Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00178/14.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/13/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Hélder Vieira
Descritores:ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL — ARTIGO 121º DO CPTA
CONCURSO PARA PROFESSOR AUXILIAR
Sumário:I — O despacho que, em indeferimento de requerimento de antecipação do juízo sobre a causa principal ao abrigo do disposto no artigo 121º do CPTA, decide pela não antecipação desse juízo resolve definitivamente a questão, não sendo passível de recurso.
II — Obviando a que seja considerado como não apresentação de documento, cumpre a exigência dos nºs 25 e 26, alínea c), do Despacho nº 18079/2010, do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, publicado no Diário da república, 2ª Série, nº 234, de 3 de Dezembro de 2010, o documento denominado «Curriculum Vitae e Relatório» em que, em substância, os capítulos e subcapítulos que o compõem se mostram sequencialmente exarados de harmonia material com as normas concursais, que não de forma aleatória impeditiva do seu exame pelo júri do concurso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Universidade de Coimbra
Recorrido 1:NVML
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Pela Requerida e ora Recorrente Universidade de Coimbra, foi interposto recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, no âmbito do supra identificado processo cautelar determinou “a suspensão da eficácia do acto de homologação reitoral da lista de ordenação final, do qual resulta a exclusão do requerente, bem como a admissão provisória do mesmo ao concurso”.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação (1):
CONCLUSÕES:
1. Está em causa no presente recurso a sentença do TAF de Braga que considerou evidente a ilegalidade do acto de exclusão do Requerente num concurso documental internacional para preenchimento de um posto de trabalho da categoria de Professor Auxiliar, por este ter apresentado um único documento que denominou "Curriculum Vitae E Relatório" – sem qualquer distinção interna – quando o Edital determinava em alíneas distintas e com conteúdos distintos a apresentação de um Curriculum Vitae e de um relatório.
2. E, com tal fundamento, ao abrigo da alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA determinou "a suspensão da eficácia da homologação reitoral da lista de ordenação final, da qual resulta a exclusão do requerente, bem como a admissão provisória do mesmo ao concurso".
3. Na decisão recorrida é afirmado que a decisão de exclusão resulta da decisão de ordenação, quando a decisão de exclusão para além de ser distinta da lista de ordenação final é, logica e procedimentalmente, prévia à decisão de ordenação ainda que tomada na mesma reunião.
4. Face aos termos em que está redigida a parte decisória da sentença recorrida, a mesma está em contradição com o ponto I da factualidade que havia dado como provada, padecendo de um erro ou lapso manifesto que pode e deve ser corrigido nos termos do artigo 614º do CPC aplicável ex vi art. 1º do CPTA.
5. Caso o lapso não seja rectificado, é manifesto que a decisão recorrida na parte decisória assentou num erro manifesto, apresentando como premissa e fazendo constar da decisão que "a exclusão do requerente" "resulta da lista de ordenação final" quando a decisão de exclusão do Autor é lógica e procedimentalmente (ainda que realizada na mesma reunião) da lista de ordenação final.
6. Caso não se corrija ou lapso referido, deve-se fixar ao presente recurso efeito suspensivo da parte da decisão que diz respeito à suspensão da homologação reitoral da lista de ordenação final, apenas se mantendo o efeito devolutivo do recurso relativo à admissão provisória e suspensão da decisão de exclusão.
7. Para além da suspensão da decisão de homologação reitoral da lista de ordenação final assentar no referido erro, a mesma afecta gravemente o interesse público na medida em que coloca em causa o desempenho de funções docentes pelo candidato que havia sido ordenado em primeiro lugar (impedindo assim a normal continuação da formação e qualificação dos alunos aos quais já se encontra a dar aulas – cfr. o afirmado na Resolução Fundamentada apresentada na primeira instância), sem que, naturalmente, se saiba se da admissão (provisória) do Requerente resultará na lista de ordenação final (provisória) a alteração do 1º classificado (único com direito a ser contratado).
8. O efeito normal dos recursos das decisões das providências cautelares previsto no artigo 143º nº 2 assenta no pressuposto que a ponderação de interesses subjacente à alteração do efeito do recurso prevista nos nºs 3 e 4 desse normativo já foi realizada em sede cautelar.
9. Ora, na sentença por ter sido aplicada a alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA não foi aplicado o regime previsto no nº2 do referido normativo e, por outro lado, não foi sequer considerado – em clara violação do normativo – o previsto no nº3 do CPTA
10. Ora – sem prejuízo do que se afirmará infra quanto ao erro de apreciação da questão de mérito no presente processo –, a admissão provisória do requerente ao procedimento e a consequente elaboração de uma nova lista provisória de ordenação seria suficiente para satisfazer a pretensão do requerente, não sendo necessária a suspensão imediata da homologação reitoral da lista de ordenação final.
11.Pelo exposto caso não se rectifique o erro supra enunciado – uma vez que não se verificaram na presente situação os pressupostos com base nos quais se considera que o recurso das sentenças em processo cautelar devem ter efeito meramente devolutivo e de forma a evitar prejuízos de difícil reparação para o interesse público – solicita-se que se aplique à presente situação o previsto no artigo 143º nº 4 do CPTA e se fixe ao presente recurso efeito suspensivo da parte da decisão recorrida que suspende a "eficácia da homologação reitoral da lista de ordenação final".
12.Para além da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como documentalmente provada, devem ser aditados à matéria de facto dada como indiciariamente provada os factos invocados na Oposição da entidade demandada e documentalmente provados nos autos com relevância para a matéria discutida nos autos supra identificados no ponto IV- A) destas alegações a identificação C.1), C.2), H.1),I.1) e I.2) e que se dão aqui por transcritos para todos os efeitos.
13.O caso sub judice impunha e permitia, claramente, a aplicação do artigo 121º já que uma decisão cautelar da questão em causa (a qual é simples e claramente delimitada) apenas faria e fará arrastar no tempo uma situação de instabilidade do corpo docente, não salvaguardando efectivamente nenhum dos interesses em presença.
