Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00694/23.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL;
ATRASO NA JUSTIÇA;
Sumário:
I - A duração excessiva de um processo causa nas partes (independentemente de se tratarem de pessoas singulares ou colectivas) um dano não patrimonial que estas têm de alegar mas que se presume, como tem sido jurisprudência do TEDH.

II - Ao contrário dos danos não patrimoniais (comuns) que (uma vez alegados) se presumem, os danos patrimoniais concretamente sofridos pelos lesados carecem de densificação e de prova que, na generalidade dos casos, não se bastará com presunções judiciais.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte

I – Relatório:
«AA» e [SCom01...], LDA intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a presente ação administrativa contra o Estado Português pedindo que seja o R. condenado a pagar-lhe:
a) uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 1.200,00€ por ano para a autora «AA» no valor de 12.800,00 €, que tem em conta o processo desde o seu início até à modificação subjectiva da instância.
b) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 1.200,00€ por ano para a autora [SCom01...], LDA, no montante de 9.600,00€, que tem em conta a sua intervenção desde a modificação subjectiva da instância até ao acórdão do STA.
c) Para o caso hipotético de se entender que a autora «AA» não tem qualquer direito porque cedeu os seus direitos pela escritura de permuta que originou a modificação subjectiva da instância, deve condenarse o Estado a pagar aquela soma de valores de 22.400,00 € à autora [SCom01...], LDA.
d) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
e) Condenar-se o Estado a pagar à autora «AA» a título de danos patrimoniais causados pela demora do processo nº 124/03.2BTPRT na fase declarativa até à modificação subjectiva da instância a quantia que for julgada equitativa ou ser essa determinação relegada para a liquidação de sentença.
f) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento,
g) Caso se entenda que a dita «AA» não tem direito, atenta a escritura de permuta e cessão de direitos e obrigações, deve a respectiva verba ser considerada a favor da autora [SCom01...], LDA, com os respectivos juros desde a citação.
h) Condenar-se o Estado a pagar à autora [SCom01...], LDA a título de danos patrimoniais causados pela demora do processo nº 124/03.2BTPRT quer na fase declarativa quer na fase executiva a quantia que for julgada equitativa ou ser essa determinação relegada para a liquidação de sentença.
i) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
j) Deve condenar-se o Estado a pagar à autora [SCom01...], LDA a quantia de 1.500,00 € por cada ano que demorar o processo de execução da sentença condenatória, no processo com o nº 124/03.2BTPRT em todas as suas vertentes, até ao pagamento e até à conclusão da obra referida na sentença condenatória transitada e/ou até ao efectivo termo/trânsito do processo judicial 124/03.2BTPRT.
k) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
l) Deve condenar-se o Estado a pagar à autora [SCom01...], LDA a quantia de 1.500,00 € a título de danos não patrimoniais ou morais por cada ano que demorar este processo agora instaurado no TAF, em se queixa da duração de processo anterior nº 124/03.2BTPRT, caso demore mais de um ano até ao seu trânsito.
m) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Por sentença de 10 de abril de 2024 foi a ação julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi o R. condenado a pagar à 1.ª Autora uma indemnização de € 12.800,00 (doze mil e oitocentos euros e zero cêntimos) por danos morais, acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença, bem quaisquer de quantias que sejam devidas a título de obrigações fiscais pelo recebimento das quantias indemnizatórias, tendo sido absolvido do demais peticionado.

