Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00577/04 - VISEU |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 11/08/2007 |
| Relator: | Fernanda Brandão |
| Descritores: | COMPLEMENTO REMUNERATÓRIO - VANTAGENS ACESSÓRIAS - IRS |
| Sumário: | I-O IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias referidas no nº 1 do artº 1º do CIRS. II-Vantagens acessórias são todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que são auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituem para o respectivo beneficiário uma vantagem económica e para a entidade patronal, um encargo. III-Os juros compensatórios, que têm por fundamento legal o retardamento da liquidação do imposto, são devidos sempre que o imposto seja devido e o atraso da respectiva liquidação seja imputável ao contribuinte, por culpa deste. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Eduardo e Maria , já identificados nos autos, vieram recorrer da sentença proferida pelo senhor juiz do TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial que haviam deduzido contra o acto de liquidação adicional de IRS do ano de 1995, no montante total de 309.289$00, sendo 264.620$00 de imposto e 44.669$00 de juros compensatórios. Terminaram a alegação formulando as seguintes conclusões: 1.O disposto no art. 23° n° 2 do CIRS não apontava para a tributação com base na renda efectiva, pelo que existe erro nos pressupostos de facto que serviram para cálculo do acto de liquidação; 2.Cabia à administração tributária provar que o gerente (ora recorrente) utilizava por amizade as instalações e não o contrário-cfr. art.° 346° do C.Civil; 3. Os juros compensatórios estão erroneamente calaculados por excesso-cfr. art.° 83°, 90º e 96°, n.° 3, do CIRS. Pediram que se revogue a decisão recorrida e que se substitua por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada. Não foram apresentadas contra-alegações. O exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso-cfr. fls. 215. Colhidos os vistos foi o processo submetido à Conferência para julgamento. FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença posta em crise foi fixado o seguinte quadro factual: A)O Impugnante é administrador da empresa MOVECHO- SA-cfr. folha de remunerações a fls. 158; B)A escrita da MOVECHO- SA foi objecto de fiscalização tributária, aos exercícios de 1993, 1994 e 1995, em sede de IRC e IVA a qual apurou que “foram contabilizados como custo da empresa a renda e a electricidade de uma casa, situada no lote 11-3.° dt.° em Repeses-Viseu.... Esta casa serve de habitação ao administrador da empresa, Sr. Eng.° Bruno Silva...-o Impugnante-; estes custos configuram, conforme alínea c) do n.° 3 do art.° 2.° do CIRS, rendimentos do trabalho dependente do referido administrador - que consultada a respectiva declaração de IRS não foram declarados, pelo que na presente data se procedeu à correcção devida em termos de IRS...” -cfr. Relatório a fls. 112; C)Na sequência da acção inspectiva referida em B), por ofício de 28/11/1997 o Impugnante foi notificado da fixação, em 5.584.894$00, do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação, do ano de 1995, podendo reclamar para a comissão de revisão-cfr. fls. 67; D)Por carta registada com A/R datada de 13/05/1998, o Impugnante foi notificado da decisão da comissão de revisão que lhe fixou o rendimento da categoria A de IRS, para o ano de 1995, em 4.648.696$00, mantendo as correcções relativas à renda da casa e electricidade referidas em B)-cfr. fls. 73 a 75; E)Em resultado da decisão da comissão de revisão, referida em D), foi emitida liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 1995, no montante total de 309.289$00, sendo 264.620$00 de IRS e 44.669$00 de Juros Compensatórios com data limite de pagamento em 20/07/1998-cfr. fls. 8; F)Em 15/06/1992 a MOVECHO- SA celebrou contrato de arrendamento em que tomou a posição de inquilina da casa situada no lote 11-3º dt.° em Repeses-Viseu-cfr. cópia do contrato de arrendamento de fls. 70 e 71; G)Os Impugnantes utilizaram em seu benefício, a casa situada no lote 11-3º dt.° em Repeses-Viseu-cfr. artigo 9.° da petição inicial a fls. 3; H)A MOVECHO pagava a renda da referida casa-cfr. recibos de renda a fls. 148 e depoimento da testemunha a fis. 88; I)O administrador da Suíça da MOVECHO sempre que vinha a Portugal ficava instalado, juntamente com as pessoas que o acompanhavam, na referida casa, existindo uma relação quase familiar entre este e os Impugnantes-cfr. depoimento da testemunha de fls. 88; J)As facturas/recibo de telefone da casa, referida em F) e G), estão no nome do Impugnante-cfr. fls. 9 a 18; K)Em 25/08/1998, foi apresentada a presente impugnação-cfr. fls. 2 a 7. Relativamente à factualidade não provada o senhor juiz exarou o seguinte: Considero não provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa: L)A casa sita no lote 11-3º dt.