Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00566/13.5BEVIS |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 03/07/2025 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO |
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Descritores: | COMISSÃO PARA A EFICÁCIA DAS EXECUÇÕES; APLICAÇÃO DE PENA DISCIPLINAR; INADEQUAÇÃO DA APLICAÇÃO AO CASO DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE, MORMENTE FACE À GRAVIDADE DA FACTUALIDADE QUE OS AUTOS ATESTAM; |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «AA», na sequência da deliberação que determinou a aplicação da pena disciplinar de suspensão de atividade pelo período de 3 anos (descontado o tempo já cumprido em suspensão preventiva), e suspensa pelo período de 1 ano, intentou contra a Comissão para a Eficácia das Execuções, ambos melhor identificados nos autos, ação administrativa Especial de Impugnação de Atos Administrativos, formulando o seguinte pedido: Deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, declarado nulo ou anulado o acto impugnado, com as legais consequências. Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgada a ação procedente e anulado o ato impugnado. Desta vem interposto recurso. Alegando, a Entidade Demandada concluiu: a. Decidiu-se na sentença que “Face à procedência dos vícios de violação do princípio da imparcialidade e do artigo 24°, n° 2 do CPA, tem a presente ação administrativa especial de proceder e, em consequência, ser anulado o ato impugnado”. b. A decisão recorrida enferma de erro de julgamento, em matéria de direito, fazendo uma errada aplicação da lei e orientação jurisprudenciais. c. Sobre a violação do princípio da imparcialidade, lê-se na sentença que “é manifesto que a instrutora do processo disciplinar interveio na fase de defesa do Autor, que culminou com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, que desembocou na decisão punitiva posta em crise nos presentes autos” e “gerador de anulabilidade do ato impugnado”. d. Porém, não é aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 44.º do CPA, na versão anterior a 2015, como se diz na sentença, ou seja, na versão aprovada pelo DL n.º 442/91, de 15 de novembro, alterado pelo DL n.º 6/96, de 31 de janeiro. e. De facto, se o art. 24.º, n.º 2 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS) remete para o Código de Procedimento Administrativo, relativamente ao regime de impedimentos dos membros dos órgãos da Câmara, não é esse o regime aplicável ao caso dos autos, mas o constante do Código de Processo Penal, por força do disposto no art. 156.º do mesmo Estatuto. f. E do disposto nos arts. 39.º e 40.º do C. P. Penal não resulta que o instrutor de parte do processo disciplinar não possa participar em órgão colegial que decida a aplicação da sanção, designadamente quando, tendo 1 voto em 5, o seu voto é irrelevante para obtenção da maioria. g. Não foram alegados factos que imputem à deliberação que alegadamente se encontra inquinada, condicionantes do seu objeto, do sentido da atividade probatória e até da apreciação da instrutora. h. E, como tem sido decidido pelo STA, “O princípio da imparcialidade não é fatalmente omnipresente. Isto é (...) a intervenção e o exercício dos poderes funcionais no seu decurso só adquire desvalor antijurídico quando determinem ou influenciem a decisão administrativa num certo sentido” (Ac. de 24/11/2004, Proc. 0565/04). i. A sentença limita-se, porém, à aplicação abstrata de um princípio, decretando igualmente a sua violação em abstrato, sem nada apurar sobre o que efetivamente aconteceu no concreto processo disciplinar. Mas, ao contrário do decidido, foi, no caso concreto, garantida a imparcialidade. j. A instrução foi iniciada e concluída pela anterior Instrutora, tendo o Autor sido ouvido em declarações pela mesma, que analisou e recolheu prova, a Dra. «BB»; na sequência de cessação de funções, a seu pedido, na CPEE, a instrutora foi então substituída pela Dra. «CC», por deliberação de 22/10/2012 (Factos Provados (FP) n.º 19), quase 10 meses depois do início do processo disciplinar, instaurado em 12/1/2012. k. Ou seja, toda a instrução foi concluída pela anterior instrutora, em 8/3/2012, e acusação foi deduzida com base nos factos apurados pela anterior instrutora (FP 20), o mesmo tendo acontecido com o relatório final (FP 23, designadamente ponto II). l. Acresce referir, em reforço do cumprimento das garantias da imparcialidade, que o Autor foi objeto de uma fiscalização por uma comissão de fiscalização, sendo que nenhum dos seus elementos foi instrutor do processo disciplinar (cfr. FP n.ºs 2 a 6). m. Não existe impedimento legal de que os membros do Grupo da Gestão da CPEE sejam instrutores dos processos disciplinares. n. O que se pode mesmo considerar ser pressuposto do regime legal criado, pois só em 2013 a Ré passou a ter ao seu serviço técnicos do departamento de disciplina; até lá, tais funções tinham necessariamente que ser asseguradas por alguns dos membros do Grupo de Gestão, sob pena de a Ré se ver impossibilitada de desempenhar uma das principais funções. o. O processo disciplinar foi decidido por uma entidade imparcial pois não havendo coincidência entre quem instruiu e decidiu, foi respeitada a separação entre ambas as entidades. p. O Grupo de Gestão da CPEE era um órgão colegial, composto por um total de cinco elementos. q. A proposta contida no relatório final não vinculava o Grupo de Gestão, livre quanto ao seu sentido de voto, obviamente votando na aplicação de sanção se, e apenas se, estiver convencido de que o Autor cometeu alguma infração. r. Tendo a deliberação em causa sido tomada por unanimidade dos membros do Grupo de Gestão, o voto da Dr.ª «CC» é irrelevante, pois com ele ou sem ele a deliberação sempre seria aprovada. s. Como foi invocado na contestação, e que não foi apreciado na sentença, durante o processo disciplinar, e em relação às diversas deliberações tomadas pelo CPEE, nunca o Autor, ainda que representado por advogado, suscitou qualquer impedimento ou incidente de suspeição, não obstante saber que a instrutora pertencia ao mesmo, e ter votado tais deliberações, e estar representado por advogado. t. Ou seja, a presente invocação apenas em fase judicial, revela-se abusiva, na modalidade de venire contra factum proprium, o que sempre impediria a produção do pretendido resultado anulatório. u. Como foi invocado pela aqui Recorrente, ainda que se verificasse qualquer violação do alegado princípio da imparcialidade, a sanção seria a anulabilidade do ato, e assim se decidiu. v. Pelo que se mostra aplicável o princípio “utile per inutile non vitiatur” ou da inoperância dos vícios, tornando inoperante a sua força anulatória, como tem sido decidido pela jurisprudência (cfr. Acórdão do STA, de 2/12/2014, Proc. 01446/13 e Ac. do TCA Norte de 16/3/2018, Proc., 00088/14.7BECBR). w. O aproveitamento do ato inválido tem hoje expressa consagração no art. 163.º, n.º 5 do CPA, mas era já reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência. x. Assim se visa “evitar a anulação de actos administrativos, sempre que seja mais seguro que essa anulação seria seguida da prática de outro acto administrativo com o mesmo conteúdo (...) não se justifica anular o ato para praticar outro igual, fazendo todo o sentido conservar o ato praticado, ainda que ele enferme de alguma ilegalidade” (Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2016, p. 276, y. No caso dos autos, a maioria que sempre seria assegurada - melhor dizendo, unanimidade -, mesmo sem o voto considerado viciado, retira operatividade à decidida anulabilidade, devendo, em consequência, considerar-se válido o ato anulado pela sentença, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato. z. O reconhecimento na sentença da estrita salvaguarda do direito de defesa do Arguido - resta, pois, concluir que foram garantidos todos o direitos e garantias de defesa ao Autor” (pág. 164), valor a salvaguardar com a pretendida imparcialidade do julgador, sempre seria outra das razões impeditivas da eficácia anulatória aa. Como foi invocado pela aqui Recorrente, nenhuma norma do Estatuto da Câmara dos Solicitadores impunha que a votação nos termos da deliberação no âmbito da decisão de um processo disciplinar fosse efetuada por escrutínio secreto, bb. No ECS só para a eleição dos membros dos órgãos da Câmara dos Solicitadores se mostrava previsto o voto secreto, no art. 18.