As AA. não se conformando com o julgado, recorrem de tal sentença formulando as seguintes conclusões:
1. A autora [SCom01...], Lda esteve 9 anos só ela à espera de uma decisão.
2. Às pessoas colectivas é de presumir o dano moral, não sendo necessária a alegação concreta de danos eventualmente produzidos na esfera jurídica da pessoa colectiva.
3. O bem jurídico em causa relaciona-se com o desenvolvimento da actividade económica, cujo impacto na delonga do processo afectou a actividade das autoras.
4. Sendo certo que a delonga na obtenção de decisão judicial final terá necessariamente causado transtornos e criado uma incerteza na gestão da actividade económica, uma tal incerteza corresponde a um dano não patrimonial.
5. Bastam estas citações da sentença para concluir que o tribunal reconhece que a delonga na obtenção de decisão judicial final terá necessariamente causado transtornos e criado uma incerteza na gestão da actividade económica, uma tal incerteza corresponde a um dano não patrimonial.
6. Facto que os tribunais superiores devem dar como provado.
7. Para as pessoas colectivas presume-se o dano moral conforme jurisprudência nacional e europeia do TEDH.
8. Em vários processos foi Portugal várias vezes condenado a pagar uma indemnização por danos morais presumidos a sociedades.
9. O STA condenou o Estado a pagar danos morais a uma sociedade pela morosidade do processo no processo n.° 1453/18.6BELRA.
10. O Estado deve ser condenado a pagar à autora–sociedade os danos morais causados com a demora da justiça no valor peticionado.
11. É inquestionável que os 19 anos de demora da justiça e os que ainda vai demorar a execução do julgado causam dano patrimonial à autora [SCom01...], Lda e à autora «AA».
12. Se o processo demorasse um ou dois anos, se a Câmara executasse as obras em tempo, o dano não seria tão grande, a fracção “W” poderia ser rentabilizada, vendida, aplicado o dinheiro, a sociedade teria feito bons negócios se aí voltasse a reabrir estabelecimento, etc. etc.
13. Em qualquer circunstância, houve uma perda de chance de ganho pelo atraso do processo.
14. Pela impossibilidade de uso da fracção a Câmara nada foi condenada a pagar à «AA». Pelo que esta também teve danos patrimoniais.
15. A indemnização fixada no processo em crise foi apenas para a impossibilidade de acesso físico e uso da fracção W.
16. Mas o direito de propriedade também consiste em fruir e dispor, faculdades essas que não foram indemnizadas.
17. Ninguém pagou os danos emergentes e lucros cessantes que as autoras poderiam ter se o processo fosse célere.
18. As autoras não podem provar como estão os bens lá dentro porque não têm acesso, por culpa da duração do processo. Se tivesse durado menos, a Câmara já teria resolvido o assunto e os prejuízos seriam menores.
19. As autoras como ninguém, não são obrigadas a guardar documentos por mais de 10 anos, que já passaram já muito.
20. Por isso, nada podem provar.
21. As sociedades destinam-se a ter lucros.
22. Os tribunais devem ter em conta a matéria provada no processo de que se queixam, pois aí ainda existiam documentos e a prova foi feita e controlada por várias instâncias judiciais
23. As autoras não podiam juntar ou fabricar documentos pois não laboravam por culpa da duração do processo.
24. A sentença não responde às seguintes perguntas: 1. Como poderia a loja render algo se não teve acesso durante 19 anos por culpa da duração do processo e ainda continua sem acesso? 2. Como podiam as autoras juntar docs dos lucros desenvolvidos na fracção W se ela estava encerrada por falta de acesso, durante 19 anos e continua sem acesso? 3. Quem as indemniza da clientela perdida durante 19 anos? 4. Quem quer um armazém sem acesso durante 19 anos? 5. Como pode a sociedade explorar a loja? 6. Por onde entram os camiões, as mercadorias e as pessoas? 7. Una sociedade não se destina a laborar? 8. Quem compra essa loja sem acesso? 9. Quanto vale sem acesso? 10. Como a pode vender? 11. Ou arrendar? 12. Ou emprestar? 13. Ou dispor?
25. A estas perguntas têm de responder os tribunais superiores pois acima ainda existe um Tribunal em Estrasburgo que se chama Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a imprensa nacional para publicitar o assunto.
26. No mínimo, deve relegar-se o dano patrimonial para o que se fixar em liquidação ou ser fixado equitativamente
27. No cálculo da indemnização por atraso na justiça, e segundo a jurisprudência do TEDH, deve contabilizar-se a duração total da causa, e não apenas o tempo excedente ao prazo tido por razoável.
28. A indemnização referida, de cerca de 1.000€/1.500€ por ano, deve ser contabilizada relativamente aos anos de duração total do processo.
29. A Convenção tem primado sobre o direito nacional e obriga os tribunais que são obrigados a seguir a sua jurisprudência.
30. Tendo o processo durado 19 anos há inversão do ónus da prova a favor das autoras.
31. Doutra forma ficam os direitos das autoras sem tutela jurídica e judicial e isso viola o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu segmento: Direito a um tribunal, Direito de acesso a um tribunal, Direito a que a sua causa seja julgada por um tribunal.
32. A sentença viola a Carta dos direitos fundamentais da União Europeia, nomeadamente os artigos 47 e 52 e 53.
33. Devem ser formuladas as seguintes questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia ao abrigo do artigo 267º do Tratado da União Europeia: Viola o artigo 47 e 52 e 53 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia…: 1. O facto de as autoras-recorrentes serem obrigadas a provar o dano patrimonial quando o processo por demora da justiça demorou 19 anos? 2. E quando não são obrigadas a guardar os documentos por mais de 10 anos? 3. Quando o estabelecimento está encerrado há dezanove anos por falta de acesso provocado por órgão do Estado? 4. Quem tinha o ónus da prova nessas circunstâncias 5. A exigência de prova do dano nessas condições priva as autoras da tutela jurídica e judicial efectiva? 6. A não apreciação do dano patrimonial priva as autoras da tutela jurídica e judicial efectiva? 7. As exigências contidas na sentença e impostas às autoras violam o princípio da proporcionalidade?
34. Foi violado também o artigo 1º e 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
35. Que deveriam ser interpretados e aplicados no sentido das conclusões precedentes.
36. Pelo que deve ser revogada a sentença e condenado o Estado no pedido como segue: Pedido Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, deve: 1. Declarar-se que o ESTADO violou o artigo 20º, n ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável” no processo nº 1138/03 que correu no 5º Juiz do TAF do Porto, tendo depois corrido na unidade orgânica -2, mais tarde com o nº 124/03.2BTPRT. 2. Em consequência, condenar-se o Réu Estado a pagar às autoras: a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 1.200,00€ por ano para a autora «AA» no valor de 12.800,00 €, que tem em conta o processo desde o seu início até à modificação subjectiva da instância. AQUI MANTER-SE A CONDENAÇÃO b) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 1.200,00€ por ano para a autora [SCom01...], LDA, no montante de 9.600,00€, que tem em conta a sua intervenção desde a modificação subjectiva da instância até ao acórdão do STA. c) Para o caso hipotético de se entender que a autora «AA» não tem qualquer direito porque cedeu os seus direitos pela escritura de permuta que originou a modificação subjectiva da instância, deve condenarse o Estado a pagar aquela soma de valores de 22.400,00 € à autora [SCom01...], LDA. d) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. e ) Condenar-se o Estado a pagar à autora «AA» a título de danos patrimoniais causados pela demora do processo nº 124/03.2BTPRT na fase declarativa até à modificação subjectiva da instância a quantia que for julgada equitativa ou ser essa determinação relegada para a liquidação de sentença. f) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, g) Caso se entenda que a dita «AA» não tem direito, atenta a escritura de permuta e cessão de direitos e obrigações, deve a respectiva verba ser considerada a favor da autora [SCom01...], LDA, com os respectivos juros desde a citação. h) Condenar-se o Estado a pagar à autora [SCom01...], LDA a título de danos patrimoniais causados pela demora do processo nº 124/03.2BTPRT a quantia que for julgada equitativa ou ser essa determinação relegada para a liquidação de sentença i)Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. 3. E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do réu, nomeadamente IVA e IRS e IRC
O Estado Português apresentou contra-alegações, concluindo o seguinte:
1. As Recorrentes AA. vieram interpor recurso da douta sentença proferida nos autos em 10-04-2024, que condenou o Réu Estado Português a pagar à primeira A. uma indemnização de € 12.800,00 (doze mil e oitocentos euros) por danos morais, acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença, bem como quaisquer quantias que sejam devidas a título de obrigações fiscais pelo recebimento das quantias indemnizatórias e absolveu o Réu do demais peticionado.
2. Pretendem as recorrentes, em suma, que seja revogada a sentença proferida e substituída por outra que condene o Réu Estado a pagar às AA: «a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 1.200,00€ por ano para a autora «AA» no valor de 12.800,00 €, que tem em conta o processo desde o seu início até à modificação subjectiva da instância. AQUI MANTER-SE A CONDENAÇÃO b) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 1.200,00€ por ano para a autora [SCom01...], LDA, no montante de 9.600,00€, que tem em conta a sua intervenção desde a modificação subjectiva da instância até ao acórdão do STA. c) Para o caso hipotético de se entender que a autora «AA» não tem qualquer direito porque cedeu os seus direitos pela escritura de permuta que originou a modificação subjectiva da instância, deve condenar-se o Estado a pagar aquela soma de valores de 22.400,00 € à autora [SCom01...], LDA. d) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. e ) Condenar-se o Estado a pagar à autora «AA» a título de danos patrimoniais causados pela demora do processo nº 124/03.2BTPRT na fase declarativa até à modificação subjectiva da instância a quantia que for julgada equitativa ou ser essa determinação relegada para a liquidação de sentença. f) Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento g) Caso se entenda que a dita «AA» não tem direito, atenta a escritura de permuta e cessão de direitos e obrigações, deve a respectiva verba ser considerada a favor da autora [SCom01...], LDA, com os respectivos juros desde a citação. h) Condenar-se o Estado a pagar à autora [SCom01...], LDA a título de danos patrimoniais causados pela demora do processo nº 124/03.2BTPRT a quantia que for julgada equitativa ou ser essa determinação relegada para a liquidação de sentença. i)Tudo com Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.»
