Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03000/11.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:REVERSÃO;
GERÊNCIA NOMINAL;
GERÊNCIA DE FACTO; PRESUNÇÃO;
Sumário:
I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração.

II - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

III - Resultando da matéria de facto, apenas, que «era a Oponente quem ficava todo o dia na Loja, atendendo clientes e fornecedores», não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.

IV - As funções descritas são compatíveis com as de uma (única) funcionária de loja, não sendo exclusivas de uma efetiva gerente, e com a circunstância do assumido gerente de facto não ter disponibilidade para estar no estabelecimento durante o dia por ter outras empresas, apenas ali se deslocando à noite.

V - Soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima, a Opoente, na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como decidido pela primeira instância.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente procedente a Oposição apresentada por «AA», na qualidade de responsável subsidiária, à execução fiscal n.º ......................296, instaurada pelo Serviço de Finanças ... contra a sociedade “[SCom01...], Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor global de € 4.329,25.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 24.11.2014 pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida pela revertida «AA», NIF ...05, apensa à execução fiscal instaurada sob n.° ......................296 e aps., que corre os seus termos no Serviço de Finanças ..., referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativo aos anos 2003, 2004 e 2005, no valor total de € 4.329,25 em que é devedora originária, [SCom01...], Lda, NIPC ...71.
B. A reversão foi efectuada nos termos da al. b) o nº 1 do art. 24.º da LGT.
C. Na oposição apresentada a Oponente alegou a sua ilegitimidade, por falta da qualidade de gerente de facto da sociedade originária executada [a Oponente imputa a gerência de facto ao outro sócio gerente da devedora originária, «BB», testemunha nos autos] bem como, a falta de demonstração da responsabilidade subsidiária traduzido na insuficiência patrimonial da devedora originária.
D. Na douta sentença recorrida, o M.mo Juíz do Tribunal a quo quedou-se pela apreciação da questão do exercício da gerência de facto da devedora originária.
E. Na análise da alegada ilegitimidade o M.mo Juíz a quo decidiu-se pela insuficiência de prova inclusa nos autos acerca do exercício da gerência de facto por parte da Oponente.
F. A Fazenda Pública impugna os factos dados como provados plasmados sob as alíneas G) e H).
G. O M.mo Juiz do Tribunal a quo alicerçou a sua convicção tão somente no depoimento da testemunha «BB», o outro sócio-gerente da devedora originária.
H. O M.mo Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou, não expressou a sua valoração crítica quer positivamente quer negativamente, como determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC, sobre uma das principais provas da gerência de facto da devedora originária por parte da Oponente que sustentaram a reversão,
I. o e-mail de «CC», Técnico Oficial de Contas da devedora originária (cfr. documento junto a fls 55 dos autos de execução), onde este inquirido pelo Órgão de execução Fiscal (OEF) responde “... Embora fossem dois sócios gerentes na empresa, quem de facto exercia essa função era a Srª «AA», dado que foi sempre com esta senhora que contactei em todos os procedimentos contabilísticos que são necessários entre o TOC e o Gerente.”
J. Afigurando-se o conhecimento do TOC relevante para a descoberta da verdade material, deveria, atendendo ao princípio do inquisitório plasmado nos art.°s 99° da LGT e 13° do CPPT, o douto tribunal a quo notificar o TOC para que, em audiência de inquirição, reafirmasse o que disse por escrito ao OEF.
K. Não o fazendo o M.mo Juiz do Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório a que se encontrava adstrito.
L. Quem age em nome e representação da sociedade, quem exterioriza perante terceiros a vontade social, é a gerência, enquanto órgão externo e representativo, através do concreto exercício de funções levado a cabo pelos gerentes,
M. razão pela qual, é patente ser imputável à Oponente, quer por acção quer por omissão, a prática de actos de gestão, consubstanciados na exteriorização da vontade da sociedade e vinculação da mesma perante terceiros.
N. Considerando o disposto no art. 11º, n.º 2 da LGT, haverá que extrair as consequências necessárias, resultantes das sociedades comercias não possuírem um organismo “físico-psíquico”, pelo que necessitam de alguém que intervenha por elas e no seu interesse, i.e., através dos órgãos sociais formando e manifestando a vontade social, - representação orgânica ou institucional, cf. art.s 192º, n.º 1, 252, n.º 1 e 408º do CSC.
O. Sendo certo que não existe uma presunção legal de gerência de facto derivada da gerência de direito, existe no entanto uma presunção judicial, ou seja, o julgador com base no conjunto da prova produzida e com base em regras de experiência e em juízos de probabilidade pode/deve inferir a gerência efectiva do conjunto de outros factos com o facto da revertida se encontrar legalmente nomeada gerente.
P. A Oponente enquanto gerente, através do concreto exercício de funções, agiu em nome da devedora originária e representou perante terceiros a vontade social desta.
Q. A lei não exige para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas da sociedade que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas em que se desenvolve a actividade da sociedade, bastando-se apenas que pratiquem actos exteriorizadores de vontade, que vinculem a sociedade.
