Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01496/18.0BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 11/05/2021 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Antero Pires Salvador |
| Descritores: | NACIONALIZAÇÃO, NATURALIZAÇÃO, NULIDADE ACTO |
| Sumário: | 1 . Depois de ter transitado em julgado – após decisão do TCA-N – a decisão de cancelamento da autorização de residência, por terem sido usado meios fraudulentos, confirmando-a, outra não poderia ter sido a decisão da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, ao declarar nulo o acto que havia concedido ao recorrente a nacionalidade portuguesa. 2 . O Autor não pode beneficiar de qualquer protecção ao abrigo do princípio da confiança, princípio dependente, desde logo, de se ter de estar em face de uma confiança legitima o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade praticada e percetível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio.* * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | S. |
| Recorrido 1: | MINISTÉRIO da JUSTIÇA |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . S., de nacionalidade Egípcia e Portuguesa, vendedor ambulante e residente na Rua (…), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 19 de Junho de 2020, que julgou improcedente a acção administrativa instaurada contra o MINISTÉRIO da JUSTIÇA, assim o absolvendo do pedido (declaração de nulidade do despacho da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, de 1/3/2018, que declarou nulo o despacho do Sr. Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25/11/2013, que lhe havia concedido a nacionalidade portuguesa, por naturalização). * Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: "I. O serviços estrangeiros e fronteiras não tem decisão judicial que sustente a falsidade do contrato, apenas o seu próprio processo administrativo e decisão que sustente a nulidade invocada; II. O serviço de estrangeiros e fronteiras não prestou as corretas informações ao Arquivo Central do Porto, pois caso existisse pendente processo de cancelamento da autorização de residência poderia ser requerida a suspensão do processo de concessão da nacionalidade portuguesa e o mesmo posteriormente indeferido; III. A inércia temporal e incompetência formal deste serviço fez com que se efetivasse o direito do requerente e se consolidasse na ordem jurídica. Não é justo nem equilibrado declarar a nulidade do despacho da nacionalidade e convidar o recorrente ao fim de 21 anos de vida em Portugal a regressar ao seu país de origem onde já não tem família nem amigos. A invalidade do ato é um valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos jurídicos que devia produzir. A invalidade dos atos da administração são a nulidade e a anulabilidade. O regime legal da nulidade encontra-se consagrado no artigo 162° do CPA. Este regime legal caracteriza-se pelos atos nulos não produzirem qualquer efeito jurídico. Porém, tanto o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, como o Professor Freitas do Amaral entendem que a nulidade não deve ser confundida com a inexistência. Com efeito, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere que os vícios de que padece o ato nulo, embora graves, não perturbam a sua qualificação jurídica. Assim, o ato nulo é juridicamente existente, embora não produza efeitos jurídicos (artigo 162°/l do CPA). Já o Professor Freitas do Amaral admite que o regime da inexistência assemelha-se bastante ao da nulidade, contudo, este ressalva que se admite o aproveitamento de partes do ato nulo ou de conversão (art.164°13 do CPA), algo que seria impensável e inconcebível para os atos juridicamente inexistentes. Interessa ainda salientar que os atos nulos podem ser objeto de reforma ou conversão (artigo 164°/4 do CPA) e que a nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por retificação. Quer isto dizer que o ato nulo não pode ser transformado num ato válido. Porém, podem ser concedidos alguns efeitos jurídicos a situações decorrentes de atos nulos procurando, assim, respeitar os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade, ou a outros princípios jurídicos constitucionais. IV. Todas as entidades administrativas têm conhecimento destes fatos em 10/12/2013 e só a 07/03/2018 atuam, desrespeitando os direitos adquiridos do recorrente violando os mais elementares princípios de direito constitucional nesta matéria, sendo este ato nulo por ofender um direito fundamental e não permitindo o aproveitamento do ato com o restante tempo de residência." E termina, solicitando que ".. DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA o ato ser declarado nulo, mantendo a decisão de 25 de novembro de 2013 que concede a nacionalidade portuguesa por naturalização ao recorrente conforme é da mais elementar JUSTIÇA". * Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, veio o Réu/Recorrido Ministério da Justiça apresentar contra alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: "A. A sentença recorrida considerou, e bem, que o ato que havia concedido a nacionalidade portuguesa por naturalização ao Recorrente - ato consubstanciado no despacho do Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013 - é nulo, nos termos considerados pelo Recorrido, por padecer de um vício especialmente grave originado pelo próprio destinatário, no caso, o Recorrente, sendo que, face a essa realidade, tal ato nunca poderia manter-se na ordem jurídica; B. Ou seja, a douta sentença, acolhendo o teor da Informação n.º I-SGMJ/2018/213, de 23.02.2018, considerou que a nulidade do ato de 25 de novembro de 2013 fundamentou-se no disposto no n.º 1 do artigo 133.º do anterior Código do Procedimento Administrativo (Código em vigor à data da prática do aludido ato e aplicável ao caso dos autos por força do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), por estar em causa a falta de um dos elementos essenciais para a prática desse ato (residência legal em território português há pelo menos seis anos), entendendo-se por elementos essenciais do ato, no sentido do n.º 1 do citado artigo 133.º, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu n.º 2; C. Sendo considerados nulos por natureza aqueles atos que sofram de um vício especialmente grave, avaliado em concreto em função das caraterísticas essenciais de cada tipo de ato, conceito existente tanto no anterior CPA como no atual CPA, por estar sempre em causa um elemento característico essencial, necessário em absoluto à decisão do ato administrativo, ou seja, aquele que é sempre necessário na decisão de caráter vinculado da Administração, como sucede no presente caso; D. Salienta-se, que outra não podia ter sido a decisão do Recorrido - que não a da nulidade do ato de 25 de novembro de 2013 - uma vez que a decisão de concessão da nacionalidade portuguesa é consequência direta de atos e factos anteriormente comunicados pelas entidades competentes para o efeito, atos esses que, por vezes e por diversas razões, são declarados nulos ou determinado o respetivo cancelamento, como ocorreu no caso dos autos; E. Situação que se encontra atualmente materializada no artigo 12.º-A da Lei da Nacionalidade, aditado pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, onde se prevê que: É nulo o ato que determine a atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa com fundamento em documentos falsos, ou certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, ou ainda em falsas declarações; F. Disposição legal que está em linha com o disposto na alínea j) do n.º 2 do artigo 161.º do atual CPA, que prevê a nulidade dos atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes; G. Existe, assim, ao contrário do alegado pelo Recorrente, fundamento legal na sentença recorrida para a nulidade assacada ao ato de 25 de novembro de 2013, pelo que terá de improceder o alegado neste ponto; H. Por outro lado, também lhe não assiste razão ao alegar que não foram respeitados os direitos por si entretanto adquiridos, uma vez que estamos perante um ato nulo, que não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (n.º 1 do artigo 134.º do anterior CPA e n.º 1 do artigo 162.º do atual CPA), e além do mais, como se referiu na sentença recorrida, (…) perante esta realidade, não pode beneficiar o Autor de qualquer proteção ao abrigo do princípio da confiança, princípio dependente, desde logo, de se ter de estar em face de uma confiança legítima o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do princípio da confiança quando este radique num ato anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade percetível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio; I. E ainda que possam ser atribuídos alguns efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, associados ao decurso do tempo (n.º 3 do artigo 134.º do anterior CPA e n.º 3 do artigo 162.