Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00661/12.8BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/12/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Margarida Reis |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IVA; PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS; |
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Sumário: | I. No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e 20 da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. (…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efetuadas a montante devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” II. Vem admitindo também um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo. III. O sujeito passivo tem direito à dedução do IVA suportado a montante com as denominadas “operações acessórias, inerente as obras de requalificação urbana, inserção urbana, uma vez que constituem operações realizadas pela mesma tendo em vista o exercício direto da sua atividade económica consistente no sistema de transporte por Metro, ou seja, tais custos e o IVA com eles suportados têm um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo. IV. Não são pertinentes para a determinação do direito a dedução do IVA pelo sujeito passivo as operações em questão terem sido realizadas em domínio público e possam ter sido alvo de financiamento pelos Municípios que dessas operações possam ter beneficiado. V. Revela-se contrária ao princípio da proporcionalidade a definição da taxa de justiça definida em função do valor da ação sem qualquer limite máximo.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2020-10-14 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por "A..., S.A", assim anulando as liquidações adicionais de IVA relativas a maio, junho, julho e agosto de 2011 e correspondentes juros compensatórios, no montante total de EUR 1.046.862,37, vem dela interpor o presente recurso. Mais recorre do despacho proferido na mesma data pelo Tribunal a quo (cf. fls. 265 dos autos, numeração do SITAF) por força do qual foi indeferido o seu requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) (cf. fls. 199 dos autos, numeração do SITAF). A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES A. Vêm impugnadas liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos de tributação de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2011 e respetivos juros compensatórios, no montante total de €1 046 862,37, apuradas na sequência de correções aritméticas à matéria tributável em IVA, promovidas em resultado de procedimentos inspectivos externos realizados a coberto das OI ...98; OI201103743; OI ...36 e OI ...18. B. A impugnação funda-se, essencialmente, na alegação pela impugnante que, no exercício das suas atribuições, realizou o que designa por obras de reposição e de reconstrução e por obras de inserção ou de compatibilização urbana que não revestem uma natureza essencialmente distinta das obras de construção da infraestrutura básica do sistema de metro ligeiro ... e têm uma ligação directa com a actividade da impugnante que é tributada em IVA, C. e de que é irrelevante para o reconhecimento do direito à dedução do IVA suportado na realização das referidas obras o modo de financiamento dessas obras, mediante a contribuição com activos por parte das autarquias detentoras do capital social da impugnante para que esta realizasse o seu objecto social, pois não importa quem financia as obras, mas quem as faz e para que as faz. D. Salvo o devido respeito, e sem prejuízo de melhor opinião, a Fazenda Pública não se conforma como decidido existindo erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão, já que a douta sentença seleccionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença. E. A Fazenda Pública dá aqui por reproduzida a factualidade que, no desenvolvimento destas alegações, entende que deve ser dada como provada, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2.º do CPPT, por se encontrarem comprovados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa. F. Com base nessa factualidade, a Fazenda Pública entende que, conforme o princípio que presidiu às correcções aritméticas promovidas à dedução de IVA dos períodos de tributação a que respeitam as liquidações impugnadas, o modo de financiamento das obras de requalificação determina a existência ou não do direito à dedução do IVA pago a montante inerente os encargos suportados com essas obras. G. A jurisprudência comunitária tem repetidamente afirmado que, para que seja reconhecido ao sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante, é necessário que o montante dos encargos a que corresponde o IVA a deduzir tenha diretamente onerado o custo dos diversos elementos constitutivos do preço das operações a jusante sujeitas a imposto, de acordo com o princípio fundamental do sistema do IVA consagrado nos art.s 2.º da Primeira e Sexta Diretivas e no art. 1.º, n.º 2, 2.º parágrafo da Diretiva 2006/112/CE. H. No acórdão SKF, proferido no proc. C-29/98, o TJUE, significativamente, observa (n.º 60) que há sempre que examinar se a relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução ou com as despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo traduz-se na incorporação do preço das prestações a montante, respectivamente, nos preços das operações particulares a jusante ou nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas actividades económicas. I. Ora, enquanto os serviços de inspeção tributária, em face do modo de financiamento das obras a que respeitam os encargos cujo correspondente IVA pretende deduzir e do seu registo contabilístico, pôs em causa, fundadamente, o direito a essa dedução, entre outros motivos, porque o custo das obras de requalificação urbana não era financiado pela impugnante, mas era, designadamente, responsabilidade dos municípios seus accionistas, J. a impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos daquelas obras cujo correspondente IVA pretende deduzir são, ou por terem uma relação directa e imediata com as operações a jusante, ou como despesas gerais da sua actividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações. K. O relatório de inspecção tributária salienta que, segundo a base XIII da concessão, as obras de requalificação urbana são asseguradas pelos municípios da área metropolitana ... accionistas da impugnante através de prestações acessórias de capital, L. modo de financiamento que a alteração da redacção da base XIII e do art. 10.º dos estatutos pelo DL 192/2008, de 01.10, não alterou, porquanto a própria impugnante regista obras de requalificação urbana e de inserção urbana em conjunto e usa ambas as expressões em sinonímia, como se constata da mera leitura da PI. M. Esta indiferenciação, evidenciada não só no registo, mas na própria natureza das obras, implica que a impugnante pode eventualmente imputar a maior parte dos seus encargos ao financiamento a que os municípios da área metropolitana ... seus accionistas estão obrigados, N. ou seja, a impugnante tem a faculdade de submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter desses acionistas, corrigindo os efeitos da livre operação da impugnante no mercado dos transportes, e sem que fique constituída na obrigação de reembolso, retirando-lhes a qualificação de custos da sua atividade económica. O. A forma como o preço dos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes é formado, segundo a base XIV, em que o valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte coletivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestre, IP, põe em evidência que o preço cobrado não é, a priori, formado pelos encargos a montante com relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução, nem pelas despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade. P. Era exigível à impugnante que, nos termos do art. 44.º do CIVA, mantivesse a contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto e a permitir o seu controle, e em particular face aos diferentes modos de financiamento dos encargos e de ligação dos inputs com a atividade da impugnante, Q. A Impugnante não procedeu ao registo segregado dos encargos com obras de requalificação urbana e obras de inserção urbana ou, como agora vem denominar, de obras de reposição/reconstrução e obras de inserção/compatibilização conforme resulta dos relatórios inspetivos. R. Assim sendo, reconhecer o direito à dedução do IVA relativo a encargos das obras de requalificação urbana ou de inserção urbana, que não fazem parte dos elementos constitutivos do preço, que não são repercutidos aos destinatários das operações a jusante e não contribuem para a formação da base tributável do IVA liquidado pela impugnante, seria pôr em causa o mecanismo do direito à dedução e, desse modo, o princípio da neutralidade do IVA, porque permitir-se-ia a quem não atuou como sujeito passivo, mas como consumidor final (na medida em que não repercutiu os correspondentes encargos a destinatários da sua atividade económica, a jusante), que se desonerasse da carga fiscal acumulada no circuito económico antecedente. S. Através do presente recurso reage-se também, quanto à decisão da Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, relativamente à não dispensa do pagamento do remanescente, proferida por despacho datado de 14.10.2020. T. Atenta a decidida “não dispensa do pagamento do remanescente” e considerando o valor da causa fixado de €1 046 862,73, cumpre referir que a Fazenda Pública, autoliquidou a taxa de justiça e efectuou o pagamento no valor de € 10 006,20 em função do valor e complexidade da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RCP – Tabela I-A. U. Não obstante, não pode a Fazenda Pública, conformar-se com o doutamente decidido quanto à não dispensa do pagamento do remanescente. V. A presente impugnação não se revelou de especial complexidade, nem se pode atribuir às partes uma má conduta processual, estando assim reunidas, as condições necessárias para que se determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP. W. Considerando que as questões apreciadas nos autos não revestem especial complexidade, e que, não se verificaram, quaisquer incidentes, nada justifica o pagamento de tão elevados montantes. X. Considerada toda a tramitação da presente impugnação, não vislumbramos em que medida os serviços prestados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto justificam um valor de taxa de justiça de tal monta e sem qualquer limite. Y. Perante tal valor de taxa de justiça, não pode deixar de se concluir que, não se verifica, in casu, qualquer correspectividade entre o serviço efectivamente prestado pelos serviços de justiça e o valor a pagar a final. Z. Será nestas situações, que terá aplicação o disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, norma que prevê a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. AA. Com respeito por diversa opinião, entende a Fazenda Pública que contrariamente ao doutamente decidido, se encontram preenchidas todas as condições previstas naquele normativo, pois a causa não foi de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes. BB. Neste sentido, veja-se o douto acórdão do TCAS, datado de 2014/03/27, processo n.