R. Entende a Fazenda Pública que constam nos autos factos e elementos de prova suficientes que corroboram a legalidade do chamamento da Oponente à execução na qualidade de revertido, nomeadamente:
v' do teor da matrícula da sociedade originária devedora integrada nos autos, a Oponente surge indicada, desde a data da constituição da sociedade, como gerente da sociedade devedora originária;
v' a sociedade obriga-se pela intervenção dos dois gerentes (facto alegado no despacho de reversão não contraditado pela Oponente);
v' a Oponente na missiva atinente ao exercício do direito de audição prévio à reversão, não refuta a gerência de facto (numa interpretação à contrário aceita-a);
v' no e-mail (resposta) do TOC, este atribui a gerência de facto da devedora originária à Oponente;
v' a Oponente entregou a declaração de cessação de actividade em sede de IVA;
v' da inquirição da testemunha «BB», o outro sócio gerente, resulta como facto assente que era a Oponente quem ficava todo o dia na Loja, atendendo clientes e fornecedores.
S. Da análise da prova testemunhal produzida, verifica-se que a testemunha «BB», o outro sócio gerente, tenta chamar a sí a responsabilidade total da gerência de facto da sociedade, numa vã tentativa de ilibar a Oponente da responsabilidade subsidiária que lhe está a ser assacada,
T. no entanto considera a Fazenda Pública que resulta claramente do seu depoimento que essa gestão era conjunta, era partilhada, entre os dois sócios-gerentes.
U. Não pode a Fazenda Pública aceitar que esteja na livre disponibilidade dos gerentes de qualquer sociedade, a escolha inter pares da assumpção por via de simples declaração (sem demais provas testemunhais ou documentais) da exclusiva gerência de facto da devedora originária,
V. possibilitando desta forma que a responsabilidade subsidiária possa ser assumida apenas pelo gerente, que por exemplo não tenha qualquer património, e que consequentemente não pagará a dívida que está a ser exigida subsidiariamente.
W. Salvo o devido respeito, o M.mo Juiz do Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos vertidos sob as alíneas G) e H), na medida em que resulta do depoimento da testemunha que o contacto com os clientes e fornecedores no mínimo era feito por ambos os gerentes,
X. e como o negócio da sociedade devedora originária se circunscrevia à exploração de uma única loja de comércio de pedras semi preciosas, na qual se encontrava e era gerida pela Oponente, a sociedade não possuía demais trabalhadoras, por isso também não contratava.
Y. Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública entende que deveriam ser aditados aos factos dados como provados:
v' a sociedade obriga-se pela intervenção dos dois gerentes (facto alegado no despacho de reversão e não contraditado pela Oponente);
v' a Oponente na missiva atinente ao exercício do direito de audição prévio à reversão, não refuta a gerência de facto;
v' no e-mail (resposta) do TOC, este atribui a gerência de facto da devedora originária à Oponente;
v' a Oponente entregou a declaração de cessação de actividade em sede de IVA;
Ø era a Oponente quem ficava todo o dia na Loja, atendendo clientes e fornecedores (conforme prova testemunhal);
Ø ninguém tomava decisões sozinho, eram conjuntamente tomadas por ambos os sócios-gerentes (conforme prova testemunhal).
Z. Pelo que, por tudo supra exposto, se conclui que o M.mo Juíz do Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento em virtude de ter considerado a Oponente parte ilegítima na execução, por não provada a gerência de facto.
AA. A douta sentença recorrida ao decidir com fundamento apenas na falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência violou o disposto nos art.°s 24° n.° 1 al. b) da LGT, 13.° do CPPT, 413° do CPC e n.° 4 do 607.° do CPC.
BB. Nesta conformidade, tendo a douta sentença feito errada interpretação da prova e dos factos, deverá a mesma ser anulada e proferido acórdão que considere improcedente a presente oposição.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.»
*
A Recorrida não apresentou contra alegações.
*
O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações – cfr. artigos 608º, nº e, 635º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Procedimento e de processo tributário (CPPT) – e que se centram em saber se a sentença padece dos imputados erros de julgamento de facto e, por essa via, de direito.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade:
«Dos Factos:
A. O processo de execução fiscal nº ......................296 foi instaurada pelo Serviço de Finanças ... contra a sociedade “[SCom01...], Lda.” por dívidas de IRC e IVA;
B. Pelo ofício 48../19..-.. foi a oponente a Oponente notificada para, querendo exercer o seu direito de audição prévio à reversão – cfr. fls. 49, 49 v;
C. A Oponente a 9 de Maio de 2011 exerceu o seu direito de audição, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 50 a 52;
D. A 08 de Julho de 2011 foi lavrado despacho de reversão contra a Oponente, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 15 a 17;
E. A oponente consta da certidão de matrícula da sociedade referida em A), como gerente – cfr. fls. 35 a 38;
F. Pelo ofício 76871902-30 foi a Oponente citada por reversão – cfr. fls. 11, 12;
G. Na sociedade referida em A), era «BB» quem mantinha relações com fornecedores clientes, trabalhadores ou com entidades púbicas ou privadas – prova testemunhal;
H. Na sociedade referida em A), era «BB» quem contratava – prova testemunhal
I. Os presentes autos deram entrada a 5 de Agosto de 2011 – cfr. fls. 11.

