Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00796/10.1BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:JUNTAS DE FREGUESIA; PROVA PERICIAL.
Recorrente:Junta de Freguesia de V.
Recorrido 1:Junta de Freguesia de M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora Junta de Freguesia de M. e Ré Junta de Freguesia de V. e outras, todas melhor identificadas nos autos, foi proferido o seguinte despacho, na parte que ora releva:
Requerimentos de fls. 1652-1675 do SITAF
Vêm as Rés, Freguesias de F., de V. e de M. arguir a nulidade do relatório pericial, por, em suma, considerarem que a presença não expressamente autorizada do Dr. J., ex-presidente da Junta de Freguesia de M. ora Autora, numa das deslocações (a segunda) ao local da delimitação, distorceu, influenciou e orientou o resultado da perícia efectuada, em concreto, a opinião da Sr.ª Perita nomeada pelo Tribunal, afectando a sua imparcialidade, designadamente, quanto aos marcos 1 e 8.
A Autora, por sua vez, defende-se, alegando, em síntese, que, por um lado, a Sr.ª Perita não foi influenciada pela aludida testemunha e, por outro, se as Rés discordavam das razões que fundamentam a opinião da Sr.ª Perita deveriam ter requerido a realização de segunda perícia, não tendo, por isso, qualquer fundamento a invocada nulidade do relatório pericial
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Apreciando e decidindo, sem mais.
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Em primeiro lugar, como é bom de ver, pese embora dos esclarecimentos prestados pela Sr.ª Perita nomeada pelo Tribunal de fls. 1642-1646 do SITAF, seja efectivamente possível retirar, com segurança, que o Dr. J., ex-presidente da Junta de Freguesia de M., esteve presente na segunda das deslocações efectuadas ao local da delimitação, a verdade é que a presença de tal cidadão não se encontrava obstaculizada v.g. pelos despachos de fls. 1393-1395, 1443-1446 e 1545-1546 do SITAF [vide, para o efeito, o artigo 480.º, n.ºs 2 e 3, do CPC].
Em segundo lugar, sem prejuízo disso, do teor das respostas dadas pela Sr.ª Perita no relatório pericial de fls. 1572-1605 do SITAF e nos respectivos esclarecimentos de fls. 1642-1646 do SITAF, não é possível retirar, sob qualquer forma, que esta tenha sido efectivamente influenciada pela presença do Dr. J., antigo Presidente da Junta de Freguesia da Autora.
Pretende-se com isto dizer que, ainda que houvesse uma qualquer irregularidade processual, por violação de um qualquer normativo [que as Rés não indicam], sempre seria de concluir que essa eventual pecha não influiu no exame e decisão da presente causa, posto que, não se vislumbra, nem as Rés o evidenciam, qual a concreta influência que aquela presença teve na imparcialidade das respostas dadas pela Sr. Perita nomeada pelo Tribunal.
Diga-se, enfim, que as Rés nem sequer produzem qualquer actividade probatória no sentido de demonstrar a bondade da sua pretensão incidental, pelo que a mesma se encontrava necessariamente votada ao insucesso.
Em todo o caso, convém não olvidar que com o respectivo relatório pericial, todos os senhores peritos, inclusive, a nomeada pelo Tribunal, prestaram, nos termos do artigo 479.º do CPC, a respectiva declaração de compromisso de cumprimento consciencioso da função que lhes foi acometida, tal como se retira da página 3 do documento de fls. 1572-1605 do SITAF.
Assim sendo, na ausência de qualquer demonstração cabal de uma concreta situação de parcialidade, jamais poderia este Tribunal concluir que a Sr.ª Perita fora efectivamente influenciada pela presença daquele cidadão.
Tudo o mais, e não vindo requerida a realização de uma segunda perícia [artigo 487.º do CPC], aferir-se-á através dos respectivos esclarecimentos a prestar pelos senhores peritos em sede de audiência de julgamento.
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Termos em que, sem necessidade de outras e maiores indagações, se indeferem os referidos requerimentos de nulidade do relatório pericial.
(....)
Deste vem interposto recurso.

Alegando, a Junta de Freguesia de V. formulou as seguintes conclusões:
1.º
Colhe-se do teor dos documentos juntos aos Autos e notificados à Recorrente (referência 007248530, de 11-10-2019), o seguinte:
a) Que o senhor Dr. J. (testemunha da Autora nos presentes Autos) esteve presente nas deslocações ao local da delimitação em processo de elaboração do Relatório pelos senhores Peritos;
b) E que condicionou, influenciou, orientou e determinou a opinião da senhora Perita nomeada pelo Tribunal, conforme aí refere o Perito Doutor A..
2.º
Pessoa essa que não é parte, nem representante da parte, nem é perito, nem assessor técnico ( não foi requerido pela Autora a sua intervenção nos Autos como seu assessor técnico, nem o Tribunal o admitiu como tal, em parte alguma dos presentes Autos, designadamente, nos despachos referidos na decisão recorrida, nem a Recorrente foi notificada , no prazo legal, da sua presença e intervenção, conforme determina o art. 50.º do C.P.C., para o qual remete o art. 480.º , n.º 3, do C.P.C. ), sendo, apenas, testemunha da Autora, sujeita a contraditório e contra-interrogatório em sede de julgamento.
3.º
Violando-se, assim, nomeadamente, o disposto no art. 480.º, n.º 3 do C.P.C..
4.º
Resulta, ainda, dos referidos docs. que o Perito Doutor A. protestou contra a presença e intervenção desta Testemunha no processo de elaboração do Relatório pelos Senhores Peritos e que, segundo esse Perito, a Perita nomeada pelo Tribunal aceitou a opinião deste (designadamente, entre os marcos 1 e 8), sem contraditório das outras partes (para cuja presença e intervenção não foram, previamente, notificadas).
5.º
O que inquina, distorce e fere de morte a perícia realizada.
6.º
Tendo, face ao exposto, a Perita nomeada pelo Tribunal não cumprido e violado a declaração de compromisso de honra que prestou nos termos do art. 479.º do C.P.C..
7.º
O que tudo acarreta a nulidade /anulabilidade da perícia realizada, o que se requer.
Termos em que,
Com o suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se procedentes as Conclusões 1.ª a 7.ª, inclusive, revogando-se a Decisão Recorrida, substituindo-a por Acórdão que declare o Relatório Pericial nulo ou anulado, com as consequências legais, o que se requer, como é de JUSTIÇA,

