Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02714/14.9BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 03/24/2017 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Alexandra Alendouro |
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Descritores: | INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE; ACIDENTES EM SERVIÇO; REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS COM TRATAMENTOS TERMAIS E OUTROS; CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES; ARTIGOS 5.º, N.º 1 E 34.º, N.ºS 1 E 4 DO DL N.º 503/99, DE 20/11. |
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Sumário: | I – Os trabalhadores que exercem funções públicas, vítimas de acidentes de serviço ou doenças profissionais, têm direito à reparação dos danos deles resultantes, que tanto pode ser em dinheiro como em espécie – cfr. artigos 4.º, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, 10.º da Lei 100/97, de 13/09 e 23.º, n. º1 do D.L. n.º 143/99, de 30/04. II – Em regra, a responsabilidade pela reparação dos encargos emergentes de acidentes em serviço e de doenças profissionais cabe ao serviço ou organismo da Administração Pública, ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença – cfr. nºs 1 e 2 do artigo 5º, 4.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro. III – Caso se verifique incapacidade permanente ou morte resultante do acidente em serviço ou de doença profissional, a avaliação e reparação dos encargos deles emergentes (em dinheiro ou em espécie) é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações – cfr. artigos 5º, nº 3 e 34º, nºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro. IV – Em concreto, comprovado que a Recorrida – professora do ensino secundário, já aposentada – suportou despesas para a realização de tratamentos termais e outros, medicamente prescritos, em resultado de acidente que sofreu em serviço, do qual lhe derivou incapacidade parcial permanente, tem direito a ser reembolsado pela Caixa Geral de Aposentações dos montantes que despendeu.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES |
Recorrido 1: | M.O.M.A. |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção para reconhecimento de direito ou de interesse legalmente protegido (LPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parece no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou parcialmente procedente a acção proposta por M.O.M.A., para reconhecimento de direito ou interesse legítimo, prevista no art.º 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro, e, em consequência, condenou a Entidade demandada a (i) pagar à A. a quantia de €10.506,00 (dez mil quinhentos e seis euros), relativa aos tratamentos médicos a que se tem submetido, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, resultantes das lesões sofridas com os acidentes em serviço ocorridos em 23/05/1997 e 10/01/2001, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, (ii) reconhecer à A. o direito ao reembolso das despesas médicas a efetuar, por causa dos referidos acidentes em serviço. * Em alegações, a Recorrente CGA apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do respectivo recurso: “1ª Sendo certo que constitui uma forma de extinção da relação jurídica de emprego pública, a aposentação não implica a transmissão para a Caixa Geral de Aposentações dos direitos, faculdades ou obrigações que pertenciam ao serviço do activo. 2ª A relação jurídica de emprego público e a relação jurídica de aposentação - ambas complexas, abrangendo múltiplas posições, activas e passivas, dos seus sujeitos - são relações distintas cujos conteúdos não se confundem. 3ª O conteúdo da relação jurídica de aposentação é exactamente aquele que está previsto na lei. Ou seja, os direitos e obrigações dos sujeitos da relação jurídica de aposentação – beneficiário e Caixa Geral de Aposentações - são aqueles que estão expressamente previstos na lei. 4ª Decorre pois do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 6º Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, que os encargos decorrentes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, com excepção dos relativos à indemnização pelas incapacidades permanentes, são da responsabilidade da entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença, estabelecendo o nº 6 do artº 6º do mesmo diploma que as despesas que tenham sido eventualmente suportadas pelo próprio ou por outras entidades são objecto de reembolso pelas entidades legalmente responsáveis pelo seu pagamento. 