º 06624/13, cujo sumário se passa a transcrever: “1) Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». 2) Atendendo à lisura do comportamento processual das partes e pese embora a relativa complexidade do processo, seja pela matéria de facto julgada, seja pelas diligências processuais que implicou (inquirição de testemunhas, análise dos elementos constantes do p.a., análise dos pareceres jurídicos juntos), seja pela especialidade das questões suscitadas, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final.” CC. Acresce o que ficou dito no douto acórdão do STA, datado de 2014/05/07, processo n.º 01953/13, cujo sumário se passa a transcrever: “1. A norma constante do n.º 7 do art. 6.º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.” DD. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, quanto à interpretação do artigo 6.º, n.º 7 do RCP. EE. Destarte, com ressalva do devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, pois não faz a devida enunciação e apreciação de todos os factos evidenciados pelo processo com relevo para a boa aplicação do direito e decisão da causa. Termina pedindo: Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA. *** A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue: CONCLUSÕES I — Ao contrário do que sustenta a Recorrente AT, a contabilidade da Impugnante está organizada por forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto”, verificando-se que os respectivos balancetes, juntos aos autos com o processo administrativo, desagregavam o investimento relativo a inserção urbana em contas autónomas do imobilizado em curso (44). II — O que aconteceu, como refere a douta sentença, foi que a AT não fez o seu trabalho, limitando-se “preguiçosamente” a listar obras para recusar dedução de IVA, sem atender à sua natureza. III — Tanto assim foi, que várias das facturas cujo IVA foi considerado não dedutível nem sequer faziam qualquer alusão a “inserção urbana” ou a “requalificação urbana”, tratando-se de facturas relativas instalação de sistemas de segurança, ou de construção do canal (alterando a via balastrada para via betonada); isto é, trabalhos directamente relacionados com a infra-estrutura básica, nada tendo a ver com “requalificação urbana”. IV — De todo o modo, ficou amplamente demonstrado nos autos que as chamadas obras de “requalificação” urbana se confundem, na sua própria essência, com as obras de “inserção” urbana, sendo fácil de entender que, para inserir um sistema de metro ligeiro numa superfície urbana, é necessário destruir primeiro e reconstruir depois, procedendo desse modo a uma requalificação. V — Mas provou-se ainda que as obras de “requalificação urbana” não revestem uma natureza essencialmente distinta das obras de construção da infra-estrutura básica do metro, não sendo possível estabelecer uma distinção estanque entre umas e outras, pois todas são necessárias, de uma forma mais ou menos directa, para a boa e eficiente operacionalidade do sistema de metro ligeiro, cabendo claramente na “construção das infra-estruturas necessárias à concretização do empreendimento”, que a Impugnante tem de assegurar no cumprimento da Lei. VI — Por isso, a indagação que a AT teria que fazer — para averiguar da necessidade das obras para efeitos do art. 20.º/1/a) do CIVA — deveria centrar-se na natureza substancial das obras e não na sua classificação contabilística. Mas não o fez. VII — A tese avançada pela AT, de que o modo de financiamento das obras de requalificação condiciona o direito à dedução do IVA com elas suportado, é destituída de fundamento, pois o CIVA não faz depender o direito à dedução do IVA suportado do modo como as aquisições sejam financiadas. Aliás, do ponto de vista contabilístico, a aquisição de um activo é sempre registada do mesmo modo, seja qual for o modo de financiamento utilizado. IX — Ao contrário do que a AT sugere, todas as obras em discussão nestes autos foram pagas pela própria Impugnante, sobretudo com recurso ao crédito e a financiamento dos fundos europeus, para além dos seus capitais próprios — e não pelos municípios. X — Independentemente disso, o modo de financiamento daquelas obras não altera a sua qualificação como obras necessárias à actividade da Impugnante, claramente inseridas no seu objecto social. XI — O sentido da jurisprudência do TJUE (nomeadamente nos acórdãos Midland Bank, Kretztechnik, SKF e Wolfram Becker) é deixar claro que, para que o IVA seja dedutível, não é necessário que exista uma relação directa e imediata entre inputs e outputs. XII — O significado destas decisões não é, pois, o de limitar o direito à dedução do IVA suportado, mas precisamente o contrário, ou seja, salvaguardar esse direito, que é essencial para a lógica de funcionamento deste imposto. XIII — Por isso, tal como já foi declarado pelo STA (ac. de 3.07.2013; Proc. 01148/11), existe “um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo”. XIV — Pois bem, as receitas obtidas pela Impugnante com o preço dos serviços que presta destinam-se a suportar os encargos — todos os encargos! — que teve de suportar para estar hoje em condições de prestar esses serviços, sendo completamente falaciosa a afirmação da AT de que os encargos da Impugnante com as obras de requalificação e inserção urbanas não foram “repassados aos clientes”. XV — Da factualidade provada — e que não está impugnada pela AT — resulta que as obras a que respeita o IVA em apreço nos autos têm uma relação directa e imediata com as operações de exploração do sistema de metro ligeiro, pois sem elas o metro não poderia funcionar, pelo menos em condições adequadas de segurança, operacionalidade e atractividade comercial. XVI — Contudo, mesmo que tal “relação directa e imediata” não existisse — o que só em benefício de análise se admite — nem assim poderia concluir-se pela não dedutibilidade do IVA das obras de inserção urbana e de requalificação. XVII — É que, na falta da dita “relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante”, a citada jurisprudência do TJUE reconhece o direito à dedução quando “as despesas efectuadas para a aquisição de bens ou serviços a montante fazem parte das despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo”. XVIII — Esta relação foi inequivocamente comprovada, não só através do depoimento das testemunhas inquiridas (como refere a douta sentença), como pelo descritivo das facturas juntas aos autos. XIX — Isto significa que a Impugnante satisfez, de forma “clara e cristalina”, o seu ónus de provar os factos constitutivos do seu direito à dedução do IVA. XX — Quem não satisfez esse ónus foi a AT que se limitou a fazer uma análise documental, tendo recusado a dedução do IVA liquidado nas facturas por estar “sugestionada pela menção “obras de requalificação urbana” constante daqueles documentos, sem atender ao conteúdo dessas obras e sem curar de rebater as justificações apresentadas pela Impugnante”. Termina pedindo: Não merece, pois, censura a douta decisão recorrida. Pelo que, julgando-se improcedente o recurso, e mantendo-se a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências, incluindo o direito a juros indemnizatórios, far-se-á JUSTIÇA. *** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso. *** Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT. *** Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso. Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: A) Foi realizada acção de inspecção tributária à Impugnante, ao abrigo das ordens de serviço com os n.ºs ...98 e ...43, tendo sido elaborado Relatório da inspecção em 16/09/2011, com o seguinte teor: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 26 a 36 do P.A.. B) Dos Anexos 1 e 2 ao Relatório referido na alínea anterior, intitulados “Apuramento do IVA indevidamente deduzido, associado a obras de requalificação urbana”, constam as seguintes tabelas: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 35 e 35 v do P.A. C) Foi realizada acção de inspecção tributária à Impugnante, ao abrigo das ordens de serviço com os n.ºs ...36 e ...18, tendo sido elaborado Relatório da inspecção em 17/11/2011 com o seguinte teor: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) Fls 37 a 48 do P.A.. D) Dos Anexos 1 e 2 ao Relatório referido na alínea anterior, intitulados “Apuramento do IVA indevidamente deduzido, associado a obras de requalificação urbana”, constam as seguintes tabelas: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 46 v e 47 do P.A. E) Foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] F) As liquidações referidas na alínea anterior foram regularizadas. Fls 17 e 18 do P.A. G) A A.T. desconsiderou a dedução do I.V.A. relativo às seguintes facturas: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] H) As facturas referidas na alínea anterior dizem respeito às seguintes obras: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Factos não provados O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados. Motivação da decisão da matéria de facto O acervo de factos provados baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A., que não foram impugnados, na posição processual das partes e nos depoimentos prestados pelas testemunhas no processo n.