3. De acordo com a motivação e conclusões do recurso, este prende-se, em súmula, com as seguintes questões: a) Verificação ou não dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, em especial dos danos, na parte em que o tribunal a quo julgou a presente ação improcedente; b) Admissibilidade da “formulação” de “questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Questão prévia: da estabilização da matéria de facto
4. As AA não declararam recorrer da matéria de facto, nem o seu recurso cumpre os requisitos para tal efeito.
5. Na verdade, na impugnação da decisão da matéria de facto apurada de 1ª. Instância a lei processual civil – art. 640.º, n.º 1, CPC - impõe ao recorrente um ónus rigoroso, devendo, nas alegações de recurso, especificar, obrigatoriamente não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
6. Assim, a decisão sobre a matéria de facto estabilizou e não é suscetível de alteração. Conforme refere o Ac. STJ de 07-12-2023, proferido no proc. 2017/11.0TVLSB.L1, S.1 (disponível em www.dgsi.pt ), não é legítimo, sem sede de recurso, reformular a matéria de facto dada como não provada, alterando os factos.
7. Consequentemente, no presente recurso apenas está em causa verificar se, perante os factos dados como provados e não provados na sentença, o tribunal fez uma boa aplicação do direito.
8. Entende-se ser necessária esta chamada de atenção prévia, porquanto está subjacente a toda a argumentação das Autoras a não aceitação da decisão sobre matéria de facto (nomeadamente quanto aos danos não provados) sem que tenha havido recurso da mesma.
Das razões do desacordo das AA com a sentença
9. Resulta das alegações das AA e das suas conclusões que as mesmas não se conformam com a sentença na medida em que: - não condenou o Réu em indemnização por danos não patrimoniais à segunda Autora; - não condenou o Réu em indemnização por danos patrimoniais a cada uma das Autoras.
Vejamos:
Dos eventuais danos não patrimoniais da segunda Autora “[SCom01...], Lda.”
10. Não se questiona – sendo atualmente pacífico – que as pessoas coletivas têm direito a ser ressarcidas por danos de natureza não patrimonial (vide neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ, de 4.11.2004, 27.11.2003 e 5.10.2002, respetivamente Proc. nº 04B1877, 03B3692 e 03B1581, disponíveis em www.dgsi.pt).
11. Todavia, atenta a natureza da própria pessoa coletiva, esses danos não patrimoniais têm que resultar da violação de um direito de personalidade seu – como o seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade – que gere um descrédito tal na comunidade envolvente que frustre a sua capacidade de prossecução do seu fim, tal como o fazia até então.
12. Nos presentes autos não se mostra provado que a segunda A. tivesse sofrido qualquer dano não patrimonial com a alegada omissão de decisão em prazo razoável.
13. Nem sequer são alegados factos dos quais resulte qualquer eventual perda de prestígio ou que a sua consideração ou imagem tivessem saído minimamente diminuídas ou abaladas.
14. Ora, conforme bem refere a douta sentença recorrida, na esteira do AC. TCAS de 17-02-2022 (Proc. n.º 91/16.2BEAVR), os danos não patrimoniais das pessoas coletivas não se presumem. Não são danos “automáticos”, podem ser elididos, pelo que carecem de alegação e posterior verificação pelo juiz em função do caso concreto.
15. No caso, face à matéria de facto assente, não se pode afirmar que a segunda A. sofreu qualquer dano não patrimonial, pelo inexiste obrigação de indemnizar a mesma.
Dos eventuais danos patrimoniais
16. Da matéria de facto dada como provada – a qual as AA não colocaram em crise, conforme já se salientou – também não constam quaisquer factos que permitam concluir que as AA sofreram danos patrimoniais.
17. Aliás, as AA não definem ou concretizam minimamente tais alegados danos, pelo que o processo não contém matéria de facto que permita fundamentar esta pretensão das AA. Ou seja, ainda que se desse como provado tudo o que é alegado pelas AA na p.i., tal não teria a concretização mínima que permitisse afirmar a existência de danos patrimoniais precisos e indemnizáveis por parte do Réu.
18. Quanto à falta de prova, a mesma é reconhecida pelas AA nas alegações de recurso a que se responde, constando de forma impressiva na conclusão.
19. “Por isso, nada podem provar”! (negrito nosso) Face à falta de alegação e prova da existência de danos patrimoniais, as AA fundam o seu recurso, nesta parte, numa dupla construção teórica (absolutamente infundamentada): a presunção da existência de danos patrimoniais e a inversão do ónus da prova! Tal construção não tem qualquer suporte legal, doutrinal ou jurisprudencial.
20. Acresce que as AA parecem pretender obter no âmbito do presente processo de “atraso na justiça” o que não obtiveram no âmbito do processo que foi alvo do atraso (processo n.º 124/03.2TBPRT) e que fazia parte da causa de pedir do mesmo. Conforme refere a douta sentença recorrida, as Autoras limitam-se a reproduzir os danos causados pela situação que fundamentou a ação administrativa que correu termos sob o n.º 124/03.2BTPRT, e cujos danos foram decididos no Acórdão do TCAN de 23-03-2022, não tendo sido oferecido pelas Autoras qualquer facto que pudesse integrar a ocorrência de danos patrimoniais imputáveis ao atraso na justiça.
21. Recorda-se e realça-se que a sentença recorrida deu definitivamente como não provados que: “1. As Autoras sentiram e sentem incerteza na planificação das decisões a tomar. 2. O longo prazo do processo teve consequências na situação financeira da empresa da 1.ª Autora (sociedade irregular) e na situação pessoal das Autoras. 3. A duração do processo ainda teve repercussões negativas na atividade das empresas porque tiveram de adiar pagamentos na expectativa do termo do processo.”
22. Face ao supra exposto resulta que a sentença é absolutamente consequente com a matéria de facto assente, concluindo, de forma clara e bem fundamentada, não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil na parte em que o Réu foi absolvido, nomeadamente quanto aos danos não patrimoniais invocados pela segunda Autora, quer quanto aos danos patrimoniais pedidos por ambas as Autoras.
23. Entende-se, pois, que, na parte em que o Réu foi absolvido, não se verificam efetivamente os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por delonga na prolação de decisão judicial, pelo que a douta sentença recorrida fez uma ponderada análise dos factos e do Direito, tendo decidido de acordo com a lei nacional e comunitária, não haver qualquer fundamento para fixação de uma indemnização em montante superior à constante da sentença.
Admissibilidade da “formulação” de “questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia”.
24. Pedem as recorrentes, na sua conclusão 33: “Devem ser formuladas as seguintes questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia ao abrigo do artigo 267º do Tratado da União Europeia: Viola o artigo 47 e 52 e 53 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia…: 1. O facto de as autoras-recorrentes serem obrigadas a provar o dano patrimonial quando o processo por demora da justiça demorou 19 anos? 2. E quando não são obrigadas a guardar os documentos por mais de 10 anos? 3. Quando o estabelecimento está encerrado há dezanove anos por falta de acesso provocado por órgão do Estado? 4. Quem tinha o ónus da prova nessas circunstâncias? 5. A exigência de prova do dano nessas condições priva as autoras da tutela jurídica e judicial efectiva? 6. A não apreciação do dano patrimonial priva as autoras da tutela jurídica e judicial efectiva? 7. As exigências contidas na sentença e impostas às autoras violam o princípio da proporcionalidade?”
25. Parecem, desta forma, pretender as recorrentes requerer o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, para colocação de questões prejudiciais.
26. O referido artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia prevê, efetivamente, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia quando seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados Membros da União Europeia questão atinente com a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia .
27. O reenvio prejudicial constitui, assim, um incidente de instância, suscitado nos tribunais nacionais, que tem em vista a interpretação de uma norma comunitária ou a apreciação da validade de um ato comunitário, suspendendo-se para tanto a instância, e termina com o acórdão do Tribunal de Justiça, retomando-se nessa altura a instância, devendo o Tribunal nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária.
28. Neste âmbito, cabe ao Tribunal de Justiça da União Europeia interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, estando-lhe vedado aplicar este direito à situação de facto que está em discussão no processo concreto nacional.
29. Não compete, pois, ao Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do processo principal, nem sobre as divergências de opinião suscitadas na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional – vide «BB» e «BB», in “Manual de Direito Comunitário”, Coimbra Editora, 2007.
30. O instituto do reenvio prejudicial consagrado no referido art.º 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia pode visar dar resposta a uma de duas questões: a) A interpretação de uma disposição de direito comunitário; b) A apreciação da validade de um ato emanado das instituições comunitárias.
31. A questão do reenvio prejudicial só se coloca se o Tribunal nacional se confrontar com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário, e ainda quando a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, mostrando-se necessária para o julgamento da causa.
32. No caso vertente, o tribunal nacional não foi confrontado com qualquer dúvida sobre a interpretação e aplicação de qualquer norma de direito comunitário, pelo que deve ser indeferido o requerido pelas a Autoras na conclusão 33 do seu recurso, por legalmente inadmissível.
Face ao exposto
33. Devem improceder as alegações das recorrentes, não sendo a douta sentença recorrida merecedora das censuras apontadas pelas AA, devendo a mesma, como tal, desde já ser integralmente confirmada, não havendo qualquer fundamento para reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