6ª A responsabilidade pelo pagamento das despesas está a cargo das entidades empregadoras que, independentemente do seu grau de autonomia, têm de inscrever nos respectivos orçamentos anuais as verbas destinadas ao pagamento das despesas decorrentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais. 7ª Não havendo qualquer norma no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, que preveja a transmissão da responsabilidade pelos encargos com a reparação dos danos emergentes de acidente em serviço em caso de cessação da relação jurídica de emprego, ter-se-á de concluir que a responsabilidade pelo pagamento de tais despesas compete – sempre e independentemente de o trabalhador se manter ou não em funções - ao “serviço ou organismo da Administração Pública”. 8ª A aposentação não é a única forma de extinção da relação jurídica de emprego público. Actualmente, o artigo 289º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, prevê que o vínculo de emprego público cesse por outras formas, como, por exemplo, por extinção do vínculo laboral pelo trabalhador com justa causa. 9ª Em tais casos – em que o vínculo finda por causas distintas da aposentação -, não podendo o trabalhador acidentado ficar desprotegido, apesar de ter cessado a relação jurídica de emprego, continua, nos termos do preceituado no artigo 6º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, a competir ao serviço do activo o pagamento das despesas decorrentes de acidentes em serviço. Não há razões para que se não proceda de igual modo nos casos em que o vínculo se extingue com a aposentação. 10ª Deste modo, no caso em apreço, o reembolso das despesas de tratamento “termal+hidro+fisioterapia” que foram prescritas à Autora, e resultantes de incapacidade, competem à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro. 11ª Ao decidir de modo diferente, violou o douto acórdão recorrido, o disposto nos artigos 6.º, n.º 1 do 34.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.”. * A Recorrida veio contra-alegar, apresentando as seguintes conclusões: “(…) 23. A sentença recorrida deu como provado que as lesões de que a Autora foi vítima nos acidentes em serviço sofridos, não estão curadas, mas apresentam-se susceptíveis de modificação com terapêutica adequada, facto atestado pelo relatório pericial. 24. Ficou ainda provado que as sucessivas Juntas Médicas atinentes ao segundo acidente de serviço sofrido pela Autora em 10 de Janeiro de 2001 atestam o nexo de causalidade entre esses acidentes e as lesões sofridas pela Autora e melhor descritas nos Autos. 25. Ora, conforme dispõe o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02-02-2012, no processo n.º 08362/11, o sinistrado tem direito, para além da alta (quer se reforme ou não) às prestações em espécie ali mencionadas. Por estas prestações é responsável a Caixa Geral de Aposentações, por força do Art. 34, n.º 1 do Decreto Lei n.º 503/99. 26. Daí que andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a Autora deve ser ressarcida dos tratamentos que lhe são prescritos pelo seu médico, ao abrigo do art.º 4 do Decreto Lei n.° 503/99 e demais legislação em vigor. 27. No cumprimento do preceituado no Capítulo IV (responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações), artigo 34° deste diploma - Incapacidade Permanente ou morte no Ponto 1, ao referir que se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral, e o nº 4, prevê expressamente, que as respectivas pensões ou outras prestações são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações. 28. Daí que, em sentido contrário ao alegado pela Ré nas suas doutas alegações de recurso, está o regime previsto no artº 10.° da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro e, mais recentemente, nos art.º 25 e 77 da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro. 29. Aliás, já tinha sido este o entendimento do Tribunal a quo, no Processo n.º 1963/12.9BEBRG, com sentença proferida aos dias 16 de Maio de 2014. 30. Estando também consignado na diversa jurisprudência apresentada na PI. 31. Ou seja, a Caixa Geral de Aposentações negou a satisfação de um direito e interesse legalmente protegidos e reconhecidos à Autora. 