Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00063/21.5BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/11/2022 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
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Descritores: | ATRASO NA JUSTIÇA; SUSPENSÃO POR ACORDO DAS PARTES; PERÍCIA COMPLEXA REQUERIDA PELA AUTORA; ABUSO DE DIREITO; ARTIGO 334º DO CÓDIGO CIVIL; NULIDADE PROCESSUAL; DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL E POR DECLARAÇÕES DE PARTE; ARTIGO 88º, N.º1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS |
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Sumário: | 1. Se a própria recorrente não invoca qualquer facto relevante que tenha ficado por provar face à dispensa, pelo tribunal, da prova testemunhal e por declarações de parte que a autora tinha requerido, por se entender que os autos já forneciam todos os elementos necessários para decidir, não se verifica qualquer irregularidade ou nulidade processual, decorrente de violação do disposto no artigo 88º, n.º1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, norma que, pelo contrário, se mostra respeitada. 2. Não se pode considerar atraso excessivo, originador do dever de indemnizar por atraso na justiça, a pendência de um processo, sem decisão em primeira instância e ainda com julgamento por realizar, por nove anos e seis meses se o processo esteve parado mais de 4 anos por estar suspenso a requerimento das partes com vista a obter acordo e se foi requerida pela autora uma perícia complexa e que teve de ser realizada no contexto da declarada pandemia dos recentes anos. 3. Ainda que se pudesse considerar, no contexto, tal prazo excessivo, sempre seria de paralisar o direito da autora a uma indemnização por manifesto abuso de direito – artigo 334º do Código Civil.* * Sumário elaborado pelo relator |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A M., L.da veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 06.09.2021, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa que intentou contra o Estado Português para pagamento da importância de 9.900 euros a título de danos não patrimoniais, acrescida de uma prestação mensal de 150 euros até a prolação de decisão em primeira instância no processo 1282/11.8 BRG, tudo acrescido de juros de mora deste a citação o qual, por sua vez, também tem por objecto o pedido de pagamento de uma indemnização no valor de 1.252.955 euros. Invocou para tanto, em síntese, que o despacho interlocutório e prévio ao “saneador-sentença” privou a Recorrente do requerimento de prova respeitante à prestação de declarações de parte e à inquirição de testemunhas, pelo que viola manifestamente o princípio da promoção do acesso à justiça, ínsito no artigo 7º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; quanto à sentença em si mesma defende que a sentença recorrida violou os artigos 12º, da Lei nº 67/2007, de 31/12, 20º, nº 4, e 22º, da Constituição da República Portuguesa, bem assim como o parágrafo 1º, do artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e incorreu em erro de julgamento. Não foram apresentadas contra-alegações. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1ª – O despacho interlocutório e prévio ao “saneador-sentença”, que privou a recorrente do requerimento de prova respeitante à prestação de declarações de parte e à inquirição de testemunhas, viola manifestamente o princípio da Promoção do acesso à justiça, ínsito no artigo 7º, do C.P.T.A.; 2ª – Ancorando-se, ainda, em pressupostos de direito errados, como a violação grosseira, irrazoável e completamente injustificada dos aludidos prazos; 3ª – O que não se encontra plasmado na norma aplicável, designadamente o artigo 12º, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas); 4ª – Deixando-se, por isso, de todo impugnado; 5ª – Os factos dados como provados na sentença recorrida demonstram claramente que não foi proferida decisão em prazo razoável no processo nº 1282/11.8BEBRG (ação administrativa comum – forma ordinária), pois que, à data da entrada da presente ação em juízo, eram já decorridos nove anos e seis meses de pendência naquele processo, ainda na mesma instância e sem que tenha, sequer, sido designada data para realização da audiência de julgamento; 6ª – O que ainda na presente data se verifica, quando já são passados mais de dez anos desde o seu início em juízo; 7ª – Sendo certo e pacífico que a morosidade do processo se conta por todo o processo e não como o fez a sentença recorrida, sem estribado fundamento; 8ª – Porém, como se alegou supra, mesmo considerando-se apenas os mais longos hiatos temporais verificados no processo, 50 meses, isto é, mais de 4 (quatro) anos, é morosidade excessiva que já não permite proferir decisão em prazo razoável; 9ª – Com efeito, é princípio estabilizado no seio do TEDH, de o processo ter 3 anos como duração média na primeira instância para a generalidade das matérias e 4 a 6 anos para a duração global da lide; 10ª – Por outro lado, ao contrário do considerado pela sentença recorrida, a ilicitude refere-se sempre à duração global do processo e não depende de uma consideração “analítica” dos prazos”; 11ª – Daí que, também em sentido diferente da sentença recorrida, se verifique o pressuposto da ilicitude, no que concerne ao instituto da responsabilidade civil; 12ª – Como a jurisprudência mais recente, designadamente os Acórdãos do STA nos processos nºs 02386/16.6BEPRT, de 18/02/2021, em que foi Relator o Sr. Juiz Conselheiro, Adriano Cunha, e 0259/18, de 05/07/2018, em que foi Relator o Sr. Juiz Conselheiro, Carlos Carvalho, bem assim como o Ac. TCAN, de 27/09/2019 – Procº 2114/17.9BEPRT, sem qualquer dúvida o confirmam; 13ª – Por outro lado, não vem imputado às partes que tenham feito uso abusivo do processo ou tivessem, sequer, comportamentos processuais dilatórios; 14ª - Pelo que, sendo manifesto que se verifica o requisito da ilicitude, bem como os demais pressupostos da responsabilidade civil, poderá este Tribunal, a entender-se que a documentação nos autos já o permite, proferir acórdão de mérito, atribuindo indemnização equitativa; 15ª – Porém, caso tal não suceda, deverá fazer baixar os autos para o Tribunal a quo prossiga a ulterior tramitação; 16ª – A sentença recorrida violou os artigos 12º, da Lei nº 67/2007, de 31/12, 20º, nº 4, e 22º, da Constituição da República Portuguesa, bem assim como o parágrafo 1º, do artigo 6º, da CEDH, e incorreu em erro de julgamento. Termos em que, procedendo o recurso pelas razões vertidas nas conclusões supra e revogando-se a decisão recorrida, deve proferir-se acórdão de mérito, se o estado dos autos o permitir ou, assim não sendo, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim continuar a tramitação processual devida e ser proferida decisão. Com o que V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, farão Justiça! * II –Matéria de facto.A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: A. Em 04.08.2011, M., Limitada, intentou acção administrativa contra o Estado Português e a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, peticionando a condenação no pagamento de uma indemnização no valor de €1.252.955,00, e que passou a correr termos sob o n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). B. Em 05.08.2011, foram emitidos os ofícios de citação dos Réus no processo n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). C. Em 30.09.2011, a Administração Regional de Saúde do Norte, IP contestou a acção n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). D. Em 20.10.2011, o Estado Português contestou a acção n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). E. Em 15.11.2011, o M., Limitada apresentou réplica no processo n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). F. Em 30.11.2011, a Administração Regional de Saúde do Norte, IP deduziu tréplica no processo n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). G. Em 03.02.2012, foi proferido despacho no processo n.º 1282/11.8BEBRG concedendo-se ao Réu, Administração Regional de Saúde do Norte, IP, o prazo de 10 dias para a junção do processo administrativo, e em 27.02.2012, face ao requerido foi concedido para o mesmo efeito, novo prazo de 20 dias (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). H. Em 18.04.2012, foi proferido despacho no processo n.º 1282/11.8BEBRG a deferir o solicitado pela Autora, quanto a conceder um prazo adicional de 10 dias para pronúncia a respeito do processo administrativo (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). I. Em 21.05.2012, no processo n.º 1282/11.8BEBRG foi inserido no SITAF despacho a conceder às Partes o prazo de 10 dias para indicarem três data possíveis para efeitos da realização da audiência preliminar (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). J. Em 26.06.2012, foi proferido despacho no processo n.º 1282/11.8BEBRG a agendar a audiência preliminar para o dia 4 de Setembro de 2012, que veio a ser dada sem efeito em 03.09.2012, face ao movimento do anterior titular do processo para o TAF do Porto (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). K. Em 21.09.2012, foi proferido despacho no processo n.