário, nascido em 23/9/1969, filho de B... e de C..., natural de Barreia, Santa Maria da Feira, e residente em Barrela, Travanca, Santa Maria da Feira, condenado, como autor material de um crime de danos contra a natureza, p. e p. no art. 278º/nos 1 e 2-a), b) e c) C.P., na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), ou seja, na multa de € 1600 (mil e seiscentos euros), e a que subsidiariamente correspondem 132 (cento e trinta e dois) dias de prisão e, “nos termos do art. 100º, n.º 1 C.P., e perante as razões que levaram à condenação acima determinada – designadamente, a grave violação dos deveres de observância das regras legais e administrativas para a extracção de inertes – determina-se, atenta a gravidade dos factos e a personalidade revelada pelo mesmo, a interdição do arguido A... da actividade (directamente por si ou através de outras entidades singulares ou colectivas) de extracção de qualquer espécie de inertes, pelo período de 18 (dezoito) meses”. Desfeiteado da decisão anunciada, recorre o arguido, tendo alinhado as conclusões que a seguir se transpõem. “1- Como entende e bem, o Tribunal Constitucional a prova produzida na Audiência quando gravada pode e deve ser reapreciada em sede de recurso, vide Ac. do Trib. Constitucional de 5 de Maio de 1993; BMJ, 427, 100)”, Manuel Lopes Maia Gonçalves, in “Código e Processo Penal - Anotado e Comentado”, 1999-11ª edição, Almedina, pág. 660. 2- Constata-se de todo o processo que há uma confusão relativamente à identidade do sujeito que praticou os factos constantes da acusação e pronúncia, desde logo, a certidão do Proc. X..., junta a fls. 22 a 36, que servindo de fundamento à decisão em crise, vide Sentença, fls. 598 v., 1º parágrafo, é patente aferir que o nome do Arguido sequer daqueles autos. 3- O proprietário da máquina a que se alude na acusação e pronuncia, ouvido a fls. 327, 328 e 333 dos autos afirma não teria certeza se “alugou a máquina ao arguido se à firma D.... 4. Esta confusão reitera-se a fls. 276 quando Digno Procurador do Ministério Público requer certidão do Processo X..., contendo a acusação, sem que contudo o nome do arguido conste da mesma. 5. Fruto, ou não, desta confusão, certo é que, durante o julgamento não foi feita qualquer prova conclusiva que permitisse imputar ao arguido a autoria dos factos pelos quais havia sido pronunciado. 6- Estabelece o art. 356º do C.P.P. que a prova se realiza em Audiência, contudo, assistiu-se durante os depoimentos, nomeadamente o da testemunha E..., vigilante que levantou o Auto, à remissão para este uma vez que aquela testemunha não foi capaz de identificar pelo nome o manobrador da máquina. 7 - O próprio Tribunal viola aquele dispositivo quando, para colmatar a falta de prova produzida, faz transparecer a ideia de que, não obstante não se ter identificado ninguém, nem as actividades em concreto desenvolvidas, “remata” o depoimento desta testemunha com a afirmação de que o que constava do auto teria sido elaborado com a informação prestada no local. 8- A testemunha E... refere no seu depoimento que o manobrador da máquina lhe tinha dito que estava a mando “… por uma empresa que era do pai dele...“. Ora, nem o arguido exerce a sua actividade através de uma sociedade, nem tinha, nem tem, nenhum filho com o nome G..., o que se encontra documentado a fls. 133, 138, 396 dos autos. 11-Esclarecendo que é impossível, ou quase impossível verificar concretamente os danos provocados por cada indivíduo. 12-A testemunha E... no seu depoimento afirma que no local apenas se encontrava ele próprio e o colega P..., que o Eng. F... tinha ido para a frente, que havia um camião e foi embora, que a máquina estava a abrir um caminho, e que não se recordava de ter visto mais ninguém no local, versão corroborada quer pelo Auto, quer pelo depoimento da testemunha P..., quer até em momento anterior quando, na fase de inquérito, fls. 203, 204 e 205 declara que no local apenas se encontrava ele e o colega, entenda-se, o vigilante E..., pelo que, 13. Se conclui que a testemunha Eng. F... não estava no local, sendo que falta à verdade em tudo quanto afirma em sentido contrário. 14- O depoimento da testemunha Eng. F..., entre outras passagens, quando afirma, em desabono da verdade, que o Arguido já havia sido alvo de processos de contra - ordenação anteriores evidencia a falta de isenção e credibilidade do seu depoimento, bem como, o propósito firme comungado com a acusação e pronuncia, de fazer passar em julgamento a ideia de que o Arguido era um infractor, aliás, conhecido do próprio Tribunal como se chegou a afiançar, o que também não corresponde à verdade. 