32. Porque não está em causa a indemnização já atribuída exclusivamente a título de grau de incapacidade permanente - independentemente da necessidade ulterior de tratamentos - mas da obrigação que impende sobre a Ré de suportar as despesas com tratamentos que se apresentem como necessários e adequados para debelar o sofrimento da Autora; sendo assim duas situações totalmente distintas! 33. Ao longo de todo este processo, provou-se que tais entidades nunca cumpriram com os princípios a que estão adstritos os órgãos da Administração Pública, nomeadamente, os da Legalidade, da Prossecução do interesse Público e o da Protecção dos Direitos e interesses dos Cidadãos, da Colaboração com os particulares, da Decisão e o da Boa Fé. 36. Pelo que, acertadamente, a sentença recorrida provou que a Autora carece de tratamentos permanentes e que estes são essenciais para a minimização das mazelas e sofrimento, reduzindo, na medida do possível, a sua dependência face a terceiros; correndo o risco de se vir a tornar totalmente incapacitante.”. * ** II – QUESTÕES DECIDENDAS:As questões a apreciar e a resolver, nos limites das conclusões das alegações formuladas a partir da respectiva motivação, reportadas aos erros de julgamento imputados à decisão recorrida, por alegada violação dos artigos 6.º, 34.º, n.º 1 e 43.º, do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro. *** III – FUNDAMENTAÇÃOB/ FACTOS Consta da decisão recorrida, com interesse para a decisão da causa, a seguinte factualidade: “1- A Autora exerceu funções de professora do ensino secundário e do 3º ciclo do secundário e básico, desde 1981 até 2006 - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 2- Em 23 de Maio de 1997, enquanto exercia funções de docência na Escola EB 2,3 concelho da T..., a Autora sofreu um acidente em serviço, do qual resultaram lesões ao nível da coluna, nomeadamente cervicobraquialgias bilaterais e hérnias discais – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 3- Em 10.01.2001, a Autora sofreu um acidente em serviço, ocorrido na Escola JB, concelho de Vila Nova de Famalicão, o que originou um agravamento das lesões sofridas anteriormente – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 4- Em consequência das quais lhe foi atribuída globalmente uma incapacidade permanente parcial de 15%, confirmada pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA), realizada a 30.10.2001, ao abrigo do primeiro acidente. 5- Em 16.04.2002, o Coordenador do Centro de Área Educativa de Braga (CAE) dirigiu ofício ao Director da Escola EB 2,3 JB dando conta de que “Dado que a professora teve um segundo acidente em 10/01/2001, com a mesma origem e que poderá ser problemático distinguir sintomas de um ou de outro acidente, sugerimos, se for da mesma opinião o clínico, que seja encerrado o 1º, ficando em aberto o segundo, uma vez que não vemos qualquer perda de direitos da professora.” - cfr. doc. 4 junto com a petição inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 6- Foi encerrado o processo relativo ao acidente ocorrido em 1997, com a indicação constante do Boletim de Exame Médico de continuação com tratamentos - cfr. doc. 5 junto com a petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 7- Por deliberação da Junta Médica da CGA, de 16-05-2006, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, foi confirmado à Autora o grau de incapacidade de 15%, cujo capital de remição foi pago pela CGA, no valor de €38.042,67. 8- Mais informou a CGA que esta verba não se destinava ao pagamento de tratamentos médicos, pois não lhe cabia o pagamento de despesas médicas e que a indemnização foi remida nos termos da lei - cfr. docs. 6 e 7 juntos com a petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 9- Em 13.07.2006, a CGA reconheceu à Autora o direito de aposentação. 10- Em 14.07.2007, a ADSE vem exigir à Autora o reembolso das quantias entretanto pagas - cfr. docs. 8 e 9 juntos com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 11- Em Junho de 2007, a Autora contacta, via mail, a CGA e, por duas vezes, esta responde que não lhe cabe o pagamento das despesas em causa mas à entidade ao serviço da qual sofreu o acidente - cfr. docs. 10 e 11 juntos com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 12- Em 19.02.2008, a DREN envia um ofício à escola a solicitar a organização do processo relativo ao pedido de pagamento dos documentos de despesa decorrentes do acidente em serviço ocorrido a 10.01.2001 e a enviá-lo à Secretaria Geral do Ministério de Educação - cfr. doc. 12 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 13- A escola envia os documentos de despesas para a Secretaria Geral e este organismo apenas solicita o envio do boletim de acompanhamento médico - cfr. doc. 13 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 14- Conforme indicação da Presidente da Junta Médica da ADSE, tem a Autora efectuado pedidos de reabertura do processo - cfr. docs. 14 e 15 juntos com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 15- A Autora intentou acção contra o Ministério das Finanças, que correu termos neste Tribunal, sob o nº 1963/12.9BEBRG, com vista a ser ressarcida das despesas realizadas com os tratamentos a que se tem submetido – cfr. Sitaf. 