º 1630/09.0BEPRT; conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório. No que concerne à prova testemunhal, todas as testemunhas prestaram depoimentos que se revelaram objectivos, claros e coerentes, tendo sido valorados como credíveis. AA, Director do Gabinete Jurídico da Impugnante, afirmou que as obras de inserção/adaptação urbanística consistiram em obras de reposição das condições, das estruturas, das infraestruturas (eléctricas, de saneamento, de segurança, etc.) que o tecido urbano tinha anteriormente e que foram afectadas pela construção do canal de metro, de modo a manter o seu normal funcionamento. Referiu, de forma detalhada, várias obras no ..., ..., ..., ... e ..., tais como: alargamento de passeios, repavimento, construção de muros, de arruamentos, execução de acessos às estações, construção de passagens superiores e inferiores, postes de catenárias, recuperação de estragos em edifícios, plantação de diversas árvores, construção de jardins, supressões de passagens de níveis, elaboração de projectos de arquitectura e inserção. BB, engenheiro civil e Director do Departamento de Infraestruturas, acompanhou as obras. Realçou a necessidade técnica de realização de obras para reposição de condições previamente existentes, como a criação de condições para aparcamento dos veículos em segurança, articulação dos cruzamentos de automóveis com o metro, obras de bombagem, reposição de iluminação pública, projectos de acessibilidade, semaforização, etc. CC, engenheiro electrotécnico e funcionário da Impugnante desde 2001, responsável pela gestão da parte técnica do metro ..., depôs sobre a necessidade técnica de realização de obras de acessibilidade às estações (escadas rolantes), telecomunicações, catenárias, vídeo-vigilância, sinalização, construção da rede de águas pluviais, construção de acessos, projectos de arquitectura paisagista, projectos electromecânicos, fiscalização e realização de obras complementares (postes mal colocados, reposição de entrada de garagem) . Descreveu as obras realizadas. DD, arquitecto e funcionário da Impugnante desde 2001, declarou que as obras de inserção urbana integram-se no sistema de metro ... e constituem o “palco onde o metro vai operar”, sendo necessárias para que exista segurança e operacionalidade. Aludiu à necessidade de realização das obras para desvio das redes dos edifícios e saneamentos, reposição de infra-estruturas existentes, “fachada a fachada”, arruamentos, diminuição dos pontos de atravessamento do canal de metro, ligações rodoviárias, equipamentos de segurança e ventilação, projectos decorrentes de exigências ambientais e paisagísticas e medidas de preservação de edifícios e antecipação de obras para expansão de linhas. EE, engenheiro civil, funcionário da Impugnante desde 2000, acompanhou a construção das linhas da ... e ... e respectivos parques de estacionamento. Deu conta da necessidade de criar arruamentos, adaptações para escoamento das águas pluviais, reparação de pavimentos, parques de estacionamento, vedações, ligações de rede de águas, construção de sarjetas e caixas de visita, estabilização de taludes, etc. Os depoimentos das testemunhas contribuíram para a prova do facto referido na alínea H). II.2. Ocorrência processual relevante Em 14 de outubro de 2020 foi proferido pelo TAF do Porto despacho com o seguinte teor (cf. fls. 199 dos autos, na numeração do SITAF): Requerimento da Fazenda Pública, a fls. 231: Veio a Fazenda Pública solicitar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do R.C.P., invocando que seguiu uma conduta de colaboração e que a acção não revela especial complexidade. Vejamos. Dispõe o referido normativo que “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.” Ou seja, tal como decorre do teor do preceito e conforme tem vindo a afirmar o S.T.A., a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça constitui uma situação excepcional e pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual, aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes. No caso em apreço, não estamos perante uma causa com menor complexidade (bem pelo contrário), tal como denota a dimensão dos articulados, a natureza das questões que foram objecto de análise e decisão, bem como o teor da sentença que foi proferida. Por outro lado, no que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, também não descortinamos motivo para a requerida dispensa, tendo em conta a regular tramitação dos autos, que não se afastou dos parâmetros normais de tramitação processual. Pelo exposto, indefere-se o pedido da Fazenda Pública. Notifique * II.2. Fundamentação de Direito Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente. Sucede que sobre a matéria sintetizada nas conclusões A a R das alegações do recurso em apreço já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte, numa situação similar à que aqui se discute, em Acórdão proferido no passado dia 15 de dezembro de 2022, no processo n.º 3570/11.4BEPRT (ainda inédito), subscrito pela aqui relatora na qualidade de 2.ª adjunta, passando a transcrever-se os fundamentos da decisão ali proferida sobre esta matéria, com as correspondentes adaptações ao caso em apreço: (…) O Tribunal a quo julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos períodos de janeiro a fevereiro de 2011, acrescida de juros compensatório, no montante total de € 1.574.889,60, determinando, a restituição do indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. Para tanto, considerou, em síntese, que o IVA dedutível, inscrito na contabilidade, decorre de despesas que estão directamente conexionadas com a actividade da Impugnante, necessárias à sua actividade de prestadora de serviço de transporte público gerador de imposto e não isento e, como tal o IVA liquidado nessas facturas é dedutível, pelo que as correções em apreço não se mostram justificadas. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Ab initio, importa referir que não tendo a Recorrente dirigido impugnação quanto ao decidido sobre os juros indemnizatório determinados pelo Tribunal a quo, a manter-se a decisão no mais, os mesmos encontram-se firmados na ordem jurídica, constituindo caso julgado, fora do objecto do presente recurso. Assim, face ao supra aludido, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, errónea valoração dos facto e subsequente aplicação do direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o Tribunal a quo fez errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos, estatuído no artigo 20.º, n.º 1 al. a) do CIVA. 2.2.1. Da impugnação da matéria de facto Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662.º do CPC os poderes vinculados deste Tribunal ad quem, estatuindo que: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”. Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo plasmado no artigo 640.º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. Vem a Recorrente alegar que a douta sentença selecionou de modo insuficiente a factualidade evidenciada da prova produzida, pelo que em complemento da factualidade assente, por se encontrarem comprovados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa ao abrigo do artigo 662.º do CPC, devem ser dados como provados os factos seguintes (vide corpo das alegações pontos 7 a 10 e conclusão G): [I]. A base tributável em IVA das facturas a que se referem [as alíneas G) e H)] da factualidade [foram] indistintamente inscrita[s] em contas de investimentos em activos tangíveis fixos em curso (45[4]) da impugnante, independentemente da sua caracterização como relativas a obras de infraestrutura básica, de requalificação urbana ou de inserção urbana, e o correspondente IVA considerado dedutível inscrito nas respectivas contas de IVA dedutível (2432) – cfr. [pág. 11 dos Relatórios de Inspeção Tributária credenciados pelas ordens de serviço ...98, ...43, ...36 e ...18]; [J) O financiamento das obras a que se referem as alíneas G) e H) da factualidade supra descrita, indiferenciadamente tratadas pela impugnante como obras de requalificação, inserção ou compatibilização urbanas, estava atribuída, por força da base XIII das bases da concessão do art. 10º dos estatutos, aos municípios da área metropolitana ... associados na impugnante – cfr. base XIII das bases da concessão, na redação dada pelo DL 192/2008, de 01.10]; (…) [K] O valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticado na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP – base XIV das bases da concessão e art. 10.º dos estatutos, na redacção dada pelo DL 192/2008, de 01.10.» No caso sub judice, a Recorrente (ATA) deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640.º, n.º. 2, alínea a) e b), do CPC, indicando os concretos factos que pretende ver aditados e indicando os respectivos meios probatórios (menção expressa no fim de casa texto que pretende ver aditado), pelo que nada obsta a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, realizando a devida ponderação e reapreciação da indicada prova (RIT e PI), bem como análise substancial e pertinência dos aditamentos peticionado à luz dos factos que integram a decisão sob recurso e as questões resolvidas objecto do recurso sindicadas. Antecipe-se que carece de razão a Recorrente ao avocar erro de julgamento da matéria de facto fixada por insuficiência, pois consideramos que parte do pretendido sob o ponto 38.1 e 38.2 se mostra sanado por via do aditamento oficioso operado (excerto parcial do RIT) e, no demais estamos notoriamente perante factos conclusivos ou de direito e que como tal, os mesmos, não podem ser reconduzidos ao probatório. Vejamos: Como é pacífico, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que também se trata de alegações que são insusceptíveis de constar na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada acção. “Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”. Por outro lado, “quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa” [Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111]. É certo que hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao vetusto artigo 646.º, n.º 4 do CPC que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva. Com efeito, como se retirava interpretativamente daquele preceito (“têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”) o direito aplicar-se-á a um conjunto de factos (confessados, aceites, documentados ou resultado das respostas à base instrutória) que não tenham a natureza de questões de direito e que sejam realidades demonstráveis e não juízos valorativos. Tal preceito foi eliminado com o novo Código de Processo Civil. No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, continuando hoje a vincar-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam. Veja-se, nesse sentido, o artigo 607.º, n.º 4 do CPC que continua a referir que “Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência”. Ou seja, antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos. “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo” – cf. acórdão da Relação do Porto de 07.10.2013, proferido nos autos 488/08.1TBVPA. No mesmo sentido, refere o acórdão da Relação de Guimarães de 11.10.2018, proferido no âmbito do processo n.º 616/16.3T8VNF-D: “De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do art.º 646.º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”. Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica”. No apelo ao defendido por Castanheira Neves [in Matéria de Facto-Matéria de Direito», RLJ, Ano 129, pp.162-165], “existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos”, mais acrescenta que urge partir “da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos” [idem, pág. 166 e 167]. Prossegue o distinto mestre, que “a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos”, afirmando que “tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória” [idem, pág.212] ; Para Teixeira de Sousa [in Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 312], “a selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”. Defendendo Abrantes Geraldes [in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, 1999, p. 147] deverem “ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”. Por fim, citando Lebre de Freitas [in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 637-638], e convocando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, “as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”. Ora, temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver o caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. Aqui chegados, importa, pois, reverter para o caso concreto e verificar se o aditamento que nos é proposto é constituído por matéria conclusiva ou que possa ser considerada como sendo matéria de direito, o que a ocorrer impede a sua recondução ao probatório. E, desde logo, quanto aos itens identificados pela Recorrente como 38.3 e 38.4, só pode ser de que estamos manifestamente perante “não factos”, se assim lhe podemos apelar, pois que a sua composição assenta em matéria de direito, e para tal asserção, basta atentarmos ao meio de prova identificado pela Recorrente para lograr a sua pretensão “... base XIII das bases da concessão, na redacção dada pelo DL 192/2008, 01.10.”. Tais “factos”, como tais, são insusceptíveis de serem reconduzidos ao probatório, in casu, pois que as conclusões ali expressas de “O financiamento das obras.... estava atribuída, por força ... art. 10.º dos estatutos, mesmo após a redacção dada pelo DL 192/2008, de 01.10, aos municípios” e “O valor das tarifas a cobrar aos clientes ... é fixado.... art.10.º....”, decorrem directamente das bases da concessão, na redacção dada pelo DL 192/2008, 01.10., e a sua inserção contém em si questões jurídicas que definem a posição da Recorrente em sede de recurso. Pelo que, resta tão só o conteúdo dos pontos identificados pela Recorrente sob o item 38.1 e 38.2, sendo que ambos se reconduzem ao tratamento contabilístico dado pela Recorrida às facturas em questão, nomeadamente do seu tratamento indiferenciado como obras de requalificação, inserção ou compatibilização urbanas, nos termos em que foi relevado em sede de RIT, perante o aditamento oficioso por nós operado, para melhor compreensão da posição da ATA, dá-se por prejudicado o aditamento dos mesmos. Assim sendo, dá-se por prejudicado o aditamento do peticionado sob os itens 38.1 e 38.2 e, no mais, 38.3 e 38.4 improcedente o aditamento por extravasar o conceito de facto, o que se decide e consigna, dando-se por estabilizada a matéria de facto. 2.2.2. Do erro de julgamento de direito O "A..., S.A" (Impugnante, ora Recorrida) foi objecto de uma acção inspectiva em resultado da qual a ATA perante facturas emitidas relativas a diversas operações considerou não ser dedutível o IVA suportado por aquela, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, uma vez que tais operações estão associadas a obras realizadas em bens do domínio público que não se destinam à produção de bens e serviços tributados. Na sequência das liquidações emitidas, contra tal entendimento da ATA, a Recorrida apresentou a presente impugnação invocando estarem em causa “operações necessárias para que o sujeito passivo realize operações – prestação de serviços – sujeitas a imposto e dele não isentas”. Em relação ao objecto dos autos, foi a seguinte a decisão proferida pela 1.ª Instância, que aqui transcrevemos nos seus segmentos decisórios: «(...) uma vez que a Administração Tributária não colocou em causa que toda a documentação relativa às obras colocadas em causa foi emitida em nome da Impugnante, encontra-se na sua posse, observou a forma legal, e não ocorre a exclusão estatuída no artigo 21.º do CIVA, importa verificar se as obras colocadas em causa podem qualificar-se como necessárias à actividade desenvolvida pela Impugnante, actividade relacionada com a prestação de serviço público de transporte, sujeita a imposto e não isenta. (...) Por outro lado, como referido supra, a Impugnante justificou a realização daquelas obras, e dos inerentes projectos, com a obrigação de reposição da situação anterior à construção do canal do metro, uma vez que a construção do canal do metro obrigou ao “esventramento de solos e destruição de equipamentos urbanos”, que teve de reconstruir com a qualidade ambiental e dignidade arquitectónica compatíveis com a infra-estrutura do metro e ligado à sua envolvente urbana (obras de inserção ou de compatibilização urbana), a fim de garantir a adequada acessibilidade e segurança aos seus utilizadores e aos outros meios de transporte, e adequar as funcionalidades urbanas à superfície, aéreas e subterrâneas (saneamento básico, redes de energia eléctrica, gás e telecomunicações), como de resto decorre do diploma legal acima referido. Consequentemente, só pode concluir-se que as obras em causa estão directamente conexionadas com a actividade da Impugnante, são necessárias à sua actividade de prestadora de serviço de transporte público geradora de imposto e não isenta, e como tal o IVA liquidado nessas facturas é dedutível. (...) “In casu” as obras e projectos referentes às facturas colocadas em causa surgem directamente ligadas à actividade da Impugnante, e decorrem exclusivamente do exercício da sua actividade económica, sendo manifesto que são imprescindíveis para esta desenvolver a sua actividade de transporte de passageiros numa “eficiente exploração do sistema do metro” e não são estanques da infra-estrutura básica do metro, como acentuado pelo Ministério Público, pelo que não está excluída a dedução do IVA como pretendido pela Administração Tributária. A Administração Tributária argumentou com o enquadramento das obras de requalificação como estando associadas a “prestações acessórias de capital”, contabilizadas por contrapartida de prestações acessórias. Porém, o modo de financiamento daquelas obras não altera a sua qualificação como obras necessárias à actividade da Impugnante, claramente inseridas no seu objecto social, sendo certo que os normativos transcritos supra, relativos à dedutibilidade do IVA, não fazem depender a dedutibilidade do IVA do seu modo de financiamento e basta-se com o facto de se tratar de imposto pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, a deduzir no imposto liquidado pela transmissão de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentos. (...) Consequentemente, as liquidações adicionais ora impugnadas, e os inerentes juros compensatórios, violam os pertinentes preceitos legais transcritos supra, e como tal não podem manter-se, sendo de determinar a sua anulação com a inerente obrigação de restituição da quantia paga, no montante de € 1.614.886,36, acrescida de juros indemnizatórios.» (fim de transcrição) A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, esgrimindo que a douta sentença valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença. Para tanto, argumenta que “... conforme o princípio que presidiu às correções aritméticas promovidas à matéria tributável em IVA dos períodos de tributação a que respeitam as liquidações impugnadas, o modo de financiamento das obras de requalificação determina a existência ou não do direito à dedução do IVA pago a montante inerente os encargos suportados com essas obras” sendo que “(A) jurisprudência comunitária tem repetidamente afirmado que, para que seja reconhecido ao sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante, é necessário que o montante dos encargos a que corresponde o IVA a deduzir tenha diretamente onerado o custo dos diversos elementos constitutivos do preço das operações a jusante sujeitas a imposto, de acordo com o princípio fundamental do sistema do IVA consagrado nos art.s 2.º da Primeira e Sexta Diretivas e no art. 1.º, n.º2, 2.º parág.º da Diretiva 2006/112/CE”, mais defende que “... em face do modo de financiamento das obras a que respeitam os encargos cujo correspondente IVA pretende deduzir e do seu registo contabilístico, pôs em causa, fundadamente, o direito a essa dedução, entre outros motivos, porque o custo das obras de requalificação urbana não era financiado pela impugnante, mas era, designadamente, responsabilidade dos municípios seus acionistas, a impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos daquelas obras cujo correspondente IVA pretende deduzir são, ou por terem uma relação direta e imediata com as operações a jusante, ou como despesas gerais da sua atividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações” e cumpre atentar que “... segundo a base XIII da concessão, as obras de requalificação urbana são asseguradas pelos municípios da área metropolitana ... acionistas da impugnante através de prestações acessórias de capital” concluindo que “... a impugnante tem a faculdade de submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter desses acionistas, corrigindo os efeitos da livre operação da impugnante no mercado dos transportes, e sem que fique constituída na obrigação de reembolso, retirando-lhes a qualificação de custos da sua atividade económica” a que acresce que “o preço dos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes é formado, segundo a base XIV, em que o valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte coletivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestre, IP, põe em evidência que o preço cobrado não é, a priori, formado pelos encargos a montante com relação direta e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução, nem pelas despesas gerais ligadas ao conjunto da atividade.” Em suma, se bem percecionamos as alegações e conclusões da Recorrente, resolvida a insuficiência de selecção da matéria de facto sanada, podemos sintetizar o erro de julgamento em três segmentos, a saber, (i) da negação da influência do modo de financiamento das obras sobre o direito à dedução do IVA, (ii) reconhecer o direito à dedução do IVA relativo a encargos das obras de requalificação urbana ou de inserção urbana que não fazem parte dos elementos constitutivos do preço, que não são repassados aos destinatários das operações a jusante e não contribuem para a formação da base tributável do IVA liquidado pela impugnante, o que coloca em causa o princípio da neutralidade inerente aquele imposto e (iii) da falta de prova pela impugnante de que os encargos daquelas obras têm uma relação directa e imediata com as operações a jusante ou que são despesas gerais da sua actividade económica, pois não se repercutem no preço dos serviços que presta. Vejamos. De acordo com o relatório de inspeção tributária inspecção que esteve na base das liquidações impugnadas “... em sede de IVA, concluiu-se que as designadas obras de requalificação urbana e considerando o seu destino económico, não possibilitam ao sujeito passivo deduzir o IVA suportado com as mesmas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 20.