16- O arguido nem sequer se encontrava no local, facto que é atestado pelas testemunhas E... e P... (contrariamente ao que afirma a testemunha Eng. F...), pois, a estar seria ele o notificado do embargo, que não o manobrador da máquina, G.... 18-A testemunha H..., cujo depoimento foi fundamental para que o Tribunal alicerçasse a sua convicção apenas afirmou não se recordar bem do que estava em causa nos autos, porquanto, os processos relacionados com a extracção de inertes eram muitos. 19-Face a este depoimento afirmou o Ilustre Procurador Adjunto de que os processos relacionados com a extracção de inertes se contavam pelos dedos, e, os infractores eram todos conhecidos do Tribunal, ora não sendo o Arguido conhecido nem do Tribunal, nem do Ministério do Ambiente, nem da G.N.R., forçoso será concluir que mais uma vez só se poderia estar perante uma confusão com qualquer outro sujeito ou entidade que não o Arguido. 20. Refere a Sentença de que se recorre, mais uma vez erradamente, que a testemunha Cremilde Maricato afirmou que o arguido adquiriu areia a outros proprietários. Na verdade, o que essa testemunha afirmou foi que fizeram o que outros fizeram, referindo-se à terraplanagem dos terrenos, não querendo com isso dizer que foi o Arguido que executou serviços a outros proprietários. 21-0s proprietários do terreno são unânimes em afirmar que contrataram com o Arguido um serviço de terraplanagem, tendo como objectivo proceder à plantação de pinheiros. 22-Plantação essa que só seria possível, como os próprios peritos ouvidos em julgamento declararam, se fosse feito o rebaixamento até perto do nível freático, caso contrário, os pinheiros secariam. 23-0s depoimentos das testemunhas Drs. I...., J... e L... apenas teceram considerações gerais, não podendo relacionar o arguido com eventuais danos ambientais o que já resultava claramente do documento a fls. 239 emitido pela DRAOT. 24-A testemunha M... afirma que, caso o contrato não tivesse ficado sem efeito por forçado embargo do Ministério do Ambiente, o terreno ficaria nivelado, sendo que a areia que se encontrava em montes ao lado da intervenção seria colocada nos buracos para assim permitir a plantação. 25-Na sentença, a fls. 602 v, último parágrafo, é ordenado o levantamento da apreensão da máquina “pá-carregadora”, contudo, como se afere a fls. 139 e 131 veio o Ministério do Ambiente informar o autos que a aludida máquina já tinha sido entregue ao seu legitimo proprietário. 26- Ainda na Sentença se afirma que a actividade de extracção ilegal de inertes é altamente rentável, contudo, não deixa de ser sintomático que o Arguido tenha visto e bem, ser indeferido o Apoio Judiciário, afastando assim a ideia de que aufere elevados rendimentos desta actividade ilícita, 29-Estamos face de uma série de depoimentos contraditórios, por um lado os depoimentos de quem esteve no local na data dos factos, vigilantes da natureza E... e P..., pouco ou nada esclarecedores, por outro o depoimento tendencioso e orientado para a condenação do Arguido da testemunha Eng. F..., sendo que, esta testemunha não esteve presente aquando da elaboração do auto, o que foi sobejamente demonstrado em sede de julgamento e ora evidenciado, quer através das fitas magnéticas, quer através dos documento juntos aos autos. 30- 0 tribunal a quo, não obstante as contradições insanáveis existentes entre os depoimentos daquelas três testemunhas, entenda-se E..., P... e Eng, F..., declarou na sentença que os mesmos foram esclarecedores, coerentes e isentos. Ora, tal questão não se coloca ao nível da análise que cada um dos sujeitos processuais faz do depoimento de cada testemunha, aí cairíamos no campo da subjectividade o que é dá azo a diversas interpretações. No caso sub judice a questão que se coloca não se prende com essa subjectividade, prende-se antes com a impossibilidade que se coloca ao Tribunal de fazer uma espécie e “triagem” de cada um dos depoimentos aproveitando excertos de cada um para completar uma ideia, quiçá, preconcebida. 