16- A referida acção foi julgada improcedente por acórdão de 12.05.2014, transitado em julgado, na qual se determinou que a entidade responsável pelo pagamento das despesas médicas efectuadas pela exponente é a Caixa Geral de Aposentações – cfr. Sitaf. 17- A Autora remeteu um ofício à CGA, datado de 08.07.2014, a solicitar o pagamento das despesas já efectuadas - cfr. doc. 16 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 18- Em resposta, com data de 21.07.2014, a CGA declinou a responsabilidade pelo pagamento das despesas apresentadas. 19- As lesões sofridas pela Autora não têm indicação para tratamento cirúrgico - cfr. doc. 18 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 20- A Autora tem aconselhamento médico para efectuar com carácter crónico tratamento “termal+hidro+fisioterapia”, em consequência do acidente em serviço em 2001 - cfr. doc. 18 junto com a p.i.. 21- A Autora efectuou os tratamentos de natação, fisioterapia e termas prescritos pelo seu médico assistente, relativos aos anos 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, num total de 10.506,00 euros – cfr. docs. 19 a 38 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 22- A recusa de pagamento das despesas por parte da Ré tem criado instabilidade emocional na Autora. 23- A Autora tem sofrido angústia, tristeza e sofrimento não só por se ver incapacitada mas por se encontrar numa total indefinição face à atitude da Ré. * B) Factos não provados. Com interesse para a decisão da causa, ficou por demonstrar que: - A forte instabilidade emocional sentida pela Autora se repercute nas lesões sofridas nos acidentes de serviço, ampliando os seus sintomas; - A Autora tem sofrido enormes dores intensas e depressão não só por se ver incapacitada mas por se encontrar numa total indefinição face à atitude da Ré.(…)”. * Importa apreciar o mérito do recurso apresentado, aferindo se assiste razão à Recorrente quanto aos invocados erros de julgamento de direito imputados à decisão a quo. Ou seja, se, em síntese, a decisão a quo, ao condenar a CGA a pagar à Recorrida o montante por esta suportado com os tratamentos médicos relativos aos anos de 2009 a 2014 e resultantes das lesões por si sofridas com os acidentes em serviço que tiveram lugar em 23/05/1997 e 10/01/2001 e, bem assim, ao reconhecimento do direito daquela ao reembolso das despesas médicas a efectuar, por causa dos referidos acidentes, violou o disposto nos artigos 6.º, 34.º, n.º 1 e 43.º, do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro, dos quais resulta, em síntese, que os encargos decorrentes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, com exceção dos relativos à indemnização pelas incapacidades permanentes, são da responsabilidade da entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença. Vejamos o quadro legal aplicável. * Aos acidentes em serviço dos trabalhadores que exercem funções públicas, como é o caso dos autos, aplica-se o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, diploma que estabelecia, à data a que se reportam os factos, o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, em concretização de imperativos/direitos constitucionalmente garantidos, mormente do direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. Dispõe o artigo 4º do referido diploma que os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, “à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma.” – n.º 1 –, compreendendo a reparação em espécie, “nomeadamente prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa.” – n.° 3, alínea a) – e a reparação em dinheiro, nomeadamente, a: “Indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente; (…) – n.