Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00036/20.5BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 09/19/2024 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | ANA PATROCÍNIO |
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Descritores: | LEI N.º 27/2023, DE 04/07; PRODUÇÃO DE EFEITOS EM 01/07/2024; REMESSA À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA; |
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Sumário: | Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04/07, na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, se repercutem na decisão de aplicação e na determinação da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável e da norma transitória prevista naquela lei - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04 de Julho.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório [SCom01...], Lda., pessoa colectiva n.º ...30, com sede no Centro Empresarial ..., Edifício ..., ..., ... ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 19/01/2021, que julgou improcedente o recurso das decisões de aplicação de coima, no âmbito de vários processos de contra-ordenação que identifica na petição inicial, pela falta de pagamento de taxas de portagem, nos valores de 130,75€, 166,50€ , 354,75€, 148,00€, 5468,25€, 343,50, 133,25€, 852,75€, 107,25€, 106,50€, 231,00€, 375,75€, 110,25€, 3853,50€ e 189,90€. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A. A Recorrente viu-se envolvida em inúmeros processos de dívida de taxas de portagem à Via Verde Portugal; sem que conhecesse tais dívidas, referentes a taxas de portagem, fora notificada pela AT da instauração de diversos processos de contraordenação, reportados à infração de falta de pagamento de taxas de portagem. B. Face a tais notificações, a Recorrente apresentara defesa escrita para cada um dos processos de contraordenação, tendo sido indeferidos os diversos pedidos de arquivamento dos referidos processos de contraordenação; posteriormente, fora a Recorrente notificada das Decisões de aplicação da coima, no âmbito dos processos de contraordenação identificados no processo judicial n.º 36/20.5BEMDL e seus apensos. C. Da Sentença sob crítica resulta como provado, com interesse para a decisão da causa, em suma, que: fora efetuado um acordo de pagamento das taxas de portagem entre a concessionária e a Recorrente; as cartas para pagamento das taxas, pelo não pagamento das prestações acordadas, foram remetidas para a morada na Rua ..., ..., ... ..., identificada como sendo a do titular do documento de identificação dos respetivos veículos; a Recorrente tem sede no Centro Empresarial ..., Ed. ..., armazém ..., Freguesia ..., ... .... D. De acordo com o Tribunal recorrido, o motivo para a concessionária ter remetido as notificações à Recorrente para a morada sita na Rua ..., ..., ... ... tem por base a informação prestada pela Conservatória do Registo Automóvel; pelo que, a decisão recorrida estaria aparentemente conforme à lei, pois tendo a notificação enviada por via postal registada sido devolvida, fora remetida novamente por via postal simples, em conformidade com os n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, funcionando a presunção estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, da mesma Lei. E. “Sucede, porém, que a morada para a qual a notificação foi enviada, embora (…) fosse a constante do Registo Automóvel, não era a sede da Recorrente.”, tendo reconhecido o Tribunal a quo, com base em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que nesta situação deveriam prevalecer os direitos audiência e defesa da Recorrente, previstos no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, “atento o carácter sancionatório do procedimento contraordenacional”, “direitos estes postergados se se entender que a recorrente se presume notificada, mesmo que a notificação não tenha sido enviada para a sua residência (…)”. F. Todavia, na perspetiva do Tribunal recorrido, “o caso dos autos é diverso porque a questão não reside na notificação do pagamento da taxa de portagem para a sede da Recorrente, mas sim na notificação da Recorrente para proceder ao pagamento das prestações em falta a que ela se comprometeu.”; tendo assim concluído que “a Arguida teve a possibilidade de proceder ao pagamento voluntário, por acordo, das taxas de portagens, assim como teve, aquando esse acordo, a possibilidade de identificar o condutor do veículo agente da infracção, e, por isso, tem de haver a responsabilidade contra-ordenacional.” G. O que levou a que fossem julgados totalmente improcedentes os recursos das decisões de aplicação de coima, mais se acrescentando que o facto de a Recorrente “defender que não foi notificada para a sua sede, depois das vicissitudes relatadas e que os factos demonstram, constitui um abuso de direito porque o usa para a finalidade que este não visa proteger – art.º 334.