° em Repeses-Viseu tinha cinco quartos, e destes só três eram utilizados pelos Impugnantes - cfr. artigo 10.° da petição inicial a fls. 3; M)Os restantes dois quartos estiveram sempre à disposição da sociedade MOVECHO - cfr. artigo 11º da petição inicial a fls. 3; N)Também estiveram à disposição da MOVECHO as restantes partes da casa, cozinha, sala, WC, utilizadas em comum com os Impugnantes - cfr. artigo 12.° da petição inicial a fls. 3; O)“Entre as partes, impugnantes e a sociedade MOVECHO... foi decidido, que em compensação pela utilização dos três quartos e as restantes divisões em comum, os impugnantes nada pagariam, desde que suportassem os ónus relativos à electricidade, água, telefone, limpeza das casas de banho, etc., mesmo quando utilizadas em favor da MOVECHO”- cfr. artigo 13.° da petição inicial a fls. 4; P)Os Impugnantes e os gerentes da sociedade MOVECHO utilizam a mesma casa de habitação-cfr. artigo 18.° da petição inicial a fls. 4. DE DIREITO É o seguinte o discurso jurídico fundamentador da sentença sob recurso: “A renda da casa de habitação dos Impugnantes e paga pela empresa aonde o Impugnante é administrador é qualificada como vantagem acessória e tributável na categoria A do IRS, nos termos do disposto no artigo 2.°, n.° 3, c), 4) do CIRS? Vantagens acessórias são todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que são auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituem para o respectivo beneficiário uma vantagem económica e para a entidade patronal, um encargo. “Há um princípio básico geralmente relevado pelos autores que se debruçam sobre a temática das vantagens acessórias, e que, aliás, tem consagração na quase generalidade das legislações fiscais, segundo o qual todos os benefícios em numerário ou em espécie, auferidos pelo trabalhador em resultado dos serviços prestados ou a prestar à entidade patronal, devem concorrer para a formação do seu rendimento tributável” (....), ou seja, o imposto sobre as vantagens acessórias deve ser suportado pelo respectivo beneficiário (.....) Em suma, as vantagens acessórias são remunerações acessórias consideradas rendimentos do trabalho dependente e tributadas nos termos do artigo 2.°, n.° 3, alínea c), 4) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que na redacção em vigor para o exercício de 1995 (Redacção da Lei n.° 39-B/94, de 27/12) dispunha “Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente os benefícios ou regalias auferidos pela prestação ou em razão da prestação do trabalho dependente, designadamente... a utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal”. Resulta da prova produzida que os Impugnantes residem na casa cuja renda e electricidade é paga pela entidade patronal, a MOVECHO, constituindo num benefício para os Impugnantes, qualificável como vantagem acessória e consequentemente tributável na categoria A de IRS - artigo 2.°, n.° 3, alínea c), 4) e 23.°, n.° 2, ambos do CIRS com a redacção da Lei n.° 39-B/94, de 27/12. Aos Impugnantes incumbia o ónus de apresentar prova demonstrativa da ilegitimidade das correcções efectuadas pela Adminstração Fiscal, o que não lograram fazer. O facto do Administrador da Suíça da MOVECHO, sempre que vem a Portugal ficar instalado na casa dos Impugnantes, não prova que aquela casa, ou partes dela estejam à disposição da MOVECHO, podendo estar subjacente relações de amizade. Pelo que bem andou a Administração Tributária ao acrescer aos rendimentos dependentes declarados, a renda de casa e despesa de electricidade, pagas pela MOVECHO. São devidos juros compensatórios pelos Impugnantes - artigos 96.°, n.° 3 e 83.°, ambos do CIRS? Os Impugnantes alegaram discordar da liquidação de juros compensatórios porque se existia tributação em IRS deveria ter existido retenção na fonte, não tendo os ora Impugnantes culpa pelo atraso no pagamento, a qual é da responsabilidade do devedor dos rendimentos, nos termos do disposto nos artigos 83.° e 96.°, n.° 3, ambos do CIRS. Da conjugação destes dois preceitos resulta que a responsabilidade pelo pagamento dos juros compensatórios pertence à entidade obrigada à retenção (MOVECHO) e ao titular dos rendimentos (Impugnante), porém em períodos distintos. Ou seja, nos termos do artigo 96.°, n.° 3, do CIRS (com a redacção do Decreto-Lei n.