º 1282/11.8BEBRG com o seguinte teor: «Por se afigurar que a matéria de excepção invocada, mormente quanto à prescrição do direito em causa, está dependente da decisão que venha a ser proferida em sede da acção administrativa especial n.º 157/09.5BEBRG, a qual se encontra em fase de recurso no Tribunal Administrativo Norte, ordeno que aguardem os autos até que a mesma seja proferida (…)» (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). L. Em 12.10.2012, a Autora deu conhecimento ao processo n.º 1282/11.8BEBRG do acórdão proferido no processo n.º 157/09.5BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). M. Em 22.03.2013, a Autora requereu a junção de documentos ao processo n.º 1282/11.8BEBRG (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). N. Em 23.04.2013 foi aberta conclusão no processo n.º 1282/11.8BEBRG, e em 24.04.2013, foi proferido despacho a agendar a realização de audiência preliminar para o dia 23.09.2013, a qual se realizou, suspendendo-se a instância pelo prazo de 60 dias, por requerimento das Partes, com vista à obtenção de um acordo, e na qual também se reagendou a audiência preliminar para o dia 10 de Dezembro de 2013, para a eventualidade de as partes não lograrem alcançar o dito acordo (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). O. Em 10.12.2013, no processo n.º 1282/11.8BEBRG realizou-se a audiência preliminar, suspendendo-se a instância pelo prazo de 90 dias, a requerimento das Partes, com vista à obtenção de um acordo, e na qual também se reagendou a audiência preliminar para o dia 06.05.2014 para a eventualidade de as partes não lograrem alcançar o dito acordo, a qual, nessa data, foi dada sem efeito, face à redistribuição de processos (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). P. Em 20.11.2014, no processo n.º 1282/11.8BEBRG foi proferido despacho com vista a indagar junto das Partes sobre se tinham interesse no prosseguimento da lide, pela possibilidade retratada na anterior audiência de alcançarem uma solução extrajudicial do litígio, tendo a Autora informado os autos a 09.12.2014 de que a transacção não se concretizou (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). Q. Em 06.03.2015, a Autora requereu a prorrogação do prazo por 10 dias para dar cumprimento ao despacho de 19.02.2015, o que foi concedido a 10.03.2015 (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). R. Por despacho de 08.06.2015 foi agendada audiência preliminar/prévia para o dia 28.10.2015, o qual foi reagendada para o dia 16.12.2015 perante a demonstrada indisponibilidade do mandatário da Autora para a data agendada (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). S. Em 16.12.2015, realizou a audiência prévia no processo n.º 1282/11.8BEBRG na qual, com a concordância das Partes, foi suspensa a diligência e designado o dia 27.04.2016, com vista à obtenção de um acordo, tendo nessa data se realizado a audiência prévia, e as Partes requerido a concessão de novo prazo para que fossem ultimadas as negociações, o que fora deferido, e por isso fora a instância suspensa por 30 dias (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). T. Pela informação da não obtenção de acordo em 05.07.2016, a 14.11.2016 foi proferido despacho a conceder às Partes prazo para apresentação de datas alternativas para a realização de audiência prévia, ao que deram resposta em 14.12.2016, e em 20.03.2017 foi proferido despacho a designar a data de 31.05.2017 para a realização de audiência prévia/preliminar (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). U. Em 31.05.2017, realizou audiência prévia, na qual as Partes requereram a suspensão da instância por 15 dias, com vista à obtenção de acordo, o que foi deferido, designando-se ainda o dia 28.06.2017 para a sua continuação, caso não fosse obtido o referido acordo (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). V. Em 28.06.2017, realizou-se audiência prévia em que as Partes comunicaram que não fora alcançado o acordo, e nessa sequência, atenta a complexidade das questões, em 26.04.2018 foi proferido despacho saneador (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). W. Em 11.10.2018, foi realizada a continuação da audiência prévia, em que se decidira quanto à solicitada ampliação da causa de pedir, e enunciado o objecto do litígio e fixados os temas da prova, sendo concedido o prazo de 20 dias às Partes para completar e alterar os requerimentos