| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:
RELATÓRIO
O Ministério Público instaurou ação administrativa contra a Câmara Municipal ..., indicando como contrainteressada «AA», todos melhor identificados nos autos, peticionando a declaração de nulidade do despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 1 de julho de 2020 que designou a técnica superior, «AA», em regime de substituição, por 90 (noventa) dias, no cargo Direção intermédia de 1.º Grau, Diretora de Departamento de Administração Municipal e Cidadania, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 157, de 13 de agosto de 2020 e a nulidade do despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 29 de setembro de 2020 que prorrogou a designação da técnica superior, «AA», em regime de substituição, por mais 90 (noventa) dias, no cargo Direção Intermédia de 1.º Grau, Diretora de Departamento de Administração Municipal e Cidadania, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 214, de 3 de novembro de 2020.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a ação e absolvidos o Réu e a Contrainteressada do pedido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 11/02/2025, pela Mmª Juiz a quo, em que se julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos Despachos do Presidente da Câmara Municipal ... de 1 de julho de 2020 que designou a Técnica Superior, «AA», em regime de substituição, por 90 dias, no cargo Direção Intermédia de 1° ..., do Departamento de Administração Municipal e Cidadania e de 29 de setembro de 2020 que prorrogou a designação da Técnica Superior, «AA», em regime de substituição, por mais 90 dias, no cargo Direção Intermédia de 1° ..., do Departamento de Administração Municipal e Cidadania.
II - Face aos factos dados como provados entendeu a Mmª Juiz não se verificarem os vícios invocados pelo Ministério Público, violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade e dos artigos 47.°, n.° 2, 266.°, n.° 2 da CRP e 19.° da Lei n.° 49/2012, de 29 de agosto, pelo que julgou improcedente o pedido formulado nos presentes autos.
III - Entendemos, contudo, que face aos factos alegados pelo Ministério Público na p.i. e que foram dados como provados na sentença recorrida, deveria a presente ação ter sido julgada procedente tal como vinha peticionado.
IV - Com efeito, tal como resulta dos pontos 3. e 4. dos factos provados, o cargo de Diretor de Departamento de Administração Municipal e Cidadania, da Câmara Municipal ..., foi criado, pelo novo Regulamento da Organização dos Serviços Municipais de ..., aprovado por deliberação da Assembleia Municipal, de 30 de dezembro de 2019, sob propostas da Câmara Municipal, aprovadas nas suas reuniões de 31 de outubro e 9 de dezembro de 2019 e publicitado no D.R., 2ª série, n° 21, de 30/01/2020, nos termos do Despacho n° ...20 do Sr. Vereador da Câmara Municipal ....
V - Sendo um cargo dirigente de direção intermedia do 1° grau, pode ser exercido em regime de substituição nos casos de ausência ou impedimento do respetivo titular quando se preveja que estes condicionalismos persistam por mais de 60 dias ou em caso de vacatura do lugar - cfr. art. 27°, da Lei n° 2/2004 , de 15 de janeiro.
VI - Contrariamente ao entendimento da Mmª Juiz, entende o Ministério Público que tendo tal cargo sido criado ex novo, não houve vacatura do cargo pelo que, o provimento desse lugar, só poderia ser efetuado por procedimento concursal, nos termos definidos nos artigos 18° e ss, da Lei n° 2/2004, de 15 de janeiro e nunca em regime de substituição como aconteceu no caso dos autos tanto mais que as funções inerentes a tal cargo não estavam a ser exercidas por ninguém.
VII - Mas mesmo que assim não se considerasse, sempre a substituição deveria ser efetuada nos termos definidos no artigo 19°, da Lei n° 49/2012, de 29 de agosto, isto é, pela seguinte ordem:
a) Titular de cargo dirigente de grau e nível imediatamente inferior na escala hierárquica;
b) Trabalhador que reúna as condições legais de recrutamento para o cargo dirigente a substituir.
VIII - E não em termos arbitrários como aconteceu com a designação para o cargo da contrainteressada «AA».
IX - De todo o modo, no nosso modesto entendimento, o exercício do cargo de Diretor de Departamento de Administração Municipal e Cidadania, da Câmara Municipal ... só poderia ser exercido após procedimento concursal para o efeito e nunca em regime de substituição,
X - Assim, ao não ter declarado nulos os despachos impugnados, a sentença recorrida violou o disposto no art. 161º, nº 2, al. d), do C.P.A., com referência ao disposto nos arts. 47º, nº 2, e 266º, nº 2, da C.R.P. bem como o disposto nos arts. 18º e 27º, da Lei nº 2/2004, de 15/01 e art. 19º, da Lei nº49/2012, de 29/08.