14.O tribunal a quo face à natureza e simplicidade da questão e considerando os interesses envolvidos e a vontade de ambas as partes no sentido da antecipação do juízo sobre a causa principal devia ter aplicado na presente situação o regime do artigo 121º, antecipando o juízo da causa.
15.Não o tendo feito verifica-se uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 121º do CPTA pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que antecipe o juízo sobre a causa principal.
16.A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quer quanto a afirmação de que o acto em causa era manifestamente ilegal, quer sem conceder, ainda que assim não se considerasse ao definir a suspensão da eficácia do acto de homologação reitoral afirmando que deste resultava a exclusão do requerente.
17.O Requerente não instruiu a sua candidatura com um curriculum vitae e um relatório, tendo ao invês optado por entregar um único documento que denominou de " Curriculum Vitae E Relatório, não existindo no interior de tal documento qualquer divisão que, de per si, permita distinguir o que o requerente entendia ser o "curriculum vitae" e/ou "relatório" (o cabeçalho das paginas ao longo de todo o documento apenas continha a designação " CurriculumVitae@NVML").
18.O júri ficou sem possibilidade de determinar o que entenderia o Requerente/candidato dever ser considerado como curriculum ou como relatório
19.Sendo que a obrigatoriedade dessa distinção para além de resultar do Edital era essencial e devia ser apresentada pelo candidato já que se tratavam de elementos distintos sobre os quais o júri teria que debruçar o seu juízo técnico-avaliativo.
20.Não tendo o requerente/candidato cumprido tal dever não cabia, nem podia o Júri supri-lo sob pena de influir sobre documentos essenciais para avaliação das candidaturas e assim ser colocada em causa a sua parcialidade.
21.A argumentação avançada na sentença recorrida para afirmar a ilegalidade manifesta da exclusão do requerente do concurso em questão não colhe já que, como resulta da factualidade documentalmente provada, o requerente não cumpriu com as normas regulamentares não podendo o júri – sob pena de violar os princípios da imparcialidade, transparência, isenção, igualdade e justiça – determinar ele próprio o que no documento apresentado era relatório e o que era curriculum vitae
22. o Tribunal a quo desvalorizou a actuação do candidato em clara violação do previsto no ponto IV- nº2 al.s b) e g) do Edital de abertura do Concurso ao apresentar num documento único (sem qualquer distinção interna) dois documentos.
23.O tribunal a quo não atentou no facto que não só o requerente apresentou apenas um documento, como neste documento não definiu o que entendia ser CV e o que entendia ser relatório (não estarmos perante a existência de dois elementos materialmente autónomos mas apresentados juntamente, estamos sim perante um único documento onde o requerente não distingue onde começaria um e acabaria o outro).
24.A actuação do júri para além de ancorada nas normas regulamentares em causa, é uma decisão respeitadora dos princípios da imparcialidade, isenção, transparência, igualdade e justiça já que se estava perante a não definição/apresentação por parte de um opositor ao concurso do que seriam um elementos fundamentais da sua candidatura.
25.Não podia o júri – sob pena de violação dos princípios da transparência, isenção e imparcialidade – substituir-se ao candidato e definir (por maioria de razão num momento em que já conhecia todas as candidaturas) o que era o relatório e o que era curriculum vitae,
26.A sentença recorrida ao descurar o facto de se tratar de elementos essenciais para a avaliação do candidato e não existir qualquer distinção no documento único entregue entre o que era CV e relatório, ao considerar ilegal a actuação do júri interpretou e aplicou erradamente as regras regulamentares constantes no ponto IV. nº2, al. g) e nº 2.6 do edital de abertura como violou os princípios de isenção, transparência e imparcialidade, igualdade e justiça que imponha ao Júri a decisão que tomou
27.Sendo, manifesta a violação do artigo 120º nº 1 al. a) do CPTA, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada.
28.Sem conceder, ainda que assim não fosse, sempre a sentença recorrida, nos termos do artigo 120º nº3 do CPTA, se devia ter limitado a decretar a providência cautelar estritamente necessária a evitar a alegada lesão dos interesses do requerente, o que desde logo imponha a desnecessidade de suspensão da homologação da lista de ordenação final.
29.Porém, a sentença recorrida não efectuou sequer o juízo de adequação e necessidade que lhe era imposto pelo artigo 120º nº3 do CPTA, sendo por isso manifesta a violação desta norma.
30.Por outro lado, a parte decisória da sentença recorrida assentou num erro manifesto, apresentando como premissa e fazendo constar da decisão que "a exclusão do requerente" "resulta da lista de ordenação final" quando a decisão de exclusão do Autor é lógica e cronologicamente (ainda que realizada na mesma reunião) prévia à lista de ordenação final.
Nestes termos e melhores de Direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogada a sentença recorrida e antecipado o juízo sobre a causa principal deve ser considerada totalmente improcedente a pretensão do Requerente.”.
O Recorrido, NVML, contra-alegou e concluiu:
Termos em que se conclui pela improcedência das doutas conclusões quanto ao alegado sobre:
a) A rectificação da sentença por nela não existir nenhum erro material sujeito a rectificação por mero despacho;
b) O efeito do recurso, porquanto do art. 143º, nºs 4 e 5 do CPTA não resultar, de imediato a alteração do efeito devolutivo, sem um prévio recurso a medidas adequadas a minorar eventuais prejuízos decorrente do efeito em confronto com os interesses das partes e de terceiros;
c) A impugnação da matéria de facto, porquanto a factualidade assente alegada no sentido da modificação/ampliação da decisão, não é relevante para a questão essencial de Direito e para a solução plausível do pleito;
d) A interpretação e aplicação do art. 120º, nº 1, al. a), do CPTA e das normas do edital, porquanto o novo argumento da falta de indicação de subtítulo/cabeçalho indicando o Relatório nenhuma relevância pode ter no que concerne à ilegalidade manifesta por violação de norma regulamentares legais aplicáveis e à desproporcionalidade do acto de exclusão por razões técnicas de apresentação do documento de suporte digital;
e) A violação do art. 120º, nº 3, do CPTA por se entender que a foi feita uma correcta ponderação dos interesses públicos/particulares em jogo, face à manifesta ilegalidade do acto de exclusão do recorrido, sem prejuízo de tomada de medida adequada para minorar o prejuízo da suspensão de eficácia do acto reitoral, sob a condição indicada nesta contra alegação.