II – Objeto do Recurso:
Em face das conclusões formuladas pela Recorrente nas suas alegações, cumpre decidir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por não ter condenado o R. no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela 2.ª R., e a título de danos patrimoniais sofridos pelas duas RR designadamente pela “perda de chance”.

III – Fundamentação De Facto:
O Tribunal a quo julgou provados os factos 1. a 39., que não foram impugnados nesta sede. O facto enunciado em 40. resulta já da apreciação do objeto do presente recurso nos termos que infra, em sede de fundamentação jurídica, se explicitarão.
1. Em 31.10.2003, a 1ª Autora, por si e na qualidade de sócia gerente da sociedade comercial irregular “«AA» e «CC»”, intentou uma ação administrativa contra o Município ... (MB), no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, que correu termos sob o n.º 1138/03 (cfr. petição inicial a fls 2 a 88 do suporte físico do processo n.º 1138/03).

2. No âmbito da ação referida no ponto anterior, a 1ª Autora peticionou que o MB fosse condenado a: i) retificar a cota do piso do arruamento a nascente do Lote B da Quinta ..., ..., no concelho ... por forma a permitir o acesso ao interior da sua fração “W” por parte de veículos para cargas e descargas, ii) a pagar-lhe uma indemnização pelo montante das rendas, de € 4.500,00/mês, que terá deixado de auferir a partir de julho de 1999 até à data em que aquela prestação de facto seja cumprida, iii) a pagar-lhe os danos futuros que em sede de execução vierem a revelar-se, e iv) a pagar-lhe os juros de mora legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento (cfr. petição inicial a fls 2 a 88 do suporte físico do processo n.º 1138/03).

3. Em 15.12.2003, o MB contestou a ação a que se alude no ponto anterior, defendendo-se por exceção e por impugnação (cfr. contestação a fls 94 a 103 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

4. Em 04.01.2004, a 1.ª A apresentou réplica, pronunciando-se quanto à matéria excetiva (cfr. réplica a fls 106 a 122 do suporte físico do processo n.º 1138/03).

5. Em 04.03.2005, foi proferido despacho a ordenar a Ré a juntar aos autos os processos administrativos (cfr. fls 123 do suporte físico do processo n.º 1138/03).

6. Em 30.03.2007, foi proferido despacho relativo ao incidente do valor da causa (cfr. documento a fls 179 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

7. Em 06.02.2009, a 1.ª Autora requereu ao Tribunal o prosseguimento dos autos “(…) atendendo ao grande período de tempo decorrido desde o último ato processual (…)” (cfr. documentos a fls 192 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

8. Em 27.09.2011, o MB juntou aos autos 3 pastas apensadas (cfr. fls 265 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

9. Em 12.04.2012, foi proferido despacho de marcação de diligência para realização de tentativa de conciliação (cfr. documento a fls 310 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

10. No dia 18.05.2012, realizou-se a audiência para a tentativa de conciliação, tendo as partes mantido a posição assumida nos articulados e prosseguindo os autos a tramitação (cfr. ata a fls 315 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

11. Em 11.03.2013, a 1.ª Autora requereu a celeridade processual dos autos e juntou documentos (cfr. documento a fls 328 e 329 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

12. Em 11.09.2013, a 1.ª Autora requereu o agendamento de data para a realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. requerimento a fls 407 e 408 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

13. Em 10.10.2013, foi proferido despacho saneador (cfr. documento a fls 410 a 419 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

14. Em 08.04.2014, foi proferido despacho para o MB se pronunciar quanto ao objeto da perícia colegial (cfr. fls 458 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

15. Em 19.05.2014, o MB apresentou a pronuncia a que se alude no ponto antecedente (cfr. requerimento a fls 460 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

16. No dia 23.05.2014, a 1.ª Autora pronunciou-se quanto ao alegado pelo MB a que se alude no ponto antecedente (cfr. requerimento a fls 466 e 467 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03)

17. Em 28.05.2014, foi proferido despacho de admissão de realização de perícia colegial (cfr. fls 463 e 464 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

18. Em 18.07.2014, a 1.ª Autora requereu a modificação subjetiva da instância de modo a ser substituída pela 2.ª A no âmbito da ação judicial em apreço, invocando ter permutado a fração designada pela letra “W” em questão e, por isso, deixado de ser titular de um direito de propriedade sobre esta (cfr. documento a fls 475 a 483 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

19. Em 27.03.2015, foi proferido despacho de deferimento da modificação subjetiva da instância requerida pela 1.ª Autora, e, bem assim, determinada a realização da perícia colegial requerida pela mesma (cfr. fls 492 a 496 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

20. Em 30.04.2015, realizou-se a diligência de tomada de compromisso de honra, com indicação de prazo de 30 dias para apresentação de relatório de perícia colegial (cfr. ata a fls 509 e 510 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

21. Em 09.06.2015, o perito nomeado requereu novo prazo de 20 dias para conclusão do relatório, o qual foi deferido por despacho datado de 18.06.2015 (cfr. documento a fls 514 e 515 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

22. Em 22.06.2015, os peritos apresentaram aos autos o relatório pericial (cfr. relatório a fls 516 a 540 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

23. Em 26.02.2016, foi proferido despacho para os peritos prestarem os esclarecimentos solicitados pela Autora (cfr. documento a fls 588 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

24. Em 22.06.2016, os peritos juntaram ao processo os esclarecimentos descritos no parágrafo anterior (cfr. documento a fls 594 a 623 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

25. Em 13.09.2016, a 2.ª Autora requereu realização de segunda perícia (cfr. documento a fls 626 a 628 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

26. Em 02.01.2018, foi proferido despacho de deferimento de realização de segunda perícia (cfr. documento a fls 687 a 691 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

27. Em 20.04.2018, realizou-se a diligência de tomada de compromisso de honra, com a indicação de prazo de 30 dias para apresentação de relatório de perícia colegial (cfr. fls 682 a 691 e 697 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

28. Em 12.11.2018, foi apresentado relatório pericial respeitante à segunda perícia, o qual foi enviado às partes em 15.11.2018 (cfr. documento a fls 730 a 759 do suporte físico do proc.º n.º 1138/03).