º cc. Erra o tribunal ao aplicar ao caso o CPA, pois não só o CPA não rege a atividade da Câmara dos Solicitadores e logo, da CPEE – mero órgão desta -, como não é esse o Direito Subsidiário aplicável ao processo disciplinar. dd. Sobre o processo disciplinar, mostra-se apenas aplicável, como direito subsidiário, o disposto no C. Penal e C. Processo Penal, como decorre do previsto no art. 141.º do ECS, onde nenhuma regra impõe votação por escrutínio secreto ee. São igualmente aplicáveis neste caso as considerações antes feitas sobre aproveitamento do ato, mesmo que fosse dada relevância à considerada viciada forma de votação. ff. Desde logo, ainda que o art. 24.º, n.º 2, do CPA fosse aplicável à deliberação do Grupo de Gestão da CPEE, no que não se concede, neste caso, por a deliberação ter sido unânime, não haveria qualquer consequência resultante do seu desrespeito. gg. De facto, como bem salientam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “(n)ão é naturalmente um valor absoluto, este, da confidencialidade do voto – basta que a deliberação seja votada unanimemente pelos presentes, para se saber como se votou cada um”. hh. Por outro lado, as infrações imputadas ao Arguido, pelo seu tipo e gravidade, apenas podiam levar a que fosse condenado, como foi. ii. Como reconhecido na sentença, o Autor incumpriu os deveres em relação às movimentações das suas contas-clientes, violou o procedimento exigido nos artigos 124º e 125º do ECS, com utilização de forma indiscriminada das suas 3 contas clientes para efetuar pagamentos de salários, e ainda para receber e transferir quantias dos processos judiciais a seu cargo, resultando de tal atuação designadamente um saldo contranatura (insuficiência de saldo da conta cliente, face ao saldo que deveria constar do processo judicial). jj. A condenação do Arguido, por um crime de peculato, na pena de seis anos de prisão e pena acessória de proibição de funções pelo prazo de cinco anos, declarando perdido e, consequentemente condenando o arguido, a pagar ao Estado, o valor correspondente à perda de vantagens efetivas, no total 781.816,25€, por factos que integram igualmente processo disciplinar apenas reforçam a inevitabilidade do decidido pela CPEE. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão anterior e julgando-se válida e eficaz a decisão sancionatória impugnada. Não foram juntas contra-alegações. A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer. Cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. O Autor é Agente de Execução com a cédula ...64 [cf. fls. 1 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos]. 2. Em 11.º1.2012 foi emitido instrumento escrito designado por “Informação n.º 1/IC/2012, de 11 de Janeiro”, com o seguinte teor [cf. fls. 1 a 9 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 3. Sobre a informação referida no ponto antecedente foi proferida deliberação com o seguinte teor [cf. fls. 1 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 4. Foi remetido para o Autor o ofício nº 260/2012, de 12.º1.2012, por e-mail e fax em 12.º1.2012 e por carta registada com aviso de receção assinado em 13.º1.2012, com o seguinte teor [cf. fls. 749, 750, e 760 a 768 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 5. Em 14.º1.2012, o Autor prestou os seguintes esclarecimentos [cf. fls. 948 e 949 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 6. Em 19.º1.2012, a CPEE deliberou que [cf. fls. 947 a 958 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 7. Através do ofício nº 320/2012 da CPEE, de 19.º1.2012, o Autor foi notificado do seguinte [cf. fls. 970 do PA junto aos autos]: 8. Em 20.º1.2012, o Autor enviou para a Entidade Demandada e-mail com o seguinte teor [cf. fls. 999 e 1000 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 9. Em 26.º1.2012, o Grupo de Gestão do CPEE deliberou que [cf. fls. 1032 a 1038 do PA junto aos autos]: 10. Em 26.º1.2012, o Autor foi notificado do seguinte [cf. fls. 1043 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] , cuja informação referida é a constante do ponto 8. supra. 11. Em 27.º1.2012, via e-mail, o Autor prestou os seguintes esclarecimentos e enviou por correio documentos diversos [cf. fls. 1063 e 1078 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 12. Em 30.º1.2012, via e-mail, o Autor disse o seguinte [cf. fls. 1079 e 1080 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 13. Em 28.º2.2012, o Autor prestou esclarecimentos perante a Entidade Demandada, na sequência da notificação do ofício 606/2012, de 17.º2.2012, da CPEE, sobre as seguintes matérias [cf. fls. 1479 a 1482 e 1485 a 1492]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 14. Em 12.º4.2012, o Grupo de Gestão da CPEE deliberou, através das deliberações nºs 252 254, o seguinte [cf. PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 15. Através do ofício nº 1204/2012 da Entidade Demandada, de 17.º4.2012, o Autor foi notificado do seguinte [cf. PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] , cuja informação é a que consta no ponto antecedente. 16. Através do ofício n62 2231/2012, de 18.º7.2012, da Entidade Demandada, o Autor foi notificado do seguinte [cf. PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 17. Através do ofício nº 2386/2012, de 30.º7.2012, da Entidade Demandada, o Autor foi notificado do seguinte [cf. PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 18. Em 02.º8.2012, a Câmara dos Solicitadores enviou à CPEE o seguinte e-mail [cf. PA junto aos autos]: 19. Com data de 22.10.2012 foi emitido instrumento escrito designado por “Extrato da Ata da Reunião do Grupo de Gestão Número Treze do Triénio 2012/2015”, com o seguinte teor [cf. fls. 2130 e 2131 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 20. Em 16.º4.2013 foi emitido instrumento escrito designado por “Despacho de Acusação – Processo Disciplinar nº 01/2012”, subscrito por «CC», na qualidade de Instrutora, com o seguinte teor [cf. fls. 2173 a 2206 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 21. O despacho de acusação constante do ponto antecedente foi notificado ao Autor através do ofício nº 1158/2013, de 16.º4.2013, enviado por carta registada com aviso de receção assinado em 18.º4.2013, com o seguinte teor [cf. fls. 2207, 2208, 2243 e 2244 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 22. Em 13.º5.2013 o Autor, através de mandatária constituída, apresentou defesa escrita [cf. fls. 2245 a 2260 do PA junto aos autos]. 23. Em foi emitido instrumento escrito designado por “Relatório Final”, com o seguinte teor [cf. fls. 2290 a 2312 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 24. Sobre o relatório constante do ponto antecedente foi proferida deliberação com o seguinte teor [cf. fls. 2290 do PA junto aos autos]: 25. O relatório final constante do ponto antecedente foi notificado ao Autor através do ofício nº 2308/2013, de 08.º8.2013, enviado, via e-mail, em 12.º9.2013, e por correio registado com aviso de receção assinado em 13.