º do atual CPA), e de harmonia com os princípios gerais de direito, mormente os princípios da boa-fé e da proteção da confiança, tal situação nunca seria de aplicar ao Recorrente, considerando que a nulidade do ato em questão foi originada pelo próprio Recorrente na obtenção de decisão favorável à sua pretensão, o que invalida, desde logo, o recurso a qualquer proteção daquele em face dos princípios da boa-fé ou da tutela da confiança; J. No caso dos autos a falsidade do contrato de trabalho não carece de ser declarada por decisão judicial, isto porque, foi o próprio Recorrente que assumiu perante os serviços competentes do SEF a falsidade do contrato de trabalho que ali tinha apresentado para efeitos de autorização/renovação da sua residência, facto que determinou o cancelamento do respetivo Título de Residência, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 85.º da Lei n.º 32/2007, de 4 de julho. K. Quanto ao facto de o Recorrido ter tido conhecimento do cancelamento do Título de Residência do Recorrente no ano de 2013 e só ter iniciado a revisão do ato de concessão da nacionalidade portuguesa daquele no ano de 2017, diremos, à semelhança do já referido em sede de Contestação, que a decisão de cancelamento do aludido Título de Residência, por ter sido impugnada pelo aqui Recorrente, apenas se tornou definitiva em 16 de novembro de 2015 (data do trânsito em julgado do acórdão do TCA Norte de 9 de outubro de 2015), pelo que só a partir dessa data a CRC podia rever a situação de concessão da nacionalidade portuguesa do Recorrente; L. Salientando-se, quanto ao mais, o grande volume de processos existentes na CRC, relativos a pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa, para análise e decisão; M. Perante a realidade dos factos considerados provados pela sentença recorrida e aceites pelo Recorrente, não se verifica qualquer violação a direitos fundamentais daquele nem o mesmo concretiza os aspetos em que tal violação poderia ter ocorrido, pelo que também aqui lhe não assiste razão; N. Diremos, por fim, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação da lei e está bem fundamentada, não merecendo qualquer reparo, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica". * O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, emitiu douto e fundamentado Parecer, concluindo que a sentença recorrida não merece censura. * Sem vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento. * 2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA. II FUNDAMENTAÇÃO 1 . MATÉRIA de FACTO São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e fidedignidade não vêm questionados: 1) Por despacho do Senhor Conservador do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013, foi concedida ao Autor a nacionalidade portuguesa por naturalização, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, adiante designada por Lei da Nacionalidade - cf. fls. 88 a 89 do processo administrativo e doc. 3 junto com a petição inicial. 2) A decisão de concessão da nacionalidade portuguesa ao Autor assentou no facto de se mostrarem preenchidos os requisitos exigidos para o efeito, designadamente a residência em território português pelo período de seis anos, requisito comprovado, à data, por certidão e informação emitidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 27 de setembro de 2013 e 5 de novembro do mesmo ano - cf. fls. 93, 94 e 97 do processo administrativo. 3) Pelo ofício n.º 10264/GADR/13, de 10 de dezembro de 2013, do SEF, foi comunicado ao Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto que o Título de Residência emitido a S., em 17 de abril de 2006, fora cancelado por decisão de 30 de junho de 2010 - cf. fls. 4 e 5 do processo administrativo. 4) O Autor instaurou contra o Ministério da Administração Interna acção administrativa especial que correu termos neste Tribunal sob o nº 2740/11.0BEPRT, na qual peticionou a declaração de nulidade (i) da decisão de 30/06/2010 de cancelamento de autorização de residência com fundamento em o A. ter utilizado meios fraudulentos para a obtenção da autorização de residência temporária n.º P000479771, válida de 17/04/2006 a 27/02/2008 , autorização essa que lhe havia sido concedida em 17/04/2006 (ii) de não concessão de autorização de residência ao abrigo do art.º 89.º n.º 2 da Lei 23/2007 de 04/07, e (iii) de abandono de Território Nacional, e bem assim a condenação da Entidade Demandada à prática de acto administrativo devido, traduzido na concessão da autorização de residência por se encontrarem preenchidos todos os requisitos legalmente exigíveis. 5) Por sentença proferida em 26/3/2012 foi a acção julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição da Entidade Demandada dos pedidos formulados contra a mesma - cf. Processo nº 2740/11.0BEPRT. 6) Extrai-se da referida decisão judicial que “(…) Analisando criticamente os factos apurados deles não resulta que a decisão ora questionada padeça da nulidade que lhe vem assacada pelo Autor, na medida em que, conforme passaremos a explicar, por ela não foi posta em causa a presunção de inocência do arguido a que alude o art.