*
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, não se provou que a Oponente tenha praticado qualquer acto de gestão por sua iniciativa.

*

Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base unicamente nos documentos e informações constantes do processo conjugado com o depoimento apreciado à luz das regras da experiência.
No que se refere ao depoimento de «BB», depôs de forma considerada credível pelo Tribunal, a tenta a forma escorreita e sem contradições com que o fez. Assumiu na totalidade a responsabilidade pela prática de actos de gestão da sociedade devedora originária.»
*
Aditamento oficioso à matéria de facto [art. 662.º, n.º 1 do CPC].
B.1 O Projecto de Decisão, proferido a 20.04.2021, apresenta-se, para além do mais, com o seguinte teor:
«(…).[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).
(…).» [cfr. págs. 50 e 51 do sitaf];
D.1 O Despacho de reversão mencionado em D) apresenta, de relevante, o seguinte conteúdo:
«(…).
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).
(…).
(…).» [cfr. págs. 15 a 19 do sitaf].
*
IV – DE DIREITO:
Importa aferir se a sentença padece dos imputados erros de julgamento de facto e de direito.
Entende a Recorrente que o tribunal «não expressou a sua valoração crítica quer positivamente quer negativamente, como determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC, sobre uma das principais provas da gerência de facto da devedora originária por parte da Oponente que sustentaram a reversão [conclusão H.]; «o e-mail de «CC», Técnico Oficial de Contas da devedora originária (cfr. documento junto a fls 55 dos autos de execução), onde este inquirido pelo Órgão de execução Fiscal (OEF) responde “… Embora fossem dois sócios gerentes na empresa, quem de facto exercia essa função era a Srª «AA», dado que foi sempre com esta senhora que contactei em todos os procedimentos contabilísticos que são necessários entre o TOC e o Gerente.”» [conclusão I.]; «Afigurando-se o conhecimento do TOC relevante para a descoberta da verdade material, deveria, atendendo ao principio do inquisitório plasmado nos art.°s 99° da LGT e 13° do CPPT, o douto tribunal a quo notificar o TOC para que, em audiência de inquirição, reafirmasse o que disse por escrito ao OEF.» [conclusão J.]. Para concluir que, não o tendo feito «o M.mo Juiz do Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório a que se encontrava adstrito» [conclusão K.].
Explanada a pretensão recursiva, vejamos, então, se é merecedora de uma resposta positiva.
Como é comummente sabido, os princípios da oficiosidade e da investigação ou do inquisitório ínsitos, que orientam o processo judicial tributário, encontram-se plasmado nos arts. 99.º, n.º 1 da LGT e 13.º do CPPT.
Prescreve, cada um destes preceitos, o seguinte:
· «O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.» [n.º 1 do art. 99.º da LGT];
· «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer». [n.º 1 do art. 13.º do CPPT].
Conforme resulta linear do teor literal dos preceitos citados (maxime partes por nós destacadas), a efetivação dos aludidos princípios só é devida relativamente aos factos alegados pelas partes ou aos que sejam de conhecimento oficioso.
A este propósito, referem o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e outros, «a oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar aos factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e do ónus de alegação dele decorrente ou aos factos cujo conhecimento esteja também oficiosamente permitido.» [in “LGT, anotada e comentada”, 4.ª edição 2012, encontro da escrita, pág. 859].
Importa então assentar que a oficiosidade da instrução apenas se impõe para prova (i) de factos alegados pelas partes ou (ii) de factos de conhecimento oficioso.
No caso objeto, a Recorrente entende que a violação dos referidos princípios decorre quer da falta de análise crítica do email junto aos autos enviado pelo TOC - entende ser «uma das principais provas da gerência de facto da devedora originária por parte da Oponente que sustentaram a reversão» -, quer da sua não inquirição.