º9.2013, com o seguinte teor [cf. fls. 2313, 2314, 2338 a 2343 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 26. Em 01.10.2013, através de mandatário constituído, o Autor apresentou recurso hierárquico dirigido ao Plenário da Comissão para a Eficácia das Execuções [cf. fls. 2372 a 2382 do PA junto aos autos]. 27. A presente ação deu entrada neste Tribunal em 20.11.2013 [cf. fls. 3 do processo físico]. 28. Foi enviado a Autor e mandatário constituído o ofício nº 3918/2013, datado de 19.11.2013, por e-mail de 20.11.2013 e carta registada com aviso de receção assinado em 21.11.2013, com o seguinte teor [cf. fls. 2413 e 2430 a 2437 do PA junto aos autos]: [imagem que aqui se dá por reproduzida] DE DIREITO Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador, na parte que ora releva: (…) Da alegada violação do princípio da imparcialidade Alega o Autor que a instrutora do processo disciplinar que lhe foi instaurado, «CC» não só interveio no presente procedimento, como ainda foi ela quem propôs a sua punição, não se coibindo de se pronunciar em sede de decisão final do mesmo procedimento, tendo estado presente na reunião e votado a favor da sua própria proposta, na reunião em que a Entidade Demandada tomou a deliberação agora impugnada. Conclui o Autor que é por demais manifesto que a instrutora estava impedida de se pronunciar na decisão do processo disciplinar, pelo que não só o ato impugnado viola frontalmente o artigo 44º do CPA, no artigo 39º do Código do Processo Penal e no artigo 156º do ECS, como todo o processo disciplinar enferma de nulidade insuprível por diminuição das garantias de defesa do arguido (artigo 269º, nº 3 da CRP), o qual, em vez de ver o processo disciplinar decidido por uma entidade imparcial, vê o mesmo ser decidido por que, à partida, está convencido de que ele cometeu efetivamente uma infração disciplinar. Por sua vez, a Entidade Demandada sustenta que, na sequência de cessação de funções, a seu pedido, pela anterior instrutora, a mesma foi substituída por «CC», sendo que não existente impedimento legal de que os membros do Grupo da Gestão da CPEE sejam instrutores dos processos disciplinares. Mais aduz a Entidade Demandada que só no final do ano de 2012 viu reforçados os seus recursos humanos, designadamente com técnicos do departamento de disciplina, sendo que, até lá, tais funções tinham necessariamente que ser asseguradas por alguns membros do Grupo de Gestão, sob pena de se ver impossibilidade de desempenhar uma das principais funções para que fora criada. Alega a Entidade Demandada que esquece o Autor a natureza de órgão colegial que detém o Grupo de Gestão, que é composto por um total de cinco elementos, entre os quais o presidente do colégio de especialidade de Agentes de Execução da Câmara dos Solicitadores, presente na reunião e na deliberação em causa, sendo esta uma das razões pelas quais não pode aquele proceder a uma simples comparação entre a deliberação do Grupo de Gestão e uma qualquer decisão singular, mesmo de um juiz. Refere também a Entidade Demandada que a proposta contida no relatório final não vincula o Grupo de Gestão e que, tendo a deliberação em causa sido tomada por unanimidade dos membros, o voto da instrutora «CC» é irrelevante, pois com ele ou sem ele a deliberação sempre seria aprovada. Conclui a Entidade Demandada que, ainda que se verificasse qualquer violação do alegado princípio, o que não admite, a sanção seria anulabilidade do ato, previsto no artigo 51º do CPA, e não a nulidade, como vem invocado pelo Autor, sendo que poderá sempre ocorrer renovação, confirmação ou sanação, nos termos previstos no artigo 137º do CPA. Cumpre apreciar e decidir. Porque relevante para a presente questão, socorremo-nos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.º2.2021, proc. nº 01269/13.6BEPRT (publicado em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que “[a] intervenção do instrutor do processo disciplinar, na fase de defesa do arguido, que culmina com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, configura uma violação do princípio geral da imparcialidade.” Expendeu-se nesse aresto a seguinte fundamentação: «De facto, destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 14.06.2015, no processo nº. 0443/05, que reza, na parte que interessa, o seguinte: “(...) A Constituição consagra, no art. 32º/10, o direito de audiência e defesa a assegurar em “quaisquer processos sancionatórios”, incluindo-se nestes, seguramente, os processos disciplinares que são a sua espécie típica. Ora, este direito fundamental de defesa postula um tratamento justo e imparcial do arguido. A imparcialidade do julgador é, sem sombra de dúvida, condição da eficácia da defesa do arguido, que ficará comprometida se aquele não agir com objetividade e isenção. O procedimento no qual se conforma o direito, para ser justo, não pode dispensar-se de regras que preservem o princípio da imparcialidade. Daí que as normas do CPP que regulam o impedimento do juiz em processo penal, votadas à salvaguarda do núcleo essencial do direito de audiência e defesa, arredando da decisão final o julgador que, pelo anterior contacto com o processo possa ter já uma convicção íntima que inquine a posição de objetividade que deve presidir à apreciação da prova e influencie negativamente a decisão a proferir, consubstanciem um verdadeiro princípio geral de direito e tenham vocação de aplicação genérica a todos os demais processos sancionatórios, sempre que estes não disponham de regras próprias que salvaguardem aqueles valores (cfr. acórdão STJ de 2003.09.24 – recº nº 3739). No caso em apreciação, o processo disciplinar, de estrutura acusatória, está regulado no DL nº 452/99, de 05.11, sem que dele constem normas relativas a impedimentos. Esta imprevisão, sob pena de inconstitucionalidade, por atentar contra o direito fundamental de defesa, tem de interpretar-se como incompletude a carecer de integração e não como expressão de uma regulamentação completa e fechada, na qual não há lugar para as regras concretizadoras do princípio da imparcialidade. E, nesta matéria, sufraga-se o entendimento da sentença recorrida, segundo o qual a integração das lacunas, neste procedimento especial, deve fazer-se, por analogia, com apelo, sucessivamente e por ordem, ao direito processual disciplinar, às normas e princípios gerais da atividade administrativa, às normas e princípios do direito processual penal e, por último, ao direito processual civil, matriz de todo processo (cf., neste sentido, Luís Vasconcelos Abreu, in “Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal”, pp 84/85 e Leal Henriques in “ Procedimento Disciplinar”, 4ª ed., pág. 111). Dito isto, é de toda a evidência que a estrutura acusatória do processo disciplinar (arts. 74º e 75º do DL nº 452/99, de 5.11), assente na separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide é incompatível com a possibilidade de o instrutor/acusador ser, também julgador, ainda que por integração em órgão colegial. No caso concreto ocorreu, pois, uma incontornável violação do princípio geral da imparcialidade (art. 6º CPA), sendo a conduta ilegal, desde logo à luz do art. 44º/1/d) do CPA, norma concretizadora daquele princípio geral e aplicável por força das disposições combinadas dos arts.1º do DL nº 452/99, de 5.11 e 2º/b)5/7 do CPA, ou, se dúvidas houver a respeito, por violadora das normas dos arts. 39º/1/c) e 40º do CPP, a aplicar com as necessárias adaptações, as quais, para preservarem a imparcialidade, afastam do poder decisório a entidade que tenha acusado e/ou tenha sido instrutora do processo (..)”