º 32.º da CRP, e, consequentemente o núcleo duro de qualquer direito, liberdade ou garantia fundamental do Autor. É que, conforme resulta dos autos, a Entidade Demandada não procedeu ao cancelamento da autorização de residência temporária do Autor apenas com base na aludida Informação do Instituto da Segurança Social. A Entidade Demandada, na posse de tal informação, deu ao Autor a possibilidade de se pronunciar sobre a existência e validade do contrato de trabalho “alegadamente” celebrado com a empresa J.. E conforme se apurou – cfr. alínea F) dos factos assentes – foi o próprio Autor que, no exercício do seu direito de audiência previa veio confirmar a falsidade do aludido contrato de trabalho, como inequivocamente se colhe da seguinte passagem da sua resposta: «(…) Recebi uma notificação para ser ouvido, dirigi-me ao SEF e, antes de mais nada, foi-me logo dito que sabiam que o contrato que apresentei em 2005 era falso e se contasse a verdade era-me atribuído o cartão de residência que poderia renovar, se não era atribuído e teria que ir embora do país. Mostraram-me um contrato e segurança social de um empregador chamado J. e perguntaram-me se tinha trabalhado com ele ou não. Manifestei a minha vontade de colaborar e contei que não tinha trabalhado com ele e não o conhecia. (…) Esta foi, por isso uma oportunidade para as máfias ganharem dinheiro através das vítimas e tive que pagar do meu bolso para conseguir ter um valor de segurança social mais alto. Não tinha noção de estar a fazer algo errado, apenas queria poder regularizar-me e permanecer aqui no Portugal onde trabalhava 5 anos. Nunca tive intenção de enganar o SEF ou fazer algo fraudulento; e foi isto que expliquei, quer na condição de testemunha, quer na condição de arguido. Havia várias pessoas envolvidas neste processo e todas conseguiram ter autorizações de residência, que pediram por 2 anos; eu pedi por 5 anos e, por isso, teria que ser analisado pela fiscalização mas descobriram que eu tinha tido o tal contrato falso.(…)». (sublinhado nosso). Perante os factos apurados e para efeitos dos presentes autos, não colhe a argumentação do Autor segundo a qual foi violado o direito consagrado no Artº 32.º da CRP segundo o qual o arguido se presume inocente até ser condenado em julgamento, na medida em que foi o próprio Autor que, como se viu, quando confrontado pela Entidade Demandada com a informação recolhida pelos competentes serviços da segurança social, confessou ser falso o contrato de trabalho que disse ter celebrado com a referida entidade empregadora e foi o mesmo que, por sua iniciativa, revelou as razões pelas quais assim actuou, confessando, em sede de processo administrativo, os factos nos quais a Entidade Demandada assentou a decisão administrativa ora em crise. Deste modo, forçoso é concluir pelo acerto da actuação da Entidade Demandada ao proferir a decisão questionada – cancelamento de autorização de residência temporária - e ao fundamenta-la no art.º 85°, da Lei n.º 23/2007, de 04/07, segundo o qual: " a autorização de residência é cancelada quando: b) a autorização de residência tenha sido concedida com base em declarações falsas ou enganosas, documentos falsos ou falsificados, ou através da utilização de meios fraudulentos”. 7) Por Acórdão de 9/10/2015 do TCAN, foi negado provimento ao recurso interposto pelo Autor da decisão judicial proferida no processo nº 2740/11.0BEPRT. 8) Face à comunicação pelo SEF do cancelamento do Título de Residência do Autor, foi elaborada na Conservatória dos Registos Centrais a informação de 11 de outubro de 2017, propondo-se a declaração de nulidade do despacho do Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013, que concedeu a nacionalidade portuguesa ao Autor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 133.º do anterior Código do Procedimento Administrativo (CPA) ou, caso assim se entendesse, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA vigente cf. fls. 155 a 158 do processo administrativo; 9) A referida informação foi notificada ao Autor, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 121.º e 122.º do CPA, tendo aquele apresentado pronúncia - cf. fls. 159 a 160 do processo administrativo. 10) A pronúncia do Autor foi analisada na informação da Conservatória dos Registos Centrais, de 29 de novembro de 2017, na qual vem proposto que, com base nos fundamentos da anterior informação de 11 de outubro de 2017, fosse declarado nulo o despacho do Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 133.