29. Em 05.12.2019, foi proferido despacho de designação de data de audiência final para o dia 24.03.2020 (cfr. requerimento a fls 165 e 170 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

30. Em 13.03.2020, foi proferido despacho a dar sem efeito o agendamento da realização de audiência de julgamento, a que se alude no ponto antecedente, atento o “… comunicado 2/2020 - Estratégias para responder a um cenário de epidemia pelo novo coronavírus (covid19)” (cfr. fls 202 e 203 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

31. Em 08.09.2020, foi proferido despacho de marcação de data de julgamento (cfr. documento a fls 216 e 218 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT)

32. Em 14.10.2020, em 22.10.2020 e em 05.11.2020 realizou-se a audiência final (cfr. atas de audiência a fls 254 a 258, 278 e 286 e 296 a 299 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

33. Em 15.01.2021, foi proferida sentença no processo n.º 124/03.2BTPRT, da qual se extrata o segmento decisório “Nos termos e com os fundamentos supra expostos, julgo a presente acção administrativa parcialmente procedente e, em consequência: A) Condeno o Réu, Município ..., a proceder à rectificação do piso do arruamento a nascente do prédio do ..., ..., freguesia ..., concelho ... por forma a permitir o acesso ao interior da respectiva fracção “W”, além do mais, por parte de veículos para cargas e descargas de mercadorias; B) Absolvo o Réu de todo o demais peticionado nos autos” (cfr. sentença a fls 1251 a 1314 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

34. Em 02.03.2021, a 2.ª Autora interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que foi admitido por despacho datado de 21.06.2021 (cfr. documento a fls 1323 e ss do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

35. Em 03.05.2022, a 2.ª Autora apresentou requerimento através do qual solicitou a apreciação do recurso, alegando o decurso de 8 meses sem ter sido praticado qualquer ato processual (cfr. documento a fls 1413 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

36. Em 23.06.2022, o TCAN proferiu Acórdão no processo n.º 124/03.2BTPRT, no qual foi decidido conceder “ (…) PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente [SCom01...], Ld.ª, revogando a Sentença na parte objecto de recurso em que julgou não ser de conceder indemnização com recurso à equidade, condenando o Réu Município ... no pagamento à Autora, de uma indemnização pela impossibilidade de acesso físico e de uso à fracção W, abrangendo o período temporal de julho de 1999 até junho de 2022, no montante de €39.600,00, quantia a que acrescem os juros de mora legais, contados desde a citação do Réu para os termos dos presentes autos e até integral pagamento, e ainda, no pagamento da quantia mensal de €150,00, desde julho de 2022 [valor este que se vence no dia 01 de cada mês] e até que o Réu venha a dotar a fracção W de acesso a partir da pública, por parte de veículos de cargas e descargas de mercadorias.” (cfr. Acórdão a fls 1423 a 1501 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

37. Em 16.09.2022, a 2.ª Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo do Acórdão a que se alude no ponto antecedente (cfr. documento a fls 1511 a 1604 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

38. Em 07.12.2022, o STA proferiu Acórdão de não admissão de revista (cfr. documento a fls 1655 a 1657 do proc.º n.º 124/03.2BTPRT).

39. A demora no processo judicial causou à 1.ª Autora ansiedade, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos.

40. A delonga na obtenção de decisão judicial final criou uma incerteza na gestão da actividade económica da 2.ª Autora.

São os seguintes os factos não provados (que assim foram julgados pelo Tribunal a quo, à exceção do facto vertido em 1 (cuja redação resulta da procedência de erro de julgamento em matéria de facto, nos termos que a seguir se fundamentarão):
1. A 1.ª Autora sentiu e sente incerteza na planificação das decisões a tomar.
2. O longo prazo do processo teve consequências na situação financeira da empresa da 1.ª Autora (sociedade irregular) e na situação pessoal das Autoras.
3. A duração do processo ainda teve repercussões negativas na atividade das empresas porque tiveram de adiar pagamentos na expectativa do termo do processo.