probatórios (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). X. Em 29.03.2019, foi realizada audiência em que foram decididos os requerimentos probatórios apresentados pelas Partes, e ordenada a realização da perícia colegial solicitada pela Autora e para a realização da audiência final as datas de 07.02.2020, 14.02.2020 e 21.02.2020, concedendo-se prazo para indicação de perito, o que foi prorrogado a pedido do Réu em 26.04.2019 (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). Y. Em 13.12.2019, foi proferido despacho designando a data de 17.01.2020 para a prestação de compromisso por parte dos peritos, identificação do objecto da perícia e fixação do prazo para apresentação de relatório, a qual se realizou, tendo sido dadas sem efeito as datas agendadas para o julgamento, até que fosse apresentado o relatório pericial (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). Z. Em 17.02.2020, foi proferido despacho a substituir um dos peritos (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). AA. Em 28.05.2020, o Réu, Administração Regional de Saúde do Norte, IP, requereu a substituição da perita indicada, porquanto a mesma requerera a mobilidade interna para outro organismo, deixando de ter disponibilidade de horário para realizar o relatório pericial, o que foi deferido por despacho de 15.06.2020 (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). BB. Em 15.06.2020, o colégio de peritos requereu a digitalização dos documentos alvo da perícia por forma a permitir que a mesma se realizasse por vídeo conferência, em virtude da situação de pandemia da COVID-19 e de a perita da Autora estar a receber tratamentos médicos frequentes o que reforçava a pertinência da realização da perícia com o menor número possível de contactos presenciais, o que foi deferido por despacho de 21.09.2020 (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). CC. A 03.12.2020, e uma vez que se verificara a impossibilidade de digitalização de documentos, a perita requerera a disponibilização de uma das salas do tribunal para análise dos documentos alvo de perícia, durante o período das férias judiciais, o que foi deferido por despacho de 14.12.2020 (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). DD. Por despacho de 25.02.2021, foi questionado o colégio de peritos quanto à data de conclusão da perícia, tendo sido requerido por aquele, em 08.03.2021, a concessão do prazo de 30 dias, invocando inclusivamente a pandemia Covid-19, e que a Autora fosse notificada para junção de determinados documentos, o que foi deferido, tendo sido concedido prazo para esse efeito, em 18.03.2021 (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). EE. Em 15.04.2021, foi proferido despacho a ordenar que fossem requeridos determinados documentos à Administração Tributária e deferidas as prorrogações de prazos, que tinham sido requeridas (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). FF. Em 01.06.2021, conforme requerido, foi proferido despacho a substituir a perita indicada pela Autora (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). GG. Em 16.07.2021, foi junto ao processo n.º 1282/11.8BEBRG o relatório pericial do qual as Partes foram notificadas (cf. fls. do SITAF do processo n.º 1282/11.8BEBRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). HH. Em 07.01.2021, deu entrada neste Tribunal, via SITAF, de petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas). * III - Enquadramento jurídico.1. A nulidade processual decorrente da produção de prova requerida; as declarações de parte e a inquirição de testemunhas. Sustenta a Recorrente que o despacho interlocutório e prévio ao “saneador-sentença” privou a Recorrente do requerimento de prova respeitante à prestação de declarações de parte e à inquirição de testemunhas, pelo que viola manifestamente o princípio da promoção do acesso à justiça, ínsito no artigo 7º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Estaríamos, nesta perspectiva, numa nulidade processual decorrente da omissão de uma diligência de prova, requerida e necessária (se necessária). No entanto, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produz a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. No caso, o Tribunal a quo dispensou a prova requerida pela Autora, prova testemunhal e por declarações de parte por entender que os autos já forneciam todos os elementos necessários para decidir, o que passou a fazer, invocando o disposto no artigo 88º, n.