. Posição que se acolheu no aresto deste Tribunal Administrativo Norte no aresto de 07.04.2017, tirado no processo nº. 2615/13.8BEPRT, que versou sobre questão de contornos idênticos: “(..) Da inverificação da violação do princípio da imparcialidade A este respeito entende a Recorrente no essencial, que não se verificará a imputada violação do principio da imparcialidade, na medida em que os art.ºs 63º nº 4 e nº 8 e 35º do RD e o art.° 83° n° 2 do EOROC estabelecem expressamente que o Instrutor seja um membro do Conselho Disciplinar e que este vote na deliberação punitiva. Em qualquer caso, mostra-se que o sistema punitivo aplicado a esta Ordem se mostra anacrónico, suscetível de determinar a desaplicação dos referidos normativos por inconstitucionalidade. Entende em qualquer caso a Ordem que o art.° 32.° da CRP sob a epígrafe “garantias do processo criminal” invocado no Acórdão recorrido só se aplicará ao processo criminal e que os impedimentos do instrutor do processo disciplinar estão expressamente previstos no art.° 48.° do RD. Refira-se que o Art° 84° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas refere expressamente que “em tudo o que não estiver previsto no presente Regulamento são aplicáveis, subsidiariamente e pela mencionada ordem, os princípios consignados nos: a) Estatuto da Ordem e nos respetivos Regulamentos; b) Código do Procedimento Administrativo; c) Código Penal; d) Código de Processo Penal. Adianta ainda a Recorrente que o instrutor do processo disciplinar é apenas um dos 5 membros do Concelho Disciplinar, pelo que a sua posição não prevalecerá necessariamente. Em qualquer caso, o que aqui está em causa é uma posição de princípio, sendo que o facto do instrutor ter assento no órgão disciplinar decisor certamente que tem a prerrogativa de influenciar a decisão final a proferir, sendo que, na prática tem, por assim dizer, voto de qualidade, perante a eventual divisão dos restantes quatro membros, desempatando a decisão. Em bom rigor o instrutor vota a sua própria proposta. O n.° 10 do artigo 32.° da CRP assegura expressamente que em todos os processos sancionatórios, “são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”, pelo que a questão colocada não é despiciente, pois que o referido normativo constitucional equipara as garantias de qualquer processo sancionatório ao do processo criminal. Como refere Eduardo Correia, já citado no segmento interlocutório, "(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)". Também, José Beleza dos Santos sustenta, citado no acórdão do TCAS n° 03645/08, de 02-10-2008, que "(...) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (...) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua atuação repressiva e preventiva condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho atual ou futuro. (...) No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respetivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” - José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora/968, págs.113 e 116. É incongruente que o instrutor disciplinar, ao mesmo tempo que dirige o procedimento, analisa as provas e elabora o relatório final, no âmbito do qual propõe a aplicação de pena disciplinar, participe ainda na deliberação final que aplica definitivamente a pena. Em face de tudo quanto se expendeu, não merece censura o entendimento adotado pelo tribunal a quo, segundo o qual, ao não ter sido respeitada a separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide, foi violado o princípio da imparcialidade previsto nos artigos 266.º, n.º 2 da CRP (...)”. Conforme emerge do assim transcrito, a intervenção do instrutor do processo disciplinar, na fase de defesa do arguido, que culmina com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, configura uma violação do princípio geral da imparcialidade. Ora, as razões da jurisprudência que se vem de transcrever valem, igualmente, para o processo disciplinar visado nos autos, que é regulado pelo Regulamento Disciplinar da Ordem dos ROC, pois também ele está sujeito às garantias de imparcialidade, atento o disposto no artigo 266º, nº.2 da CRP. Posto isto, há que olhar para o caso concreto e indagar se, à luz do critério normativo adotado, há, ou não, lugar à violação das apontadas garantias de imparcialidade. A resposta é, manifestamente, favorável às pretensões do Recorrente pelas razões que de seguida se indicam. O probatório - mormente as suas alíneas a), b), e), f) e g) - mostra-nos que, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Autor, (i) foi nomeado como instrutor do processo o Dr. F.; (ii) que o mesmo Dr. F. elaborou o relatório final, no qual propôs a aplicação ao Autor de uma pena disciplinar de multa graduada em € 6,000,00; e ainda que (iii) o mesmo Dr. F. participou, como vogal do Conselho Disciplinar da Ré, no processo de tomada de decisão de aplicação de uma pena disciplinar de multa graduada em € 6,000,00 ao aqui Autor [cfr. alíneas a), b), e), f) e g)]. Ou seja, é inequívoco na afirmação que o instrutor do processo disciplinar interveio na fase de defesa do Autor, que culminou com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, que desembocou na decisão punitiva posta em crise nos presentes autos. Assente a realidade que antecede, assoma como evidente que não foi respeitada a separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide, ocorrendo, por isso, e citando o citado Acórdão do S.T.A., inteiramente aplicável à situação dos autos, ressalvadas as particularidades do caso concreto, que não lhe retiram força persuasiva, uma “(..) incontornável violação do princípio geral da imparcialidade (art. 6° CPA) (..)”. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta não fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige. Assim, impõe-se conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida por erro de julgamento na questão acima tratada, e julgar procedente a presente ação. Assim se decidirá.» Reportando-nos ao caso dos presentes autos, resulta do probatório, concretamente dos seus pontos 5., 6., 7., 9. e 10., que, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Autor, em reunião da Entidade Demandada ocorrida em 12.º7.2012, foi nomeada instrutora, em substituição da anterior, a Dr.ª «CC», a qual veio a proferir despacho de acusação em 16.º4.2013, tendo emitido Relatório Final em que propôs a aplicação ao Autor de uma pena de suspensão de atividade pelo período de 3 anos, descontado o período de tempo já cumprido por força da aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e ainda que a mesma Dr.ª «CC», participou, como Membro do Grupo de Gestão da CPEE, no processo de tomada de decisão da aplicação da pena disciplinar de suspensão de atividade pelo período de 3 anos, descontado o período de tempo já cumprido por força da aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, ao aqui Autor. Ora, perfilhando o entendimento no aresto acima citado, temos por certo que é manifesto que a instrutora do processo disciplinar interveio na fase de defesa do Autor, que culminou com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, que desembocou na decisão punitiva posta em crise nos presentes autos. Assim, e como ali enunciado, também nos presentes autos “assoma como evidente que não foi respeitada a separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide, ocorrendo, por isso, e citando o citado Acórdão do S.T.A., inteiramente aplicável à situação dos autos, ressalvadas as particularidades do caso concreto, que não lhe retiram força persuasiva, uma “(..) incontornável violação do princípio geral da imparcialidade (art. 6° CPA) (..)”. Termos em que, resta concluir como procedente o suscitado vício de violação do princípio da imparcialidade, o qual é gerador de anulabilidade do ato impugnado, e não de nulidade como sustenta o Autor. (…) Da suscitada falta de escrutínio secreto Refere o Autor que na reunião de 08.