31-lgnorou o Tribunal a quo, na sentença que proferiu, que o Arguido não tinha antecedentes criminais ou contra ordenacionais nesta matéria, tal como decorria dos documentos juntos a fls. 243 a 248, ignorando igualmente a sua força probatória, acusando o Arguido durante o julgamento de ser conhecido do Tribunal, outro tanto se diga acerca dos rendimentos e dos proventos que o Arguido aufere na sua actividade, cfr. fls. 39 , 32-Pelo exposto deve a sentença ser revogada porquanto violadora do disposto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do C.P.P. 33-Quanto á aplicação da sanção acessória sempre se dirá que o Tribunal a quo não realizou o juízo de prognose póstuma que lhe impõe o art. 100º do C.P., ou tendo-o feito, fê-lo de tal forma sem critério que, para efeitos da aplicação de pena de prisão considerou que o Arguido dava esperanças de não cair em condutas delituosas no futuro, por outro, para efeitos de aplicação da sanção acessória considerou, que a personalidade do arguido aconselha e justifica essa mesma aplicação, sem contudo, se ter feito qualquer prova a esse respeito, tanto mais que o arguido não tem antecedentes e, a testemunha N... salientou a personalidade do Arguido quando ainda no ultimo Verão utilizou as suas máquinas de terraplanagem, na mata nacional entre Mira e a Gafanha da Boa Hora, para abrir aceiros e caminhos em pleno incêndio para evitar a propagação do mesmo. 34-Caso a prova tivesse sido correctamente analisada certamente a Sentença teria culminado com a absolvição do Arguido, ou mesmo, na pior das hipóteses sempre pairava no ar a séria dúvida acerca da imputação ao Arguido dos factos pelos quais vinha pronunciado, pelo que se impunha a absolvição do mesmo em homenagem ao principio do “in dubio pro reo” sob pena de Violação da Lei, art. 127º do C.P.P e da Constituição, art. 112º, 32º, nº 2, bem como, art. 204º e nº 1 do 205º da mesma Lei, inconstitucionalidade que expressamente aqui se invoca. 35-Violou igualmente o disposto no diploma fundamental, a sentença recorrida ao não fundamentar a aplicação da sanção acessória de inibição do exercício da actividade do arguido, porquanto, 36-Com a interpretação que foi dada pelo Tribunal a quo, aquela sanção acessória surge como efeito automático a quem pratique um crime no exercício da sua actividade, independentemente de, como no caso dos autos, resultar provado que o Arguido não tem antecedentes criminais, e, 37 -Sobretudo quando é o próprio Tribunal a quo, na Sentença de que se recorre, a admitir que o arguido não incorrerá no futuro em crimes da mesma natureza, 38-A sanção acessória que foi aplicada ao arguido impossibilita-o de exercer a sua actividade profissional, terraplanagens e comercialização de excedentes daí resultantes, impossibilitando-o de aceder à sua única fonte de rendimento, o seu trabalho, pelo que, na prática foi condenado a prisão efectiva porquanto não poderá proceder ao pagamento da multa em que foi condenado. 39 - Violou assim a Sentença de que se recorre o disposto nos arts. 47º e 58º da C.RP. pela interpretação que foi dada ao art. 100ºdo C.P., da forma que o fez, inconstitucionalidade que expressamente aqui se invoca. 40-Nestes termos deve a sentença ora em crise ser revogada e substituída por uma outra que absolva o arguido, 41-0u caso assim se não entenda, no que se não concede, deve a sentença ser revogada no que à sanção acessória diz respeito (…)”. Em resposta, o Ministério Público junto da tribunal a quo, reponta que: “No recurso por si interposto pugna o arguido pela revogação da sentença proferida nestes autos, com a substituição por outra que decrete a sua absolvição visto a mesma padecer dos vícios apontados no art. 410, nº2, al. a) do Código de Processo Penal. Subsidiariamente pede, e caso não se entenda que houve um erro notório na apreciação da prova, e consequentemente, deverá o arguido ser absolvido do crime que lhe é imputado, já que foi violado o principio in dúbio pró reo. (…) Começaremos por dizer que a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da livre convicção do juiz e das regras da experiência assim, haverá insuficiência da matéria de facto para a decisão quando através dos factos dados como provados, não forem logicamente admissíveis as ilações do tribunal recorrido, não estando, porém, definitivamente excluídas as possibilidades de as tirar. Ora os vícios do art. 410, nº2, do Código de Processo Penal, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.» Assim os vícios da matéria de facto em referência têm de resultar do texto da decisão recorrida e, como é jurisprudência sedimentada, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos (vd. Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-01-90 (BMJ 393-333), de 10-02-98 (BMJ 474-351) e de 09-12-98 (BMJ 482-68) - não sendo admissível, designadamente o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo (Acórdão, da Relação de Coimbra, de 05-.02-97 (BMJ 464 - 627), nenhum relevo assumindo as regras da experiência comum. Tais vícios não podem, designadamente, ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pelo recorrente sobre a prova produzida em audiência de julgamento e aquela convicção que, nos termos prevenidos no art. 127, do Código de Processo Penal e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125, do mesmo Código. Ora o recorrente quer neste ponto atacar é a matéria de facto apurada. Para se averiguar da insuficiência da matéria de facto provada há que ver se a mesma consente, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade os ilícitos provados. O tipo legal pelo qual o arguido foi condenado não encontra correspondente na versão originária do Código Penal de 1982. O que está em causa é a protecção do ambiente, consubstanciando-se este direito por um lado, numa pretensão de conteúdo negativo (exigir do Estado e dos outros cidadãos a abstenção de comportamentos ecologicamente nocivos), e por outro lado na imposição ao Estado de um dever de actuar positivamente no sentido da protecção e promoção de um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado. O legislador penal preocupou-se em primeira linha, com a defesa contra ataques que possam comprometer directamente a vida ou a integridade física dos cidadãos, mas com todas aquelas formas de actuação que se mostrem lesivas da qualidade do ambiente ou que se traduzam num desgaste dos recursos naturais. O tipo legal de dano contra a natureza previsto pelo artigo 278º supõe, a violação por parte do agente de normas legais ou regulamentares, o que coloca a existência do crime na dependência de normas não penais. Significa pelo menos em parte, a norma do artigo 278º é configurada pelo legislador penal como um delito de desobediência, a conduta do agente deverá, por conseguinte, mostra-se lesiva do meio ambiente segundo normas legais ou regulamentares, sendo estas mesmas disposições que tem por função determinar que espécies ou áreas devem ser protegidas. Exige ainda o tipo legal que o agente tenha eliminado exemplares de fauna ou flora destruído habitat natural ou estado recursos de subsolo. Os conceitos de fauna e flora utilizados pelo legislador penal são conceitos de contornos necessariamente amplos, entendendo-se por fauna o conjunto de todos os animais (de qualquer espécie, seja ela aquática, terrestre, migratória ou fixa), qualquer que seja o grau de relevância económica ou cientifica, a sua relação com uma determinada zona ou local, e a sua importância ecológica, e por flora o universo das espécies vegetais, sendo irrelevante o seu porte, fim de utilização, a sua natureza espontânea ou dependente de cultivo, ou mesmo a sua importância sob o ponto de vista do equilíbrio ecológico ou paisagístico. Para que o comportamento do agente seja típico, numa primeira aproximação, bastará que tenha conduzido á eliminação de exemplares de espécies animais ou vegetais. Prevê-se em seguida a destruição de habitat natural, que pode ser bem mais grave para a sobrevivência de determinadas espécies a destruição das condições ambientais de que depende a sua vida, o seu desenvolvimento e reprodução. O agente terá que ter violado com a sua actuação disposições legais e regulamentares em vigor em cada um destes domínios, e para além disso terá que ter actuado de forma grave. Desde logo o agente actua de forma grave quando “Fizer desaparecer ou contribuir decisivamente para fazer desaparecer uma ou mais espécies animais ou vegetais de certa região”. Através da eliminação de exemplares de fauna ou flora o agente terá que produzir o resultado previsto na al. a) do nº2 deste artigo. As formas de realização do tipo por esta via podem ser as mais variadas. Todavia, na medida em que a conduta do agente terá que ter lugar através da violação de normas legais ou regulamentares. O tipo legal tanto pode ser preenchido a título doloso como negligente. Tratando-se de uma actuação dolosa é suficiente o dolo eventual. O agente terá que saber nos casos previstos pela al. a) do nº2 que com a sua conduta está a contribuir de forma decisiva para a eliminação de uma ou mais espécies animais de uma região. Da mesma forma pode suceder que quem actuou de uma das formas descritas no nº2 do artigo em causa o tenha feito partindo erroneamente do principio de que era titular de uma permissão legítima dos serviços administrativos quando esta última não o era. Mas a punibilidade por negligência tem igualmente lugar se o agente desconhecendo de forma evitável o âmbito de uma zona protegida ou uma norma de protecção, explora inconscientemente uma instalação nociva, ou procede sem cuidado relativamente ao efeito da sua actuação sobre espécies animais ou vegetais da região. Face a isto é de concluir que os factos assentes e basta atentar aos descritos nos