XI - Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade dos despachos impugnados.
O Réu/Município apresentou contra-alegações, concluindo:
1ª O recurso jurisdicional foi interposto contra a douta e irrepreensível sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 11 de Fevereiro p.p., que julgou totalmente improcedente a acção pela qual o Ministério Público pretendia ver declarada a nulidade do despacho que havia procedido à designação da contra-interessada para um cargo dirigente em regime de substituição.
2ª Salvo o devido respeito, deverá dizer-se que o Ministério Público limita-se a reproduzir a tese que sustentara na petição inicial, não rebatendo no recurso jurisdicional um só argumento ou uma só consideração aduzida pela sentença de que recorre, o que significa que se está a recorrer para um Tribunal superior sem sequer se ... posição ou demonstrar o eventual erro em que incorrera a decisão com a qual não se conforma.
3ª Em qualquer dos casos, a improcedência do recurso jurisdicional decorre não só do facto de o Tribunal de Contas já ter deixado bem claro que a designação em regime de substituição pode ser efectuada mesmo em caso de criação ex novo do lugar, como da circunstância de a tese defendida pelo Ministério Público não ter qualquer apoio no texto e no espírito da lei.
4ª Com efeito, e relativamente à questão fundamental em apreço - saber se quando um lugar dirigente é criado ex novo pode haver lugar à designação em regime de substituição de um trabalhador para ocupar, temporariamente e até estar concluído o procedimento concursal, esse mesmo lugar -, a mais recente jurisprudência do Tribunal de Contas é bem clara o sentido de que nada impede que se proceda à designação em regime de substituição mesmo nas situações em que o lugar foi criado ex novo e nunca fora ocupado (v. Proc. nº 10/20..., que se junta).
5ª Em qualquer dos casos, a tese defendida pelo Ministério Público não tem qualquer apoio nem no texto nem no espírito do legislador, procurando distinguir onde o legislador não distinguiu e, sobretudo, comprometer a continuidade do serviço público quando o objectivo do legislador ao prever a designação em regime de substituição foi justamente evitar quebras nessa mesma continuidade em situações de não preenchimento do cargo dirigente.
6ª Consequentemente, o Tribunal a quo efectuou uma correcta interpretação do direito ao considerar que o acto impugnado não violara o art° 27° da Lei n° 2/2004, justamente por nada impedir que se designasse em regime de substituição um trabalhador para ocupar temporariamente um lugar dirigente enquanto o respetivo lugar não estivesse preenchido e não terminasse o procedimento concursal para o seu provimento.
Por fim,
7ª O aresto em recurso também efectuou uma correcta interpretação do direito aplicável ao não dar por violado o art° 19° da Lei n° 49/2012, uma vez que, não havendo no Município qualquer titular de cargo dirigente de grau e nível imediatamente inferior - e o Ministério Público nem questiona essa inexistência -, a designação em regime de substituição poderia ser feita em qualquer trabalhador que reunisse as condições exigidas para o cargo dirigente em causa, pelo que também não questionando o Ministério Público a competência e as habilitações da contra-interessada para o exercício do cargo, muito naturalmente que não há qualquer violação do citado normativo.