º1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. E bem porque na verdade os factos provados com base na prova já produzida nos autos são os necessários e suficientes para decidir. A Recorrente não invoca, de resto, qualquer facto relevante que tenha ficado por provar face à não produção de prova por si requerida. Pelo contrário, defende, na conclusão 5ª que: “Os factos dados como provados na sentença recorrida demonstram claramente que não foi proferida decisão em prazo razoável no processo nº 1282/11.8BEBRG (acção administrativa comum – forma ordinária), pois que, à data da entrada da presente ação em juízo, eram já decorridos nove anos e seis meses de pendência naquele processo, ainda na mesma instância e sem que tenha, sequer, sido designada data para realização da audiência de julgamento;…”. Não se verifica, portanto, qualquer nulidade ou irregularidade que importe suprir. 2. O acerto da sentença recorrida. Sob a epígrafe “Direito a um processo equitativo” dispõe o nº 1 do art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada no nosso ordenamento jurídico pela Lei 65/78, de 13.OUT, que: “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (...)”. A Constituição da República Portuguesa dispõe, de igual forma, no nº4 do artigo 20º que: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. Mas a mera e formal constatação de inobservância dum prazo processual fixado na lei para prolação de decisão por parte dum magistrado ou para a prática de actos processuais por parte dos funcionários judiciais, não significa automaticamente uma violação do disposto nestes preceitos. O que seja um “prazo razoável” não se obtém por uma definição em abstracto, a partir dos prazos fixados na lei, mas de uma análise do caso em concreto. Como sustenta Luís Guilherme Catarino (in A responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, O Erro Judiciário e o Anormal Funcionamento pág.394): “(…) Se inexiste ‘constitucionalização’ ou ‘fundamentalização’ dos prazos processuais, não devemos considerar como fonte de anormal funcionamento da Administração da Justiça todo e qualquer atraso ou incumprimento dos prazos processuais pelas partes ou pela Administração. (…).” Entendimento este, pacífico, que tem sido seguido uniformemente quer pelos tribunais nacionais, em particular pelo Supremo Tribunal Administrativo (ver, por todos, o acórdão de 17.3.2005, recurso n.º 0230/03), quer pelas instâncias internacionais, em concreto pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos (ver, entre muitas outras, a decisão de 31.5.2005, caso ANTUNES ROCHA v. PORTUGAL). A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (ver, entre outros, o acórdão de 15.10.1998, recurso n.º 036.811) e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (decisão de 8.7.1987, caso BARAONA v. PORTUGAL), inicialmente, serviu-se apenas de três critérios: 1º - a complexidade do processo; 2º - o comportamento das partes; e 3º - a actuação das autoridades competentes no processo. Depois a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Humans acrescentou um outro critério: a importância do objecto do litígio para o interessado (“what was at stake for the applicant in the dispute” – decisão 23.3.1994 no caso SILVA PONTES V. PORTUGAL). Deverá assim ter-se em conta a o número e a complexidade das questões de facto e de direito, o número e complexidade de consulta das peças processuais, a quantidade e complexidade das provas a produzir, etc… Quanto ao comportamento das partes há que considerar, designadamente, o grau de cooperação das partes numa célere e correcta decisão, o eventual uso de expedientes ou manobras dilatórias que o juiz, apesar do seu poder de direcção do processo, não tenha podido evitar. Daí que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos exija, para a responsabilização do Estado demandado, que o queixoso, tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo. No que se refere à actuação das autoridades competentes no processo, atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo exigindo-se aos órgãos do poder legislativo e executivo que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e reformas estruturais ao nível dos meios técnicos, materiais e humanos ao serviço da justiça. A este propósito, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não tem aceite argumentos como doenças temporárias do pessoal e a falta de recursos e meios do tribunal, o volume de trabalho e a complexidade da estrutura judiciária, considerando que foi o próprio Estado que, por força da ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se