Termos em que devem assim improceder as conclusões sobre as questões do recurso acima enunciadas, mantendo-se no essencial, a douta sentença recorrida.”.
O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA e em termos que se dão por reproduzidos, pronunciou-se no sentido da manifesta ilegalidade do acto de exclusão em causa e apenas no que respeita à adopção de outras medidas cautelares visando atenuar ou eliminar o risco do prejuízo para o interesse público e para os alunos, nos termos que sugere, deverá proceder o presente recurso.
As questões suscitadas (2) e a decidir (3) resumem-se em determinar, sem obediência a uma ordem de conhecimento:
1. Se ocorre erro de julgamento pela insuficiência da matéria de facto dada como provada para decidir a questão sub judice, tendo sido invocada matéria de facto com relevância para a decisão que, por se encontrar documentalmente provada, deveria ter sido dada como provada;
2. Se foi incorrecta a interpretação e aplicação do regime do artigo 121º do CPTA, apesar da concordância de ambas as partes quanto à aplicação à presente situação do previsto no artigo 121º do CPTA –, decidindo a sentença recorrida pela não aplicação à presente situação do previsto no artigo 121º com o fundamento "de que o requerente não alega quaisquer factos susceptíveis de suportar a afirmação que a situação sub judice não se compadece com uma simples providência cautelar, limitando-se a pedir sem mais, a antecipação do juízo da causa".
3. E se, por tal motivo, deve a sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que antecipe o juízo sobre a causa principal.
4. Se é errada a conclusão a que se chegou na sentença de considerar a providência cautelar procedente ao abrigo da alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
5. Se deveria, na sentença recorrida, sido aplicado o disposto no nº 2 do artigo120º do CPTA;
6. Se deve ser fixado ao recurso efeito suspensivo da parte da decisão que diz respeito à suspensão da homologação reitoral da lista de ordenação final, apenas se mantendo o efeito devolutivo do recurso relativo à admissão provisória e suspensão da decisão de exclusão;
7. Se deveria, na sentença recorrida, sido aplicado o disposto no nº 3 do artigo120º do CPTA;
Sem vistos — nºs 1, alínea e), e 2 do artº 36º do CPTA —, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – DE FACTO
Foi a seguinte, a matéria de facto assente pela decisão recorrida:
A. Por despacho do reitor da Universidade de Coimbra de 04.04.2013, foi aberto o concurso documental internacional para preenchimento de um posto de trabalho da categoria de Professor Auxiliar, em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, para a área disciplinar de Engenharia Informática, perfil em Comunicações e Aplicações Telemáticas, para o Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra – cfr. doc. 1 junto com o r.i.
B. Em 19.04.2013, foi publicado o aviso de abertura do concurso na 2.ª série do Diário da República pelo edital n.º 385/2013, com o seguinte teor – cfr. doc. 1 junto com o r.i.:
(…)
IV – Candidatura:
(…)
2 – Instrução:
(…)
b) Curriculum vitae organizado nos termos do n.º 25 do Despacho n.º 18079/2010, de 3 de Dezembro de 2010, de forma a responder separadamente a cada um dos itens enunciados no n.º 1 do ponto V, sendo entregue um exemplar em papel e um exemplar em formato digital não editável (pdf), devendo ser identificados quais os cinco trabalhos considerados pelo candidato como mais relevantes.
(…)
g) Apresentação de relatório, nos termos do artigo 26.º, alínea c) do Despacho n.º 18079/2010 do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, publicado no DR, 2.ª série, n.º 234, de 3 de Dezembro de 2010, sobre o desempenho científico, pedagógico e noutras actividades consideradas relevantes para a missão da Universidade, com especial incidência sobre o período posterior ao doutoramento, formato digital não editável (pdf).
(…)
2.6 – A não apresentação dos documentos ou trabalhos exigidos nos termos do Edital ou a sua apresentação fora do prazo estipulado para o efeito, determina a exclusão liminar do concurso.
(…)
C. O requerente candidatou-se ao referido concurso, instruindo a sua candidatura com um documento intitulado “Curriculum Vitae e Relatório” – cfr. fls. 128 e ss. do PA apenso.
D. Com data de 30.07.2013, o júri do concurso proferiu deliberação com o seguinte teor – cfr. doc. 3 junto com o r.i.:
´
(…)

(…)
E. Por ofício de 07.08.2013, o requerente foi notificado da deliberação do júri que não o admitiu ao concurso por não ter “apresentado relatório (…) identificando o curriculum vitae com o título “Curriculum vitae e relatório”, sendo o currículo documento que material e formalmente terá que obrigatoriamente diferir do relatório em causa” – cfr. doc. 2 junto com o r.i.
F. No exercício do direito de audiência prévia, o requerente opôs-se ao projecto de deliberação de não admissão a concurso – cfr. doc. 4 junto com o r.i..
G. Com data de 28.10.2013, o júri do concurso proferiu deliberação de manutenção da exclusão do requerente com o seguinte teor – cfr. doc. 5 junto com o r.i.:

H. Por ofício datado de 29.10.2013, o requerente foi notificado de que o júri havia reiterado o sentido da deliberação de não admissão do requerente – cfr. doc. 5 junto com o r.i..