º do CIVA. Estas operações estão associadas a obras realizadas em bens do domínio público, que são (bens) propriedade dos municípios e, não se destinam à produção de bens e serviços tributados, pelo que não cumprem os requisitos da referida norma. A não ser assim, permitir-se-ia que bens ou serviços não destinados a operações tributáveis ficassem desonerados de qualquer imposto ficando prejudicada a característica de neutralidade do IVA. (...) Pelo exposto, conclui-se que o imposto suportado com os encargos associados às obras de requalificação urbana, executadas em bens do domínio público, efectuadas pela "A..., S.A", não confere direito à dedução de acordo com o estabelecido no art. 20.º do CIVA.”. Cumpre, antes do mais, um breve enquadramento legal, enunciando as normas legais aplicáveis, doutrinais, e com mais impacto à jurisprudência do TJUE. O Código do IVA resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, de diversas Directivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devendo a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária (cf., entre outras, a Directiva 2005/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, então em vigor). Sendo que a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, dispõe, no n.º 2 do seu artigo 1.º, o seguinte: “O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação. Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” Estamos perante um imposto plurifásico que onera as operações que se realizam ao longo da cadeia económica apenas na medida do valor que cada operador acrescenta aos bens e serviços, pelo que cada operador tem a faculdade de deduzir ao imposto que liquida nas suas vendas o imposto incorrido nas suas compras, entregando ao Estado apenas a diferença, quando o saldo seja positivo. Assim, o mecanismo do crédito de imposto e o encadeamento da liquidação-dedução visam assegurar a neutralidade típica do IVA, prevenindo o efeito cumulativo e garantindo que o imposto é suportado em definitivo pelo consumidor final. No essencial, a Directiva reconhece aos sujeitos passivos o direito de deduzir ao imposto liquidado num estado-membro o imposto que nesse mesmo estado tenham incorrido na aquisição de bens ou serviços, desde que estes se destinem à realização de operações tributadas ou de operações com isenção completa (neste sentido cfr. Sérgio Vasques, in “O Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 333 e ss.). Dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do Código do IVA que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços, efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as operações intracomunitárias e as importações de bens. E, prescreve o artigo 19.º, n.º 1, do mesmo diploma, que “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; (...)”. E, com especial destaque in casu dispõe o art. 20.º, n.º1 do CIVA, na redacção aplicável à data dos factos, que “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (...)” Cumpre salientar que o direito à dedução do imposto consubstancia uma das principais características deste tributo, como resulta do principio fundamental inerente ao IVA constante do art.º 2.º da Primeira Directiva (67/227/CEE), que estabelece que “Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. Assim o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (v., neste sentido, acórdãos de 26.05.2005, Kretztechnik, C 465/03, de 22.02.2001, processo C-408/98, de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.º 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.º 15, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.º 44, assim como de 8 de Junho de 2000, Midlank Bank, C-98/98, Colect., p. I-4177, n.º 19). No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que “o direito à dedução previsto nos artigos 17. .º e 20.º da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. (…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” –cf. Acórdão Kretztechnik (2005) – C.465/03 e Acórdão do TJUE, 2.º secção de 08.06.2000, processo C-98/98. Advém deste princípio, bem como da regra nos termos da qual para dar direito à dedução os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas, que o direito à dedução do IVA, que onerou estes bens ou serviços, pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição devem ter feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas. Portanto, as referidas despesas devem fazer parte dos custos dessas operações a jusante que utilizam os bens e serviços adquiridos. Para efeito de dedução do imposto suportado a montante os bens e serviços adquiridos terão que estar directamente relacionados com o exercício da actividade tributária do sujeito passivo (cfr. neste sentido, Clotilde Celorico de Basto, in “Introdução ao IVA”, pág. 159 e Valente Torrão, in “CIVA anotado”, pág.126). E disso, nos dá nota o já referenciado Acórdão Kretztechnik, do TJCE no qual se considerou que o artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, da Sexta Directiva confere “o direito à dedução da totalidade do IVA que onerou as despesas efectuadas por um sujeito passivo em relação às diferentes prestações que adquiriu no âmbito de uma emissão de acções, na medida em que a totalidade das operações efectuadas por esse sujeito passivo no âmbito da sua actividade económica seja constituído por operações tributadas”. Este Acórdão revela a importância do direito à dedução no sistema do IVA e como o TJUE interpreta essa importância, levando ao extremo a ideia de que a neutralidade do sistema exige que se liberte o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades. O Tribunal, nesta e noutras decisões, mostra‐se hostil a limitações ao direito a deduzir o IVA a montante, que muitas vezes os Estados são tentados a introduzir, como bem sublinham José Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira in “O direito à dedução do IVA nas sociedades holding”, em Fiscalidade n.º 6, página 8. Posição essa que sai reforçada, com os Acórdão do TJUE de 06.09.2012, proferido no processo n.º C-496/11 e o de 29.10.2009, AB SKF, proferido no processo n.º C-29/08, em que citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º24, vem admitindo também «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo». Recorrendo aos assertivos ensinamentos Mariana Gouveia de Oliveira (in “A dedutibilidade de IVA e a aquisição de participações sociais por sociedades operacionais”, em Fiscalidade, 46, pag.107.), que de modo analítico alude à coerência da jurisprudência do TJUE firma que a mesma assenta em algumas ideias fundamentais: «A primeira será que, o direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, C’olect., p. 1-1883, n.º 18, e de 2] de Março de 2000, Gabaifrisa e o., C’-]10/98 a C-147/98, Colect., p. 1-15 77, n.º 43).” A segunda ideia reporta-se à ligação necessária entre o IVA suportado e a realização de operações tributáveis: “Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (v. acórdãos já referidos Midland Bank, n. 030, e Abbey National, n.º 28, assim como de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colect.. 1-6663, n.º 31).” Estamos assim aptos a afirmar, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, que «as despesas gerais da actividade dos sujeitos passivos, enquanto elementos constitutivos do preço dos produtos, se encontram numa relação directa e imediata com o conjunto da actividade do sujeito passivo, sendo por isso, dedutível o IVA nelas suportado». Complementarmente, acresce uma breve referência à mais recente jurisprudência do TJUE, a qual mantém a linha do até aqui dissertado, de que «Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante» (Acórdão do TJUE de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C 320/17, n.º 24). E de que, «O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem elas próprias, em princípio, sujeitas ao IVA» (acórdão citado n.º 35). «Todavia, resulta do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo» (Acórdão (citado) n.º 26 e Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C 101/16, n.º 39). Por sua vez, no âmbito do caso Portugal /Telecom Portugal, Processo n.º C-496/11, considerou também o TJUE que “36 Para o IVA ser dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução ((v. acórdão Cibo Participations, já referido, n. o 31; acórdãos de 26 de maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colet., p. I-4357, n. o 35, de 8 de fevereiro de 2007, Investrand, C-435/05, Colet., p. I-1315, n. o 23; e acórdãos, já referidos, Securenta, n. o 27, e SKF, n. o 57))”. Acrescentando que, “37 Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (…) para conferir o direito a dedução previsto no artigo 17.o, n.o 2, da Sexta Diretiva, os bens ou os serviços devem apresentar um nexo direto e imediato com as operações a jusante com direito a dedução. A este respeito, é indiferente o objetivo último prosseguido pelo sujeito passivo (v. acórdãos de 8 de junho de 2000, Midland Bank, C-98/98, Colet., p. I-4177, n. o 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n. o 25; e acórdão Cibo Participations, já referido, n. o 28).”. Muita e mais ampla jurisprudência do TJUE e, da ordem nacional que a aplica, podia aqui ser citada e parcialmente transcrita, mas cremos que o enquadramento efectuado já vai longo, pelo que aqui chegados importa apurar da 1ª questão colocada, se no caso em apreço, existe uma relação directa e imediata entre despesas com as prestações de serviços inerentes às facturas identificadas nos autos cuja dedução não foi aceite pela ATA. E, a resposta, é afirmativa, já que entendemos que neste ponto não assiste razão à Recorrente quando invoca que a Metro ... não fez prova dessa relação. Sobre a mesma, vale a pena recuperar o que ficou dito na sentença sob recurso, pois aí foi seguido um raciocínio claro e profícuo que se acolhe e reitera. Pode ler-se na decisão sob recurso que: «A dedução do IVA correspondente às obras e projectos em questão obriga a que esse imposto conste de factura, documento equivalente ou de recibo do pagamento do IVA, processados sob a forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, e o imposto tem que incidir sobre bens adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo com vista à realização das operações referidas no artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, ou seja, operações que conferem o direito à dedução. Por outro lado, ainda que estejam em causa bens ou serviços necessários ou fundamentais para o exercício da actividade, não será admitida a dedução do IVA se os mesmos forem excluídos nos termos do artigo 21.º do mesmo diploma. Deste modo, uma vez que a Administração Tributária não colocou em causa que toda a documentação relativa às obras colocadas em causa foi emitida em nome da Impugnante, encontra-se na sua posse, observou a forma legal, e não ocorre a exclusão estatuída no artigo 21.º do CIVA, importa verificar se as obras colocadas em causa podem qualificar-se como necessárias à actividade desenvolvida pela Impugnante, actividade relacionada com a prestação de serviço público de transporte, sujeita a imposto e não isenta. O sistema de metro ligeiro na área metropolitano ... foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 71/93, de 10 de Março, e a exploração desse sistema foi atribuído á Impugnante, constituída sob a forma de uma sociedade anónima de capitais públicos pelo Decreto-Lei n.