IV – Fundamentação De Direito:
As Recorrentes entendem que a 2.ª A. tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais pelo que o Tribunal a quo, que em contrário julgou, violou os art.ºs 6º, n.º 1 da CEDH e os art.ºs 47º, 52º e 53º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Nesta matéria julgou o Tribunal a quo o seguinte:
(…) Quanto a esta, importará ter presente que, relativamente às pessoas coletivas não é possível presumir o dano moral, sendo necessário a alegação concreta de danos eventualmente produzidos na esfera jurídica da pessoa coletiva.
Nesse sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 91/16.2BEAVR, de 17.02.2022:
“Também no sentido de que “seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui se ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras”, já que o entendimento jurisprudencial no sentido de se dever presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos, é aplicável ao dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça, vide o entendimento vertido no acórdão do TCA Sul, de 19/04/2018, proferido no proc. nº 12258/15 (igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Revertendo ao caso dos autos, e perante a ausência de uma alegação concreta de danos eventualmente produzidos na esfera jurídica da pessoa colectiva (a extinta sociedadeC…, Lda.), não pode o Tribunal conceder tutela indemnizatória, não se podendo presumir, como decorre do entendimento jurisprudencial exposto, como se de um dano automático se tratasse ou um de facto notório, que a sociedade que litigou no âmbito da acção nº 1…/0…LSB sofreu quaisquer danos, maxime de natureza não patrimonial, em virtude da alegada demora judicial, já que não é, nomeadamente, do conhecimento geral que a sociedade “C…” tenha sido lesada na sua reputação, nem o grau de eventual lesão; que tenha contado com incerteza no planeamento da decisão ou tido perturbações na gestão da empresa; ou que os membros da equipa de gestão tenham experienciado inconvenientes por força dessas perturbações, de igual modo não sendo do conhecimento geral que tais circunstâncias pudessem ter acontecido em virtude do facto ilícito em causa.(…)
Danos não patrimoniais que naturalmente se distinguem daqueles que uma pessoa singular pode normalmente sofrer, sendo relativos, designadamente, à reputação da sociedade, à incerteza no planeamento da sua actividade e respectiva gestão, que mereçam tutela jurídica e que por não configurarem factos notórios [por todos conhecidos, que não precisam de ser alegados nem provados, cfr. o artigo 421º do CC], mas factos presumidos [por presunção judicial, cfr. artigo 351º do CC] e, por isso, susceptíveis de serem elididos por prova contrária, tinham de ser alegados pelo A./recorrente. O que este não fez, limitando-se a uma referência genérica sobre a sua existência e a remeter para conceitos jurídicos e para a jurisprudência sobre a matéria.” (in www.dgsi.pt).
Deste modo, face à jurisprudência comunitária e nacional existente sobre esta matéria, haverá que distinguir entre o dano não patrimonial comum causado pelo atraso na administração da justiça em processo judicial à parte que é pessoa singular, do dano não patrimonial causado à parte que é pessoa coletiva.
Sucede que, a 2.ª A não logrou demonstrar nem provar em que medida a demora da justiça abalou a sua gestão, organização ou planeamento da empresa, assim como, como causou danos à sua imagem, como resulta do elenco de factos não provados descritos no ponto 1 do probatório, não lhe assistindo o direito à indemnização por danos não patrimoniais peticionada”.
Os Recorrentes não se conformam quanto a este julgamento por entenderem, em suma, que os danos não patrimoniais sofridos pela 2.ª R. se encontram demonstrados por presunção judicial (art.º 351º do CC).
Extrai-se com clareza do teor das conclusões recursivas que os AA. não se conformam com a factualidade que se julgou não provada em 1. (“As Autoras sentiram e sentem incerteza na planificação das decisões a tomar”.), quanto à 2.ª A., porquanto a situação de incerteza em questão deveria ter sido julgada provada por presunção judicial (cfr. conclusões 2., 4., 5., 6. e 7.).
Não sendo exata a afirmação plasmada na sentença recorrida no sentido de que não foram alegados danos concretos relativos à 2.ª A., como resulta claramente do teor do art.º 34º da petição inicial, danos que se resumem à situação de incerteza na gestão da atividade económica causada pela delonga na obtenção de uma decisão judicial.
As Recorrentes têm razão.
A duração excessiva de um processo causa nas partes (independentemente de se tratarem de pessoas singulares ou colectivas) um dano não patrimonial que estas têm de alegar mas que se presumem, como tem sido jurisprudência do TEDH. (Veja-se também nesse sentidos os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 01.10.2020, p. 356/1.5BEALM e de 19.12.2017, p. 2441/15.0BELRS, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Como se evidencia neste último acórdão “de acordo com a jurisprudência do TEDH, os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na actuação da justiça merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de os mesmos poderem ser ilididos, ocorrendo, portanto, uma presunção de dano não patrimonial, ou seja, deve presumir-se que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, abrangendo tal presunção danos distintos conforme se esteja perante pessoa singular (angústia, ansiedade, frustração, etc.) ou colectiva (incerteza no planeamento da decisão, ruptura na gestão da empresa, etc., conforme supra explicitado) (…).
Os factos relativos ao dano não patrimonial (ao contrário do ocorrido no processo citado na sentença recorrida) foram alegados pelos AA. na petição inicial e, na esteira da jurisprudência o TEDH que este Tribunal acolhe, atenta a (provada) duração do processo devem ser julgados provados por presunção.
O que, aliás, é reconhecido pelo Tribunal a quo quando evidencia que “a delonga na obtenção de decisão judicial final terá necessariamente causado transtornos e criado uma incerteza na gestão da atividade económica”, conclusão a que deve chegar-se quer a parte seja uma pessoa singular ou coletiva.
É, aliás, contrária às mais elementares regras da experiência comum que as AA. não tivessem sentido incerteza na planificação das decisões a tomar, cabendo ao R. afastar tal “conclusão” (ao contrário do que resulta da motivação da decisão sobre a matéria de facto).
Em face do exposto procede o erro de julgamento em matéria de facto imputado à sentença recorrida e, consequentemente elimina-se a referência, no ponto 1. dos factos não provados, à 1.ª A. e determina-se o aditamento aos factos provados do seguinte facto :
40 A delonga na obtenção de decisão judicial final criou uma incerteza na gestão da actividade económica da 1.ª Autora.
Em face da procedência deste erro de julgamento em matéria de facto, deve proceder também o erro de julgamento em matéria de direito.
Ao contrário do julgado os danos não patrimoniais sofridos pela 2.ª R. com a delonga na obtenção de decisão judicial (consubstanciados na incerteza da gestão da sua atividade económica) devem ser indemnizados.
Como consta do último acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que supra citamos citando Ricardo Pedro, Contributo para o Estudo da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Violação do Direito a uma Decisão em Prazo Razoável ou sem Dilações Indevidas, 2011, nas págs. 153 a 155):
“Chegados aqui (…) sempre se terá que esclarecer que para a matéria da responsabilidade do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ou sem dilações indevidas, se deverá ter em conta a jurisprudência do TEDH. Seja porque a CEDH tem valor supra legal, seja por que se verifica um princípio do primado da coisa interpretada, seja porque, na prática, se terá de reconhecer um efeito indirecto vertical daquela jurisprudência ou simplesmente porque se terá de considerar a jurisprudência do TEDH, sob pena de mais tarde vir a ser condenado pela Corte de Estrasburgo (394 Neste sentido, Acórdão do STA, de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 308/07). Em suma, o Estado/Tribunais está tão só a dar cumprimento à obrigação de resultados que o Estado português se comprometeu em interpretar a CEDH e aplicar o direito daí (do TEDH) emanado - law in books e law in action - de modo a garantir que os direitos ali plasmados são efectivos e eficazes. Ao que se disse só falta acrescentar que o TEDH tem vindo a admitir a compensação dos danos não patrimoniais a pessoas colectivas. Vejamos em que medida.
No ano de 2000 Portugal foi condenado, no âmbito do acórdão Comingersoll S.A. c. Portugal (395 Acórdão do TEDH, de 6 de Abril de 2000, caso Comingersoll S.A. c. Portugal, (com voto de vencido do Sr. Juiz C. L. Rozakis). O processo “viajou” por várias instâncias portuguesas durante 17 anos e 6 meses estando ainda pendente (“estacionado”), sem trânsito em julgado, à data em que o TEDH proferiu esta decisão), pelo TEDH por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ao pagamento de €7.500,00 por danos não patrimoniais causados a uma sociedade comercial e desde então outras condenações (396 Entre outros, Acórdãos do TEDH, de 18 de Maio de 2000, caso Fertiladour S.A. c. Portugal; de 27 de Fevereiro de 2003, caso Têxtil Traders c. Portugal e de 31 de Julho de 2003, caso Sociedade Agrícola do Peral S.A. c. Portugal. Antes de 2000, vale a pena esclarecer que o Comité de Ministros já tinha aprovado várias Resoluções de condenação do Estado português por danos não patrimoniais a sociedades comerciais e o governo nunca as contestou – vd. Resolução DH (96) 604, de 15 de Novembro de 1996, caso de Dias & Costa, Lda. e Resolução DH (99) 708, de 3 de Dezembro de 1999, caso de Biscoiteria, Lda.) se seguiram, remetendo para a argumentação desenvolvida neste aresto. Vejamos as linhas essenciais que brotam desta jurisprudência.
(…) A Corte de Estrasburgo esclarece que não pode ser feita uma abordagem geral e abstracta ao problema da ressarcibilidade de danos não patrimoniais das pessoas colectivas, no sentido da sua negação ou da sua admissão (397 Acórdão do TEDH, de 6 de Abril de 2000, caso Comingersoll S.A. c. Portugal, considerando n.º 32, 2§.). Só casuisticamente se poderá encontrar uma solução ajustada, o que desde logo revela que o TEDH não encontra qualquer obstáculo dogmático ou teórico na admissão da ressarcibilidade, apenas as circunstâncias do caso concreto a podem afastar. O TEDH deixa claro que tendo em conta a prática dos Estados “europeus” e “à luz da sua própria jurisprudência e prática que, o Tribunal não pode, portanto, excluir a possibilidade de a uma sociedade comercial poder ser atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais” (399 Acórdão do TEDH, de 6 de Abril de 2000, caso Comingersoll S.A. c. Portugal, considerando n.º 35).
Perante ao argumento - da confusão ou duplicação de danos - o TEDH esclarece que “os danos não patrimoniais sofridos pelas sociedades comerciais podem incluir questões que podem ser "objectivas" ou "subjectivas". Entre estas, deve ser tida em conta a reputação da empresa, a incerteza na tomada de decisões, planeamento, desorganização na gestão da empresa (para os quais não existe método preciso de calcular as consequências) e, por último, apesar de em menor grau, a ansiedade e inconveniente causado aos membros da equipa de gestão”. (…)
Ora, tendo presente a necessária consideração daquela jurisprudência e a não menos necessária consideração do mandamento de uniformização da jurisprudência nacional face aos casos similares decididos pelo TEDH, só resta à judicatura nacional considerá-la na “norma de decisão” que formular para o caso concreto, sob pena de fazer incorrer o Estado português em responsabilidade internacional e obrigando o TEDH à reparação razoável em falta.” (sublinhados nossos).
Além disso, (…) de acordo com a jurisprudência do TEDH, os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na actuação da justiça merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de os mesmos poderem ser ilididos, ocorrendo, portanto, uma presunção de dano não patrimonial, ou seja, deve presumir-se que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, abrangendo tal presunção danos distintos conforme se esteja perante pessoa singular (angústia, ansiedade, frustração, etc.) ou colectiva (incerteza no planeamento da decisão, ruptura na gestão da empresa, etc., conforme supra explicitado), pois, como explicam Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 113, em anotação ao art. 12º n.º 2 [“As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”], “Não se trata de uma equiparação. Pelo contrário, trata-se de uma limitação: as pessoas colectivas só têm os direitos compatíveis com a sua natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos (3), salvo os especificamente concedidos apenas a pessoas colectivas ou a instituições (v.g. o direito de antena). E, como nota o Tribunal Constitucional, tem de reconhecer-se que, ainda quando certo direito fundamental seja compatível com a sua natureza e, portanto, susceptível de titularidade “colectiva” (hoc sensu) daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio se vá operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares” (sublinhados e sombreado nossos).