º do CC”. H. Na perspetiva da Recorrente, e salvo o devido respeito, ocorreu um errado julgamento, quer a nível dos factos, quer do direito; senão vejamos: ao ter alegado que as dívidas lhe não tinham sido comunicadas, referia-se à inexistência de nova notificação por parte da concessionária, após ter detetado o incumprimento do plano de pagamento. I. Num entendimento oposto àquele de que o Tribunal recorrido perfilha, para a Recorrente não seria a ocasião do acordo que fez com a concessionária o momento adequado para exercer os seus direitos de defesa, mas sim deveria ter existido, após o incumprimento do plano de pagamento, nova notificação efetuada nos termos n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, dispondo assim a Recorrente de um prazo para audiência e defesa, sob pena de a falta de resposta ou de pagamento voluntário poder dar lugar à instauração de processo de contraordenação. J. Isto porque, o referido “Acordo” de pagamento, nos moldes em que foi efetuado, não reveste a forma daquela notificação, seja porque: a) por um lado, não havia qualquer menção ao direito que supostamente assistia à Recorrente de identificar o condutor, e muito menos em que prazo o poderia fazer; e, b) por outro lado, nem sequer continha cominação expressa no sentido de que a falta de resposta ou de pagamento voluntário poderia dar lugar à instauração de processo de contraordenação. K. Sendo que, em todo o caso, a própria Via Verde Portugal afirma ter procedido a tal notificação, após ter verificado o incumprimento do plano de pagamento por parte Recorrente; sucede, porém que a morada para a qual foi alegadamente remetida a notificação à Recorrente, tratava-se de uma morada que não era a sua, assim como tal notificação foi assinada por alguém completamente desconhecido à Recorrente. L. Com efeito, a ora Recorrente, foi constituída a 17/02/2012, com sede na Rua ..., ... ...; porém, em 22/06/2018 a sede da empresa foi alterada para o Centro Empresarial ..., Ed. ... – Armazém n.º ..., ... ..., morada da sede atual da empresa, e também a morada à data em que a concessionária alegadamente efetuou a notificação, todavia para uma outra morada – informação de que o Serviço de Finanças ... dispunha, uma vez que para notificar a Recorrente de que haviam sido instaurados diversos processos de contraordenação, fê-lo para a morada correta da empresa. M. Pelo que, a questão fundamental colocada pela Recorrente, era a de saber se seria admissível que visse precludido o seu direito de audiência e defesa, previsto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, pelo simples facto de a notificação da concessionária ter sido remetida para morada distinta da sua sede; é que, não apenas a notificação não chegou ao conhecimento da Recorrente, como também se não pode afirmar que o efetivo recetor da correspondência, que a assinou no destino, tenha feito chegar à Recorrente conhecimento das mesmas. N. Ademais, conforme se reconheceu na Sentença, não configura presunção inilidível que o domicílio do arguido é aquele constante do Registo Automóvel, assim como o incumprimento da obrigação de comunicar a alteração de domicílio estará sujeito a sanções, mas nunca poderia ter por consequência a exclusão dos direitos de defesa (previstos no art. 32.º, n.º 10, da CRP) que assistem à Recorrente no contexto de processo contraordenacional (matéria sancionatória). O. Pelo que, no entender da Recorrente, por forma a que não visse prejudicados os seus direitos de audiência e defesa, o procedimento correto a adotar teria sido proceder a uma nova notificação, desta feita para a morada certa – a da sua sede, com novo prazo, para que aquela pudesse ter exercido tais direitos, entendimento que encontra sustento na jurisprudência a nível do Supremo Tribunal Administrativo. P. Sabendo que a notificação prevista no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2006 constitui condição de punibilidade, a sua não demonstração consubstancia fundamento de anulação da decisão de aplicação da coima; pelo que, e salvo o devido respeito, entende a Recorrente ter demonstrado os erros de julgamento em que incorreu o douto Tribunal a quo ao decidir nos moldes em que decidiu. Q. Mais se alega na Sentença que o facto de a Recorrente defender que não foi notificada na sua sede, no entender do Tribunal tal afirmação constitui um “abuso de direito”, nos termos do artigo 334.º do Código Civil; ora, o Tribunal a quo invoca abuso de direito, porém, com que fundamento(s)? Em que modalidade? R. Ora, a invocação e conclusão pela verificação do instituto do abuso de direito em determinada situação obedecem à demonstração de pressupostos apertados, enunciados pela jurisprudência e doutrina, pressupostos esses que em momento algum o Tribunal a quo desenvolve quais as razões pelas quais entende ter ocorrido, in casu, o exercício abusivo de um direito por parte da Recorrente, o que, em todo o caso, o não se admite. S. Alega por fim o Tribunal recorrido, muito singelamente, que “a decisão de aplicação de coima não é nula porque os critérios que determinaram a medida da coima estão explicitados nas decisões impugnadas – art.º 27.º do RGIT.”; não se poderá, naturalmente, concordar com tal entendimento, pois vejamos: T. De acordo com o artigo 27.º, do RGIT, “Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação”; e, além destes critérios, a lei prevê ainda os critérios da frequência da prática, da realização ou não de atos de ocultação e do tempo decorrido desde a prática da infração. U. No caso em apreço, a AT terá considerado em alguns dos processos de contraordenação que a prática das infrações era frequente, e noutros que era acidental, o que é bem demonstrativo de que a análise efetuada pela AT, subjacente à decisão de aplicação das coimas em cada processo de contraordenação, foi uma análise casuística, resultando numa disparidade de avaliações, o que levou a Decisões de aplicação de coima arbitrárias e feridas de ilegalidade, por incumprimento do disposto no artigo 27.