º8.2013, a Entidade Demandada apreciou e sancionou o comportamento do Autor, pelo que a deliberação tomada nesse dia e agora impugnada deveria ter sido tomada por escrutínio secreto, pelo que é manifesto que, não tendo a deliberação impugnada sido tomada por escrutínio secreto foi preterida a formalidade essencial consagrada no artigo 24º, nº 2 do CPA e ainda o princípio da legalidade enunciado no artigo 3º daquele diploma. Por sua vez, a Entidade Demandada alega que nenhuma norma do Estatuto da Câmara dos Solicitadores impõe que a votação nos termos da deliberação no âmbito da decisão de um processo disciplinar seja efetuada por escrutínio secreto, sendo certo que, ainda que fosse aplicável, o artigo 24º, nº 2, não haveria qualquer consequência resultante do seu desrespeito. Cumpre apreciar e decidir. Prevê o artigo 24º, nº 2, do CPA, na redação anterior a 2015, aplicável nos presentes autos, que “[a]s deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto; em caso de dúvida, o órgão colegial deliberará sobre a forma de votação.” Ou seja, o artigo 24º, nº 2, do CPA estabelece as condições de funcionamento de todos os órgãos colegiais quando decidem sobre comportamentos de qualquer pessoa, como acontece no caso vertente. Com efeito, tendo presente a natureza da Entidade Demandada, não temos dúvidas de que lhe é aplicável o disposto no CPA, pelo que não teria o Estatuto da Câmara dos Solicitadores que regular esta matéria. Acresce que, nova votação não seria inútil. Destarte, o escrutínio secreto destina-se a assegurar a inteira liberdade de voto dos membros do órgão e evitar, por simpatia, coerência do Grupo, coação, medo de represálias, etc,, decisão final condicionada (cfr. Santos Botelho, P. Esteves e J. Pinho, em anotação 9 ao artigo 24º, Código de Procedimento Administrativo anotado e comentado, 1992). Portanto, não será despiciendo que através de uma votação por escrutínio secreto se assista a uma votação não unânime, ao contrário da votação que conduziu à condenação do Autor. Sublinhe-se que a jurisprudência entende que a decisão de um órgão colegial sobre as penas disciplinares é um caso que se enquadra na exigência do nº 2 do artigo 24º quando tomadas por órgão colegial (cfr, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.º1.2008, proc. nº 03008/07, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09.11.2006, proc. nº 05771/01, publicado em www.dgsi.pt). E, contrariamente ao invocado pela Entidade Demandada, a falta de tomada de decisão por escrutínio secreto tem consequências, como seja a anulabilidade da decisão decorrente da violação do disposto no artigo 24º, nº 2, do CPA. Termos em que procede o suscitado vício de violação de lei. (…) X A sentença recorrida, depois de resumir os vícios apontados pelo Autor, acabou por concluir pela verificação da violação do princípio da imparcialidade e do artigo 24º, nº 2 do CPA, tendo julgado a ação procedente, com a consequente anulação do ato impugnado. Na óptica da Recorrente esta decisão enferma de erro de julgamento, em matéria de direito, por fazer uma errada aplicação da lei e orientações jurisprudências. Cremos que lhe assiste razão. Vejamos, Ao contrário do decidido, não é aplicável ao caso dos autos o disposto no artº 44.º do CPA, na versão anterior a 2015, ou seja, na versão aprovada pelo DL n.º 442/91, de 15 de novembro, alterado pelo DL n.º 6/96, de 31 de janeiro. De facto, se o artº 24.º, n.º 2 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS) remete para o Código do Procedimento Administrativo, relativamente ao regime de impedimentos dos membros dos órgãos da Câmara, não é esse o regime aplicável ao caso dos autos, por força do disposto no artº 156.º do mesmo Estatuto: “Aos impedimentos, escusas e recusas do relator e demais membros do órgão com competência disciplinar são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras constantes do Código do Processo Penal”. Ora, do disposto nos artigos 39.º e 40.º do CPP não resulta que o instrutor de parte do processo disciplinar não possa participar em órgão colegial que decida a aplicação da sanção, designadamente quando, tendo 1 voto em 5, o seu voto é irrelevante para obtenção da maioria, como foi o caso. Além do mais, não foram alegados factos que imputem à deliberação que alegadamente se encontra inquinada, condicionantes do seu objeto, do sentido da atividade probatória e até da apreciação da instrutora. E, como tem sido decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, “O princípio da imparcialidade não é fatalmente omnipresente. Isto é, embora ele atravesse todo o procedimento e não se reserve apenas para a fase da decisão final, a intervenção e o exercício dos poderes funcionais no seu decurso só adquire desvalor antijurídico quando determinem ou influenciem a decisão administrativa num certo sentido” - Acórdão de 24/11/2004, Proc. 0565/04. Como invocado pela Recorrente, a sentença limita-se à aplicação abstrata de um princípio, decretando igualmente a sua violação em abstrato, sem nada apurar sobre o que efetivamente aconteceu no concreto processo disciplinar. Segundo o Autor, “quem procedeu à inquirição de várias testemunhas, apreciou a documentação dos autos, elaborou o relatório final e ainda propôs a aplicação da sanção disciplinar ao A., acabou por tomar parte na decisão da proposta que ela própria apresentou.” Ora, tal assim não aconteceu. A instrução foi iniciada e concluída pela anterior Instrutora, tendo o Autor sido ouvido em declarações pela mesma, que analisou e recolheu prova, a Dra. «BB»; na sequência de cessação de funções, a seu pedido, na CPEE, a instrutora foi então substituída pela Dra. «CC», por deliberação de 22/10/2012 (Facto Provado n.º 19), quase 10 meses depois do início do processo disciplinar, instaurado em 12/1/2012. Acresce referir, em reforço do cumprimento das garantias da imparcialidade, que o Autor foi objeto de uma fiscalização por uma comissão de fiscalização, sendo que nenhum dos seus elementos foi instrutor do processo disciplinar (Factos Provados n.ºs 2 a 6). Na data da substituição da Instrutora, designadamente, e seguindo o que consta dos FP: - O arguido fora já sujeito a ações de fiscalização, a 17/11/2011, 27/1/2012 e 16/12/2011, com reunião subsequente no seu escritório, em 9/12/2011, e notificado de 3 relatórios de fiscalização, (FP n.º 2) - Em 14/1/2012, o Autor prestou esclarecimentos por escrito (FP n.º 3) - Na sequência da apreciação das suas condutas, o arguido foi sujeito a medida cautelar de suspensão de funções e bloqueio a débito das contas-cliente, a 19.1.2012(FP nºs 6 e 7) - O Arguido prestou declarações escritas, em 20/1/2012 (FP nº 8) - Em 26/1/2012 foi instaurado novo processo disciplinar (FP nº 9) - Em 27/1/2012 e 30/1/2012, o arguido prestou esclarecimentos descritos (FP nºs 11 e 12) - Em 28/2/2012, prestou esclarecimentos presenciais (FP nº 13) - Em 8/3/2012, o Arguido juntou requerimento e documentação (FP nº 14) - Em 12/4/2012, foram renovadas as medidas cautelares (FP n.