Perscrutados os autos, resulta evidente que o email do TOC apenas foi junto ao processo de execução fiscal a 13.07.2011, na sequência de solicitação realizada por ofício de 21.06.2011 [cfr. págs. 86 e 87 do sitaf], eventos ocorridos após a emissão do despacho de reversão, daí que não assista razão à Recorrente quando afirma que foi uma das principais provas da gerência de facto.
Por outro lado, é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respetivos meios incidirão [cfr. artigos 452.º, nºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º e 495.º, n.º 1 do CPC], porquanto são os acontecimentos ou factos concretos que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz na sentença, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, que, se detetados, devem ser excluídos do acervo factual relevante [e/ou recusado o seu aditamento].
Ora, nem no despacho de reversão (ou de preparação da reversão) nem na contestação foi alegada qualquer factualidade que fosse possível reconduzir àqueles meios probatórios (email e depoimento do TOC) ou outros.
Concretizando.
No email em análise foi escrito pelo TOC que «Embora fossem dois sócios gerentes na empresa, quem de facto exercia essa função era a Srª «AA», dado que foi sempre com esta senhora que contactei em todos os procedimentos contabilísticos que são necessários entre o TOC e o Gerente.»
Deste documento resulta que o TOC considera que a Oponente é gerente de facto (conclusão), porque foi sempre com ela que contactou em todos os procedimentos contabilísticos (facto).
Ora, este facto concreto, diga-se, que se tem como essencial (a par de outros) para a demonstração da gerência de facto, carecia desde logo de alegação, por não ser de conhecimento oficioso, o que não se verificou. Na verdade, nem no procedimento de reversão (despacho de preparação ou despacho final) e nem, posteriormente, na contestação, foi o mesmo alegado pela ATA para a demonstração do pressuposto em exegese. Neste articulado, a Recorrente somente menciona que no documento o TOC «refere expressamente que quem geria de facto os destinos da devedora originária era a aqui oponente» [art. 23.], «e que era ela que “durante o dia (…) geria a empresa”» [art. 24.], expressões conclusivas.
Assim, a existência do referido documento, enquanto meio de prova documental, no caso, é completamente irrelevante, na medida em que inexiste factualidade alegada suscetível de ser demonstrada através da sua análise crítica. E a igual conclusão chegamos relativamente à inquirição do TOC. Por isso, a circunstância de o tribunal, na presente situação, não ter emitido pronúncia expressa sobre o pedido feito pela Recorrente para que o TOC fosse notificado, nos termos do disposto no art. 99.º da LGT e 13.º do CPPT, não o compromete com a violação destes princípios e nem a sentença padece de erro de julgamento na vertente de défice instrutório, por a inquirição pretendida não se mostrar relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, face à factualidade alegada pelas partes suscetível de prova por este meio.
Sem prejudicar a conclusão acabada de extrair, mas em seu reforço, não deixamos de dizer que a Fazenda Pública (i) notificada do despacho que designou a data para a audiência de inquirição da testemunha indicada pela Oponente, (ii), estando presente na diligência (iii) e notificada para apresentar alegações pré-sentenciais, em momento algum suscitou a questão da falta de notificação do TOC para depor. Sendo de realçar, ainda, o facto de a testemunha auscultada, quando inquirida pela mandatária da oponente, ter contextualizado os contactos da oponente com o TOC, assumindo que eram feitos por sua ordem, e a Fazenda Pública, no contrainterrogatório, quanto a esta concreta questão não solicitou qualquer esclarecimento (designadamente, confrontando a testemunha com o email) e nem sequer solicitou a sua inquirição no final da diligência, caso entendesse necessário. Ao que parece, ficou a Fazenda Pública convencida com a versão apresentada pela testemunha, tal como ficou convencido o tribunal, razão pela qual entendeu não ser necessária a audição do TOC.
Pelo exposto, sem necessidade de maiores considerações, não se verifica, in casu, qualquer violação dos princípios da oficiosidade e da investigação ou do inquisitório e nem ocorre erro de julgamento por défice instrutório.