º do RGIT. V. Encontrando-se desprovido de sustento o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que os critérios que determinaram a medida das coimas se encontram explicitados; ora, não basta uma mera enunciação dos critérios exigidos pelo artigo 27.º em cada processo individualmente considerado, devendo antes efetuar-se uma avaliação global por forma a determinar a respetiva medida das coimas. W. A isto acrescendo que à Recorrente nem sequer fora imputada culpa pela AT, na medida em que em todos os processos de contraordenação considerou que havia mera negligência. X. A realidade que se presencia nestes autos assemelhe-se a outros diversos casos que têm acontecido a nível nacional: taxas de valor diminuto que se convertem em dívidas de montantes astronómicos, que não refletem a diminuta gravidade das infrações e do prejuízo sofrido pela concessionária, estabelecendo-se assim uma desproporcionalidade que é claramente inconstitucional à luz do disposto na CRP. Y. Tudo quanto justificou fazer-se uma crítica, legítima, à atuação da AT nestas situações, claramente atentatória dos princípios da justiça tributária, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da celeridade e da colaboração entre os órgãos da Administração Pública e os contribuintes. Z. Face a tudo quanto foi exposto, entende a Recorrente ter demonstrado cabalmente que lhe assiste razão, e que não poderá o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, devendo, por isso, ser reapreciado por este Tribunal, determinando-se, a final, a total procedência do presente Recurso, e consequente revogação da Sentença recorrida. NESTES TERMOS, E nos demais de direito que V. Exas., os Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado, revogando-se, assim, a Sentença recorrida.” **** A Recorrida e o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela não responderam. **** Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. **** Tendo em vista ponderação de questão de conhecimento oficioso, consubstanciada na eventual aplicabilidade de regime concretamente mais favorável, foram notificados todos os intervenientes processuais para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 27/2023, de 04 de Julho, que entrou em vigor em 01/07/2024, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 7.º, 10.º, ....º, 15.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho. Todos os intervenientes processuais silenciaram. **** Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, será ponderada a aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 27/2023, de 04 de Julho, que entrou em vigor em 01/07/2024, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 7.º, 10.º, ....º, 15.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, diploma que foi aplicado nas decisões impugnadas, com especial relevância, in casu, para a primeira norma, dado estar em causa a prática de infracções contraordenacionais, previstas e punidas pelo artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, atenta a violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, mostrando-se, também, em discussão o disposto no artigo 10.º desse diploma. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Factos provados: 1. Dão-se aqui por reproduzidas as decisões de fixação de coimas em causa nos autos, com o destaque, a título exemplificativo, da decisão proferida no processo principal; “(…)” [imagem no original, que aqui se tem por reproduzida] 2. Essas decisões reportam-se a “Taxas de Portagem” que, subentende-se, não teriam sido pagas, relativamente a factos que ocorreram em 2017 e 2018, às vezes no mesmo dia, referentes aos veículos nelas identificados - cfr. decisões administrativas em cada um dos processos; 3. Em 6/3/2018 a concessionária das auto-estradas efectuou acordos com a Recorrente que consistia no pagamento em 12 prestações mensais e sucessivas daquelas taxas de portagem a que os auto de contra-ordenação se reportam– Cfr. fls. 22, 18, 18, 18, 22, 18, 20, 18, 18, 18, 22 dos respectivos processos; 4. As cartas dirigidas pela concessionária à arguida em 2019, para pagamento das taxas de portagem, em consequência do não pagamento integral das prestações acordadas, foram remetidas para a seguinte morada: Rua ..., ..., ... ... – cfr. fls. 33 do Proc. principal; 29 do proc. 37/20; 29 do proc. 38/20; 29 do proc. 39/20; 40 do proc. 40/20; 28 do proc. 41/20; 29 do proc. 42/20; 31 do proc. 43/20; 29 do proc. 44/20; 29 do proc. 45/20; 29 do proc. 46/20; 29 do proc. 47/20; 29 do proc. 48/20; 44 do proc. 49/20 e 28 do proc. 50/20; 5. Aquela morada (Rua ..., ..., ... ...) foi identificada pela Conservatória do Registo Automóvel como sendo a do titular do documento de identificação dos respectivos veículos – Cfr. fls. 22, 18, 18, 18, 22, 18, 20, 18, 18, 18, 22 dos respectivos processos; 6. A Arguida tem sede no Centro Empresarial ..., Ed. ..., armazém ..., Freguesia ..., ... ... – cfr. Certidão permanente ínsita em cada um dos processos ( Ex. Fls. 90 e ss do processo principal).” * 2. O Direito No âmbito do presente recurso jurisdicional, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 27/2023, de 04 de Julho, cuja produção de efeitos se reporta a 01/07/2024, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 7.º, 10.º, ....º, 15.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho. Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, que altera o valor das coimas aplicáveis às contraordenações ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagens. Na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social. Contudo, para melhor ponderação desta questão de conhecimento oficioso, foram os intervenientes processuais alertados que a lei referida contém uma norma transitória (cfr. artigo 3.