º 14), que voltam a ser renovadas em 18/7/2012 (FP nº 16). Temos, assim, que toda a instrução foi concluída pela anterior instrutora, em 8/3/2012, e a acusação foi deduzida com base nos factos apurados pela anterior instrutora (FP nº 20), o mesmo tendo acontecido com o relatório final (FP nº 23, designadamente ponto II). A Dra. «CC» deu, assim, mera continuidade ao processo disciplinar, não tendo inquirido testemunhas, porquanto o Autor, não as arrolou. O relatório final é uma peça de síntese, sem intervenção inovatória, pois nada de substantivo vai ser acrescentado ao procedimento, já que os factos estão apurados e a instrução concluída; a sua função é “relatar” de forma precisa, objetiva, concisa e sintética, os passos procedimentais ocorridos e a factualidade recolhida - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se. É certo que o relatório também contém uma proposta de decisão, mas tal não passará de um exercício de subsunção dos factos ao direito aplicável, propondo a pena mais justa e adequada face à factualidade apurada. Tal proposta não reveste a natureza do “parecer” referido no invocado artº 44.º/1/d do CPA. Não existe impedimento legal de que os membros do Grupo de Gestão da CPEE sejam instrutores dos processos disciplinares. O que se pode mesmo considerar ser pressuposto do regime legal criado, pois só em 2013 a Ré passou a ter ao seu serviço técnicos do departamento de disciplina; até lá, tais funções tinham necessariamente que ser asseguradas por alguns dos membros do Grupo de Gestão, sob pena de a Ré se ver impossibilitada de desempenhar uma das principais funções para que fora criada. Em causa apenas poderia estar a “imparcialidade do julgador”, ou seja, do órgão de gestão da CPEE. Ora, ao contrário do entendimento do aresto sob recurso, o processo disciplinar foi decidido por uma entidade imparcial; não havendo coincidência entre quem instruiu e decidiu, foi respeitada a separação entre ambas as entidades. O Grupo de Gestão da CPEE era um órgão colegial, composto por um total de cinco elementos, entre os quais o presidente do colégio de especialidade de Agentes de Execução da Câmara dos Solicitadores, presente na reunião e na deliberação sub judice. A proposta contida no relatório final não vinculava o Grupo de Gestão, livre quanto ao seu sentido de voto, obviamente votando na aplicação de sanção se, e apenas se, estivesse convencido de que o Autor cometeu alguma infração. Depois, tendo a deliberação em causa sido tomada por unanimidade dos membros do Grupo de Gestão, o voto da Dr.ª «CC» é irrelevante, pois com ele ou sem ele a deliberação sempre seria aprovada. Ainda que a Dra. «CC» não votasse, sempre os outros 4 votariam favoravelmente a proposta de sanção, pelo que o seu voto pesou o que pesou - 1 voto -. Por isso, a apreciação sobre esta questão contida na sentença, ainda que a propósito do vício a seguir analisado - “contrariamente ao invocado pela Entidade Demandada, a falta de tomada de decisão por escrutínio secreto tem consequências, como seja a anulabilidade da decisão” - não merece o nosso acolhimento. Como invocado na contestação, e que não foi apreciado na sentença, durante o processo disciplinar, e em relação às diversas deliberações tomadas pelo CPEE, nunca o Autor, ainda que representado por Advogado, suscitou qualquer impedimento ou incidente de suspeição, não obstante saber que a instrutora pertencia ao mesmo, e ter votado tais deliberações. Ou seja, a presente invocação apenas em fase judicial, revela-se abusiva, na modalidade de venire contra factum proprium, o que sempre impediria a produção do pretendido resultado anulatório, como bem observa a Apelante. Da falta de escrutínio secreto - Sobre esta matéria invocou o Autor, conforme resumo constante da sentença, “na reunião de 08.08.2013, a Entidade Demandada apreciou e sancionou o comportamento do Autor, pelo que a deliberação tomada nesse dia e agora impugnada deveria ter sido tomada por escrutínio secreto, pelo que é manifesto que, não tendo a deliberação impugnada sido tomada por escrutínio secreto foi preterida a formalidade essencial consagrada no artigo 24º, nº 2 do CPA e ainda o princípio da legalidade enunciado no artigo 3º daquele diploma”. E assim se decidiu na sentença: Prevê o artigo 24°, n° 2, do CPA, na redação anterior a 2015, aplicável nos presentes autos, que “[a]s deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto; em caso de dúvida, o órgão colegial deliberará sobre a forma de votação.”. Isto é, o artigo 24°, n° 2, do CPA estabelece as condições de funcionamento de todos os órgãos colegiais quando decidem sobre comportamentos de qualquer pessoa, como acontece no caso vertente. Com efeito, tendo presente a natureza da Entidade Demandada, não temos dúvidas de que lhe é aplicável o disposto no CPA, pelo que não teria o Estatuto da Câmara dos Solicitadores que regular esta matéria. Acresce que, nova votação não seria inútil. Destarte, o escrutínio secreto destina-se a assegurar a inteira liberdade de voto dos membros do órgão e evitar, por simpatia, coerência do Grupo, coação, medo de represálias, etc., decisão final condicionada (cfr. Santos Botelho, P. Esteves e J. Pinho, em anotação 9 ao artigo 24°, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, 1992). Portanto, não será despiciendo que através de uma votação por escrutínio secreto se assista a uma votação não unânime, ao contrário da votação que conduziu à condenação do Autor. Sublinhe-se que a jurisprudência entende que a decisão de um órgão colegial sobre as penas disciplinares é um caso que se enquadra na exigência do n° 2 do artigo 24° quando tomadas por órgão colegial (cfr, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.01.2008, proc. n° 03008/07, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09.11.2006, proc. n° 05771/01, publicado em www.dgsi.pt). E, contrariamente ao invocado pela Entidade Demandada, a falta de tomada de decisão por escrutínio secreto tem consequências, como seja a anulabilidade da decisão decorrente da violação do disposto no artigo 24°, n° 2, do CPA. Termos em que procede o suscitado vício de violação de lei. Também aqui não se secunda a leitura do Tribunal a quo. Como invocado pela ora recorrente, nenhuma norma do Estatuto da Câmara dos Solicitadores impunha que a votação nos termos da deliberação no âmbito da decisão de um processo disciplinar fosse efetuada por escrutínio secreto. No ECS só para a eleição dos membros dos órgãos da Câmara dos Solicitadores se mostrava previsto o voto secreto, no artº 18.º: O voto é secreto, pessoal e obrigatório, podendo ser exercido presencialmente, por correspondência ou por meios informáticos, competindo à assembleia geral aprovar a respectiva regulamentação. Acresce que não andou bem o Tribunal ao aplicar ao caso o CPA, mesmo na versão anterior a 2015 (a deliberação impugnada foi proferida em 8/8/2013 -FP n.º 24). De facto, e ao contrário do decidido - “tendo presente a natureza da Entidade Demandada, não temos dúvidas de que lhe é aplicável o disposto no CPA”. Ora, não só o CPA não rege a atividade da Câmara dos Solicitadores e logo, da CPEE, como não é esse o Direito Subsidiário aplicável ao processo disciplinar. Em todo o ECS apenas era feita referência ao Código do Procedimento Administrativo no já mencionado artº 24.º, n.º 2, relativamente ao regime de impedimentos dos membros dos órgãos da Câmara., mas que, no caso, era afastado pelo regime contido no artº 156.º, aplicável aos órgãos com competência disciplinar. A CPEE era um simples órgão da Câmara dos Solicitadores, não sendo o CPA aplicável ao funcionamento desta. No Estatuto da Câmara dos Solicitadores, na redação do DL n.º 226/2008, de 20 de novembro, passou a prever-se a CPEE, no artº 69.º-B: “A Comissão para a Eficácia das Execuções é o órgão independente da Câmara dos Solicitadores responsável em matéria de acesso e admissão a estágio, de avaliação dos agentes de execução estagiários e de disciplina dos agentes de execução.” No artº 69.º - C, previam-se as competências da CPEE, designadamente; e) Instruir os processos disciplinares de agentes de execução; f) Aplicar as penas disciplinares aos agentes de execução; g) Proceder a inspecções e fiscalizações aos agentes de execução; E quanto ao seu funcionamento, dispunha o art. 69.