I. Em 16.11.2013, foram homologadas pelo reitor as deliberações finais do júri sobre a exclusão do requerente e a lista de ordenação final – cfr. doc. 8 junto com o r.i..
II.2 – DE DIREITO
Vertidos os termos da causa e a posição das partes, passemos à apreciação das questões a decidir, acima elencadas.
Ocorre erro de julgamento pela insuficiência da matéria de facto dada como provada para decidir a questão sub judice, tendo sido invocada matéria de facto com relevância para a decisão que, por se encontrar documentalmente provada, deveria ter sido dada como provada?
Tendo presente o disposto no artigo 149º do CPTA e, ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, nos artigos 5º, nº 3, 608º, nº 2, 635º, nºs 3 e 4, 640º, 662º e 665º, todos do CPC, pode este Tribunal alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo”, bem como reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de recurso e, ainda, apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, tudo sem que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto proferida pelo tribunal «a quo» assuma uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto e sem prejuízo dos poderes conferidos no artigo 149º, nº 2, do CPTA, que, nesta sede jurisdicional, não afastam os poderes de modificabilidade da decisão de facto ao abrigo do referido artigo 662.º do CPC ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, porquanto o TCA mantém os poderes que incumbem a tribunal de apelação, no âmbito da fixação da matéria de facto, quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional, desde que o recorrente cumpra o especial ónus de alegação estabelecido no artigo 640º do CPC (4).
A recorrente cumpriu, com suficiência, o dever decorrente do especial ónus de especificação que sobre si impende quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, a que alude o artigo 640.º do CPC.
Vejamos em concreto.
Quanto ao invocado nos artigos 5º e 24º da oposição apresentada pela ora recorrente, no sentido de que “No interior do documento referido no ponto C) não existe qualquer titulo ou subtítulo denominado "curriculum vitae" e/ou "relatório", constituindo a alegação de um facto negativo, não está o Tribunal impedido de recorrer a presunções judiciais, desde que existam factos simples dos quais aquele seja a respectiva consequência lógica, no caso presente por referência ao documento identificado no facto assente em C. do probatório: Apenso ao PA contendo certificação das 128 folhas, numeradas de 1/128 a 128/128, que são cópia fiel da documentação digital entregue por NV PA e na qual se encontra a impressão do documento denominado "Curriculum Vitae e Relatório”.
E exactamente o mesmo se diga relativamente ao invocado no artigo 25º da Oposição, de que o cabeçalho das paginas do documento referido no ponto C) consta apenas a designação "CurriculumVitae@NVML".
De resto, essa pretensão não corresponderia à verdade dos factos, pois se verifica que aquele documento se inicia com uma primeira página encimada pelo título “Curriculum Vitae e Relatório”, seguindo-se-lhe uma página sem o referido cabeçalho mas encimada pela palavra “Resumo”, referindo-se desde já que ostenta os seguintes subtítulos: “Formação Académica”, “Situação Profissional Actual”, “Áreas de Interesse”, “Responsabilidades de Gestão na Universidade do Minho”, “Responsabilidades de gestão no Instituto de Estudos Superiores de Fafe”, “Responsabilidades de Gestão na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro”, “Responsabilidades Científicas”, “Envolvimento em Instituições/Associações Técnico-Científicas” e “Google Scholar Citation and h-index)”.
A que segue ainda, atestando a falta de correspondência entre a alegação da recorrente e os factos que o teor do documento revela, um índice reportado a 60 páginas, cujo integral teor se dá por reproduzido, sendo que a página 1 é encimada pelos dizeres “Capítulo I: Contexto e Percurso”; a página 10 encimada por “Capítulo II: Componente Científica”; a página 25 encimada por “Capítulo III: Componente Pedagógica”; a página 46 encimada por “Capítulo IV: Actividades de Gestão e de Extensão”.
E mais: Integram ainda aquele documento, tal como certificado pelo Chefe de Divisão de Recursos Humanos da Universidade de Coimbra, em 5 de Fevereiro de 2014, outros escritos que não têm como cabeçalho "CurriculumVitae@NVML", como afirma a recorrente, mas exibem, sim, ali exarado os seguintes títulos: “A Novel Resource Management Scheme for F-HMIPv6 Micromobility Protocol”; “A QoS-Enabled Resource Management Scheme for F-HMIPv6 Micro Mobility Approach”; “A QoS-Enable Solution for Mobile Environments”; “Evaluation of a Mobility/QoS-aware Architecture for Mobile Internet”; “Evaluating Rate-Estimation for a Mobility and QoS-Aware Network Architecture”.
Relativamente ao facto invocado no artigo 36º da Oposição, de que foi ordenado em 1º lugar o opositor ao concurso TJSMC, é de deferir, assentando o facto como provado, uma vez que os factos provados constantes de I. do probatório, embora englobando a lista de ordenação final, apoiam-se apenas no documento 8 junto com o r.i., quando na verdade, para além daquele, o documento 9 junto com o dito requerimento inicial contém a homologação da lista e a respectiva lista na qual figura graduado em 1º lugar, TJSMC.
Quanto aofacto invocado no artigo 39ºda Oposição”, qual seja, “Em 16/11/2013 foi aposto pelo Reitor da universidade de Coimbra, sob a informação 1133/DRH/2013 de 06/11/2013, despacho de autorização da contratação do referido 1º classificado nos termos do disposto no art. 11º e nº1 do artigo 25º do ECDU (cfr. fls 234/293)”, e bem assim o “facto invocado no artigo 40ºda Oposição”, a saber, “Encontrando-se o Doutor TJSMC desde 13/10/2013, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas, a exercer as funções de professor auxiliar (cfr. Resolução fundamentada e declaração anexa junta aos autos)”, mostrando-se alegados, não no articulado em 39º e 40º mas respectivamente em 38º e 39º da referida oposição, não se mostrando despiciendos à apreensão dos factos relevantes para o conhecimento do mérito da causa, atendendo aos pressupostos de que depende a adopção das providências requeridas ou de alguma delas, vertidos nos nºs 1 e 2 do artº 120º do CPTA, devem constar dos factos provados, face ao teor dos documentos, não impugnados, que os suportam.
