Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00406/10.7BEAVR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 10/20/2022 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Ana Patrocínio |
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Descritores: | ANULAÇÃO TOTAL VERSUS ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO. |
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Sumário: | I - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. II - Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei. III – Se o fundamento da anulação afecta integralmente o acto, não é admissível anular parcialmente a liquidação. |
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Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | AA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido de o recurso ser totalmente provido. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 09/06/2022, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por AA, contribuinte n.º 19...368, residente na Rua ..., contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2005, e respectivos juros compensatórios, com saldo a pagar no valor total de €35.308,66. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “A. Vem a Fazenda Pública insurgir-se através do presente recurso contra a anulação total da liquidação impugnada, na medida em que, com o devido respeito, não poderia o douto Tribunal a quo considerar a impugnação totalmente procedente e ordenar a anulação total da liquidação. B. Relativamente à matéria de facto, ressalvado o devido respeito, é nosso entendimento que o Tribunal a quo ao dar como provados os pontos 3), 4), 9), 13), 14), 15) da fundamentação de facto da sentença, não valorou devidamente aquela matéria de facto, pois que se aqueles factos tivessem sido devidamente considerados, a decisão final do presente processo teria, necessariamente, de ser outra, donde sobressai que estamos perante a existência de erro de julgamento da matéria de facto no tocante à valoração da prova produzida. C. De facto, considerando a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo, não podia, pois, o Tribunal, a nosso ver, ter concluído no sentido da anulação total da liquidação impugnada. D. É que, resulta efetivamente da matéria de facto provada que o valor constante da escritura pública é de 80.000,00€, bem como que o impugnante entregou uma declaração de substituição Modelo 3 de IRS relativamente ao ano de 2005 na qual declarou como valor de realização 80.000,00€, razão pela qual, salvo o devido respeito, apenas se poderia proceder à anulação parcial da liquidação na parte em que a Autoridade Tributária considerou, para efeitos do cálculo da tributação das mais valias realizadas com a alienação onerosa do imóvel em causa, um valor de realização superior ao preço que foi declarado na escritura. E. Cabe, então, notar que, no caso dos autos, a matéria discutida na douta sentença recorrida foi se devia ter sido conferida ao impugnante a possibilidade de fazer prova que o valor de realização do imóvel foi inferior ao VPT (246.800,00€). F. Com o que temos, pois, que o valor de 80.000,00€ que foi declarado na escritura e que o impugnante declarou na declaração Modelo 3 de IRS de substituição não foi colocado em causa pela sentença recorrida. G. Assim sendo, entendemos, sempre com o devido respeito, que a matéria considerada como provada não permitia a desconsideração de toda a liquidação impugnada, mas tão-só a parte respeitante às mais-valias sujeitas a tributação em que o valor de realização considerado excedeu o valor declarado na escritura. H. A par disso, com todo o respeito, perante tal quadro factual, afigura-se-nos, salvo melhor entendimento, que existe uma contradição entre os factos dados como provados e a decisão recorrida, porquanto, a factualidade dada como provada, especificamente nos pontos 3), 4), 9), 13), 14), 15) da fundamentação de facto da sentença, não encontra correspondência com a conclusão espelhada na fundamentação de direito da sentença, segmento 4.1. Da errónea quantificação da matéria tributável, impondo-se tão-somente uma decisão de anulação parcial. I. Na realidade, reconhecendo a sentença recorrida que o impugnante entregou uma declaração de substituição na qual declarou como valor de realização 80.000,00€, que é o valor constante da escritura pública da alineação do imóvel, consideramos, sempre com o devido respeito, que sob pena de estar em contradição com esta realidade, não podia a douta sentença ter decidido pela anulação total da liquidação impugnada. J. Paralelamente, estamos em crer que a douta sentença sob recurso ao ter procedido à anulação total da liquidação impugnada ao invés da sua anulação parcial, padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, traduzido numa errada interpretação e aplicação do direito, tendo violado a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), bem como, a alínea a) do n.º 1 e a alínea a) do n.º 4, ambos do artigo 10.º do CIRS, assim como, o artigo 44.º, n.