Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01901/10.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/08/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INCOMPETÊNCIA TRIBUNAL EM RAZÃO MATÉRIA
CONSEQUÊNCIAS
Sumário:I-Verificando-se a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria, o tribunal terá de absolver da instância o Réu (e não ordenar a remessa dos autos ao tribunal competente).
II-Resulta do disposto no n.º 2 do artº 14º do CPTA que, quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa, deverá o tribunal administrativo declarar a sua incompetência e, em consequência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 101.º, 102.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 494.º alínea a) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, absolver o Réu da instância.
II.1-Os motivos, de ordem meramente pragmática, não legitimam a remessa dos autos, ao arrepio da lei e do princípio basilar do direito segundo o qual onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.*
*Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:03/01/2012
Recorrente:Instituto da Segurança Social, IP
Recorrido 1:C. ... e D. ..., Ldª
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Deve ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
CG. …, já identificado nos autos, intentou acção administrativa comum com processo ordinário contra o Instituto da Segurança Social, IP e D. …, Lda pedindo a condenação desta a reconhecer como estando em falta os descontos relativos ao trabalho prestado desde Janeiro de 2002 até Junho de 2004 e que os mesmos constituem matéria colectável pela Segurança Social, bem como a sua condenação a proceder aos respectivos pagamentos contributivos, com a condenação do 1º Réu a proceder à cobrança coerciva, através das secções de processos da Segurança Social, das quotizações e contribuições em dívida.
Por despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi julgado o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciação dos pedidos formulados e ordenada a remessa dos autos para o tribunal competente, no caso, para o Tribunal Tributário de Braga.
Desta decisão vem interposto o presente recurso.
Na alegação o Instituto da Segurança Social, IP (ISS,I.P) concluiu assim:
A. Veio o Tribunal Administrativo de Braga, na decisão de que ora se recorre, proferida a 14-9-2011 e notificada ao R. a 19-9-2011, declarar-se incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito dos autos, e ordenar a remessa dos mesmos para o tribunal competente, no caso, para o Tribunal Tributário de Braga;

B. Assim cometendo o vício de violação de lei, no entendimento do R. ora recorrente, pois, ainda que se admita a competência do tribunal tributário para apreciar a questão sub judice, cabe salientar que a incompetência material do tribunal administrativo configura uma excepção dilatória que importa a absolvição do R., ora recorrente, da instância, porquanto,

C. Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 14.º do CPTA que, quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa, deverá o tribunal administrativo declarar a sua incompetência e, em consequência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 101.º, 102.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 494.º alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, absolver o R. da instância;

D. Como salientam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 3.ª Edição Revista, 2010, pág. 128, “O mesmo princípio (que importa a absolvição da instância e não a remessa do processo) é aplicável quando se entenda que o objecto da acção versa sobre questão fiscal, caso em que a respectiva competência pertence aos tribunais tributários.”;

E. Devendo em consequência ser a decisão a quo, na parte em que ordena a remessa dos autos para o Tribunal Tributário, revogada, por violação de lei, com referência ao disposto nos artigos 14.º, n.º 2 do CPTA e 494.º alínea a), 493.º, n.º 2 primeira parte e 101.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 1.º do CPTA.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, por incorrer no vício de violação de lei, por referência aos artigos 14.º n.º 2 do CPTA e 101.º, 102.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 494.º alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, substituindo-se por outra que determine a absolvição do R., ora recorrente, da instância.
X
O Autor, aqui Recorrido, contra-alegou e concluiu que:
A- O Instituto da Segurança Social, l.P (ISS,lP), melhor identificado nos autos, notificado da decisão proferida a 14 de Setembro, e não se conformando com a mesma veio interpor recurso ordinário da decisão jurisdicional.
B- Contudo, salvo o devido respeito não se vislumbram quaisquer vícios que possam ser imputados à decisão recorrida.
C- E, não se vislumbra qualquer falta de legitimação ao ser ordenada a remessa oficiosa dos autos ao Tribunal competente.
D- Nem, sequer, aquelas que a Recorrente enuncia.
E- A decisão em causa, apenas decide sobre a competência do Tribunal recorrido, não tem assim que pronunciar-se sobre o mérito da causa.
F- Ora, a Ré, Recorrente, não tem legitimidade para a interposição de recurso, uma vez que a referida decisão, não acarreta qualquer resultado negativo na sua esfera jurídica, antes de mais, deveria a mesma, salvo o devido respeito manifestar interesse na apreciação da verdade material.
G- Não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício de violação de lei, não se impondo, assim, qualquer revogação da mesma.
H- Diversamente, do que ocorre no processo civil, no CPTA, a matéria da competência encontra-se simplificada, todas as questões relativas a competências dos Tribunais Administrativos, desde a respeitante ao âmbito de jurisdição administrativa até à mera competência territorial, são de conhecimento oficioso, o efeito da verificação de incompetência e a de remessa do processo ao tribunal competente.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, por inexistência de vício de violação de lei.
O PGA junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, uma vez que a decisão recorrida fez correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.
E adianta”A determinação do tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo recorrente afere-se em função dos termos em que a acção vem proposta e com os fundamentos em que ela se estriba e não com as pessoas das partes, a sua legitimidade, ou a procedência da acção.
Analisada a petição, verifica-se do pedido que a matéria em discussão tem a ver com o pagamento das contribuições para a segurança social questão que, é de natureza tributária ou parafiscal.
A natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social, devidas pelas entidades patronais, tem sido uniformemente qualificada na jurisprudência administrativa e fiscal, como tributária.
….
Entendendo-se por “questões fiscais” as que emergem de soluções autoritárias que imponham aos particulares o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos.”

A competência para conhecer da presente acção pertence aos tribunais tributários…”.