Esta factualidade, que devia ter sido dada como indiciariamente provada, afigura-se como manifestamente relevante para a apreciação da questão de direito aqui em causa já que se refere ao documento apresentado pelo Requerente que o júri entendeu não satisfazer os requisitos previstos no Edital e ao facto do candidato ordenado em primeiro lugar já se encontrar no exercício das atinentes funções.
Sendo que todos os factos referidos se encontram documentalmente provados tal como referido supra.
Assim, aditam-se os seguintes factos ao acervo probatório:
J) Foi ordenado em 1º lugar o opositor ao concurso TJSMC — doc. 9 junto com o r.i.;
K) Em 16/11/2013 foi aposto pelo Reitor da universidade de Coimbra, sob a informação 1133/DRH/2013 de 06/11/2013, despacho de autorização da contratação do referido 1º classificado nos termos do disposto no art. 11º e nº1 do artigo 25º do ECDU — cfr. fls 234/293 do p.a.;
L) Encontrando-se TJSMC a exercer as funções de professor auxiliar, desde 13/10/2013, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas — Declaração datada de 05-02-2014, em anexo à resolução fundamentada junta aos autos pela requerida.
Foi incorrecta a interpretação e aplicação do regime do artigo 121º do CPTA, apesar da concordância de ambas as partes quanto à aplicação à presente situação do previsto no artigo 121º do CPTA –, decidindo a sentença recorrida pela não aplicação à presente situação do previsto no artigo 121º com o fundamento "de que o requerente não alega quaisquer factos susceptíveis de suportar a afirmação que a situação sub judice não se compadece com uma simples providência cautelar, limitando-se a pedir sem mais, a antecipação do juízo da causa"? E, por tal motivo, deve a sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que antecipe o juízo sobre a causa principal?
A sentença recorrida fez uso do poder que o nº 1 do artº 121º do CPTA ao tribunal confere, neste caso a requerimento de uma das partes e com a posterior concordância da parte contrária.
E decidiu:
Regressando ao caso em apreço, constata-se que o requerente não alega quaisquer factos susceptíveis de suportar a afirmação de que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar, limitando-se a pedir, sem mais, a antecipação do juízo sobre a causa principal.
Pelo exposto, concluímos pela não verificação dos pressupostos que determinam a antecipação do juízo sobre a causa principal, pelo que se indefere o requerido.”.
Não sendo exclusivamente de iniciativa oficiosa pelo tribunal, a decisão de convolação do processo cautelar no processo principal insere-se num poder do tribunal exercido sempre que, ouvidas as partes, considere reunidos os requisitos (5) de que depende essa antecipação ou convolação.
No presente caso, porém, foi de indeferimento essa decisão, porque tomada em apreciação de adrede requerimento formulado pelo ora recorrido.
Dispõe o nº 2 do artº 121º do CPTA: A decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais.
O que significa que um despacho que, em indeferimento de requerimento da referida convolação, decide pela não antecipação do juízo sobre a causa principal resolve definitivamente a questão, não sendo passível de recurso (6).
É, pois, matéria definitivamente resolvida em termos da sindicabilidade daquela decisão.
Todavia, quer a recorrente na sua alegação, quer o recorrido na contra-alegação apresentada, reiteram o pedido de que o Tribunal de recurso conheça do mérito da causa, em termos que se dão por reproduzidos.
Verificado, por essa via, o contraditório, vejamos se estão reunidos os restantes pressupostos para tanto.
O presente processo cautelar foi apresentado na pendência da acção principal — processo nº 174/14.3BEBRG — e nela foram formulados os pedidos de anulação do acto de não admissão do ali autor ao concurso em causa, por violação de lei (erro sobre os pressupostos de facto e de direito e abuso de poder) e de princípios gerais e constitucionais da actividade administrativa e do acesso à função pública e consequentemente condenada a entidade demandada à prática do acto de admissão devido.
Ambas as partes concordam e, aliás, proactivamente pedem a antecipação do juízo sobre o mérito da causa.
A recorrente, entende que a questão em causa é simples e claramente delimitada e a decisão da causa cautelar apenas faria e fará arrastar no tempo uma situação de instabilidade do corpo docente, não salvaguardando nenhum dos interesses em presença.
O recorrido, por sua vez, “subscreve o recorrido toda as considerações tecidas pela recorrente relativamente à aplicação do art. 121º do CPTA, aos autos”. E acrescenta: “Não só as partes estão de acordo na sua aplicação e o caso dos autos configura uma situação de urgência (que contende com o normal funcionamento das aulas/avaliações feitas pelo candidato provido e contratado, e a salvaguarda dos interesses dos alunos), como os autos contêm todos os elementos necessários para que antecipasse de decisão da causa principal.”.
Retira-se do disposto no artigo 121º do CPTA, seguindo a doutrina jurisprudencial vertida no Acórdão deste STA, de 6/2/2007, proc. nº 598/06, que a aplicação do artigo 121º do CPTA está sujeita à verificação dos seguintes pressupostos:
a) Terem sido aportados para os autos pelas partes ou recolhidos oficiosamente todos os elementos de facto necessários à boa decisão;
b) A audiência prévia das partes pelo prazo de dez dias;
c) A situação apresentar especial relevância pela gravidade dos interesses envolvidos e
d) Não se mostrar viável, em absoluto, nas circunstâncias concretas do caso, a obtenção de tutela em tempo útil, mesmo cautelar, a não ser através do decretamento da decisão definitiva no próprio processo iniciado como cautelar.