Não foram juntas contra-alegações.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
É objecto de recurso o Despacho que indeferiu o requerimento no sentido de ser declarado nulo ou anulado o Relatório Pericial, junto aos autos.
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos:
Como bem aponta o Senhor Procurador Geral Adjunto, as conclusões do recurso apontam, em síntese, para a nulidade do relatório pericial.
Todavia, sem razão.
Isto porque à pergunta sobre se a presença da dita testemunha é causa de irregularidade ou nulidade do auto, a resposta tem que ser negativa. Nada obstava à sua presença no local. Nem a lei nem os despachos ordenadores e reguladores da perícia.
Como ensina Lebre de Freitas, em CPC anotado, Coimbra ed., Vol. 2, pág. 512: “Na sua actividade de averiguação, os peritos podem dirigir-se a serviços oficiais e solicitar a colaboração de terceiros, além da das próprias partes, sempre obviamente nos limites do que for necessário para a finalidade da elaboração do relatório pericial”.
Aliás, o artigo 480º, nº 3
Artigo 480.º (art.º 582.º CPC 1961)
Atos de inspeção por parte dos peritos
1 - … .
2 - … .
3 - As partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção.
4 - …. .
, limita-se a reger a possibilidade de presença das partes. E só. Daí nada se retira em relação aos demais intervenientes processuais. Pelo que violação do normativo não se antolha.
Por outro lado, o que ouviu a perita não é mais do que uma posição já constante dos autos. Que a perita conhecia, como conhecia as demais. E que os outros peritos também conheciam.
Violou a perita o seu compromisso de cumprimento consciencioso da função, (artº 479º, nº 1
Artigo 479.º (art.º 581.º CPC 1961)
Prestação de compromisso pelos peritos
1 - Os peritos nomeados prestam compromisso de cumprimento consciencioso da função que lhes é cometida, salvo se forem funcionários públicos e intervierem no exercício das suas funções.
2 – … .
3 - … .
, do CPC), só por ter ouvido a opinião de uma testemunha? Não.
Reitera-se, o que ouviu a perita não é mais do que uma posição já constante dos autos. Que a perita conhecia, como conhecia as demais. E que os outros peritos também conheciam.
Como se sabe, quanto às nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido no processo, só se verifica nulidade de acto quando a lei o declare, o que não é o caso, ou quando a irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa.
O laudo de um perito ou o relatório pericial (como é sabido, o laudo pericial é uma peça técnica formal que apresenta o resultado de uma perícia) é susceptível de sindicância, por meio de perguntas ou de reclamações, pelas partes, pode ser complementado por segunda perícia e, sobretudo, a perícia é sempre livremente apreciada pelo tribunal (cfr. artigos 480º, nº 4
1 - … .
2 - … .
3 - … .
4 - As partes podem fazer ao perito as observações que entendam e devem prestar os esclarecimentos que o perito julgue necessários; se o juiz estiver presente, podem também requerer o que entendam conveniente em relação ao objeto da diligência.
                , 485º, nº 2
                Artigo 485.º (art.º 587.º CPC 1961)
                Reclamações contra o relatório pericial
                1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes.
                2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.
                3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.
                4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores.
                , 487º, nº 1
                Artigo 487.º (art.º 589.º CPC 1961)
                Realização de segunda perícia
                1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
                2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
                3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
                , e 489º
                Artigo 489.º (art.º 591.º CPC 1961)
                Valor da segunda perícia
                A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.








                do CPC).
                A bondade do laudo pericial será aferida seja através da realização de uma segunda perícia, por novos peritos, seja através dos esclarecimentos a prestar pelos senhores peritos em sede de audiência de julgamento, e do confronto com a restante prova produzida ou a produzir, momento em que é efetuado o exame e a decisão da causa.
                Logo, não tendo sido requerida a realização de uma segunda perícia, aferir-se-á a sua bondade através dos respetivos esclarecimentos a prestar pelos senhores peritos em sede de audiência de julgamento, como bem salientou o Senhor Juiz.
                Pelo que o recurso tem que soçobrar.

                DECISÃO
                Termos em que se nega provimento ao recurso
                .
                *
                Custas pela Recorrente.
                *
                Notifique e DN.
                *
                Porto, 16/10/2020


                Fernanda Brandão
                Hélder Vieira
                Helena Canelas