º), que estabelece que aos processos de contraordenação e aos processos de execução pendentes a 1 de Julho de 2024 se aplica o regime que, nos termos da lei geral, for mais favorável ao arguido ou ao executado. Vejamos. Com efeito, em 01/07/2024, os presentes autos encontravam-se pendentes, sendo notório que a nova redacção do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, apresenta um regime mais favorável à arguida, ora Recorrente: “1 - As contraordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a 25 (euro), e de valor máximo correspondente ao dobro do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, sempre que for variável a determinação da taxa de portagem em função do percurso percorrido e não for possível, no caso concreto, a sua determinação, é considerado o valor máximo cobrável na respetiva barreira de portagem ou, no caso de infraestruturas rodoviárias, designadamente em autoestradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança eletrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respetivo local de deteção de veículos para efeitos de cobrança eletrónica de portagens. 3 - As infrações previstas nos artigos 5.º e 6.º são puníveis a título de negligência. 4 - Caso as infrações previstas na presente lei sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo mês, através da utilização do mesmo veículo e na mesma infraestrutura rodoviária, o valor máximo da coima é o correspondente ao de uma única contraordenação, sendo o valor mínimo a que se refere o n.º 1 correspondente ao cúmulo das taxas de portagem, não podendo ser cobradas custas de valor superior às correspondentes a uma única contraordenação. 5 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se que as infrações são praticadas na mesma infraestrutura rodoviária quando as mesmas ocorrem em estrada cuja exploração está concessionada ou subconcessionada à mesma entidade.” Aquando da prolação das decisões de aplicação de coima em causa, terá sido ponderada a seguinte redacção da mesma norma, introduzida pela Lei n.º 51/2015, de 08 de Junho: “1 - As contraordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, sempre que for variável a determinação da taxa de portagem em função do percurso percorrido e não for possível, no caso concreto, a sua determinação, é considerado o valor máximo cobrável na respetiva barreira de portagem ou, no caso de infraestruturas rodoviárias, designadamente em autoestradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança eletrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respetivo local de deteção de veículos para efeitos de cobrança eletrónica de portagens. 3 - As infrações previstas nos artigos 5.º e 6.º são puníveis a título de negligência. 4 - Constitui uma única contraordenação as infrações previstas na presente lei que sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, sendo o valor mínimo a que se refere o n.º 1 o correspondente ao cúmulo das taxas de portagem. 5 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se que as infrações são praticadas na mesma infraestrutura rodoviária quando as mesmas ocorrem em estrada cuja exploração está concessionada ou subconcessionada à mesma entidade.” Tendo por base estas transcrições, cuja leitura facilitamos destacando a negrito as alterações, é evidente o regime mais favorável à arguida que foi introduzido pela Lei n.º 27/2023, de 04/07, designadamente na determinação da coima aplicável. Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova determinação das coimas aplicadas, que tenha agora em conta as disposições da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 27/2023, de 04/07, por força do artigo 3.º desta Lei, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente tendo em atenção o disposto no artigo 7.º, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime. Por estas razões, as decisões administrativas de aplicação das coimas sindicadas nos presentes autos, referentes a infracções praticadas em diversas datas dos anos de 2017 e 2018, não se podem manter, desde logo, porque haverá que graduar as coimas aplicadas, atendendo ao novo regime mais favorável de determinação da coima, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito. As decisões de aplicação de coimas que estão na origem dos presentes autos foram tomadas em momento anterior ao da produção de efeitos da nova Lei (01/07/2024), mas esta repercute-se inelutavelmente nelas, como supra demonstrado, impedindo que possam subsistir nos termos em que foram proferidas. Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de as rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina. Conclusão/Sumário Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04/07, na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, se repercutem na decisão de aplicação e na determinação da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável e da norma transitória prevista naquela lei - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04 de Julho. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa dos procedimentos contra-ordenacionais à autoridade administrativa, para que reveja ou renove as decisões de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04 de Julho. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais]. Porto, 19 de Setembro de 2024 Ana Patrocínio Cláudia Almeida Ana Paula Santos |