º do anterior CPA ou, caso assim se entendesse, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA vigente, cabendo a Sua Excelência a Ministra da Justiça declarar a nulidade desse despacho - cf. fls. 173 a 178 do processo administrativo. 11) Por despacho da Secretária de Estado da Justiça, de 1 de março de 2018, exarado na informação n.º I-SGMJ/2018/213, de 23.02.2018 foi declarado nulo o despacho do Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 133.º do CPA, com ressalva do disposto no n.º 3 do artigo 134.º mesmo Código - cf. fls. 179 a 190 do processo administrativo. 12) Por ofícios com data de 7 de março de 2018 foram notificados o Autor e respetiva mandatária do aludido despacho da Senhora Secretária de Estado da Justiça, de 1 de março de 2018 - cf. fls. 192 a 195 do processo administrativo. 2 . MATÉRIA de DIREITO No caso dos autos, a questão essencial a decidir resume-se em determinar se, na situação vertente, a decisão recorrida, ao julgar improcedente a presente acção administrativa, absolvendo o Ministério da Justiça do pedido de declaração de nulidade do despacho da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, de 1/3/2018, que declarou nulo o despacho do Sr. Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25/11/2013, que lhe havia concedido a nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 6.º Da Lei da Nacionalidade (Dec. Lei n.º 37/81, de 8/10), incorreu em erro de julgamento. * Lidas e relidas as alegações do recorrente, resumidas nas conclusões acima transcritas – e são estas que delimitam o objecto decidendi deste recurso jurisdicional -, além de não fazer críticas objectivas à sentença recorrida, aos fundamentos que alicerçam a sua conclusão pela improcedência da acção, carecem de razoabilidade jurídica e fáctica as “novas” razões agora adiantadas pelo recorrente. Antes de passarmos à sentença do TAF do Porto, evidenciando a ausência de críticas à mesma por parte do recorrente, nesta sede recursiva apelativa, importa referir que, se é verdade que inexiste qualquer decisão judicial que sustente a falsidade das declarações do recorrente, sempre se pode questionar para quê e com que fins? Se o próprio requerente confessou a falsidade das suas declarações que importaram que lhe fosse concedida a autorização de residência, apenas importaria tirar as necessárias e pertinentes consequências desses pressupostos fácticos em que se basearam. Com que fim uma decisão judicial a confirmar essas declarações e sua falsidade???. Se alguma crítica se pode imputar ao procedimento as mesmas apenas residem na demora de todo este procedimento, a sua materialidade objectiva é inquestionável. Depois de ter transitado em julgado – após decisão deste TCA de 9/10/2015 –no Proc. 2740/11.0BEPRT – a decisão de cancelamento da autorização de residência, por terem sido usado meios fraudulentos, confirmando-a, em dissintonia com os desideratos do recorrente aí tratados, outra não poderia ter sido a decisão da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, de 1/3/2018, aqui questionada, ao declarar nulo o acto que havia concedido ao recorrente a nacionalidade portuguesa. As normas legais aplicáveis Cfr. Art.º 6.º n.º 1 da Lei da Nacionalidade (Dec. Lei L n.º 37/81, de 8/10), que, sob a epigrafe “Requisitos”, requisitos de verificação cumulativa e dos quais depende a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, nomeadamente o previsto na alínea b), pelo que, basta o seu não preenchimento para que a concessão da nacionalidade portuguesa não ocorra, sendo estritamente vinculada a actuação da Administração. Por sua vez, estabelece, por sua vez o n.º 1 do art.º 15.º da mesma Lei, que “Para efeitos do disposto nos artigos precedentes, entende-se que residem legalmente no território português os indivíduos que aqui se encontram com a sua situação regularizada perante as autoridades portuguesas, ao abrigo de qualquer dos títulos, vistos ou autorizações previstas no regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros e no regime do direito de asilo”. e os princípios jurídicos que enformam a actuação administrativa não possibilitam outra solução, nem mesmo os reiterados apelos do recorrente em prol da sua posição infirmam as conclusões/decisões tomadas. * Demonstrando a real inexistência de objectivas críticas à sentença do TAF do Porto, nada melhor que transcrevê-la, anda que parcialmente. Assim, escreveu-se nesse aresto da 1.