No caso vertente, mostra-se efectivado o contraditório, uma vez que o pedido de aplicação do artigo 121º do CPTA vem formulado desde o requerimento inicial da providência requerida, sem oposição e até com a adesão da parte contrária e também nesta sede de recurso jurisdicional as partes suscitaram a questão e reiteraram a sua concordância nessa antecipação.
Quanto aos factos, verifica-se a sua cabal suficiência, tendo sido carreados para o probatório, que acima foi completado, todos os pertinentes factos e todos os elementos necessários para que se antecipe a decisão da causa principal.
Igualmente de acordo estão as partes quanto à especial relevância pela gravidade dos interesses envolvidos, preocupados ambos com o normal funcionamento das aulas e das avaliações feitas pelo candidato entretanto provido no lugar a que o concurso se destinava a suprir e com a salvaguarda dos interesses dos alunos, o que aconselha urgência na resolução definitiva do caso, designadamente, atendendo a que está em causa um procedimento de concurso que visa servir de fundamento ao acto de nomeação de professor, em pleno decurso do ano lectivo.
ISABEL FONSECA (7), assumindo a ocorrência de situações claras de urgência que são propícias a exigir decisões de fundo, considera, a título de exemplo, “as que sejam relativas à situação civil ou profissional de uma pessoa, (...) em que, o juiz, sabe muitas vezes, que esvaziará o objecto da acção principal, isto é, que decide tudo o que há para decidir porque a questão em causa não se compadece com uma providência que tenha natureza cautelar antecipatória”.
Ademais, como consta da resolução fundamentada que a recorrente apresentou, não impugnada quanto à sua fundamentação, e, aliás, em sentido concordante com a posição assumida pelo recorrido, o concorrente graduado em primeiro lugar, Doutor TJSMC, encontra-se em exercício de funções como professor auxiliar desde 13-12-2013, tendo-lhe sido distribuído serviço docente, não sendo viável a sua substituição atendendo ao momento do ano lectivo, o qual ainda não terminou, e verificando-se uma impossibilidade de continuação e manutenção da qualificação e formação dos alunos a quem ministra formação, colocando, assim, gravemente em causa o cumprimento da principal função/missão da instituição universitária.
Porque se afigura que o conhecimento dos pedidos cautelares esvaziará o objecto da acção principal, decidindo tudo o que há para decidir e porque a questão em causa não se compadece com uma providência cautelar, nos termos expostos, decide-se, nos termos do disposto no art. 121º do CPTA, antecipar o juízo sobre a causa principal, por se encontrarem reunidos todos os elementos necessários e por se tratar da actuação que melhor e imediatamente tutela todos os interesses em presença.
Estamos perante um concurso documental internacional para preenchimento de um posto de trabalho da categoria de professor auxiliar no qual apresentaram candidaturas vários concorrentes.
Do Edital n.º 385/2013 de abertura do concurso, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 77 — 19 de abril de 2013, constam as exigências relativas à instrução da respectiva candidatura, das quais se respigam, por serem as que vieram a ser invocadas em suporte da decisão de exclusão do recorrido, as seguintes:
(…)
IV – Candidatura: (…)
2 – Instrução: (…)
b) Curriculum vitae organizado nos termos do n.º 25 do Despacho n.º 18079/2010, de 3 de Dezembro de 2010, de forma a responder separadamente a cada um dos itens enunciados no n.º 1 do ponto V, sendo entregue um exemplar em papel e um exemplar em formato digital não editável (pdf), devendo ser identificados quais os cinco trabalhos considerados pelo candidato como mais relevantes. (…)
g) Apresentação de relatório, nos termos do artigo 26.º, alínea c) do Despacho n.º 18079/2010 do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, publicado no DR, 2.ª série, n.º 234, de 3 de Dezembro de 2010, sobre o desempenho científico, pedagógico e noutras actividades consideradas relevantes para a missão da Universidade, com especial incidência sobre o período posterior ao doutoramento, formato digital não editável (pdf). (…)
2.6 – A não apresentação dos documentos ou trabalhos exigidos nos termos do Edital ou a sua apresentação fora do prazo estipulado para o efeito, determina a exclusão liminar do concurso. (…)”.
Consta ainda do Despacho nº 18079/2010, de 25-11-2010, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 234, de 3 de Dezembro, no nº 24, alínea b), e nº 26, alínea c), e ainda nº 27, o seguinte:
24 — O requerimento de admissão ao concurso deve ser dirigido ao Reitor e ser instruído com: (…) b) Curriculum vitae; (…)
26 — Por deliberação do júri, e sem prejuízo da exigência de quaisquer outros documentos ou relatórios que o júri entenda pertinentes, pode ainda ser exigido aos candidatos: (…)
c) Aos opositores aos concursos para professor auxiliar, a apresentação de um relatório sobre o desempenho científico, pedagógico e noutras actividades consideradas relevantes para a missão da Universidade, com especial incidência sobre o período posterior ao doutoramento. (…)
27 — A não apresentação dos documentos exigidos nos termos do edital ou a sua apresentação fora do prazo estipulado para o efeito, determina a exclusão liminar do concurso.”.
O ora recorrido foi excluído do concurso, com a seguinte fundamentação, expressa no sentido da decisão notificada para efeitos de audiência de interessado:
— NVML por não ter apresentado relatório nos termos do Ponto IV, nº 2, alínea g), do edital, identificando o Curriculum Vitae com o título «Curriculum Vitae e Relatório». Sendo o currículo documento que material e formalmente terá que obrigatoriamente diferir do relatório em causa, considerou o júri que, efectivamente, o candidato não tinha apresentado tal documento.
Nos termos da alínea g), do nº 2, do Ponto III, conjugada com o nº 2.6 do mesmo ponto do edital, a não entrega de trabalhos ou documentos, nos termos aí exigidos, determina a não admissão ao concurso.”.