º-E: 1 - A Comissão para a Eficácia das Execuções funciona em plenário e em grupo de gestão. 2 - O grupo de gestão é composto pelo presidente da Comissão, pelo presidente do Colégio de Especialidade dos Agentes de Execução e por três membros escolhidos pelo presidente da Comissão e votados favoravelmente por maioria simples do plenário (...) 14. Designadamente sobre o processo disciplinar, mostra-se apenas aplicável, como direito subsidiário, o disposto no C. Penal e C. Processo Penal, como decorre do previsto no artº 141.º do ECS: “Aplicam-se subsidiariamente ao exercício do poder disciplinar da Câmara as normas do Código Penal e do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações”. E como previsto no artº 131.º-A, quanto às infrações disciplinares do agente de execução, “É aplicável ao agente de execução, com as necessárias adaptações, o regime a que estão sujeitos os solicitadores, no que diz respeito à acção disciplinar, designadamente aos deveres e à responsabilidade disciplinar”. Por sua vez, no CPP nenhuma regra impõe votação por escrutínio secreto (cf. artigos 366.º a 369.º, 372.º, 424.º e 425.º). Ademais, ainda que o artº 24.º, n.º 2, do CPA fosse aplicável à deliberação do Grupo de Gestão da CPEE, neste caso, por a deliberação ter sido unânime, não haveria qualquer consequência resultante do seu desrespeito. Como bem salientam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, (n)ão é naturalmente um valor absoluto, este, da confidencialidade do voto - basta que a deliberação seja votada unanimemente pelos presentes, para se saber como votou cada um - (Código do Procedimento Administrativo Comentado, vol. I, Almedina, 1993, pág. 24). Por outro lado, de forma muito clara, resulta do que consta do relatório final, quanto às infrações imputadas ao Arguido, aqui Recorrido, que, pelo tipo e gravidade das mesmas, não havia possibilidade de este não ser sancionado, como foi. O Autor violou o procedimento exigido nos termos dos artigos 124.º e 125.º do ECS em relação às movimentações das suas contas-clientes, e do disposto no Regulamento da Conta-Cliente de Solicitador de Execução, publicado em DR II Série, n.º 201/2007, de 16 de agosto: “(n)ão ter contabilidade organizada, nem manter as contas-clientes segundo o presente Estatuto e o modelo e regras aprovados pela Câmara”, prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 131.º-A do ECS e por violação do disposto no n.º 4 do artigo 124.º do ECS e a “(f)alta de provisão em qualquer conta-clientes ou se houver indícios de irregularidade na respectiva movimentação”, prevista no n.º 1 do artigo 125.º do ECS, constituindo a violação de relevantes deveres legais consagrados no ECS e a prática de infração disciplinar, ex vi o n.º 1 do artigo 133.º do ECS, e as consequências para o seu incumprimento, previstas nos n.º s 1 e 2 do artigo 125.º do ECS; Apurou-se a falta de contabilidade organizada e a não manutenção das contas-clientes de acordo com o ECS e demais legislação aplicável, porquanto se constatou comprovadamente a utilização, de forma indiscriminada, das suas 3 contas clientes, incluindo a conta-clientes Executados, para efetuar pagamentos de salários, e ainda para receber e transferir quantias dos processos judiciais a seu cargo, i.e., o Autor/Recorrido utilizava a conta antiga para receber quantias inerentes a processos novos, sem retificar e realizar estornos depois para a conta clientes nova, conforme se verifica no processo judicial n.º 148/10.3TBVIS, quando em 28/1/2010 e em 24/8/2011 foram creditados na conta-clientes antiga montantes de provisão, sem estorno, mantendo-se o A. sem comprovar que regista, quer manualmente, quer através de suporte informático, todos os movimentos contabilísticos, designadamente em relação à conta-clientes SE ou processos antigos e mantendo-se ainda sem justificar a razão pela qual efetuava o pagamento de salários das suas 3 contas-clientes (factos provados nos pontos L)M)N)O) e P) referidos supra). Verificou-se ainda a existência de um saldo contranatura (insuficiência de saldo da conta cliente, face ao saldo que deveria constar do processo judicial) em relação ao processo judicial n.º 76/07...., porquanto, os saldos das contas-clientes tituladas pelo Agente de Execução Arguido em 25/01/2012 eram de € 75.226,64 (setenta e cinco mil duzentos e vinte e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) na conta-cliente SE ou processos antigos n.º ...68, de € 5.097,18 (cinco mil e noventa e sete euros e dezoito cêntimos) na conta-cliente Executados n.º ...03 e de € 2.762,08 (dois mil setecentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos) na conta-cliente Exequentes n.º ...54, ou seja, manifestamente insuficientes para efetuar pagamentos designadamente no âmbito do referido processo judicial; à data da consumação desta infração, a produção de prejuízos era de valor considerável. Tudo conforme foi reconhecido na sentença, aquando da análise dos restantes invocados vícios, de que se salientam os seguintes excertos: “Destarte, do quadro legal e factual expostos, dúvidas não há de que estavam verificados os pressupostos para que fosse instaurado procedimento disciplinar ao Autor por incumprimento dos deveres em relação às movimentações das suas contas-clientes, bem assim, que ocorreu violação pelo Autor do procedimento exigido nos artigos 124º e 125º do ECS. Quanto à alegada detenção de contabilidade organizada para efeitos fiscais, tendo o Autor indicado que tinha TOC, a verdade que resulta do relatório final (cfr. ponto 23. do probatório), que apurou-se a falta de contabilidade organizada e a não manutenção das contas-clientes de acordo com o ECS e demais legislação aplicável, porquanto se constatou comprovadamente a utilização, de forma indiscriminada, das suas 3 contas clientes, incluindo a conta-clientes Executados, para efetuar pagamentos de salários, e ainda para receber e transferir quantias dos processos judiciais a seu cargo, i.e., o A. utilizava a conta antiga para receber quantias inerentes a processos novos, sem retificar e realizar estornos depois para a conta clientes nova, conforme se verifica no processo judicial n.° 148/10...., quando em 28.01.2010 e em 24.08.2011 foram creditados na conta clientes antiga montantes de provisão, sem estorno, mantendo-se o Autor sem comprovar que regista, quer manualmente, quer através de suporte informático, todos os movimentos contabilísticos, designadamente em relação à conta-clientes SE ou processos antigos e mantendo-se ainda sem justificar a razão pela qual efetuava o pagamento de salários das suas 3 contas-clientes [cfr. factos provados nos pontos L), M), N), O) e P) do relatório final e acima transcritos - cfr. ponto 23. do probatório]. (...) Destaque-se, ainda, que o Autor, na sua defesa, não contestou nem se pronunciou sobre as movimentações a débito para pagamentos dos salários verificados nas respetivas contas-clientes (factos que constam das tabelas melhor descritas no despacho de acusação e no Relatório Final - cfr. pontos 21. e 23. do probatório), nem sobre o uso discriminado das três contas-clientes, designadamente, para efetuar pagamentos de salários e ainda para receber e transferir quantias dos processos judiciais a seu cargo, independentemente da data de instauração. Ora, resulta do Relatório Final (cfr. ponto 23. do probatório) que verificou-se a existência um saldo contranatura (insuficiência de saldo da conta cliente, face ao saldo que deveria constar do processo judicial) em relação ao processo judicial n.