O Instituto da Segurança Social respondeu a este parecer, sustentando, mais uma vez, que o objecto do recurso não é saber se a matéria em causa nos autos é ou não de natureza tributária, mas sim a consequência legal daí decorrente-cfr. fls. 273 e seg.
O recorrido também respondeu, limitando-se apenas a acompanhar a posição defendida pelo MP-cfr. fls. 277 e seg..
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
É objecto de recurso a decisão que julgou assim: “nos termos dos art.ºs 44º do ETAF, 2º, n.º 2 a contrario do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 49º, n.º1 alínea a), iv do ETAF julga-se este Tribunal Administrativo incompetente em razão da matéria. Mais se determina que, após trânsito em julgado, os presentes autos sejam remetidos ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga.”.
Ou seja, o TAF de Braga, (secção administrativa) declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito dos autos e ordenou a remessa dos mesmos para o tribunal competente, no caso, para o Tribunal Tributário também de Braga.
O recorrente assaca a esta decisão o vício de violação de lei, porquanto, embora admitindo a competência do tribunal tributário para apreciar a questão sub judice, considera que o tribunal administrativo devia antes ter configurado o caso como uma excepção dilatória, que conduz à absolvição da instância do Réu.
Adianta-se já que tem toda a razão.
Na verdade, a decisão sob recurso, sem se pronunciar sobre o mérito, pôs-lhe termo, no âmbito do contencioso administrativo, e mandou prosseguir os autos no contencioso tributário, para o qual ordenou a remissão do processo, o que a fere de ilegalidade e confere à parte legitimidade para recorrer, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artº 142º do CPTA.
Tem o Réu, ora recorrente, legitimidade para a interposição do recurso, pois a decisão recorrida, em abstracto que seja, importará para a sua esfera jurídica um resultado negativo, traduzido na remessa do processo para a jurisdição tributária, em clara violação das regras estabelecidas no CPTA no que à (in)competência material do tribunal diz respeito.
Contrariamente ao aventado pelo recorrido, assiste ao recorrente interesse em agir, pressuposto da legitimidade para recorrer.
Por outro lado, resulta do disposto no n.º 2 do artº 14º do CPTA que, quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa, deverá o tribunal administrativo declarar a sua incompetência e, em consequência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 101.º, 102.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 494.º alínea a) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, absolver o R. da instância.
Como salientam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 3.ª Edição Revista, 2010, pág. 128, “a incompetência em razão da matéria implica a absolvição da instância, nos termos do n.º 2 deste artigo, e não a remessa oficiosa ao tribunal competente, e verifica-se quando a questão que constitui objecto do litigio pertence a uma outra ordem de jurisdição (Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunal de Conflitos, tribunais judiciais). O mesmo princípio é aplicável quando se entenda que o objecto da acção versa sobre questão fiscal, caso em que a respectiva competência pertence aos tribunais tributários. Isso porque a expressão “jurisdição administrativa” é usada no n.º 2 com o sentido e alcance que lhe é atribuído no artigo 13.º, pretendendo delimitar o âmbito de competência dos tribunais administrativos por referência a litígios que tenham por base relações jurídicas administrativas, sendo para o caso irrelevante a unicidade do regime de organização e funcionamento dos tribunais administrativos e tributários.”
O mesmo autor, em anotação ao artº 13.º, pág. 126 esclarece “por jurisdição administrativa, para efeitos deste artigo, como nos dois seguintes, deve entender-se o conjunto dos tribunais administrativos de círculo, com exclusão dos tribunais tributários, e, nos TCAs e no STA, a secção de contencioso administrativo, com exclusão da secção de contencioso tributário.”
É, pois, para nós claro que caberia ao tribunal a quo julgar provada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria e absolver o Réu da instância, (por se dever considerar que os tribunais tributários não pertencem à jurisdição administrativa, não obstante a agregação, na maioria do país, da área administrativa e tributária).
Os motivos, de ordem meramente pragmática, não legitimam a remessa dos autos, ao arrepio da lei e do princípio basilar do direito segundo o qual onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
Prescreve o nº 1, do artº 9º do CC que à actividade interpretativa não basta o elemento literal das normas e que é essencial a vontade do legislador, captável no quadro do sistema jurídico, das condições históricas da sua formulação e, numa perspectiva actualista, na especificidade do tempo em que são aplicadas.
No nº 2 estabelece-se, por seu turno, que a determinação da vontade legislativa não pode abstrair da letra da lei, isto é, do significado da sua expressão verbal.
Finalmente, no nº 3, dispõe-se, por apelo a critérios de objectividade, que o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei, deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 58 e 59).
No fundo, o referido normativo expressa os princípios doutrinários consagrados ao longo do tempo sobre a interpretação das leis, designadamente o apelo ao elemento literal, por um lado, e aos de origem lógica - mens legis ou fim da lei, histórico ou sistemático - por outro.
Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21 a 26).
Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais do Direito Civil, vol. 1º, 6ª ed., pág. 145).
Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do artº 9º do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir; mesmo que se possa entender que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham, este não será manifestamente o caso.
Procedem, pois, todas as conclusões da alegação.
A decisão recorrida, conforme defendido, padece do vício de violação de lei, com referência aos artºs 14.º n.º 2 do CPTA e 101.º, 102.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 494.º alínea a) do CPC, ex vi artº 1.º do CPTA, na parte em que determina a remessa dos autos para o Tribunal Tributário de Braga, razão pela qual não pode manter-se na ordem jurídica.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão posta em crise e absolve-se o Réu, ora recorrente, da instância.
Custas pelo Recorrido.
Notifique e D.N..
Porto, 08/06/2012
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro
Ass. José Augusto Araújo Veloso