ª instância: “… Conforme decorre do probatório, à data em que foi concedida a nacionalidade portuguesa, isto é, em 25 de novembro de 2013, havia informações que apontavam no sentido de que o Autor reunia todos os requisitos cumulativos a que se reporta o n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, nomeadamente o requisito previsto na sua alínea b), isto é, “residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos”, situação que foi atestada e confirmada, junto da Conservatória dos Registos Centrais, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos constantes do n.º 5 do artigo 27.º e da alínea b) do n.º 7 do artigo 37.º do Regulamento da Nacionalidade aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro. Na verdade, para avaliação do cumprimento do mencionado requisito da residência legal em território português há pelo menos seis anos, a Conservatória do Registo Civil do Arquivo Central do Porto teve por base a certidão enviada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 27 de setembro de 2013, atestando que o Autor era residente legal em território português desde 21 de fevereiro de 2001, e também a informação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras constante do ofício com a referência 30.180/2011, de 5 de novembro de 2013, onde se refere não constarem dados desabonatórios em relação ao Autor para efeitos de concessão da nacionalidade portuguesa. Acontece que, posteriormente, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras comunicou à Conservatória do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, através do ofício n.º 10264/GADR/13, de 10 de dezembro de 2013, que os dados transmitidos na certidão de 27 de setembro de 2013 e informação de 5 de novembro de 2013 e destinados a comprovar o requisito da residência legal em território português do Autor, não correspondiam à verdade por terem aqueles serviços constatado que o último Título de Residência do Autor havia sido cancelado por decisão de 30 de junho de 2010. Nessa medida, face aos novos dados comunicados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi revisto o ato de concessão da nacionalidade portuguesa concedida ao Autor, ou seja, o ato do Senhor Conservador da Conservatória do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013 face ao erro de facto que conduziu à prolação do ato de 25 de novembro de 2013, uma vez que a verificação do requisito da residência legal em território português teve por base declarações fraudulentas prestadas pelo Autor perante o SEF, conforme indubitavelmente resulta provado nos autos nº 2740/11.0BEPRT, na qual o ora Autor peticionou a declaração de nulidade da decisão de 30/06/2010 de cancelamento de autorização de residência, autorização essa que lhe havia sido concedida em 17/04/2006, tendo aí sido decido por sentença, proferida em 26/3/2012, confirmada por Acórdão do TCAN de 9/10/2015, que a decisão de cancelamento de autorização de residência não padecia de nenhum vício invalidante e, consequentemente, julgou a acção totalmente improcedente. Para assim decidir, o tribunal considerou que a decisão de cancelamento da autorização de residência não padecia de nulidade por violação do princípio da inocência do arguido a que alude o art.º 32.º da CRP, e, consequentemente o núcleo duro de qualquer direito, liberdade ou garantia fundamental do Autor, uma vez que foi dada ao Autor a possibilidade de se pronunciar sobre a existência e validade do contrato de trabalho “alegadamente” celebrado com a empresa J. e, conforme foi apurado foi o próprio Autor que, no exercício do seu direito de audiência previa veio confirmar a falsidade do aludido contrato de trabalho, tendo sido o mesmo que revelou as razões pelas quais assim actuou, confessando, em sede de processo administrativo, os factos nos quais a Entidade Demandada assentou a decisão administrativa ora em crise. Concluiu-se, assim, pelo acerto da actuação da Entidade Demandada ao proferir a decisão de cancelamento de autorização de residência temporária e ao fundamentá-la no art.º 85°, da Lei n.º 23/2007, de 04/07, segundo o qual, a autorização de residência é cancelada quando: b) a autorização de residência tenha sido concedida com base em declarações falsas ou enganosas, documentos falsos ou falsificados, ou através da utilização de meios fraudulentos. Ora, em face da declarada validade do acto que cancelou a autorização de residência do autor em território nacional e, sendo certo que a concessão da nacionalidade portuguesa foi sustentada na existência de uma autorização de residência válida que se veio a apurar não ocorrer, impunha-se, como veio a ser decidido pela Entidade Demandada em 1 de março de 2018, no sentido da nulidade do despacho do Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013, que havia concedido ao Autor a nacionalidade portuguesa por naturalização, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, sustentada na informação n.