º 394-A/98, de 15 de Dezembro, que aprovou as bases da concessão de exploração, em regime de serviço público e de exclusividade. O artigo 3.º desse diploma refere que “A realização dos trabalhos e prestações relativas à concepção e realização do projecto, à realização das obras de construção, ao fornecimento e montagem do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema de metro, assim como à operação do mesmo por um período inicial, será regulada por um contrato a celebrar entre a "A..., S.A", e uma entidade escolhida no âmbito de um concurso internacional realizado para o efeito.”. Nas Bases de Concessão do Sistema de Metro pode ler-se, na Base I, n.º 1, “A concessão tem por objecto a exploração de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana ...”, e a Base II refere que a “concessionária tem como objecto e actividade principal a realização das prestações inerentes à concessão”, e pode ainda “exercer as seguintes actividades autónomas: a) Exploração comercial, directa ou indirecta, de estabelecimentos comerciais, escritórios, salas de exposições, máquinas de venda de produtos e serviços de publicidade aposta nas instalações ou no material circulante; (...).” Por outro lado, no artigo 3.º dos estatutos da Impugnante consta que “a sociedade tem por objecto a exploração, em regime de concessão atribuída pelo Estado, de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana ..., nos termos do respectivo instrumento normativo” e “para a prossecução do seu objecto incumbe especialmente à sociedade a realização dos estudos, concepção, planeamento, projectos e construção das infra-estruturas necessárias à concretização do empreendimento, bem como o fornecimento de equipamentos e material circulante”, e para o desenvolvimento do seu objecto acessório pode “constituir empresas ou tomar participações noutras sociedades.”. Para tal a Impugnante celebrou um contrato para o projecto, construção, financiamento e operação inicial com o Agrupamento Complementar de Empresas designado "R", cuja minuta foi aprovada por Resolução do Conselho de Ministros n.º 142-A/98, de 25 de Novembro, tendo-se procedido a alterações ao projecto inicial, em cumprimento de obrigações legais, no que respeita a segurança, acessibilidades, e para uma melhor inserção urbanística e compatibilização com outros modos de transporte (Decreto-Lei n.º 261/2001, de 26 de Setembro). Destarte, é manifesto que para a concretização do seu objecto social a Impugnante está obrigada a realizar estudos, concepção, planeamento, projectos e construção das infra-estruturas necessárias ao bom funcionamento do sistema de metro, à melhoria da segurança do sistema e das acessibilidades, e a diligenciar pela sua inserção urbanística e compatibilização com outros modos de transporte, obrigações que decorrem directamente dos seus estatutos e das Bases de Concessão da Exploração do Metro e do cumprimento de legislação nacional e comunitária. Efectivamente, a prestação de serviço público de transporte obrigou à expansão da linha de metro, visto que não se trata de uma realidade estática e tem de acompanhar os demais equipamentos urbanos, as necessidades e anseios das populações, e a sua competitividade passa necessariamente pela melhoria das acessibilidades e segurança do sistema, bem como pela coordenação e compatibilização com outros meios de transporte que implica a construção de parques de estacionamento para os seus clientes estacionarem os seus veículos em segurança. Por outro lado, não pode olvidar-se que o sistema de metro foi inserido em zonas populacionais nas quais se encontravam infra-estruturas urbanísticas já existentes (ruas, passeios, redes de água, gás, saneamento e electricidade) que a construção do metro destruiu ou obrigou a alterações, pelo que a Impugnante foi forçada a reparar os danos causados com as inerentes obras de reposição e reconstrução, necessariamente ligadas à sua actividade de transporte de passageiros. As demais justificam-se por razões de segurança, directamente determinadas pela lei, ou têm em vista garantir a competitividade do transporte de metro e assegurar a sua compatibilização com os demais meios de transporte. Na verdade, analisando as obras e projectos constantes das facturas colocadas em causa pela Administração Tributária, e ponderado o depoimento das testemunhas inquiridas, surge claro e cristalino que as mesmas se integram no seu objecto social, encontram-se previstas nos pertinentes preceitos estatutários e nas Bases da Concessão, e mais do que necessárias têm de ser qualificadas como imprescindíveis à concretização da actividade da Impugnante posto que a grande maioria resulta do estrito cumprimento da lei, como sucede com os trabalhos de arqueologia de acompanhamento das obras do canal do metro, aludidos em 29 e 30 do probatório, bem com as empreitadas necessárias à eliminação de passagens de nível. As demais obras e os inerentes projectos resultaram directamente da construção do canal do metro com a inerente obrigação de reposição das infra-estruturas afectadas pela eliminação das passagens de nível e viadutos com as consequentes construções de passagens desniveladas e os necessários arruamentos, v.g. obras de inserção urbana ..., obras de inserção urbana de ..., eliminação de passagens de nível em ... e Viela ..., identificadas em 6, 16, 23 do probatório. Outras empreitadas têm a ver com a construção do próprio sistema de metro ou componentes integrados no sistema que obrigam a manutenção e surgem naturalmente como uma actividade prévia ao transporte de passageiros e imprescindível a essa actividade, sendo evidente a sua necessidade, tal como sucede com o fornecimento de um banco para a Estação ..., decorrente de reclamações de clientes do metro, a empreitada de inserção urbana envolvente ao Viaduto ..., a reconfiguração, reabilitação e manutenção das instalações eléctricas do Parques de Estacionamento e acessos às Estações da Linha P, as obras de inserção urbana de ... (parques de estacionamento), a requalificação do Edifício ... (Estação de Metro ...), a impermeabilização e revestimento de Lage de Cobertura no Aeroporto ..., a construção do prolongamento da Linha ..., a remodelação e melhoramento da Via ..., na ..., a inserção urbana do Troço ... – execução passeio nascente, a delimitação das parcelas expropriadas na Linha de ..., a construção da Linha de ..., a vedação do terreno do Campo ... e a manutenção de espaços verdes adjacentes ao canal de Metro (..., ..., ... e ...), identificadas no probatório em 7, 8, 10, 14, 15, 17, 18, 21, 24, 25, 27, 30 e 31. Assim sendo, as obras em causa justificam-se plenamente por razões de segurança e acréscimo de velocidade de transporte do metro, decorrem do cumprimento de normas de segurança comunitárias e do disposto nos artigos 1.º e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23/12, e destinam-se a evitar acidentes e a melhorar a segurança, a velocidade de circulação do metro e a inerente competitividade com outros meios de transporte alternativos, a fim de permitir a circulação do metro sem ocorrência de inundaçóes, ou ocorreram apenas para repor as condições urbanísticas que existiam antes da construção do canal de metro, com as inerentes adaptações às infra-estruturas urbanas, com observância das leis e regulamentos vigentes, e nessa medida decorrem da obrigação que recai sobre a Impugnante de indemnização pelos danos causados (reconstituição natural), e estão directamente relacionadas com a sua actividade de transporte de passageiros que necessariamente obrigou a realização dessas obras. A elaboração dos correspondentes projectos e a fiscalização das empreitadas em causa naturalmente que se torna imprescindível para realizar tais empreendimentos, nem se pode conceber que empreitadas de tal importância sejam realizadas sem a adequada fiscalização, tal como sucede com as identificadas no probatório em 9, 11, 12, 13, 19, 20, 22, 26, 28. Destarte, é patente a necessidade de realização de todas as obras identificadas no probatório em 6 a 31, todas elas imprescindíveis à operacionalidade e segurança do sistema, que a Impugnante estava obrigada a efectuar com vista ao transporte dos seus passageiros em segurança e comodidade, sem colocar em risco o restante tráfego, não sendo possível desligá-las da infra-estrutura básica do metro, que não pode configurar-se como um mero carril onde circulam os veículos do metro, desligado dos sistemas complementares. A Administração Tributária, apenas com base no descritivo das facturas, autos de medição, e outra documentação constante da contabilidade da Impugnante, recusou a dedução do IVA liquidado nas facturas em causa, sugestionada pela menção “obras de qualificação urbana” constante daqueles documentos, sem atender ao conteúdo dessas obras e sem curar de rebater as justificações apresentadas pela Impugnante.» (fim de transcrição, destacados nossa autoria). Atenhamo-nos ao alegado pela Recorrente, de que por errónea apreciação da prova, o tribunal a quo errou no seu julgamento, pois segundo ele “a impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos daquelas obras cujo correspondente IVA pretende deduzir são, ou por terem uma relação direta e imediata com as operações a jusante, ou como despesas gerais da sua atividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações.” (vide conclusão L.) Falece tal argumento, ciente de que a factualidade apurada não sofreu alterações em sede recursória, não alcançamos nesta sede qualquer errónea apreciação da prova, pois como bem refere a Recorrente nas suas Conclusões I. e J. al citar jurisprudência comunitária, nomeadamente o Acórdão SKF, proferido no processo C-29/98, do TJUE “... há sempre que examinar se a relação direta e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução ou com as despesas gerais ligadas ao conjunto da atividade económica do sujeito passivo traduz-se na incorporação do preço das prestações a montante, respetivamente, nos preços das operações particulares a jusante ou nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas.”