De forma esclarecedora Ricardo Pedro, cit., págs. 135 a 137, explica a este propósito o seguinte:“Em relação à presunção de dano propriamente dita, o TEDH vem concluindo que, por vezes, a duração excessiva de um processo causa ao requerente um prejuízo não patrimonial, cujo montante não é obrigado a provar (340 Acórdão do TEDH, de 22 de Junho de 2004, caso Bartl c. Republica Checa), criando, deste modo, uma presunção de dano não patrimonial a favor de requerente (341 Acórdão do TEDH, de 29 de Março de 2006, caso Riccardi Pizzati c. Itália). (…)
De acordo com esta jurisprudência aplicada recentemente a Portugal no caso Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal e que já tinha sido integralmente recebida pelos nossos tribunais superiores, pelo menos, no Acórdão do STA, de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 0308/07, considera-se que o dano moral é uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de fazer prova deste, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada. “Trata-se de uma presunção sólida, ainda que elidível, que em alguns casos não produz senão um dano mínimo, ou mesmo nenhum dano, sendo que, então o Juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente” (343 Acórdãos do TEDH, 10 de Junho de 2008, caso Martins Castro e Alves Correia de Castro C. Portugal, considerando n.º 54 e de 29 de Março de 2006, caso Riccardi Pizzati c. Itália, considerando n.º 94). À luz desta jurisprudência, estas nuances à presunção de dano moral exigem uma fundamentação acrescida que deverá aumentar na medida em que o juiz do processo a pretenda afastar. Se, em regra, todos os processos que padecem de dilações indevidas causam danos não patrimoniais aos requerentes, tal regra comporta excepções e, em sede de excepções, o julgador terá a obrigatoriedade de fundamentar a decisão de não verificação da presunção de dano não patrimonial.
No que tange ao dano presumido, importa, desde já, fazer a delimitação do dano não patrimonial que estamos a considerar. Assim, de acordo com a delimitação positiva, pode dizer-se que a presunção que aqui se defende é a presunção de um dano não patrimonial que presuntivamente sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas num prazo razoável ou sem dilações indevidas. Não se trata de todo e qualquer dano não patrimonial, mas de um dano típico resultante da demora irrazoável na administração da justiça. Trata-se da existência de um dano que é um facto presumido da vida, conhecido de todos (344 A nosso ver andou bem o tribunal ao decidir neste sentido – desde que se considere que em causa está uma presunção judicial – Acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2008, processo n.º 319/08), que deve ter repercussão em sede de indemnização. Trata-se, portanto, de um dano não patrimonial comum (“general damage”) que, em regra, de acordo com a experiência da vida em sociedade todos os cidadãos sofrem. Quanto à delimitação negativa esclareça-se que esta presunção judicial não deve abranger todos os danos, nomeadamente os danos não patrimoniais especiais ou específicos, que vão além do dano moral comum resultante da demora irrazoável na administração da justiça (entre danos não patrimoniais especiais ou específicos pode situar-se o dano não patrimonial resultante de uma situação de depressão psicológica que provoque desalento, mal estar físico, incapacidade generalizada e desinteresse pela vida), que o administrado tenha sofrido em virtude da demora (346 Veja-se a este propósito e a título de exemplo os danos não patrimoniais “específicos” alegados e provados e que por isso não beneficiaram (nem deveriam beneficiar) da presunção judicial, Acórdão do STA, de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 308/07). Estes danos devem, obviamente ser objecto de protecção indemnizatória, mas para tal exige-se a prova dos mesmos. Logo todo o dano não patrimonial (produzido por dilações injustificadas) superior ao comum deve ser provado, não devendo beneficiar da presunção judicial que se deve considerar circunscrita ao dano não patrimonial comum que resulta do atraso injustificado na administração da justiça.
Este presumido dano não patrimonial comum produzido pela demora irrazoável da administração da justiça espelha-se numa “captura” da liberdade da pessoa ou na suspensão da autodeterminação da pessoa singular ou colectiva, que vai para além do razoável que é permitido ao Estado para a administração da justiça num prazo razoável. Com efeito, a demora irrazoável da administração da justiça limita a actuação no planeamento da vida, ao mesmo tempo que, em regra, provoca angústia, ansiedade, frustração, muito incómodo ou incerteza na pessoa singular. Assim como, limita a actuação da actividade comercial e provoca a ruptura do bom funcionamento da pessoa colectiva.” (sublinhados e sombreados nossos) (..)”
Verificado este dano não patrimonial comum, dano esse que ultrapassa o mero incómodo, assumindo a gravidade pressuposta para a tutela do direito, nos termos do n.º 1 do art.º 496º do Código Civil e que foi causado pela atuação ilícita do Estado, nos termos julgados pelo Tribunal a quo, cumpre fixar a respetiva indemnização.
Fazendo apelo à equidade (nos termos previstos no art.º 494º ex vi art.º 496º, n.º 4, ambos do CC), tendo presente a jurisprudência do TEDH nesta matéria, considerando-se a duração total do processo (isto é desde a altura em que foi admitida a substituição até ao seu termo, isto é cerca de 7 anos e 8 meses), a sua complexidade (média-alta) e a importância (mediana, por estarem em causa bens jurídicos essencialmente patrimoniais) do seu objeto, julga-se que a indemnização a atribuir à 2.º R. deve ser fixada em €8 000,00 (oito mil euros).
A indemnização fixada está atualizada (nos termos do art.º 566º, n.º 2 do CC) pelo que vencerá juros de mora apenas a partir desta decisão (AUJ do STJ n.º 4/2002, de 9 de maio de 2002, DR, I-A, de 27.06-2002).
Deverá ainda Réu, como peticionado, pagar à Autora quaisquer quantias que sejam devidas a título de obrigações fiscais pelo recebimento das quantias indemnizatórias, conforme também peticionado (cfr. Ac. do STA de 13.01.2022, proc. n.º 02386/16.6BEPRT, in www.dgsi.pt.
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Entendem ainda as Recorrentes que a demora do processo lhes causou danos patrimoniais e, em todo o caso, uma perda de chance de ganho, que deveriam ter sido ressarcidas, tendo o Tribunal a quo que em contrário julgou incorrido assim também em erro de julgamento.
Julgou, o Tribunal a quo, nesta matéria, o seguinte:
Peticionam ainda as Autoras a condenação do Réu ao pagamento de danos patrimoniais, a fixar ao abrigo da equidade ou a liquidar em momento próprio, alegando para o efeito a perda de chance.
Vejamos.
Importa referir que a figura da perda de chance corresponde à verificação de uma situação de desvantagem patrimonial, a qual se traduz na privação da oportunidade de o lesado obter um resultado favorável num processo judicial, incidindo o seu objeto na frustração da obtenção de um resultado positivo futuro, mas suscetível de verificação atual, embora sem nunca se poder considerar como totalmente assegurada (e infalível) a sua efetiva ocorrência.
Atentem-se as seguintes doutas palavras do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no proc.º n.º 852/14.7TBVRL.G1.S1:
“Conforme, a este propósito, se enfatiza no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2018 (…) “A perda de chance, no campo processual, pode traduzir-se num dano autónomo existente à data da lesão, qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo deprobabilidade suficiente, à luz de um desenvolvimento normal e típico, independentemente do resultado final frustrado”.
Pode ler-se ainda no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2020 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 13132/18.0T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt: “A teoria da perda de chance ou da oportunidade, ao contrário da teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi o autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.
A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.(...) É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo contudo a perda de chance uma realidade actual e não futura, um bem digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado”. (www.dgsi.pt)
In casu, pese embora as Autoras aleguem a existência de uma perda de chance, fazem-no de forma conclusiva, não oferecendo, em concreto, os factos que possam consubstanciar os reais danos patrimoniais que decorram do atraso da justiça no processo n.º 124/03.2BTPRT
Na verdade, as Autoras limitam-se a reproduzir os danos causados pela situação que fundamentou a ação administrativa que correu termos sob o n.º 124/03.2BTPRT, e cujos danos foram decididos no Acórdão do TCAN de 23.06.2022 (cfr. ponto 36 do probatório) que condenou o MB ao pagamento de uma indemnização pela impossibilidade de acesso físico e de uso à fração ..., abrangendo o pedido temporal de junho de 1999 até junho de 2022, no montante de € 39.600,00, e ainda, no pagamento da quantia mensal de € 150,00, até que o MB dote a referida fração ... de acesso.
Diga-se aliás, que, da prova produzida nos presentes autos, não foi oferecido pelas Autoras qualquer facto que pudesse integrar a ocorrência de danos patrimoniais imputáveis ao atraso na decisão judicial (cfr. pontos 2 e 3 do elenco de factos provados). Sendo certo que a delonga na obtenção de decisão judicial final terá necessariamente causado transtornos e criado uma incerteza na gestão da atividade económica, uma tal incerteza corresponde a um dano não patrimonial. Para que pudesse proceder um pedido de indemnização por danos patrimoniais, não bastava a invocação e demonstração de prejuízos decorrentes da situação de facto que deu origem ao processo que incorreu em atraso, mas impunha-se a invocação e demonstração de que existiram prejuízos que se relacionaram exclusivamente com o atraso na justiça e que, ademais, constituem prejuízos para além daqueles que essa decisão veio a considerar e a contemplar, o que não ocorreu.
À luz da jurisprudência citada, a procedência de uma indemnização a título de perda de chance apenas poderia proceder caso tivesse resultado demonstrada uma probabilidade séria de ganhos que não foram obtidos em virtude da delonga da ação judicial, para além dos prejuízos já apurados na ação judicial que correu termos sob o n.º 1138/03 e sob o n.º 124/03BTPRT, correspondentes ao dano de impossibilidade acesso físico e de uso da fração em causa (cfr. ponto 36 do probatório).
Não basta, para tanto, a alegação genérica efetuada na p.i., no sentido de que, “Se o processo demorasse um ou dois anos, se a Câmara executasse as obras em tempo, o dano não seria tão grande, a fracção “W” poderia ser rentabilizada, vendida, aplicado o dinheiro, a sociedade teria feito bons negócios se aí voltasse a reabrir estabelecimento”
Para que pudesse ser valorizado um tal dano, impunha-se aos Autores demonstrar a perda de oportunidade como uma probabilidade séria, integrando tal alegação na sua realidade concreta, designadamente no âmbito e no escopo do desenvolvimento sua atividade, e não em abstrato, como uma mera possibilidade.
A fundamentação supra reproduzida e bem assim a decisão a que conduziu devem manter-se.
Ao contrário dos danos não patrimoniais (comuns) que (uma vez alegados) se presumem, os danos patrimoniais concretamente sofridos pelos lesados carecem de densificação e de prova que, na generalidade dos casos, não se bastará com presunções judiciais.
Em todo o caso, os factos que consubstanciavam os danos patrimoniais alegados pelas AA. foram julgados não provados e tal decisão não foi impugnada.
Acresce que, como bem se julgou, não foi efetivamente alegada nem efetuada prova de factos que permitam concluir pela consistência e seriedade do dano de perda de chance (seguindo a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 5 de julho de 2021, no âmbito do processo 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, acórdão n.º 2/2022, publicado no Diário da República, Série I, 26.01.2022).
Pelo que improcede este fundamento recursivo.
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Pedem as Recorrentes que, nos termos do art.º 267º do TFUE sejam formuladas determinadas questões ao TJUE.
Nos termos deste artigo:
O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.”
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.