º 1, alínea f) do CIRS, na redação aplicável e, consequentemente, violou o consagrado princípio da divisibilidade do ato tributário, infringindo o disposto no artigo 100.° da LGT onde se prevê que o ato tributário pode ser objeto de mera anulação parcial. K. Neste âmbito, mencione-se o Acórdão proferido pelo STA, de 23/06/2021, no Processo n.º 02681/15.1BEALM, segundo o qual nada obsta a que a anulação da liquidação se restrinja à parte em que a AT considerou, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, um valor de realização superior ao preço que foi declarado na escritura, mais se entendendo que essa anulação parcial não exige que o tribunal se substitua à AT na prática de um novo ato, o que lhe estaria vedado, antes se basta com um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do ato com os termos da decisão judicial anulatória. L. Ora, na situação em apreço, atento o elenco dos factos provados, o impugnante declarou como valor de realização 80.000,00€, pelo que, os ganhos provenientes da venda do imóvel em causa nos autos constituem mais-valias sujeitas a tributação, reconduzíveis às normas de incidência dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.º 1, alínea a) e 44.º, n.º 1, alínea f), todos do CIRS, o que, em face da regra da admissibilidade da anulação parcial do ato de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina por apelo à divisibilidade desse ato tributário, determina que a liquidação deveria ser anulada parcialmente, apenas na parte atinente às mais-valias auferidas cujo valor de realização considerado excedeu o valor declarado na escritura. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, DETERMINANDO-SE A ANULAÇÃO MERAMENTE PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA, ASSIM SE DECIDINDO FAR-SE-Á JUSTIÇA.” III. Fundamentação
(cfr. fls. 1/6 do processo administrativo apenso). 14. Na sequência foi emitida a liquidação de IRS n.º 20...298, relativa ao ano de 2005, inserta na demonstração de acerto de contas n.º 20...004, com saldo a pagar no valor de 31.375,21 €. – cfr. doc. 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial. 15. Em 30.11.2009, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2009 50...839, relativa ao ano de 2005, inserta na demonstração de acerto de contas n.º 20...344, com saldo a pagar no valor de 3.933,45 €. – cfr. doc. 11, 12 e 13 juntos com a petição inicial. 16. O impugnante procedeu ao pagamento dos atos de liquidação m.i. nos pontos 14 e 15 que antecedem. – cfr. doc. 14 junto com a petição inicial. 17. Em 31.03.2010 foi remetida para o Tribunal, por correio sob registo, a petição inicial que deu origem aos presentes autos. – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos. Mais se provou que: 18. Em 04.07.1985, o ora impugnante contraiu junto do Banco Fomento Nacional um empréstimo no montante de ESC 3.000.000$00 destinando-se o mesmo exclusivamente a obras de construção civil no prédio rústico, constituído por um terreno para construção urbana sito em Montenegro, na Urbanização da Quinta do Eucalipto, designado por lote 77, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... da freguesia de ... e omisso na matriz. – cfr. fls. 81/82 do suporte físico dos autos. 3.2. Factos não provados: Para além dos referidos supra, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa. Motivação da matéria de facto dada como provada: A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso.” 2. O Direito A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra a sentença recorrida apenas no que concerne ao segmento decisório em que julgou a impugnação totalmente procedente e determinou a anulação total da liquidação em crise. Não vislumbramos que a decisão da matéria de facto tenha sido impugnada, mas somente que a Recorrente alega erro de julgamento da matéria de facto no tocante à valoração da prova produzida. Concretizando: considerando a matéria apurada pelo tribunal recorrido, não podia este ter concluído no sentido da anulação total da liquidação impugnada. Defende a Recorrente existir uma contradição entre os factos dados como provados e a decisão recorrida, porquanto, a factualidade provada, especificamente nos pontos 3), 4), 9), 13), 14) e 15) da decisão da matéria de facto, não encontra correspondência com a conclusão espelhada na fundamentação de direito da sentença, mormente no segmento 4.1 Da errónea quantificação da matéria tributável, impondo-se, segundo alega, tão-somente, uma decisão de anulação parcial. Rematou a Recorrente, ancorando-se no Acórdão do STA, de 23/06/2021, proferido no âmbito do processo n.º 02681/15.1BEALM, afirmando que, segundo o elenco dos factos provados, o impugnante declarou como valor de realização 80.000,00€, pelo que os ganhos provenientes da venda do imóvel em causa nos autos constituem mais-valias sujeitas a tributação, reconduzíveis às normas de incidência dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a); 10.º, n.º 1, alínea a) e 44.º, n.