Nestes termos,
Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença em recurso, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e
feita JUSTIÇA
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Até ao ano de 2011, no Regulamento Orgânico/Organigrama do Município de ..., entre outros lugares de Dirigentes Intermédios, existiam os lugares de Departamento ..., ocupado por «BB», que, entretanto, se aposentou e o lugar de Diretor de Departamento de Gestão Urbanística ocupado por «CC», jurista que até à sua ausência por licença do primeiro acumulou as duas funções (cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial);
2. No ano de 2013 os lugares identificados em 1 foram extintos por força das restrições orçamentais impostas pelo programa da Troika (cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial);
3. No dia 30 de janeiro de 2020, por despacho n.º ...20 do Vereador da Câmara Municipal ..., publicitado na 2.ª série, do Diário da República, n.º 21, foi alterada a estrutura orgânica do Município ... e o Regulamento da Organização dos Serviços Municipais de ..., aprovados por deliberação da Assembleia Municipal, de 30 de dezembro de 2019, sob propostas da Câmara Municipal, aprovadas nas suas reuniões de 31 de outubro e 9 de dezembro de 2019 (cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial);
4. Através do despacho identificado em 3 foi criado o Departamento de Administração Municipal e Cidadania do Município ... nos seguintes termos: “O Departamento de Administração Municipal e Cidadania é dirigido por um/a Diretor/a de Departamento Municipal, diretamente dependente do Presidente da Câmara Municipal e/ou Vereadores com competências delegadas, competindo-lhe, designadamente: a) Dirigir as atividades desenvolvidas nas Divisões que estão na sua dependência orgânica” (cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial);
5. No dia 1 de julho de 2020, por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., publicitado na 2.ª série, do Diário da República, n.º 157 de 13 de agosto de 2020, foi determinado o seguinte: “Considerando que: - A vacatura no cargo de Diretor de Departamento Municipal, do Departamento de Administração Municipal e Cidadania, importa até à conclusão do procedimento concursal necessário para nomeação de um titular, assegurar, em regime de substituição, a dinâmica de funcionamento do referido departamento. - O posto de trabalho a que corresponde o cargo de Diretor de Departamento Municipal tem previsão no Orçamento da Câmara Municipal ... para 2020, e, bem assim, no mapa de pessoal que o integra. No uso da competência prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei 75/2013, de 12 de setembro, na sua atual redação, e nos termos do artigo 27.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, na sua atual redação, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, Designo, em regime de substituição, a título excecional e temporário, a Técnica Superior, «AA», como Diretora de Departamento Municipal, do Departamento de Administração Municipal e Cidadania, (dirigente de direção intermédia de 1.º grau), considerando que a mesma reúne os requisitos legais exigidos, e possui a competência técnica, aptidões e experiência profissional adequadas para o efeito, conforme consta na síntese curricular em anexo. A presente designação em regime de substituição é efetuada por urgente conveniência de serviço, pelo período de 90 dias, em conformidade com o previsto nos nºs 3, 4 e 6 do artigo 27º acima referido” (cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial);
6. Em anexo ao despacho identificado em 5 constava uma síntese curricular da contrainteressada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial);
7. No dia 29 de setembro de 2020, por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., publicitado na 2.ª série, do Diário da República, n.º 214, de 3 de novembro de 2020, foi determinado o seguinte: “Considerando - O meu despacho de 01 de julho de 2020, a designar a Dra. «AA», em regime de substituição no Cargo de Direção Intermédia de 1.º Grau - Diretora de Departamento Municipal, do Departamento de Departamento de Administração Municipal e Cidadania. - Que se encontra em curso procedimento concursal tendente à designação de um titular para o lugar mencionado, Prorrogo a designação em regime de substituição por mais 90 dias, nos termos do art. 27.º, da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, na atual redação, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, com efeitos imediatos” (cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial);
8. Antes da nomeação, «AA» exercia funções na Câmara Municipal ... como Técnica Superior de Economia (cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial);
9. No Município ... exerciam funções outros técnicos superiores que reuniam os requisitos legais exigidos para o exercício do cargo identificado em 5, nomeadamente os técnicos: «DD», «EE», «FF» e «GG» (cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial);
10. No dia 23 de outubro de 2020 por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., publicitado na 2.ª série, do Diário da República, n.º 174, de 9 de fevereiro de 2021, foi determinado o seguinte: “Considerando a previsão no Mapa de pessoal da Câmara Municipal ..., da unidade orgânica destinada a ser ocupada por titular de cargo de direção intermédia de 1º grau - Diretor de Departamento; Considerando que se encontra vago o cargo de dirigente da unidade orgânica correspondente ao Departamento de Administração Municipal e Cidadania; Considerando a necessidade de prover tal cargo, com vista à conformação de uma estrutura hierárquica capaz de assegurar a eficácia e eficiência na gestão dos recursos humanos afeto à referida unidade orgânica; Pretende-se promover procedimento destinado ao recrutamento de um titular para cargo de direção intermédia de 1.