Após a audiência do interessado, veio o júri do concurso a pronunciar-se, a final, nos termos que o probatório verte e de que se respiga o seguinte:
(…) a anterior proposta de decisão alcançada em reunião anterior, resultou da articulação entre o Ponto IV, nº 2, alínea g), do edital e o disposto no nº 26, alínea c), do Despacho nº 18079/2010 do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, publicado no DR, 2ª série, nº 234, de 3 de dezembro, referido no edital, de onde se retira que os documentos documentais Curriculum Vitae e Relatório são elementos que deverão ser apresentados em separado. (…) Além da questão formal supra referida, e não menos importante, o júri relembra que ao deliberar de forma provisória, em reunião anterior, pela exclusão do candidato, referiu desde logo que, também materialmente, o conteúdo do documento não era adequado ao requerido pelo edital e pelo despacho reitoral já mencionados, o que levou a considerar que o documento em causa não tina sido «apresentado». (…)”.
Ainda no campo do enunciado dos factos e da tessitura normativa aplicável, em face do teor do “Curriculum Vitae e Relatório” apresentado pelo ora recorrido, perguntamo-nos, retoricamente, se o júri do concurso teve presente o mesmo documento que foi junto aos autos — referidoApenso ao PA contendo certificação das 128 folhas, numeradas de 1/128 a 128/128, que são cópia fiel da documentação digital entregue por NV PA e na qual se encontra a impressão do documento denominado "Curriculum Vitae e Relatório” —, pois do mesmo consta de forma clara e organizada o seguinte — e compagine-se com a exigência de um Curriculum vitae organizado nos termos do n.º 25 do Despacho n.º 18079/2010, de 3 de Dezembro de 2010, de forma a responder separadamente a cada um dos itens enunciados no n.º 1 do ponto V:
O “Capítulo I: Contexto e Percurso”, com uma descrição com 8 páginas que, versando sobre “A carreira Docente Universitário”, “Organização do Documento”, “Dados Pessoais”, “Habilitações Académicas”, “Percurso Profissional”, “Associação a Organismos Técnicos ou Profissionais” — atinente à exigência a que alude ao nº 25 do Despacho 18079/2010 e ponto 2.1. do Edital 385/2013.
O “Capítulo II: Componente Científica”, versando sobre a “Produção Científica, Cultural ou Tecnológica”, o “Reconhecimento Pela Comunidade e Sociedade em Geral”, “Coordenação, Liderança e Dinamização da Actividade de Investigação” — atinente à exigência a que alude o ponto V. 1 do Edital 385/2013.
E ainda atinente a esse ponto, o “Capítulo III: Componente Pedagógica”, que versa sobre “Actividades Lectivas em Instituições de Ensino Superior”, “Desempenho Pedagógico”, “Inovação e Valorização Pedagógicas”, “Produção de Material Pedagógico”, “Coordenação e Participação em Projectos Pedagógicos”, “Acompanhamento e Orientação de Estudantes de Mestrado e de Licenciatura”.
E ainda um “Capítulo IV: Actividades de Gestão e de Extensão”, com os seguintes subcapítulos: “Prestação de Serviços À Comunidade”, “Acções e Publicações de Divulgação Científica, Cultural ou Tecnológica”, “Valorização e Transferência de Conhecimento”, “Actividades de Avaliação de Natureza Académica”, “Participação em Actividades de Gestão em Instituições e Prémios”.
Incorpora ainda o referido documento outros escritos com os seguintes títulos:
A Novel Resource Management Scheme for F-HMIPv6 Micromobility Protocol” — páginas 10/128 a 40/128;
A QoS-Enabled Resource Management Scheme for F-HMIPv6 Micro Mobility Approach” — páginas 39/128 a 23/128;
A QoS-Enable Solution for Mobile Environments” — páginas 22/128 a 16/128;
Evaluation of a Mobility/QoS-aware Architecture for Mobile Internet” — páginas 15/128 a 6/128;
Evaluating Rate-Estimation for a Mobility and QoS-Aware Network Architecture” — páginas 1/128 a 5/128.
Tudo isto encimado pelo título do documento, com a seguinte grafia e, porque não, na relevância formal, assim editado:
Curriculum Vitae
E
Relatório
Pelo que não há dúvida de que o documento contém um Curriculum Vitae e também um Relatório e ainda que, em substância, os capítulos e subcapítulos que o compõem se mostram sequencialmente exarados em harmonia material com as normas concursais apontadas, que não de forma aleatória impeditiva do seu exame pelo júri do concurso.
Então qual é o cerne da decisão de exclusão em que se apoiou o júri do concurso?
É este, aliás, bem expresso na sua fundamentação, posteriormente assumida na decisão definitiva: “Sendo o currículo documento que material e formalmente terá que obrigatoriamente diferir do relatório em causa, considerou o júri que, efectivamente, o candidato não tinha apresentado tal documento.
Portanto, e recapitulando, o concorrente estava obrigado a instruir a sua candidatura com um Curriculum Vitae (CV) e um relatório.
E fê-lo, entregando o dito CV e o referido Relatório.
Não os apresentou em suportes diferenciados, mas integrados, sequencialmente, num único documento em suporte digital que designou por “Curriculum Vitae e Relatório”.
E, por tal facto apenas, foi excluído.
Deverá concluir-se que não cumpriu com as exigências normativas regulamentares sobejamente acima apontadas e transcritas?
Pode concluir-se que, por esse motivo, o candidato não tinha apresentado tal documento?
As normas do concurso e bem assim a juridicidade implicada na actividade administrativa em causa suportam esta tese da forma sobre a substância em termos que imponham, sequer permitam, a mais grave das consequências possíveis, a exclusão do concorrente do concurso?
A resposta a cada uma destas questões é a, nosso ver, enfaticamente negativa.
Como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público na sua intervenção “não resulta das normas constantes do Edital que os documentos que instruíram a candidatura devessem ser apresentados todos em separado e muito menos que tal tenha como consequência a exclusão da candidatura, como aconteceu. Daí que tal acto de exclusão seja manifestamente ilegal, como doutamente decidido”.