Prosseguindo.
A Recorrente impugna a matéria de facto, porquanto entende que «o M.mo Juiz do Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos vertidos sob as alíneas G) e H), na medida em que resulta do depoimento da testemunha que o contacto com os clientes e fornecedores no mínimo era feito por ambos os gerentes» [conclusão W.]; «e como o negócio da sociedade devedora originária se circunscrevia à exploração de uma única loja de comércio de pedras semi preciosas, na qual se encontrava e era gerida pela Oponente, a sociedade não possuía demais trabalhadoras, por isso também não contratava. [conclusão W.] Para mais concluir «que deveriam ser aditados aos factos dados como provados:
a sociedade obriga-se pela intervenção dos dois gerentes (facto alegado no despacho de reversão e não contraditado pela Oponente);
a Oponente na missiva atinente ao exercício do direito de audição prévio à reversão, não refuta a gerência de facto;
no e-mail (resposta) do TOC, este atribui a gerência de facto da devedora originária à Oponente;
a Oponente entregou a declaração de cessação de actividade em sede de IVA;
era a Oponente quem ficava todo o dia na Loja, atendendo clientes e fornecedores (conforme prova testemunhal);
ninguém tomava decisões sozinho, eram conjuntamente tomadas por ambos os sócios-gerentes (conforme prova testemunhal).
[conclusão Y.].