pontos 6 a 8, para se concluir que eles integram quer os elementos objectivos e subjectivos do artigo 278 do Código Penal. Podemos definir erro notório como aquele que não escapa ao homem comum e consubstancia-se quando no contexto factual dado como provado e não provado existem factos que, cotejados entre si, notoriamente se excluem, não podendo de qualquer forma harmonizar-se. Assim, sendo parece-nos manifesto que não pode concluir--se que no caso em apreço resulte do texto da decisão recorrida, conjugado com as regras da experiência comum, ter havido erro na apreciação da prova . Do texto da decisão recorrida não ressalta a existência de qualquer erro na apreciação da prova nem dela resulta que a prova tenha sido apreciada atentando contra as regras da experiência comum. Do texto da sentença claramente se extraem os fundamentos que levaram á aplicação da sanção acessória, e são eles “designadamente a grave violação os deveres de observância as regras legais e administrativas para a extracção de inertes - (“…) a gravidade dos factos e a personalidade do arguido” O que se faz e é isso que o artigo 100 do Código Penal exige é a realização de uma prognose sobre a futura conduta do agente, Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento V, Exas., porém, e como sempre, decidirão com o for de Justiça”. Já nesta instância, o distinto Proc.-Geral Adjunto, é de parecer que o recurso não merece provimento. Para a economia da decisão a proferir, transcrevem-se as questões que o recorrente enuncia como devendo ser objecto de conhecimento por este tribunal. - Nulidade da sentença por ausência de fundamentação para a aplicação da sanção acessória, violando-se assim o disposto nos arts. 374º, nº2 do CPP, conjugado com o art. 100º do CP; - Insuficiência para a decisão de facto provada – ex vi al.a) do nº2 do art. 410º, nº 2 e violação do disposto no art. 356º do CPP; - Erro notório na apreciação da prova – ex vi al.c) do nº2 do art. 410º, nº2 do CPP; - Inconstitucionalidade da decisão, maxime: -Violação do principio “in dubio pro reo” consagrado no nº2 do art. 32º da CRP; - Violação do disposto nos arts. 47º e 58º da CRP pela interpretação que a douta decisão faz do art. 100º do CP. II. - Fundamentação. “Para alicerçar a sua convicção, o Tribunal atribuiu relevância ao conjunto da prova produzida, analisada criticamente e “peneirada” à luz das normais regras de experiência comum. No tocante à percepção das devastadoras consequências ambientais de tal actividade – reverso das ricas consequências económicas de alguns... –, foi muito importante o contributo das testemunhas I... e L..., biólogos da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território e especialistas na área da conservação da natureza, que explicaram diversos aspectos relativos às características e qualidade das areias extraídas na zona. Assim, esclareceram as implicações que a destruição do coberto vegetal e o rebaixamento do nível do solo (com a aproximação ou afloramento do lençol freático) comportam para a destruição da “biodiversidade” do ecossistema, quer ao nível da fauna (com a grande ou mesmo total dificuldade de movimentação e propagação de diversas espécies de animais, perante o “efeito barreira” impossibilitador das deslocações que habitualmente fazem tais espécies), quer ao nível da flora (com o aumento da salinidade do solo e a substituição das espécies florísticas existentes por vários tipos de tojo e vegetação rasteira). Os depoimentos ora mencionados foram ainda complementados pela prestação testemunhal de J... (também com domicílio profissional na Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território), com uma formação técnica mais especificamente ligada ao ordenamento do território. Diga-se ainda que a maturação dos depoimentos das testemunhas F..., I... e L... assumiu uma maior expressividade e clareza na sequência da deslocação do Tribunal ao local da ocorrência dos factos, podendo perceber-se, in loco, os efeitos da actividade ordenada pelo arguido (não sendo também de desprezar o teor das fotografias constantes de fls. 7 a 11 e 583 e 584 dos autos). Saliente-se agora, em duas dimensões, a relevância dos depoimentos das testemunhas Q..., R... e S...: por um lado, a sua razão de ciência é óbvia, já que se trata dos proprietários dos terrenos onde foi realizada a extracção das areias, por eles vendidas ao arguido (e chegando até a testemunha S... a dizer que o arguido adquiriu areia a diversos proprietários de terrenos situados na zona…); por outro lado, e não obstante a postura de um certo “comprometimento” por banda das testemunhas (a sugerir pensarem as mesmas ter contribuído para a realização de algo de “mal”), os seus depoimentos auxiliaram a perceber os intentos (lucrativos) que o arguido assumiu ao realizar com eles o negócio de extracção das areias no seu terreno. No mais, e perante o uso do legítimo direito de silêncio pelo arguido, a percepção de um ou outro aspecto do seu modus vivendi e personalidade foi alcançada através da testemunha N... (que o conhece há cerca de quatro anos). Por fim, relevou o teor das certidões de fls. 22 a 36 e 101 a 131 (bem como dos relatórios aí incluídos) e do documento de fls. 508 (certificado do registo criminal do arguido). II.B. – De Direito. O acórdão – cfr. 713º, nº2 do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi do art. 4º do Cód. Proc. Penal –, deverá, na ordem de conhecimento das questões que são submetidas ao tribunal de recurso, observar, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 659º a 665º do Cód. Proc. Civil. Prescrevendo quanto à ordem das questões a resolver, estatui o art. 660º do último dos diplomas citados que “sem prejuízo do disposto no n.º3 do artigo 288.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica”. À luz do preceituado supra, no acórdão em que decida as questões que foram elencadas no recurso deverá o tribunal conhecer dos vícios que, eventualmente, possam afectar a decisão e só depois afrontar as questões que atinem com os erros susceptíveis de ervar o julgamento. A sentença deve conter, para além do relatório e da enumeração dos factos provados e não provados, […] “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão […] – cfr. nº2 do art. 374º do Cód. Proc. Penal. No dispositivo da decisão impugnada o tribunal condenou o arguido, A..., a uma medida de segurança de interdição da actividade que vinha exercendo (de extracção de inertes) pelo período de 18 (dezoito) meses. Fê-lo “perante as razões que levaram á condenação acima determinada – designadamente, a grave violação dos deveres de observância das regras legais e administrativas para a extracção de inertes – […] atenta a gravidade dos factos e a personalidade revelada pelo mesmo […]”. A aplicação da medida de segurança não vinha pedida pelo Ministério Público, ou pelo menos não foi inscrita na pronúncia como delimitação do pedido formulado ao tribunal. Ao tribunal, na pronúncia, e em face da imputação fáctica de uma conduta ilícita e antijurídica, era pedido que ao arguido fosse imposta uma pena correspondente à culpabilidade que os elementos probatórios que viessem a ser produzidos, em sede de julgamento, justificassem bem assim a gravidade do facto ilícito praticado e a personalidade do agente. Não estava, ainda assim, o tribunal inibido de proceder à aplicação de uma medida de interdição de actividade, demonstrado que tivesse ficado que o agente havia sido autor do facto ilícito grave que lhe fora imputado, desde que na fundamentação da decisão justificasse a necessidade e proporcionalidade da medida, em face da especial perigosidade do agente e da necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. A diferença axial que se pode encontrar nas sanções juridico-criminais estatuídas no sistema penal, é que enquanto as penas têm por pressuposto e por limite a culpa, as medidas de segurança têm por base a perigosidade (individual) do delinquente. Consagra-se, deste modo, o sistema dualista de sanções criminais [Vide a este propósito Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, pag. 83 e segs.]. As medidas de segurança cumprem uma função preventiva especial exercendo sobre o indivíduo um factor inibidor da prática de futuras condutas ilícitas que se revelem graves e sejam susceptíveis de afectar a estabilidade da vigência da norma ou normas violadas. “As medidas de segurança visam obstar, no interesse da segurança da vida comunitária, à prática de factos ilícitos-típicos futuros através de uma actuação especial- preventiva sobre o agente perigoso”[Vide op. loc. cit., pag.85.]