Em face de todo o exposto, entendemos que é manifesta a desconformidade entre o exigido pelas normas regulamentares do concurso nesta matéria — que o concorrente ora recorrido mostra ter cumprido (8) — e a posição do júri do concurso, num rigor interpretativo tão negativamente extremado no resultado relativamente à juridicidade e legalidade aplicável quanto, nessa medida, ofensivo das referidas normas concursais que violou por erro nos pressupostos de facto e de direito e, bem assim, violador dos elementares princípios da proporcionalidade (9) e da justiça — artigos 5º e 6º do CPA —, por referência aos valores da ordem jurídica de protecção da confiança no Direito, da proibição do excesso, da boa-fé, da adequação à prossecução do interesse público, da necessidade e exigibilidade da lesão consubstanciada na exclusão do concorrente, nos termos em que esta foi justificada, atendendo à finalidade dos concursos ínsita no artigo 38º do Estatuto da Carreira Docente Universitária aprovado pelo Decreto-Lei nº 448/79, de 13 de Novembro, alterado por diversos diplomas legais, dos quais os últimos são o Decreto-Lei nº 205/2009, de 31 de Agosto, que o republicou, e este, por sua vez, alterado pela Lei nº 8/2010, de 13 de Maio, e atendendo ainda ao direito de acesso à função pública estabelecido no artigo 47º, nº 2, da CRP, por via de um concurso que confere e deve garantir o direito a um procedimento justo de recrutamento, vinculado à legalidade e juridicidade.
Quanto ao alegado vício de abuso de poder (desvio de poder), vejamos.
“O desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” (10).
Tal vício pressupõe, portanto, uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo).
Para determinar a existência de um vício desta natureza, é necessário proceder-se a três operações:
1. Apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário (fim legal);
2. Averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática do acto em causa (fim real);
3. Determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido:
a. se houver coincidência, o acto será legal e, portanto, válido;
b. se não houver coincidência, o acto será ilegal por desvio de poder e, portanto, inválido.
A matéria alegada neste âmbito não é, quanto a nós, minimamente suficiente para a verificação, no caso concreto, do vício de desvio de poder.
Falta demonstrar que a ora recorrente, no exercício dos aspectos discricionários dos poderes que detém no âmbito do concurso — que naturalmente devem ser exercidos nos limites do Direito e de acordo com os deveres e limitações próprios da função —, face ao teor da fundamentação do acto de exclusão do recorrido, fez uso desses poderes com um concreto fim, aliás não identificado pelo recorrido, diverso do visado pela lei que conferiu tais poderes.
Nesta matéria, não se revelam os planos de discricionariedade susceptíveis de desvio do atinente poder relativamente ao fim para o qual teria o mesmo sido confiado e que constituiriam os limites internos do respectivo exercício; O que foi apurado permite apenas concluir o que acima descortinámos no âmbito do desrespeito pelas normas regulamentares do concurso e pelos princípios que orientam a protecção jurídica do interessado ora recorrido.
Pelo exposto, o acto de homologação da deliberação do júri de exclusão do concurso do ora recorrido deve ser anulada — artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo — e o recorrido admitido ao concurso, a menos que outro motivo que não contenda com o caso julgado resultante desta decisão determine desfecho diverso no âmbito do concurso dos poderes que à entidade demandada estão cometidos nesta matéria.
Tendo sido antecipado o juízo sobre o mérito da causa, prejudicado fica o conhecimento de todas as demais questões.
III.DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência:
a) Em antecipação do juízo sobre a causa principal, julgar procedente a acção e, em consequência,
b) anular o acto reitoral, de 16-11-2013, de homologação da acta que integra a deliberação final do júri do concurso aberto mediante Edital nº 385/2013 (DR, II, 77, 19-04-3012), pela qual foi deliberado manter a exclusão do candidato Doutor NVML;
c) Condenar a entidade demandada a admitir ao concurso o candidato Doutor NVML, a menos que outro motivo que não contenda com o caso julgado resultante desta decisão determine desfecho diverso no âmbito do concurso e dos poderes que à entidade demandada estão cometidos nesta matéria.
Custas pela Recorrente.
Notifique e D.N..
Dê conhecimento, de imediato e pela forma mais expedita, do teor do presente acórdão ao tribunal a quo e acção respectiva, mediante cópia autenticada.
Porto, 13 de Junho de 2014
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Fernanda Brandão
_____________________________________
(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608º, nº 2 e 635, nºs 3 e 4, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.
(4) Veja-se, no que concordamos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Almedina, 3ª ed. Pp. 974-975.
(5) Requisitos que se reconduzem, como do nº 1 desse artigo 121º do CPTA consta, (I) à verificação de uma manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, na conclusão de que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e ainda (II) à condição de terem sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito.
(6) MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op cit., pp. 820-821, entendem, no que secundamos, que “faz todo o sentido a iniciativa da parte, embora se deva entender, nessa hipótese, que a eventual pronúncia expressa do tribunal no sentido de não proceder à convolação não é passível de recurso”.
(7) Dos Novos Processo Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e Estrutura), Lex 2004, p. 84
(8) Com a suficiência inerente à formulação deste juízo nesta sede jurisdicional e no plano em que a questão é sopesada, sem que, com tal, se interfira na margem de livre apreciação e valoração próprias do exercício da função administrativa que à Administração cabe. Com a suficiência inerente à formulação deste juízo nesta sede jurisdicional e no plano em que a questão é sopesada, sem que, com tal, se interfira na margem de livre apreciação e valoração próprias do exercício da função administrativa que à Administração cabe.
(9) As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares — no caso, decorrentes da candidatura ao identificado concurso — só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar — cfr. nº 2 do artº 5º do CPA.

(10) FREITAS DO AMARAL, “Direito Administrativo”, Lisboa, 1989, p. 308.