º 4, alínea b). A responsabilidade pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais cabe ao empregador ou entidade empregadora (cfr. artigo 5º, nº 1), sendo o serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional o responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no diploma em análise (cfr. artigo 5º, nº 2). Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma (cfr. art. 5º, nº 3). Os termos previstos neste diploma a que faz alusão o art.º 5/3 encontram-se nos artigos 34.º e ss do Decreto-Lei n.º 503/99, inseridos no CAPÍTULO IV “Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações”, sob a epígrafe “Incapacidade permanente ou morte”, preceituando o artigo 34.º – com visível relevo para o caso dos autos – o seguinte: “1 - Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral. 2 - Quando a lesão ou doença resultante de acidente em serviço ou doença profissional for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente ou doença profissional, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, salvo se, por lesão ou doença anterior, o trabalhador já estiver a receber pensão ou tiver recebido um capital de remição. 3 - No caso de o trabalhador estar afectado de incapacidade permanente anterior ao acidente ou doença profissional, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente ou doença profissional. 4 - As pensões e outras prestações previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição. (…)”.
Do exposto, pode já concluir-se que a regra geral, neste âmbito, é a de que a responsabilidade pela reparação dos encargos emergentes de acidentes em serviço e doenças profissionais, cabe ao serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente. Regra que, no entanto, é excepcionada pelo legislador quando no artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, prevê expressamente que, caso se verifique incapacidade permanente ou morte, a avaliação e a reparação da vítima de acidente em serviço, é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA), nos termos previstos neste diploma, regulamentados no transcrito artigo 34.º que, por sua vez, remete para as pensões e outras prestações previstas no regime geral, cuja atribuição e pagamento compete à CGA, segundo as condições de atribuição, os beneficiários, o montante e a fruição regulados naquele regime geral. Assim, e como bem o disse a sentença recorrida, o legislador previu claramente, nos artigos 5º, nº 3 e 34º nºs 1 e 4, um regime de competência, avaliação, reparação, atribuição e pagamento de pensões e outras prestações do regime geral, da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, quando se esteja perante situações em que do acidente em serviço ou da doença profissional resulte incapacidade permanente ou morte. “Pois que, nos nºs 1 e 2 do artigo 5º, atribui responsabilidade pelos encargos com a reparação dos danos emergentes ao empregador e ao serviço ou organismo da Administração Pública, e no nº 3, expressamente excepciona os casos de incapacidade permanente, ou morte, atribuindo, nesses casos, competência para avaliação e reparação à Caixa Geral de Aposentações. Igualmente no artigo 34.º (incapacidade permanente ou morte) no Capitulo IV “Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações”, no seu nº 1 refere a circunstância de, do acidente, resultar incapacidade permanente ou morte, e o nº 4, expressamente prevê, que as respectivas pensões e outras prestações, são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações.”. Ora, o regime geral para o qual remete o artigo 34.º, n.º s 1 e 2, do DL 503/99, e tal como resulta do disposto no artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 503/99 quando se refere à Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e legislação complementar, é o que consta desta Lei – que aprovou o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais – conjugado com o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril – que regulamentou a Lei n.º 100/97 – e o Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho – diploma que procedeu à reformulação e aperfeiçoamento global da regulamentação das doenças profissionais. Regime aplicável no caso vertente, uma vez que a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, que aprovou o novo regime jurídico de acidentes de trabalho e doenças profissionais, apenas se aplica a acidentes e doenças profissionais que ocorram após 01/01/2010, sem prejuízo das situações de alteração da graduação de incapacidade, relativamente a doença profissional já diagnosticada, caso em que se aplica este novo diploma – artigo 187.