comprometeu a organizar o seu sistema judiciário de molde a dar cumprimento aos ditames da Convenção. Em todo o caso, o volume de trabalho, em nosso entender e salvo o devido respeito por opinião diversa, não pode ficar completamente afastado da análise daquilo que seja o “prazo razoável” se aceitarmos incluir nessa análise o “comportamento” dos agentes judiciários. Na verdade, apreciar a conduta dos destes agentes passa não só mas também, necessariamente, pela consideração do volume de processos que cada um tem a seu cargo. Não se pode exigir, por exemplo, a um juiz que tenha a seu cargo 3.000 processos que os despache dentro dos prazos que os despacha um juiz com apenas 300, da mesma natureza. Não se pode comparar a posição dos magistrados com a posição dos mandatários das partes no que diz respeito ao cumprimento dos prazos. Os mandatários têm os processos que aceitam e se não conseguem cumprir os prazos, a responsabilidade é, em principio, exclusivamente sua. Já os magistrados têm de decidir todos os processos que lhes são atribuídos ou distribuídos. Por fim quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objecto de apreciação e tipo de, mormente, a importância que a decisão tem para as partes. O critério da importância do objecto do litígio para o demandante impõe que se tenha em conta as consequências que do processo resultam para sua a vida pessoal ou profissional, a natureza e premência dos interesses que o demandante defende no processo, e, consequentemente, a maior ou menor urgência que, objectivamente, poderá ter na respectiva efectivação. Ver sobre este assunto os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.3.2005, recurso 0230/03, de 17.1.2007, recurso 01164/06, e de 6.2.2007, recurso 01037, do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.10.2003, recurso 12780/03, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.3.2006, processo 00005/04.2 PRT, de 12.10.2006, processo 00347/04.7 PRT, de 8.1.2007, processo 00348/04.5 PRT, e de 8.3.2007, processo 00470/04.8 PRT. Não se pode dizer que a demora por mais de três anos numa única instância, como sucede no caso concreto, seja absolutamente anormal, mesmo no âmbito da União Europeia. Utilizando como exemplo, entre outros, alguns dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tínhamos o seguinte panorama, em processos cuja questão principal foi precisamente o atraso das decisões judiciais, pelo menos até que este Tribunal, de acordo com regra criada para si próprio, “endureceu as condições de recurso a este último” – pagina 10 do “Guia prático sobre a admissibilidade” https://www.echr.coe.int/Documents/Admissibility_guide_POR.pdf : - Caso Constantin Florea contra Roménia – processo de 2005 (21534/05), decidido em 19.06.2012. - Caso Istvan e Istvanova contra Eslováquia – processo de 2007 (30189/07), decidido em 12.06.2012. - Caso Vernillo contra França – processo de 1985 (11889/85), decidido em 20.02.1991. - Caso Dursun contra Turquia – processo de 2002 (17765/02) decidido em 03.05.2007. - Caso Kaçar contra Turquia – processo de 2003 (32420/03), decidido em 03.05.2007. - Caso Vurankaya contra Turquia – processo de 2003 (9613/03) decidido em 10.05.2007. Em particular os acórdãos que se pronunciaram no sentido de que “a justiça não pode ser administrada com atrasos que comprometam a sua eficácia e credibilidade”: - Caso Pelissier e Sassi contra França – processo de 1994 (25444/94), decidido em 25.03.1999. - Caso Niederböster contra Alemanha – processo de 1998 (39547/98), decidido em 27.02.2003. E os processos neste Tribunal Europeu são bem mais simples de uma maneira geral do que as causas nos tribunais internos, em particular nos tribunais administrativos. Sobretudo quando envolvem grandes somas. Em todo o caso, aceitamos, como tese geral, que um processo que demore mais de três anos numa instância excede o prazo razoável de acordo com o entendimento do próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (ver anotação de Isabel Celeste M. Fonseca ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.10.2003, recurso 12780, em “Cadernos de Justiça Administrativa”, n.