º I-SGMJ/2018/213, de 23.02.2018, por falta de um dos requisitos essenciais desse ato, isto é, residência legal em território português há pelo menos seis anos. … In casu o erro de facto em que incorreu a entidade demandada ao proferir decisão de concessão de nacionalidade portuguesa ao Autor resulta da circunstância de terem sido dados como verificados todos os pressupostos necessários à concessão de nacionalidade portuguesa quando se veio a apurar que a autorização de residência e permanência em território português havia sido concedida ao Autor com base em elementos fraudulentos que o Autor, como resulta do probatório, reconheceu como tal. O que temos, por conseguinte, é uma divergência entre os pressupostos (de facto) de que o autor do ato partiu para proferir a decisão e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado erroneamente na decisão administrativa factos que, afinal, não se verificavam, tendo sido o destinatário do acto a dar causa a essa errónea perceção da realidade e, consequentemente a determinar a prática de um acto – autorização de residência em território nacional. Em face disso, isto é, perante a autorização de residência, que se veio a revelar sustentada em documentos reconhecidamente falsos e que motivaram o seu cancelamento bem assim como que tal autorização constituiu um dos pressupostos para a prática de outro acto – de concessão de nacionalidade portuguesa –, é óbvio que, face a essa realidade, este último acto não se podia manter na ordem jurídica, razão pela qual foi praticado o acto ora impugnado que declarou nulo o acto anterior de concessão de nacionalidade portuguesa uma vez que o mesmo padecia de um vício especialmente grave originado pelo próprio destinatário e interessado na obtenção de decisão favorável à sua pretensão. Na verdade, “…entende-se que nos casos de nulidade (aos quais se associam, por via interpretativa, os de anulabilidade grave, por ex. aqueles em que a norma de procedimento está ao serviço de um direito substantivo particularmente relevante) são os próprios fundamentos do sistema que são postos em crise por esse “vício absoluto”. A atribuição de quaisquer efeitos jurídicos, ainda que colaterais, ao acto nulo representaria uma entorse intolerável na estrutura normativa do Estado” - Acórdão do STA, de 22.06.2006, no processo n.º 0805/03. Note-se que, perante esta realidade, não pode beneficiar o Autor de qualquer protecção ao abrigo do princípio da confiança, princípio dependente, desde logo, de se ter de estar em face de uma confiança legitima o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade percetível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio. Nos termos do disposto no artº 162º do CPA, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade – nº1 do artº 162º do CPA - nulidade essa que é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, podendo ser também a todo o tempo, conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação (nº2), razão pela qual, podia a todo tempo, a Entidade Demandada declarar a nulidade, como fez, de acto de concessão de nacionalidade portuguesa, sustentado em factos inverídicos para os quais o comportamento do Autor foi determinante. …”. * Impõe-se, deste modo, manutenção da decisão recorrida, improcedendo o recurso jurisdicional, o que se decidirá. III DECISÃO Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida. * Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. * Notifique-se. DN. Porto, 5 de Novembro de 2021 Antero Salvador Helena Ribeiro Conceição Silvestre _____________________________________ i) Cfr. Art.º 6.º n.º 1 da Lei da Nacionalidade (Dec. Lei L n.º 37/81, de 8/10), que, sob a epigrafe “Requisitos”, requisitos de verificação cumulativa e dos quais depende a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, nomeadamente o previsto na alínea b), pelo que, basta o seu não preenchimento para que a concessão da nacionalidade portuguesa não ocorra, sendo estritamente vinculada a actuação da Administração. Por sua vez, estabelece, por sua vez o n.º 1 do art.º 15.º da mesma Lei, que “Para efeitos do disposto nos artigos precedentes, entende-se que residem legalmente no território português os indivíduos que aqui se encontram com a sua situação regularizada perante as autoridades portuguesas, ao abrigo de qualquer dos títulos, vistos ou autorizações previstas no regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros e no regime do direito de asilo”. |