° 76/07...., porquanto, os saldos das contas-clientes tituladas pelo Agente de Execução Arguido em 25.01.2012 eram de € 75.226,64 (setenta e cinco mil duzentos e vinte e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) na conta-cliente SE ou processos antigos n° ...68, de € 5.097,18 (cinco mil e noventa e sete euros e dezoito cêntimos) na conta-cliente Executados n.° ...03 e de € 2.762,08 (dois mil setecentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos) na conta-cliente Exequentes n° ...54, ou seja, manifestamente insuficientes para efetuar pagamentos designadamente no âmbito do referido processo judicial; à data da consumação desta infração, a produção de prejuízos era de valor considerável. (...) Assim, da totalidade de movimentos assinalados pela Comissão de Fiscalização, referenciados no Despacho de acusação e no Relatório Final, não resulta demonstrada, designadamente, a utilização pelo Agente de Execução das quantias depositadas na conta-cliente Exequentes apenas para pagamento de despesas do processo e honorários do Autor e a utilização das quantias depositadas na conta-cliente Executados apenas para pagamento da quantia exequenda e demais encargos com o processo, em cumprimento do disposto no nºs 4 e 9 do artigo 124º do ECS. Do mesmo modo, não resultou comprovado [cfr. ponto 23. do probatório], em relação às 3 contas-clientes tituladas pelo Autor e aos processos judiciais a seu cargo, o procedimento subjacente à conciliação bancária e a afetação de cada movimento bancário, a crédito ou a débito, constante dos extratos bancários das suas contas-clientes a cada processo judicial a seu cargo, sendo certo que tal procedimento é legalmente exigido pelo artigo 124º do ECS, como imperativo de transparência na gestão das contas-clientes e de confiança no sistema de cobrança de dívidas em Portugal. (...) Atento todo o exposto, resta concluir que resultou comprovada nos presentes autos a violação da lei pelo Autor, por omissão do previsto nos nºs 2, 4 e 9 do artigo 124º do ECS e dos pontos 12 a 16 do Anexo A do Regulamento das Contas Clientes de Solicitador de Execução nº 201/2007, de 16.08, e a violação, por ação, do disposto nos nº 1 do artigo 125º do mesmo Estatuto, sendo tais comportamentos subsumíveis às infrações disciplinares previstas nas alíneas d) e e) do nº 2 do artigo 131º-A do ECS, que preveem que “[c]onstituem ainda infracção disciplinar do agente de execução: (...); d) Não entregar prontamente as quantias, os objectos ou documentos de que seja detentor, em consequência da sua actuação enquanto agente de execução; e) Não ter contabilidade organizada, nem manter as contas-clientes segundo o presente Estatuto e o modelo e regras aprovados pela Câmara. (...) Ora, do exposto resulta que o arguido atuou livre e voluntariamente, não podendo desconhecer que a sua conduta era reprovável e punida por lei, sendo que, nos termos do artigo 133º do ECS, em vigor à data dos factos, “[c]onstitui infração disciplinar a violação, por acção ou omissão, dos deveres consagrados no presente Estatuto, nas demais disposições legais aplicáveis e nos regulamentos internos” (nº 1), e que “[s]em prejuízo do disposto na lei ou regulamentação da Câmara, as situações previstas no número anterior são puníveis por negligência” (nº 2). Sendo que, tal equivale a dizer que, ao serem dados como provados os factos em que assenta o ato impugnado, integradores das infrações disciplinares, desde logo se considera demonstrada a culpa do então arguido, já que se impunha que o mesmo, enquanto Agente de Execução, conhecesse as normas profissionais e os deveres que o regem, e adotasse os comportamentos devidos para o cumprimento dessas normas. A condenação do Arguido em processo crime, no processo n.º 20/12...., pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de peculato p. e p. pelo artigo 375°, n.º 1, do Código Penal, na pena de seis anos de prisão, acrescida da pena acessória de proibição de funções p. e p. pelo artigo 66°, n.º 1 e 2 do CP, pelo prazo de cinco anos, declarar perdido e, consequentemente condenar o arguido, nos termos do artigo 111º, n.ºs 2 e 4 do CP, a pagar ao Estado, o valor correspondente à perda de vantagens efetivas, no total 781.816,25€ (setecentos e oitenta e um mil, oitocentos e dezasseis euros, e vinte cinco cêntimos), por factos que integram igualmente processo disciplinar, apenas reforçam a inevitabilidade do decidido pela CPEE. Em suma, As garantias administrativas existentes no Código do Procedimento Administrativo e na Constituição Portuguesa proporcionam ao cidadão tutela aos seus direitos e interesses legalmente protegidos; A imparcialidade administrativa constitui um princípio constitucional que implica que a administração pública deve, nas suas relações com os particulares e outros administrados, tratá-los com igualdade e isenção, abstendo-se de os favorecer ou prejudicar com base em valorações subjetivas ou opções arbitrárias; O princípio da imparcialidade encontra-se enunciado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, como um dos critérios estruturantes que vinculam os órgãos e agentes administrativos; Por seu turno, o artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo define-o nos seguintes termos: «A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção»; O princípio da imparcialidade é garantido por diversos institutos constitucionais e legais tais como a igualdade de oportunidades entre os particulares, em termos de intervenção procedimental, transparência nos procedimentos (com acesso dos particulares à informação e a possibilidade de apreciação de elementos de prova) e a fixação de impedimentos dos titulares dos órgãos e agentes da administração (vedando-lhes intervir em causa própria ou em questões onde tenham interesse direto ou indireto); Importa referir que o princípio da imparcialidade na relação entre a administração e os administrados não significa que a primeira, estando vinculada como parte interessada e ativa na prossecução do interesse público, não assuma uma dimensão parcial na determinação da prevalência desse mesmo interesse. Contudo, ao prosseguir o interesse público, deve atuar de forma proporcional no sentido de não onerar arbitrária e excessivamente os interesses legítimos dos administrados; O princípio da imparcialidade serve para garantir a justiça, a equidade e a confiança na actuação da Administração; Não se desconhece também que o princípio da imparcialidade surge como uma salvaguarda da confiança que o público tem na lisura da Administração; Os princípios norteadores do procedimento disciplinar, como é o caso dos autos, têm uma função essencialmente preventiva quanto à salvaguarda da isenção e imparcialidade da atuação administrativa, princípios de que a Administração se não deve afastar, constituindo o simples risco de lesão da isenção e da imparcialidade da Administração, fundamento bastante para a anulação do ato; Sistematicamente assim temos decidido, mesmo em sede de procedimento concursal, fazendo nossa a voz popular no sentido de que não basta à Administração ser imparcial; é preciso também que pareça imparcial já que o que está em causa é evitar a prática de certas condutas da Administração, que possam ser tidas como susceptíveis de afectar a imagem pública de imparcialidade; In casu, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na análise deste princípio; É que, ao contrário do decidido, a factualidade apurada atesta que, no caso concreto, foi garantida a imparcialidade que se impunha. Procedem as conclusões da Recorrente. DECISÃO Termos em que se concede provimento ao recurso, revogando-se a sentença e julgando-se improcedente a acção. Sem custas, nesta instância, atenta a ausência de contra-alegações, e, na 1ª, a cargo do Autor. Notifique e DN. Porto, 07/3/2025 Fernanda Brandão Paulo Ferreira de Magalhães Rogério Martins |