º 1, alínea f), todos do CIRS, o que, em face da regra da admissibilidade da anulação parcial do ato de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina por apelo à divisibilidade desse ato tributário, determina que a liquidação deveria ser anulada parcialmente, apenas na parte atinente às mais-valias auferidas cujo valor de realização considerado excedeu o valor declarado na escritura. Efectivamente, deve reconhecer-se que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr. artigos 79.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária; artigo 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Aliás, tal não se mostra em discussão nem é controvertido nos presentes autos. A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; Acórdão do STA-Pleno da 1ª.Secção, 18/07/1985, rec.15294, A. Dout., n.º 300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude de que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 08/06/2017, processo n.º 06112/12. Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75). Porém, é nossa convicção que o julgamento realizado pelo tribunal recorrido não permite a ilação de que apenas uma parte determinada da liquidação se mostra afectada pela invalidade detectada. É verdade que, sob a epígrafe “4.1. Da errónea quantificação da matéria tributável”, o tribunal “a quo” terá iniciado essa análise, todavia, não chegou a averiguar, em concreto, qualquer erro na quantificação, pois ficou a montante dessa apreciação, na medida em que apenas concluiu não ter sido permitido ao impugnante fazer prova que o valor da realização foi inferior ao valor patrimonial tributário (VPT). Neste circunstancialismo, a liquidação impugnada foi anulada, por vício de violação de lei, por infracção do princípio da capacidade contributiva, plasmado no artigo 103.º da CRP, bem como do disposto no artigo 73.º da LGT. Embora o tribunal recorrido tenha aludido a todo o contexto factual e tenha entendido que não estava externado no acto impugnado que a AT se ancorou no artigo 44.º, n.º 2 do Código de IRS, concluiu ser essa a base jurídica do acto, numa interpretação segundo a qual o referido inciso legal previa uma presunção inilidível, não admitindo prova que o imóvel terá sido transaccionado por valor inferior ao VPT. De seguida, referencia ter esta interpretação sido censurada pelo Tribunal Constitucional, tendo julgado inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 44.º do Código de IRS, “na interpretação segundo a qual, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível» por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da C.R.P.”. A sentença recorrida transcreveu grande parte da motivação vertida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2017, proferido em 02/05/2017, no âmbito do processo n.º 285/15, para desaplicar a interpretação da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do Código de IRS, na versão aplicável à data. Entretanto, a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, veio alterar o artigo 44.º do Código de IRS, introduzindo os actuais n.ºs 5 a 7, com a redacção seguinte: “5 – O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. 6 – A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações. 7 – Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimento a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega da declaração de substituição durante o mês de janeiro seguinte.”. Dando seguimento a este raciocínio, a sentença recorrida, escudando-se em jurisprudência do STA, termina o julgamento da seguinte forma: «(…) Veja-se também o acórdão do STA de 11.10.2017, processo n.º 0880/16 no qual se decidiu o seguinte: “Tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objetivo constitucional de «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (n.º 1 do art. 103º da CRP), a imputação da matéria colectável considerando como valor de realização o que resultar para efeitos de IMT, quer se reconduza a uma presunção legal ou a uma ficção legal, deverá ter-se por ilidível, face ao disposto no artigo 73.º da LGT.”. Por último, o STA, no acórdão de 08.11.2017, processo n.º 01108/04 concluiu que, não tendo o legislador, antes da entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31.12.2014, que introduziu os n.ºs 5 a 7 ao artigo 44.º do CIRS, previsto forma de permitir ao contribuinte provar que o valor da realização fosse inferior ao VPT, a norma de incidência constante do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, aplicada sem tal possibilidade deve ter-se por inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 18.º da C.R.P. e 5.º, n.º 2 e 73 da L.G.T. Nestes termos, a liquidação impugnada, não permitindo ao impugnante fazer prova que o valor da realização foi inferior o V.P.T. é anulável, por violação do princípio da capacidade contributiva, plasmado no artigo 103.º da C.R.P., bem como do disposto no artigo 73.