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se reduz à mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo (ou de registo ou gravação nela realizada), que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC].
Estabelecendo o n.º 2, alínea a), do mesmo preceito legal que, no caso previsto na alínea b) do número anterior, incumbe ao Recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Destarte, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.
Tendo como assente estes pressupostos para a impugnação da matéria de facto, vejamos, em concreto, se os mesmos se verificam no caso presente.
Relativamente à factualidade impugnada cuja eliminação é pretendida [constantes nas alíneas G) e H)] e à putativa factualidade cujo aditamento é requerido, decorrentes da prova testemunhal gravada, analisadas as conclusões com suporte nas alegações de recurso, verifica-se que foi minimamente cumprido o ónus que recaía sobre a Recorrente, pelo que passamos a analisar o mérito desta pretensão impugnatória da matéria de facto.
A Recorrente começa por pretender a eliminação da factualidade inserta nas alíneas G) e H), baseadas na prova testemunhal que aqui replicamos:
· Na sociedade referida em A), era «BB» quem mantinha relações com fornecedores clientes, trabalhadores ou com entidades púbicas ou privadas” [alínea G)];
· Na sociedade referida em A), era «BB» quem contratava” [alínea H)].
Escutada a gravação do depoimento da testemunha, sobretudo, as passagens indicadas, ressalta, desde logo, a explicação para a oponente constar como gerente da sociedade “Convidei-a para fazer parte da sociedade”, como era um começo não poderia pagar a uma funcionária” “na altura eu tinha uma ocupação também”, “ela olharia por aquilo durante o dia”, era um projeto meu.”.
Relativamente à factualidade constante na alínea H), assiste razão à Recorrente, pois, na verdade, em momento algum a testemunha referiu a necessidade de contratar, tendo dito que a única pessoa que estava na loja era a Oponente.
Quanto à factualidade elencada na alínea G), assiste também razão à Recorrente, apenas se excetuando as relações com os bancos, pois, foi o único contacto assumido pela testemunha, tendo referido que os contactos com fornecedores e clientes era feitos pela oponente, pois, era esta que estava durante todo o dia na loja e que só à noite é que ela lhe dava conta desses contactos “a «AA» é que estava lá, era a «AA» que entrava em contacto com os clientes”, “ao fim do dia eu passava por lá e ela dava conhecimento do que se tinha passado”, “vendia, comprava, mas comprava com o aval meu”, eu dava o meu aval”, «mediante o dinheiro que tínhamos de “caixa”, eu dizia “«AA», amanhã, paga a este, este e este”. Perguntado sobre quem é decidia as prioridades das necessidades das compras, respondeu “também era eu”, “eu dizia então compras isto ou aquilo”, “com os bancos era eu”; relativamente aos contactos com o TOC referiu “era normalmente feito durante o dia e a D. «AA» é que fazia esse serviço”, “Ao final do trimestre (…), oh, «AA», amanhã vais ao contabilista e levas a contabilidade deste trimestre.”. Questionado pelo Ilustre RFP, respondeu, “sim, durante o dia quem estava na loja como funcionária era a «AA», mas o poder de decisão era sempre meu”, “vendia, comprava, mas comprava com o meu aval”, “não tinha autorização para comprar nada.
Assim sendo, eliminam-se a factualidade constante na alínea H) da matéria de facto provada e parcialmente a factualidade vertida na alínea G) que passa a ter a seguinte redação:
G) Era «BB» que contatava com os bancos.
Com base na prova testemunhal, a alínea H) passa a conter a seguinte factualidade:
H) Era a Oponente que ficava todo o dia na loja, atendendo clientes e fornecedores.
A Recorrente pretende, ainda que, com base no depoimento da testemunha, seja aditada a, por si, designada factualidade nos seguintes termos: “ninguém tomava decisões sozinho, eram conjuntamente tomadas por ambos os sócios”.
Ora, é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respetivos meios incidirão [cfr. artigos 452.º, nºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º e 495.º, n.º 1 do CPC], porquanto são os acontecimentos ou factos concretos que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz na sentença, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, que, se detetados, devem ser excluídos do acervo factual relevante [e/ou recusado o seu aditamento].
Nesta confluência, verifica-se, desde logo, que a matéria que a Recorrente pretende aditar constitui um juízo conclusivo e não um facto concreto da vida real, daí que seja insuscetível de integrar a matéria de facto. Na verdade, a conclusão de que “ninguém tomava decisões sozinho, eram conjuntamente tomadas por ambos” teria que se extraída de factos (alegados) concretos, o que não é manifestamente o caso, pois, não foram concretizadas quaisquer decisões e nem as circunstâncias de tempo e lugar em que foram tomadas.
No entanto, sempre se dirá que essa conclusão, também, não emerge clara do depoimento da testemunha, antes pelo contrário, tudo levar a crer que as decisões finais, designadamente com compras e pagamentos a fornecedores, eram tomadas apenas pela testemunha, conforme foi por si referido.
Prosseguindo.
Relativamente ao suposto facto relacionado com o email do TOC [“no e-mail (resposta) do TOC, este atribui a gerência de facto da devedora originária à Oponente”], constitui matéria conclusiva, por um lado, e conforme anteriormente se dilucidou não foram alegados factos concretos que fossem suportados neste elemento de prova.