º grau (Diretor de Departamento), que preencha os requisitos legais, detenha a competência e aptidão para o exercício das funções, para ser provido em comissão de serviço pelo período de 3 anos, de acordo com a Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, na redação atual, adaptada à administração local pelo Decreto-Lei nº 49/2012, de 29 de agosto, também na redação atual. Assim, no uso da competência que me está atribuída pela alínea a) do nº 2, do artigo 35º do Anexo à Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, em conjugação com o artigo 23º da Lei nº 49/2012, de 29 de agosto, com as alterações da Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro, da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro e da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, que adaptou à administração local a Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro na redação atual, determino e autorizo o seguinte: I - A abertura de procedimento concursal para provimento do cargo de direção intermédia de 1º grau previsto no Mapa de Pessoal em vigor, designadamente o cargo de Diretor Departamento de Administração e Cidadania, pelo prazo de 10 dias úteis contado do dia seguinte ao da publicação na BEP, nos termos e para os efeitos do artigo 20º e 21º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, na sua atual redação, aplicável ao pessoal dirigente dos municípios por força da Lei nº 49/2012, de 29 de agosto, também na atual redação. II - O local de trabalho é na área do Município ... e a remuneração mensal será estipulada nos termos do artigo 31º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro. III - Requisitos formais: os previstos no artigo 12º da Lei nº 49/2012, de 29 de agosto na atual redação, e no nº 1, do artigo 20º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, na redação atual, nomeadamente trabalhadores em funções públicas contratados ou designados por tempo indeterminado, licenciados, dotados de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direção, coordenação e controlo, que reúnam seis anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura. IV - O perfil pretendido para o exercício do cargo de Diretor Departamento de Administração Municipal e Cidadania é o seguinte: comprovados conhecimentos técnicos e científicos e/ou experiência na área de atuação do cargo de direção em causa; competências relacionais e comunicacionais adequadas ao exercício da função, nomeadamente capacidade de liderança e de motivação; capacidade de promover uma gestão orientada para resultados, de acordo com os objetivos anuais a atingir; desempenho para o reforço da qualidade, da eficácia e da eficiência dos serviços e para a produtividade dos trabalhadores. V - A seleção será feita nos termos do disposto no artigo 21º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, na redação atual, adaptada à administração local pela Lei nº 42/2012, de 29 de agosto. E recairá nos candidatos que, da área a recrutar e em sede de apreciação de candidaturas, melhor corresponda ao perfil desejado para prosseguir as atribuições e objetivos do serviço. Os métodos de seleção a utilizar no procedimento deverão ser a avaliação curricular e a entrevista pública de seleção, cujos critérios e avaliação e ponderação serão definidos pelo júri do procedimento. (...) VII - Deverá o procedimento ser publicado na 2ª série do Diário da República, em jornal de expansão nacional e na BEP durante 10 dias, nos termos do artigo 21º da Lei nº 2/2001, de 15 de janeiro, na redação atual, adaptada à administração local pelo Decreto-Lei nº 49/2012, de 29 de agosto, também na redação atual.” (cf. documentos n.º 5 a n.º 7 juntos com a petição inicial);
11. Foram admitidos ao concurso identificado em 10 os candidatos «EE», «DD», «HH», «II», «AA», «JJ», «FF» e «GG» (cf. documento n.º 8 junto com a petição inicial).
DE DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o conhecimento do mesmo.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos
- Despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 1 de julho de 2020 que designou a Técnica Superior, «AA», em regime de substituição, por 90 dias, no cargo Direção Intermédia de 1° ..., do Departamento de Administração Municipal e Cidadania, publicado no D.R., 2,1 série, n° 157, de 13.08.2020;
- Despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 29 de setembro de 2020 que prorrogou a designação da Técnica Superior, «AA», em regime de substituição, por mais 90 dias, no cargo Direção Intermédia de 1° ..., do Departamento de Administração Municipal e Cidadania, publicado no D.R., 2,1 série, n° 214, de 03.11.2020.
Para o Recorrente, face ao probtório, a conclusão a extrair seria a de que se verificam os vícios invocados na p.i. - violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade e dos artigos 47.°, n.° 2, 266.°, n.° 2 da CRP e 19.° da Lei 49/2012, de 29 de agosto -, pelo que a ação deveria ter sido julgada procedente.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos:
Dispõe o art. 47º/2, da CRP, sob a epígrafe “Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública”, o seguinte: “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.”
E, no art. 266º/2, da mesma Lei Fundamental, sob a epígrafe “Princípios fundamentais”, estipula-se o seguinte:
“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
Consagra-se, nessas disposições constitucionais, o princípio da igualdade de oportunidades no acesso à função pública, matéria que constitui um direito fundamental dos cidadãos.
Ora, a Lei 2/2004, de 15 de janeiro aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado.
Estabelecendo no art. 2º, sob a epígrafe “cargos dirigentes”:
“ 1 - São cargos dirigentes os cargos de direção, gestão, coordenação e controlo dos serviços e
órgãos públicos abrangidos pela presente Lei.
2 - Os cargos dirigentes qualificam-se em cargos de direcção superior e cargos de direcção intermédia e, em função do nível hierárquico e das competências e responsabilidades que lhes estão cometidas, subdividem-se, os primeiros, em dois graus e, os segundos, em tantos graus quantos os que a organização interna exija.