. Ora, foi precisamente essa incumbência que lhe está adstrita, que o tribunal de 1ª instância levou a cabo de uma forma exaustiva e eficiente, nomeadamente em sede de motivação de facto, que torna as asserções transcritas incólumes. Assim, aqui, como ali, somos convictos em afirmar que a aquisição de serviços destinados a realização daquelas obras, dos inerentes projectos, reconstrução e requalificação decorrentes da obrigação de reposição da situação anterior à construção do sistema de metro, pois que a construção do sistema de metro obrigou ao “esventramento de solos e destruição de equipamentos urbanos”, que teve de reconstruir: (i) com a qualidade ambiental e dignidade arquitectónica compatíveis com a infra-estrutura do metro e ligado à sua envolvente urbana (obras de inserção ou de compatibilização urbana), (ii) a fim de garantir a adequada acessibilidade e segurança aos seus utilizadores e aos outros meios de transporte, e (iii) adequar as funcionalidades urbanas à superfície, aéreas e subterrâneas (saneamento básico, redes de energia eléctrica, gás e telecomunicações), são necessários – porque pressuposto e condição - à execução das linhas de metro, inserindo-se mesmo no âmbito da actividade económica da impugnante que gera operações tributáveis, traduzidas na exploração do sistema de metro ligeiro. Consequentemente, todos os trabalhos identificados se relacionam com a execução do sistema de metro ..., seja ao nível da concepção e/ou construção, da protecção e segurança da circulação viária e pedonal ou da fiscalização da execução de todos estes trabalhos. Só pode concluir-se que as obras em causa estão directamente conexionadas com a actividade da Impugnante, são necessárias à sua actividade de prestadora de serviço de transporte público geradora de imposto e não isenta. Ora, como decorre da jurisprudência do TJUE supra citada, deverá ser admitida a dedutibilidade do IVA suportado nos inputs sempre que estes se encontrem numa relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo e sejam elementos constitutivos dos preços dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Improcede assim a tese da Administração Tributária, no sentido de que tais operações estão associadas a obras realizadas em bens do domínio público que não se destinam à produção de bens e serviços tributados existindo entre tais custos e o IVA com eles suportados, uma relação directa e imediata com o conjunto daquela sua actividade económica, na acepção da jurisprudência do TJUE por nós mencionada. Mas, a ATA assenta, como delimitamos supra, o seu inconformismo na relevância de dois vectores, uma quanto ao financiamento de tais obras e a possibilidade que decorre para a Recorrida de lograr o pagamento dos mesmos por parte dos Municípios e, outro que se centra no modo legalmente previsto para fixação dos preços dos serviços que presta o qual por si destrói o princípio da neutralidade inerente ao IVA. Quanto ao modo de financiamento, na sentença sob recurso discorreu-se que «(o) modo de financiamento daquelas obras não altera a sua qualificação como obras necessárias à actividade da Impugnante, claramente inseridas no seu objecto social, sendo certo que os normativos transcritos supra, relativos à dedutibilidade do IVA, não fazem depender a dedutibilidade do IVA do seu modo de financiamento e basta-se com o facto de se tratar de imposto pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, a deduzir no imposto liquidado pela transmissão de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentos.». Nada apontar ao assim decidido, destarte os argumentos pertinentes da Recorrente, os mesmos não têm acolhimento à luz da jurisprudência comunitária. Vejamos. Como se refere no acórdão de 16 de setembro de 2020, do TJUE proferido no processo C-528/19, aplicável com as necessárias adaptações ao caso vertente. In casu, uma recusa de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante para efeitos da realização de obras de alargamento de uma estrada que pertence a um município., n.º 39 «(...) o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo tem o direito de deduzir o IVA pago a montante relativo a obras de alargamento de uma estrada municipal efetuadas em benefício de um município quando essa estrada seja utilizada tanto por esse sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica como pelo público, desde que essas obras de alargamento não tenham excedido o que era necessário para permitir que o referido sujeito passivo exerça a sua atividade económica e que o seu custo esteja incluído no preço das operações efetuadas a jusante pelo mesmo sujeito passivo» No que tange ao alegado nas Conclusões N. a P., apelemos ao Acórdão de 01 de outubro de 2020, proferido no processo C-405/19, no qual uma das questões formuladas era a seguinte: “O facto de o sujeito passivo ter a possibilidade ou o direito de imputar parcialmente a despesa ao terceiro que beneficiou da despesa, mas não o ter feito, afeta a questão da dedutibilidade do IVA sobre estas despesas?”, que se revela pertinente face ao alegado nas conclusões deste recurso da possibilidade da Recorrida submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter junto dos Municípios. Doutrina o acórdão «A circunstância de o sujeito passivo ter a possibilidade de imputar a esse terceiro uma parte das despesas que efetuou a título dos referidos serviços constitui, é certo, um indício a favor da conclusão de que essa parte das despesas não diz respeito à operação a jusante realizada pelo sujeito passivo, mas à operação realizada por aquele terceiro. 47 Todavia, este elemento não é, por si só, suficiente para determinar o alcance do direito à dedução do IVA de que o sujeito passivo dispõe, na medida em que, conforme resulta da jurisprudência recordada no n.o 41 do presente acórdão, há que tomar em consideração, no âmbito da aplicação do critério da relação direta, todas as circunstâncias em que decorreram as operações em causa, apreciação que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar. 48. Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um terceiro tirar proveito de despesas efetuadas pelo sujeito passivo, a circunstância de este ter a possibilidade de imputar a esse terceiro uma parte das despesas assim efetuadas constitui um dos elementos, juntamente com todas as outras circunstâncias em que decorreram as operações em causa, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração para determinar o alcance do direito à dedução do IVA de que o sujeito passivo dispõe.» Ou seja, se bem interpretamos o emanado pelo TJUE, compete ao órgão jurisdicional interno apreciar à luz de todas as circunstâncias em que decorreram estas operações para alcançar do direito à dedução do IVA. Ora, neste particular dos elementos vertidos nos autos o eventual financiamento e recuperação do valor despendido nas operações, incluído o IVA, total ou parcialmente, apenas se mostra colocado no plano das hipóteses, inexistindo dados concretos recolhidos em fase de procedimento inspectivo ou em sede jurisdicional susceptíveis de afirmar que aquele financiamento evocado tenha ocorrido. Antes pelo contrário, tudo leva a crer que ele (financiamento) não tenha ocorrido, atento o vertido no discurso fundamentador da sentença de que “a eventual “irregularidade” detectada pelo Tribunal de Contas decorrente da falta de pagamento das obras por parte dos Municípios também não afecta a dedutibilidade do IVA, sendo certo que dos depoimentos recolhidos resultou claramente que aquelas obras foram efectuadas pela Impugnante...”. Mas mesmo que assim não fosse, consideramos mais do que pertinente, chamar à colacção o Acórdão do TJUE de 16.09.2021, Balgarska natsionalna televizia, C-21/20, EU:C:2021:743, n.ºs 48 a 52, onde se refere: «48. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.os 26 e 37 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 32]. 49. O regime de dedução instituído pela Diretiva IVA visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 33]. 50 A esse título, em primeiro lugar, resulta do artigo 168.o da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 23). 51 Em contrapartida, quando bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.o 30, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 24). 52 Decorre desta jurisprudência que é a utilização dos bens e dos serviços adquiridos a montante para fins de operações tributáveis que justifica a dedução do IVA pago a montante. Por outras palavras, o modo de financiamento dessas aquisições, seja através de rendimentos provenientes de atividades económicas ou das subvenções recebidas do orçamento de Estado, não é pertinente para a determinação do direito a dedução.». Sem necessidade de mais considerandos, é manifesta a Improcedência nesta parte do Recurso, o que determinará a final. Quanto ao preço, o mesmo surge nesta sede recursória como “questão nova” não levada em linha de conta na sentença sob recurso. Perscrutada por nós a contestação da ATA verificamos que a sua defesa se estribou em duas vertentes, a saber, que as obras em causa foram realizadas em bens do domínio público, propriedade dos Municípios, e, portanto, não se destinam à produção de bens e serviços tributados pois revestem uma natureza distinta das obras de construção da infra-estrutura básica do metro, se aquelas obras fossem realizadas pelos Municípios não estariam sujeitas a IVA, dada a isenção de que os mesmos beneficiam, pelo aquele IVA não poderia ser deduzido, e a permitir-se que bens não destinados a operações tributáveis fiquem desonerados de qualquer imposto fica prejudicada a característica da neutralidade do IVA. Acresce que, que o modum e o quatum dos preços dos serviços que o "A..., S.A" presta ao consumidor final não foi alvo de objecto da decisão aqui posta em crise, a que acresce que nenhuma nulidade por omissão de pronúncia lhe vem assacada. Assim sendo, sobre este Tribunal ad quem, não recai a obrigação de pronúncia sobre tal questão que aqui se apresenta como questão nova. No entanto, em jeito de foice, veiculamos que em recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso tributário de 04.11.2020, proferido em sede de oposição de acórdãos, [em que no acórdão recorrido, que contrapunha a "T..., S.A". e a ATA, fora determinado que a recorrente não tinha direito a dedução do IVA suportado a montante com as “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte ..., uma vez que não constituem operações realizadas pela "T..., S.A" tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte ..., antes correspondem ao cumprimento de obrigações resultantes do contrato de concessão, não apresentando qualquer nexo de indispensabilidade com a mencionada actividade] se decidiu: «(a)través da concessão, o Estado português não se limitava a querer um atravessamento de um rio, feito de qualquer maneira, queria antes um projecto integrado, que preservasse o ambiente, que se integrasse na paisagem, que respeitasse, em suma, valores que ao Estado compete defender, impondo, por isso ao concessionário, a realização de um conjunto de obras na zona envolvente da Ponte, para além da construção do tabuleiro da Ponte e dos seus acessos principais, o que significa que, afinal, as tais obras ditas acessórias são tão indispensáveis afinal à realização do projecto como as obras de construção do tabuleiro da ponte e seus acessos principais, por serem encargos obrigatórios, previstos no contrato