Quanto à gerência de direito e a necessidade da assinatura conjunta, conforme refere a Recorrente, não são factos controvertidos e a matéria relevante encontra-se já fixada nos pontos B., B1 e D. e B1.
No que concerne à alegação de que «na missiva atinente ao exercício do direito de audição prévia à reversão, não refuta a gerência de facto», não constitui um facto simples, historicamente circunscrito, mas antes uma ilação conclusiva a retirar, eventualmente, da análise do mencionado documento.
Estabilizada a matéria de facto impõe-se-nos avançar para a vertente do erro de julgamento quanto à inverificação do pressuposto da reversão atinente à gerência de facto da Oponente.
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º da LGT, a responsabilidade tributária subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
Preceitua este mesmo preceito legal que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário [e dos responsáveis solidários], sem prejuízo do benefício da excussão prévia [n.º 2.]
Por força do n.º 4 do normativo em análise, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Por sua vez, o artigo 24.º, n.º 1, da LGT, sob a epígrafe – Responsabilidade dos corpos sociais e responsáveis subsidiários – prescreve no seu n.º 1 que:
«Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.»
Do teor literal deste n.º 1 do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, extrai-se (i) que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, e (ii), por outro lado, não se mostra suficiente a mera gerência ou administração de direito.
Este artigo 24.º da LGT comporta duas situações, perfeitamente demarcadas nas duas alíneas do seu n.º 1.
«A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. [vide, por todos, acórdão deste TCAN de 21.03.2024, proc. n.º 1763/13.1BEBRG, disponível para consulta em www.dgsi.pt].
Em suma, os pressupostos da reversão são cumulativos, pelo que a não verificação de qualquer um deles é impeditivo da responsabilização, no caso, da Recorrida, na qualidade de responsável, pelo pagamento da quantia exequenda. A prova da gerência de facto, enquanto facto constitutivo para operar a reversão, incumbe à ATA [art. 74.º, n.º 1, da LGT e art. 342.º, n.º 1, do Código Civil].
Realizado este enquadramento legal, impõe-se agora chamar à colação os factos relevantes com vista a dar resposta à questão em exegese.
Está assente, não sendo controvertido, que a oponente/Recorrida consta como gerente de direito da devedora originária e que a reversão tem como fundamento o disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT, por a autoridade tributária e aduaneira imputar a gerência de facto à oponente no tempo em que terminou o prazo legal de pagamento e entrega dos tributos.
No despacho de reversão é dito que «[v]erificada a gerência de direito, presume-se a gerência de facto, não sendo nesta fase processualmente apropriado para a apreciação se a gerência nominal ou de direito correspondeu efectivamente uma gerência efectiva, de facto.»
Mais se afirmando que, em sede de oposição, «ao executado revertido, cabe o ónus da prova de que, apesar da gerência de direito, não exerceu a gerência de facto (…).»
Ora, esta conclusão constitui uma falácia, pois, há muito que a doutrina e a jurisprudência consensualizaram que da gerência de direito não se presume, sem mais, a gerência de facto. Ou seja, a lei exige para a responsabilização ao abrigo do artigo 24.º da LGT a gerência efetiva ou de facto, o concreto exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito, sendo certo que a prova do efetivo exercício da gerência constitui ónus da ATA, enquanto facto constitutivo do direito de que se arroga de proceder à reversão.
Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento” – cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição” Áreas Editora , II volume, página 349.
Constitui, ainda, jurisprudência constante dos nossos Tribunais Superiores que para integrar o conceito de tal administração de facto ou efetiva à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência/administração de direito assente na nomeação para o cargo, de que o mesmo gerente/administrador tenha praticado, em nome e por conta da pessoa coletiva, concretos atos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-a com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados - cfr. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28/02/2007, processo n.º 1132/06, publicado em www.dgsi.pt.
Vale isto para dizer que a gerência/administração de facto não se presume, sem mais, da gerência/administração de direito, embora o exercício dos poderes de facto, se possa inferir do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante o recurso às regras da experiência, recaindo sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que o gerente/administrador de direito, contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções - cf. artigo 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/03/2010, de forma exemplar e ainda atual, proferido no âmbito do processo n.º 00349/05.6BEBRG «(…), não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função (() A única presunção consagrada no art. 24.º, n.º 1, da LGT, é a presunção de culpa dos gestores pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, que consta da alínea b).). Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC).» – acórdão publicado em www.dgsi.pt.
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