º 44, p. 57, 2ª coluna). No caso concreto o processo esteve pendente, sem decisão em primeira instância e ainda com julgamento por realizar, nove anos e seis meses de pendência. Não se vê razão, no entanto, para não aplicar a este prazo global os mesmos considerandos que acima vimos sobre os prazos fixados para cada acto processual: só se poderá concluir pelo excesso do prazo razoável na decisão do processo pela análise de cada caso concreto e não de forma automática, pela constatação de que foi ultrapassado um prazo fixado na lei. Até porque por regra os processos para os actos dos magistrados são meramente orientadores e não peremptórios. Pela razão acima indicada, de que os magistrados, por regra, não decidem apenas os processos que entendem decidir. Têm a obrigação de decidir todos, incluindo os mais complexos, sendo certo que o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio – n.º1 do artigo 8º do Código Civil Já os mandatários das partes podem – e devem – não aceitar processos para os quais não se sentem habilitados quer em termos de preparação técnica quem em termos de tempo disponível. Penalizar economicamente um Estado (leia-se o contribuinte) com indemnizações por falta de meios para decidir em prazo razoável os casos sujeitos aos tribunais, traduz-se na prática em penalizar os Estado que, por carência de meios financeiros, menos podem montar uma máquina de Justiça célere e eficaz. Ou seja, os países mais pobres. Como o nosso Estado que apenas pode dedicar aos Tribunais uma parte de 1% do Orçamento de Estado anual que cabe a todo o Ministério da Justiça, porque tem de dedicar neste momento, por exemplo, 60% ao Ministério das Finanças para cumprir os compromissos, entre outros, assumidos para salvar a banca falida e as grandes empresas públicas cronicamente deficitárias. Aproximando-nos ao caso concreto mostra-se plenamente acertada a decisão recorrida: “Posto isto, e revertendo ao caso dos autos, constata-se que o processo judicial teve o seu início em Agosto de 2011, e que ainda corre termos na primeira instância. Porém, foram as partes que durante mais de 4 anos (desde 24.04.2013 a 28.06.2017) propiciaram que o processo tivesse sido, por variadíssimas vezes, suspenso, com vista à obtenção de um acordo, que nunca fora alcançado. Tendo sido retomada a tramitação processual, constataram-se diversas dificuldades atinentes à complexidade da causa, que se reflectiram não só, mas também, na duração da perícia colegial, que fora inclusivamente solicitada pelo Autor, ciente da dificuldade acrescida da realização de uma perícia, ainda mais no actual contexto da pandemia da Covid 19, que vivenciamos, pelo menos, desde Março de 2020. Ainda assim, reitere-se que não se podem confundir os conceitos de “prazo razoável” e de “prazos processuais para a prática de um determinado acto”; querendo com isto dizer que o conceito de prazo razoável não é equivalente ao de prazo legal. E por isso mesmo, que do decurso do prazo legalmente previsto não decorre automaticamente a ilicitude da conduta, consubstanciada na violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável. Sendo que, para efeitos da responsabilização por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, exige-se a violação grosseira, irrazoável e completamente injustificada dos aludidos prazos, o que, face a todo o alegado, não resultou provado. Pelo que, por todo o quanto exposto, se impõe concluir que, no caso, não se verificaram os pressupostos, nomeadamente, da ilicitude, indispensáveis e cumulativos à procedência da pretensão indemnizatória”. É certo que as partes têm o direito a pedir a realização de actos processuais que entendem necessários à defesa dos seus interesses. O que não podem e pedir a realização de actos que sabem antecipadamente irão ser anormalmente demorados pela complexidade ou pelas circunstâncias concretas em que se irão realizar, como foi o caso da perícia requerida, para depois quererem ser ressarcidos pela demora anormal do processo. O mesmo e diga no pedido de suspensão do processo por acordo das partes. É um direito que lhes assiste. Não lhes assiste é o direito a pedir a suspensão do processo por um período de mais de 4 anos para depois pedirem indemnização pelo atraso no processo. Porque tais pretensões se traduzem, cada uma por si, mas sobretudo conjugadas, num “venire contra factum proprium” ou seja, má-fé ou abuso de direito o que o Tribunal deve impedir, por ser ilegítimo – artigo 334º do Código Civil. Até porque pedir a suspensão do processo por tão longo período induz Tribunal, compreensivelmente, na ideia de que não existe assim tanta pressa na decisão do processo. Pelo menos não existe a pressa que justifique preterir outros processos mais recentes, mas com interesses mais prementes. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.Custas pelo Recorrente. * Porto, 11.02.2022Rogério Martins Luís Migueis Garcia Conceição Silvestre |