º da L.G.T., pelo que não pode manter-se na ordem jurídica. (…)» Nesta conformidade, não obstante a factualidade provada aludida pela Recorrente, o tribunal “a quo” não chegou a subsumir esses factos ao direito e acabou por não adiantar qualquer julgamento, em concreto, quanto à errónea quantificação, pelo que é impossível, com a segurança e certeza exigíveis, saber qual a parte da liquidação afectada, uma vez que não foi destacada qualquer prova que o impugnante tenha eventualmente carreado, nem retiradas as respectivas ilações. Salientamos a apreciação realizada pelo STA no acórdão mencionado pela sentença recorrida (de 08/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01108/04): “(…) Mas bastará a mera junção da escritura pública para afastar a presunção legal de que goza a Fazenda? Entendemos que não. O artigo 44 do CIRS ao estabelecer a ficção legal ou presunção da prevalência do valor patrimonial tributário nos casos em que o contribuinte indica como valor da realização um valor inferior a este não contende com a força probatória que o artigo 371 do CC atribui aos documentos autênticos na medida em que apenas põe em crise os factos que nele são atestados mas que não respeitam a factos praticados pela autoridade in casu o notário. Mas porque se trata de norma de incidência a presunção só podendo ser juris tantum -artigo 73 da LGT a lei permite ao contribuinte provar que o valor da realização foi inferior ao aí previsto cfr nºs 5 a 7 do citado artigo. Tal prova está sujeita a procedimento próprio, procedimento este regulado no artigo 139 do CIRC, com as necessárias adaptações. Mas esta possibilidade só foi permitida com a entrada em vigor da Lei 82-E/ 2014 de 31/12 que aditou ao artigo 44 do CIRS os nºs 5 a 7. Assim a norma de incidência contida no nº 2 do artigo 44 do CIRS antes da entrada em vigor da Lei 82-E /2014 de 31/12 na interpretação que a Fazenda Pública teve ao proceder à liquidação ora impugnada tem de considerar-se como refere o aresto do Tribunal Constitucional acima referido como inconstitucional por traduzir a consagração de uma presunção inilidível em violação dos artigos 13 e 18 da CRP e 5º nº 2 e 73 da LGT. Neste sentido veja-se também o acórdão do STA de 11 10 2017 in processo 0880/16. (…)” No caso dos autos, tendo a liquidação adicional de IRS ocorrido em 2009, apenas consta dos autos documento revelador da venda do prédio em causa pelo preço declarado de €80.000,00 – cfr. escritura pública de outorga no Cartório Notarial de ... em 15/11/2005; sem que tenha sido realizada qualquer apreciação pela AT ou judicialmente. Como vimos, actualmente, tal prova (de que o valor da realização é inferior ao VPT) está sujeita a procedimento próprio, regulado no artigo 139.º do Código de IRC, com as necessárias adaptações; sendo impossível, sem mais, aceitar tal valor declarado na escritura. À data, a liquidação (tale quale) foi emitida com base na concepção da existência de uma presunção inilidível, não admitindo prova que o imóvel terá sido transaccionado por valor inferior ao VPT. Em primeira instância, o acto foi apreciado tal como foi praticado, atento o contencioso de estrita legalidade que subjaz à impugnação judicial, pelo que o respectivo julgamento se limitou a determinar que a liquidação não se podia manter sem permitir ao sujeito passivo demonstrar que o valor real da venda era inferior ao VPT. Logo, a invalidade detectada afectou integralmente a liquidação. Não ignoramos o Acórdão do STA, de 23/06/2021, proferido no âmbito do processo n.º 02681/15.1BEALM, citado pela Recorrente em abono da sua tese. Contudo, além de tal julgamento não ter sido alcançado por unanimidade, mas apenas por maioria, se bem o interpretamos, aponta para uma deliberação em conformidade e delimitada pelo pedido na impugnação. Nunca devemos alhear-nos da situação concreta, pois, nessa acção, o impugnante assume expressamente a existência da mais-valia limitada pela diferença de valor efectivamente realizado, admitindo que esse montante (declarado/real) deve ser tido em conta no cálculo da mais-valia tributável, sendo tal espelhado no modo restrito como foi formulado o pedido na petição inicial (ser a AT condenada a substituir a liquidação por outra que reflicta a verdade material, isto é, o valor efectivamente recebido pelo A. na venda do imóvel) e reflectido, igualmente, pelos termos do pedido de revisão. In casu, o impugnante solicita amplamente, na petição de impugnação, a anulação das liquidações de IRS e dos respectivos juros compensatórios, com as devidas consequências legais. Não tendo chegado a individualizar-se e a quantificar-se o erro na liquidação, mas somente tendo tido lugar a desaplicação de uma norma ao caso concreto, a invalidade verificada (e não questionada no presente recurso), necessariamente, afectará integralmente a liquidação impugnada. De outra forma, estaria o tribunal a verter no segmento decisório um julgamento que não chegou a realizar. Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica, Conclusões/Sumário I - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. II - Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei. III – Se o fundamento da anulação afecta integralmente o acto, não é admissível anular parcialmente a liquidação. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 20 de Outubro de 2022 Ana Patrocínio Paula Moura Teixeira Conceição Soares |