Isto posto, a primeira conclusão a extrair é que a alegação da ATA de que a gerência de facto se presume, sem mais, da gerência de direito é errónea e ineficaz para a demonstração do pressuposto em exegese. Do mesmo modo, é ineficiente a constatação de que a sociedade se obrigava pela assinatura conjunta dos dois gerentes nomeados, pois, para além de ser uma decorrência da gerência nominativa, apresenta-se desacompanhada de qualquer elemento probatório demonstrativo da concreta intervenção da oponente, designadamente cheques ou contratos.
Menciona, ainda a ATA, e bem como a Recorrente, que no âmbito do direito de audição a oponente não questionou/negou o exercício da gerência [“Na exposição apresentada não é questionado o exercício da gerência pelo revertido.”].
Ora, esta conclusão não tem respaldo no texto do exercício do direito de audição prévia, em que a oponente epilogou não se encontrarem preenchidos todos os requisitos para que se procedesse à reversão.
Para o efeito, e como exteriorizado no despacho de reversão, a opoente afirmou, desde logo, que a sociedade executada não tem qualquer atividade comercial desde 31 de outubro de 2005, explicando os motivos que impediram a entrada da declaração de cessação de atividade, dando conhecimento da realização da escritura de dissolução efetuada a 27.12.2005.
Ora, do exposto, não se pode afirmar que a opoente não questiona a gerência de facto, pois, a alegada inexistência de atividade da empresa induz precisamente nesse sentido. Para além do mais, mesmo que se entendesse que não foi expressamente questionada a gerência efetiva, esta evidência não tem a potencialidade de permitir a conclusão do seu contrário, isto é, de que a oponente assume a gerência efetiva, como entende a Recorrente, por não ter qualquer suporte no texto do exercício do direito de audição. Na verdade, o não repúdio expresso não permitiria a conclusão inversa de assunção da gerência de facto. Para além do mais, na oposição a Oponente nega a gerência e pugna, somente, pela não verificação da inexistência/insuficiência de bens, sem entrar no pressuposto relativo à culpa.
Na peça recursiva, a Recorrente alega que a oponente entregou a declaração de cessação de atividade em sede de IVA. Quanto a este segmento, de forma perfunctória, dizemos que este facto, não tendo qualquer suporte nos elementos nos autos, colide ainda com o que foi vertido no despacho de reversão, onde se pode ler “h) Em 2011-05-06 foi entregue no Serviço de Finanças ... a declaração de cessação da actividade para efeitos de IVA e reportada a 2011-05-06, constando como representante da cessação o supra identificado sócio gerente «BB»”. [sublinhado nosso]. Para além do mais, conforme se refere na sentença, a mera assinatura da declaração «não se mostra suficiente para fundamentar a conclusão de que a Oponente exercia a gerência da sociedade devedora originária».
Em suma, resultando da matéria de facto, apenas, que «era a Oponente quem ficava todo o dia na Loja, atendendo clientes e fornecedores», não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.
Na verdade, as funções descritas são compatíveis com as de uma (única) funcionária de loja, não sendo exclusivas de uma efetiva gerente, e com a circunstância do assumido gerente de facto não ter disponibilidade para estar no estabelecimento durante o dia por ter outras empresas, apenas ali se deslocando à noite. E, à mesma conclusão se chegaria, se se tivesse dado como provado que era também a oponente que contatava o contabilista (o que como já dissemos não foi alegado), pois, conforme explicou a testemunha, os contactos eram realizados, também, durante o dia, mas por sua ordem.
Destarte, não merece qualquer censura ou reparo a sentença quando afirma que «[r] esulta dos factos considerados provados que a oponente foi nomeada gerente de direito mas não se pode afirmar que ao assumir tal qualidade, exerceu a gerência de facto, uma vez que na petição inicial, tal circunstância é negada pela oponente.
[…].
O facto da Oponente constar do contrato social como gerente de direito da sociedade originária devedora, por si só, é apenas indiciador duma possível gestão de facto mas que é contraditada na íntegra pelo conteúdo da petição inicial e pela prova realizada em Tribunal.»
Face a todo o exposto, validamos o julgamento vertido na sentença quanto à não verificação do requisito relativo à gerência de facto da Oponente na devedora originária.
Em suma, no caso objeto, soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como decidido pela primeira instância.
*
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença no ordenamento jurídico.

*

Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração.
II - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
III - Resultando da matéria de facto, apenas, que «era a Oponente quem ficava todo o dia na Loja, atendendo clientes e fornecedores», não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.
IV - As funções descritas são compatíveis com as de uma (única) funcionária de loja, não sendo exclusivas de uma efetiva gerente, e com a circunstância do assumido gerente de facto não ter disponibilidade para estar no estabelecimento durante o dia por ter outras empresas, apenas ali se deslocando à noite.
V - Soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima, a Opoente, na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como decidido pela primeira instância.

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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença no ordenamento jurídico.


Custas pela Recorrente.

Porto, 27 de março de 2025


Vítor Salazar Unas
Ana Paula Santos
Maria do Rosário Pais