. “ A finalidade de prevenção especial ganha assim, também neste enquadramento, uma dupla função: por um lado, uma função de segurança, por outro, uma função de socialização”, devendo este último prevalecer sobre o primeiro “como é imposto pelos princípios da solidariedade e da humanidade que dominam a constituição politico-criminal do Estado de Direito contemporâneo”. Mais adiante, o autor que vimos seguindo, refere que “se a aplicação da medida de segurança se liga não apenas à perigosidade, mas sempre também à prática de um facto ilícito-tipico, então isso só pode acontecer porque ela participa ainda da função de protecção de bens jurídicos e de consequente tutela das expectativas comunitárias”. “[…] O juízo sobre a perigosidade é autónomo e, na verdade, o mais importante e difícil dos juízos que há de formular em matéria de aplicação de medidas de segurança. Fica por isso próxima e fundada a convicção de que a exigência de que se trate de um facto ilícito-típico grave é feita (ou é feita também, mas já com autonomia) em nome do abalo social por aquele causado na comunidade e da necessária estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”. (op. loc. cit. pag. 89). Para aplicação da medida de segurança pondera Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II volume, pag. 1147 que: “pressupuesto de la inhabilitación profesional es, según el §70 I, que el autor haya sido condenado por un hacho antijurídico cometido com abuso de su profesión ou oficio ou com grave infracción de los deberes que le son inherentes, o que no haya sido condenado solo porque ténia capacidad de culpabilidad o porque posiblemente carecia de ella”. “la inhabilitación profesional unicamente es necessária cuando no solo ews posible, sino también probable la comissión de otros delitos, No puede ser impuesta, cunado son suficientes otras medidas menos graves […]. Também para Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito”, Civitas, Madrid, 1997, p. 106, considera que a justificação de uma medida de segurança se fundeia no facto de “a comunidad y el próprio autor considerarán com razón la imposición de tales medidas como imposición de un fallo fente a la sociedad particularmente grave, y en caos de responsabilidad también reprochable, de modo que la tesis de que la desaprobáción solo se hace valer mediante la pena, contradice la realidad de la vida y lleva dentro de sí distinciones que no le son inherentes”. Do que vem sendo dito parece ser legítimo extrair a conclusão de que a aplicação de uma medida de segurança transporta consigo uma valoração autónoma da conduta do agente e da necessidade de face ao princípio da ponderação de bens conflituantes[ Cfr. a este propósito Claus Roxin, op. loc. cit. pag.105 e Jorge Figueiredo Dias, op. loc. cit. p. 93.] avaliar da necessidade da aplicação dessa sanção, tendo em conta a gravidade da conduta e, a proporcionalidade e a exigência de estabilidade da comunidade na vigência da norma violada. Em nosso juízo, no que parece estarmos acompanhado pela mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, que em recente aresto decidiu quanto à necessidade fundamentação da formação do cúmulo jurídico de pena [“I – Dependendo a fixação da pena do concurso da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente, nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o acórdão que proceder ao cúmulo jurídico não pode limitar-se a enumerar os crimes cometidos, as penas aplicadas ao arguido e o tempo decorrido desde a sua prática, devendo sempre referir e ponderar, ainda que resumidamente, os factos relativos a cada um dos crimes em concurso, por forma a habilitar os destinatários da decisão a percebe qual a sua gravidade, bem como a personalidade do arguido, modo e vida e inserção social. II – Se o acórdão, para além de indicações genéricas sobre a «extrema gravidade e ilicitude», e a afirmação dos «ditames da reprovação e da prevenção geral e especial», não refere nem contém elementos que permitam apreender, ainda que resumidamente, os factos e as circunstâncias em que correram e que foram julgados nos processos da condenação, e s circunstâncias pessoais que permitam construir uma base de juízo e de decisão sobre a personalidade, necessária para a determinação da pena do concurso, tal omissão não possibilita ao tribunal de recurso tomar uma decisão I cuja base de ponderação é, pela i, precisamente a consideração, no conjunto, dos factos e da personalidade do agente. A procedência da nulidade invocada pelo arguido, prejudica o conhecimento das demais questões que haviam sido elencadas supra, nos termos do citados preceitos do ordenamento civil aqui aplicáveis por força do art. 4º do Cód. Proc. Penal (vide supra art. 660º,nº2, ex vi do nº2 do art.713º, ambos do Cód. Proc. Civil). III. – Decisão. Na defluência do exposto, decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, no tribunal da Relação de Coimbra, em: - Julgar procedente a nulidade impulsada pelo recorrente, na parte da decisão em que operou a sua condenação em medida de segurança de interdição de actividade industrial de extracção de inertes, por violação do disposto na al. c) do nº1 do art. 379º do Cód. Proc. Penal. - Sem tributação. |