São as seguintes as questões que o Recorrente pretende que sejam formuladas ao TJUE:
Viola o artigo 47 e 52 e 53 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia…:
1. O facto de as autoras-recorrentes serem obrigadas a provar o dano patrimonial quando o processo por demora da justiça demorou 19 anos?
2. E quando não são obrigadas a guardar os documentos por mais de 10 anos?
3. Quando o estabelecimento está encerrado há dezanove anos por falta de acesso provocado por órgão do Estado?
4. Quem tinha o ónus da prova nessas circunstâncias?
5. A exigência de prova do dano nessas condições priva as autoras da tutela jurídica e judicial efectiva?
6. A não apreciação do dano patrimonial priva as autoras da tutela jurídica e judicial efectiva?
7. As exigências contidas na sentença e impostas às autoras violam o princípio da proporcionalidade?
Como bem evidencia o Ministério Público, não compete ao Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do processo principal, nem sobre as divergências de opinião suscitadas na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional – vide «BB» e «BB», in “Manual de Direito Comunitário”, Coimbra Editora, 2007.
Os danos patrimoniais, como resulta da jurisprudência consolidada, carecem de ser alegados e demonstrados e, ao contrário do que sucede com os danos não patrimoniais, não se presumem.
Não estando em causa qualquer questão relativa à interpretação dos Tratados (ou sobre a validade e interpretação de atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União) nem sendo, a resposta a tais questões, necessária e pertinente ao julgamento da causa já que a mesma assenta na sua essencialidade em divergências quanto a matéria de facto e valoração da prova que não foi impugnada, não se procederá ao pretendido reenvio prejudicial.

Procedendo parcialmente o recurso, as custas serão suportadas pelo Recorrente e Recorrido, em partes iguais, nos termos do art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

V – Decisão:
Nestes termos, acordam, em conferência, as juízas da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em conceder parcialmente provimento ao recurso e consequentemente:
- revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu o R. do pagamento de uma indemnização à 2.º A. por danos não patrimoniais;
- condenar o R. Estado a pagar à 2.º A. uma indemnização no valor de €8 000,00 (oito mil euros) por danos não patrimoniais acrescido de juros desde a presente data e de quaisquer quantias que sejam devidas a título de obrigações fiscais pelo recebimento dessa indemnização;


Custas pelas Recorrentes e Recorrido em partes iguais.

Porto, 6 de junho de 2024

Catarina Vasconcelos
Conceição Silvestre
Celestina Caeiro Castanheira