° 267/91, de 6/08) a entidade obrigada à retenção-a MOVECHO-fica sujeita ao pagamento de juros compensatórios pelo não pagamento das retenções que foram ou devessem ter sido efectuadas até ao momento em que algum dos responsáveis pelo pagamento do imposto nos termos do artigo 96.°, n.° 1 e 2, o realize ou até ao termo dos prazos previstos para pagamento de IRS, referidos no artigo 90.° do CIRS, caso aquele pagamento não se tenha verificado. Nos termos do artigo 83.° do IRS o titular dos rendimentos-o Impugnante-fica sujeito ao pagamento de juros compensatórios quando for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto a ele imputável desde o termo do prazo de pagamento do IRS devido, previsto no artigo 90.° do CIRS até à data em que vier a ser suprida ou corrigida a falta. O Impugnante não declarou rendimentos sujeitos a tributação (as vantagens acessórias auferidas) constituindo tal conduta o facto que lhe é imputável e justificativo de que lhe sejam liquidados juros compensatórios, nos termos do artigo 83.° do CIRS. Pelo que também relativamente à questão dos juros compensatórios não assiste razão aos Impugnantes.” Com esta argumentação o tribunal a quo julgou, e bem, improcedente a presente impugnação. Nesta sede de recurso jurisdicional e analisadas as alegações dos recorrentes facilmente se constata que estes não lograram demonstrar a invocada existência de erro nos pressupostos de facto que serviram de cálculo ao acto de liquidação. A conclusão de que não havia condições para a existência de facto tributário e caso existissem ele estaria mal quantificado, de modo algum, encontram suporte na prova produzida. O rendimento tributável foi fixado no âmbito da Comissão de Revisão. A sentença objecto de recurso mostra-se devidamente fundamentada quer quanto à factualidade provada e não provada quer quanto à interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis aos factos, razão pela qual se impõe confirmá-la nos seus precisos termos; na verdade, nela estão expostos, por forma clara, congruente e suficiente, as razões de facto e de direito conducentes à decisão. Todavia sempre se dirá, em sede de juros, que o tribunal recorrido entendeu que tais juros eram devidos, uma vez que nos exercícios de 1993, 1994 e 1995, foram contabilizados como custo da empresa a renda e a electricidade de uma casa que serve de habitação ao administrador da empresa, o ora recorrente, custos esses que configuram, conforme alínea c) do n.° 3 do art.° 2.° do CIRS, rendimentos do trabalho dependente do referido administrador, que este não fez constar da respectiva declaração de IRS, facto que só a ele pode ser imputável. A argumentação apresentada pelos recorrentes, qual seja a de que -se existia tributação deveria ter existido retenção na fonte, não tendo os ora impugnantes culpa pelo atraso no pagamento - não faz o menor sentido. Como poderia haver retenção na fonte se o contribuinte não declara (sonega) tal rendimento? A este propósito, dispõe o artº 83.° do IRS que o titular dos rendimentos fica sujeito ao pagamento de juros compensatórios quando for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto a ele imputável desde o termo do prazo de pagamento do IRS devido, previsto no artigo 90.° do CIRS até à data em que vier a ser suprida ou corrigida a falta. Como resulta do próprio normativo os juros a que aqui se alude são os juros compensatórios que, como resulta da sua própria designação, se destinam a compensar ou a indemnizar o credor tributário do prejuízo presumivelmente sofrido com o atraso da entrada do imposto na sua esfera patrimonial. São, porém, seus pressupostos a existência de uma dívida de IRS, de um atraso na efectivação de uma liquidação do imposto e a imputabilidade desse atraso à actuação do contribuinte. Esta imputabilidade, por sua vez, pressupõe a existência de um nexo de causalidade entre a acção do contribuinte e o retardamento referido e a possibilidade de formulação de um juízo de censura à actuação do contribuinte (culpa). No caso dos autos e de acordo com o probatório fixado, ficou assente o acerto da correcção efectuada, sendo igualmente certo que o atraso na liquidação se ficou a dever a motivo culposo imputável aos impugnantes. Assim, a sua pretensão não pode também e naturalmente proceder nesta parte, já que não encontra qualquer suporte nos factos materiais da causa. DECISÃO Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes, fixando-se em 05 Ucs a taxa de justiça. Notifique e D.N.. Porto, 08/11/2007 Fernanda Brandão Francisco Rothes Fonseca Carvalho |