3 - São, designadamente, cargos de direção superior de 1º grau os de director geral, secretário geral, inspector geral e presidente e de 2º grau os de subdirector- geral, secretário-geral-adjunto, subinspetor-geral e vice-presidente.
4 - São, designadamente, cargos de direção intermédia de 1º grau os de diretor de serviços e de 2º grau os de chefe de divisão.”
Nos termos do art. 18º da citada Lei, “os titulares dos cargos de direção superior são recrutados, por procedimento concursal, nos termos dos artigos seguintes, de entre indivíduos com licenciatura concluída à data de abertura do concurso há, pelo menos, 10 ou 8 anos, consoante se trate de cargos de direção superior de 1º ou de 2º grau, vinculados ou não à Administração Pública, que possuam competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício das respetivas funções”.
Sendo que nos termos do art. 27º,
“1 - os cargos dirigentes podem ser exigidos em regime de substituição nos casos de ausência ou impedimento do respectivo titular quando se preveja que estes condicionalismos persistam por mais de 60 dias ou em caso de vacatura do lugar”.
(...)
3 - A substituição cessa na data em que o titular retome funções ou passados 90 dias sobre a data da vacatura do lugar, salvo se estiver em curso procedimento tendente à designação de novo titular.”.
Por sua vez, estatui o art. 19º, da Lei nº 49/2012, de 29 de agosto:
“1 - A substituição a que se refere o artigo 27º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 64/2011, de 22 de dezembro, defere-se pela seguinte ordem:
a) Titular de cargo dirigente de grau e nível imediatamente inferior na escala hierárquica;
b) Trabalhador que reúna as condições legais de recrutamento para o cargo dirigente a substituir.
2 - Nos casos referidos na alínea b) do número anterior, pode ser dispensado o requisito do módulo de tempo de experiência profissional legalmente exigido, em caso de manifesta inexistência de trabalhador que reúna todos os requisitos legais para o provimento do cargo.”
Ora, tal como resulta dos pontos 3. e 4. dos factos provados, o cargo de Diretor de Departamento de Administração Municipal e Cidadania, da Câmara Municipal ..., foi criado, pelo novo Regulamento da Organização dos Serviços Municipais de ..., aprovado por deliberação da Assembleia Municipal, de 30 de dezembro de 2019, sob propostas da Câmara Municipal, aprovadas nas suas reuniões de 31 de outubro e 9 de dezembro de 2019 e publicitado no D.R., 2ª série, nº 21, de 30/01/2020, nos termos do Despacho nº ...20 do Sr. Vereador da Câmara Municipal ....
Sendo um cargo dirigente de direção intermédia do 1º grau, pode ser exercido em regime de substituição nos casos de ausência ou impedimento do respetivo titular quando se preveja que estes condicionalismos persistam por mais de 60 dias ou em caso de vacatura do lugar - cfr. art. 27º, da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro.
Contrariamente à leitura do Tribunal a quo entende-se que, tendo tal cargo sido criado ex novo, não houve vacatura do cargo pelo que, o provimento desse lugar teria de ser efetuado por procedimento concursal, nos termos definidos nos artigos 18º e segs. da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro e não em regime de substituição como aconteceu no caso dos autos, tanto mais que as funções inerentes a tal cargo não estavam a ser exercidas por ninguém.
Ademais sempre a substituição deveria ser efetuada nos moldes definidos no artigo 19º da Lei nº 49/2012, de 29 de agosto, isto é: pela seguinte ordem:
a) Titular de cargo dirigente de grau e nível imediatamente inferior na escala hierárquica;
b) Trabalhador que reúna as condições legais de recrutamento para o cargo dirigente a substituir.
E não em termos arbitrários como aconteceu com a designação para o cargo da Contrainteressada «AA».
Aliás, o exercício do cargo de Diretor de Departamento de Administração Municipal e Cidadania, da Câmara Municipal ... só poderia ser exercido após procedimento concursal para o efeito e não em regime de substituição; precisamente por ter sido criado ex novo, o cargo de Diretor podia ser exercido em regime de substituição, conquanto que, previamente, tivesse sido determinada a abertura do procedimento concursal.
Assim, como bem aponta o Recorrente, ao não ter declarado nulos os despachos impugnados, a sentença violou o estipulado no art. 161º, nº 2, al. d), do CPA, com referência ao disposto nos arts. 47º, nº 2 e 266º, nº 2, da CRP, bem como o previsto nos arts. 18º e 27º da Lei nº 2/2004, de 15/01 e 19º, da Lei nº 49/2012, de 29/08.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se procedente a ação.
Custas pelo Réu/Município
Notifique e DN.
Porto, 20/6/2025
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Jovita |