de concessão, sendo impensável que o custo das referidas obras não será repercutido no preço das prestações de serviços, ou seja, nas portagens cobradas na Ponte, ou seja, se as obras em causa não tivessem sido exigidas à concessionária, seguramente que os custos de construção teriam sido mais baixos e mais baixas seriam as portagens. Nesta sequência, diga-se que para que se verifique o direito à dedução do IVA não se exige uma correspondência estrita entre inputs e outputs, mas sim que as despesas a montante tenham uma relação directa com as despesas gerais da empresa, sendo que a agora Recorrente tem como objecto social a concessão da concepção, construção, financiamento e operação e manutenção da Ponte .... (...) Este é o critério a que o TJUE atende para estabelecer o nexo directo entre as operações efectuadas a montante e as operações a jusante com direito à dedução, tal como emerge do Acórdão Kretztechnik (Proc. C-465/03, de 26 de Maio de 2005, § 35) onde se pode ler: “ ... para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução”. No caso em apreciação inexiste actividade isenta de IVA ou fora do campo de aplicação do imposto e verifica-se um nexo directo entre os custos das obras acessórias - acessos indirectos e as operações tributáveis da recorrente, o que significa que a agora Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado com as operações acessórias - acessos indirectos. Aliás, não é por acaso, tal como a agora Recorrente dá nota, que a própria AT decidiu em sentido favorável à "T..., S.A" o recurso hierárquico apresentado em 2003, pelo que toca ao seu direito a deduzir o IVA suportado nas despesas que a administração havia antes considerado como não dedutível, louvando-se, entre outras considerações, em um parecer de Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, proferido em caso em tudo semelhante, concluiu que o imposto suportado com a construção das obras acessórias é dedutível, porque as despesas em causa foram incorridas no âmbito da sua actividade económica, inteiramente sujeita ao imposto, tendo determinado a anulação das liquidações adicionais referentes aos anos de 1996, 1997 e 1998. No aludido parecer, refere-se, além do mais, que: “… - A “reversão para o domínio público” de “ramais” de ligação de determinadas infraestruturas à “rede pública” não constitui, em si mesma, por falta de “autonomia económica ou jurídica”, uma operação a jusante da atividade das empresas, suscetível de tributação em IVA, mas antes uma condição gratuita e inseparável das operações que tais empresas se propõem realizar. - Assim, os respetivos custos de construção dos “ramais”, bom como os demais gastos incorridos nesse âmbito, concorrem para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, não se verificando uma “afectação permanente de bens da empresa, ... a fins alheios à mesma”, nem qualquer outra forma de “transmissão gratuita” suscetível de enquadramento na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA; Por outro lado, sendo esses gastos suportados, indispensáveis à realização das operações tributáveis das empresas, constituem um consumo intermédio que concorre para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, pelo que o IVA suportado com esses gastos é. dedutível, nos termos do artigo 19.º e 20.º do Código do IVA. … No presente caso, os trabalhos, bem como as expropriações, que estão em causa foram realizados, pela Recorrente, no exercício da sua atividade sujeita a IVA e dele não isenta, que se consubstanciava, exclusivamente, na execução do contrato de concessão da conceção, construção, financiamento, operação e manutenção da Ponte ..., incluindo a gestão e manutenção da Ponte .... Uma vez que a Recorrente não exercia, nem podia exercer, outra atividade económica, que pudesse ser não sujeita ou isenta de IVA, para além da exploração das Travessias sobre o rio ..., é forçoso concluir que os gastos com a construção acessória das referidas obras foram incorridos no âmbito dessa atividade económica. Por outro lado, não resulta dos factos apurados pelos SIT que se tratou de uma prática abusiva, com vista à recuperação de IVA que, de outro modo, não teria lugar, para que se possa pôr em causa o direito à dedução do IVA. …”. A partir daqui, resta concluir que a Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado a montante com as denominadas “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte ..., uma vez que constituem operações realizadas pela "T..., S.A" tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte ..., ou seja, tais custos têm um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo. O Acórdão do TCA Sul que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, sendo de revogar o Acórdão recorrido em função do provimento do presente recurso.» Em face de tudo o exposto, com suporte na jurisprudência do TJUE referenciada, somos de concluir, em concordância com a sentença sob recurso, no sentido de que o IVA suportado a montante nas operações descritas no probatório, como indispensáveis ao desenvolvimento da actividade de transporte de passageiros numa eficiente exploração do sistema do metro por parte da Recorrida, inseridas naquilo que podemos contextualizar de infra-estruturas que vão para além do básico necessário à circulação do metro mas que se inserem na qualidade e exigências acessórias da circulação do mesmo e de passageiros, pode ser deduzido a jusante no imposto liquidado nas operações económicas resultantes do exercício da actividade económica da recorrida (operações activas). Improcedem, pois, as alegações de recurso, pelo que a sentença recorrida, que assim entendeu, é de ser mantida na ordem jurídica. Assim sendo, por semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no aresto acabado de citar, donde concluímos não se verificam os erros de julgamento que a Recorrente imputa à sentença sob recurso no segmento sintetizado conclusões A a R das respetivas alegações do recurso, devendo o mesmo ser julgado improcedente neste segmento. * A Recorrente recorre ainda do despacho proferido em 14 de outubro de 2020 por força do qual foi indeferido o seu pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, por ali se ter entendido não se estar “perante uma causa com menor complexidade (bem pelo contrário), tal como denota a dimensão dos articulados, a natureza das questões que foram objecto de análise e decisão, bem como o teor da sentença que foi proferida”, e porque, no que se refere à tramitação da ação, a mesma “não se afastou dos parâmetros normais de tramitação processual”. Atendendo a que o despacho foi proferido na mesma data em que foi exarada a sentença, e que os demais intervenientes processuais – Recorrida e MP.º - não se opuseram à respetiva admissão, e considerando o princípio da economia processual que rege o direito processual, o mesmo é admitido. Vejamos então. Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Tal como vem sendo consistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência sobre esta matéria, revela-se inconstitucional “por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, do diploma fundamental” um regime das custas “definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas” sempre que no mesmo não se permita ao tribunal “que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão” (cf. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 2007-03-28, n.º 471/2007, de 2007-09-25, n.º 116/2008, de 2008-02-20, n.º 266/2010,de 2010-06-29, n.º 421/2013, de 2013-07-15 e 604/2013, de 2013-09-24, disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Concretamente no que se refere às custas no processo tributário, decidiu também já aquele Tribunal julgar inconstitucionais por violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP “(…) as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de € 50 697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo” (cf. Acórdão n.º 508/2015 proferido em 13 de outubro de 2015, no proc. 736/2014; cf. ainda o acórdão do STA proferido em 2012-04-26, no proc. 0768/11, e mais recentemente, o Acórdão do STA proferido em 2021-11-10 no proc. 02410/14.7BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta). Tanto basta para que se considere que no caso em apreço a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se justifica atendendo a que não só a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo – como de resto é admitido pelo Tribunal a quo -, como porque o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida, e calculado sobre a base tributável de EUR 1.046.862,37 a que corresponde o valor da causa [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT] – e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. Em face do exposto, deve o despacho impugnado ser revogado, e em consequência, desconsiderado o remanescente da taxa de justiça nas custas referentes à tramitação na primeira instância e no presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP. *** Atendendo ao seu total decaimento no recurso que dirige à sentença, a Recorrente é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT] quanto ao mesmo. Quanto ao recurso do despacho, sem custas, atento o princípio da causalidade. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e 20 da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. (…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efetuadas a montante devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” II. Vem admitindo também um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo. III. O sujeito passivo tem direito à dedução do IVA suportado a montante com as denominadas “operações acessórias, inerente as obras de requalificação urbana, inserção urbana, uma vez que constituem operações realizadas pela mesma tendo em vista o exercício direto da sua atividade económica consistente no sistema de transporte por Metro, ou seja, tais custos e o IVA com eles suportados têm um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo. IV. Não são pertinentes para a determinação do direito a dedução do IVA pelo sujeito passivo as operações em questão terem sido realizadas em domínio público e possam ter sido alvo de financiamento pelos Municípios que dessas operações possam ter beneficiado. V. Revela-se contrária ao princípio da proporcionalidade a definição da taxa de justiça definida em função do valor da ação sem qualquer limite máximo. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso da sentença, que assim se mantém, e em conceder provimento ao recurso do despacho que negou a dispensa do remanescente da taxa de justiça, e em consequência, revogar o mesmo, e dispensar a Recorrente do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias. Custas pela Fazenda Pública, no recurso da sentença, e no demais, sem custas. Porto, 12 de janeiro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura. |