º n.ºs 1 e 2. Portanto, será aquele regime geral que auxiliará o intérprete e aplicador da lei, na descoberta das prestações em espécie, que sejam da responsabilidade da CGA, no contexto já referido de acidentes ou doenças profissionais advenientes de incapacidade permanente ou morte (artigo 34.º n.º 1 do DL 503/99). Impondo-se aqui atentar à seguinte factualidade assente – e não impugnada nesta instância recursiva: - a Recorrida sofreu em 2001 um acidente em serviço (agravando um outro ocorrido em 1997) do que lhe derivou incapacidade parcial permanente, tendo tido alta em 2005 e se aposentado em 2006; - realizou tratamentos (de natação, fisioterapia e termas) desde 2010 a 2014, resultantes das lesões sofridas com os referidos acidentes e tem aconselhamento médico para efectuar com carácter crónico tratamento “termal+hidro+fisioterapia”, em consequência dos acidentes. Sendo que, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei n.º 503/99, entre o demais, a incapacidade permanente parcial configura “a situação que se traduz numa desvalorização permanente do trabalhador, que implica uma redução definitiva na respectiva capacidade geral de ganho;” e a Alta, “a certificação médica do momento a partir do qual se considera que as lesões ou doença desapareceram totalmente ou se apresentam insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada”. – cfr. respectivo artigo 3.º. Posto o que, e no que concerne ao referido regime geral, resulta inequivocamente da interpretação e aplicação conjugada do disposto no artigo 10.º (Reparação), n.º 1, alínea a), da Lei n.º 100/97 com o disposto no artigo 23.º (Modalidades das prestações) do DL n.º 143/99, que o sinistrado tem direito para além da alta (quer se reforme ou não) às prestações em espécie neles mencionadas, sublinhando-se que as prestações contempladas no art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 100/97 são basicamente as previstas no Decreto-Lei n.º 503/99, traduzidas essencialmente em cuidados médicos e medicamentosos, bem como as prestações em dinheiro, expressas em indemnizações, pensões e subsídios. Assim, a responsabilidade pelo pagamento das prestações em espécie ali enunciadas é da CGA. Pelo que, diversamente do que sustenta a Recorrente CGA, cabendo os tratamentos médicos efectuados pela Autora/Recorrida assentes nos autos, nas referidas prestações em espécie, é a ela que cabe a responsabilidade pelo seu pagamento e não à entidade empregadora, ao serviço da qual ocorreram os acidentes, não se limitando assim a sua responsabilidade às reparações em dinheiro relativas à indemnização pelas incapacidades resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, como sustenta. Neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do TCA Sul, de 02.02.2012, proc. nº 0836211, que conclui que a CGA é a entidade responsável pelas prestações em espécie devidas a um sinistrado, quer antes da alta, quer depois da alta, quer depois da aposentação, bem como os Acórdãos do TCA Norte, de 12/03/2009, proc. n.° 01318/06.4BEPRT, e de 06.03.2015, proc. nº 431/13.BECRB, este último com o seguinte sumário: “I-O trabalhador de um município que padeça de doença profissional tem direito, atento o disposto no art.º 4.º, do D.L. n.º 503/99, de 20/11, art.º 10.º da Lei 100/97, de 13/09 e art.º 23.º, n. º1 do D.L. n.º 143/99, de 30/04, à reparação dos danos dela resultantes, que tanto pode ser em dinheiro como em espécie. II- Comprovado que um trabalhador municipal, já aposentado, a quem foi medicamente prescrita a realização de tratamentos termais, por padecer de doença profissional, suportou despesas para a realização desses tratamentos bem como com a sua estada, tem direito a ser reembolsado dos montantes que despendeu. III- A responsabilidade pelo reembolso dessas despesas, tratando-se de trabalhador que padeça de doença profissional da qual tenha resultado uma situação de incapacidade parcial permanente, impende sobre a Caixa Geral de Aposentações e não sobre o Município, por ser essa a solução normativa que inequivocamente decorre do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º, ambos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro. IV- Nos artigos 5º, nº 3 e 34º, nºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro o legislador criou expressamente um regime específico relativamente à Caixa Geral de Aposentações, no que concerne à competência, avaliação, reparação, atribuição e pagamento, quando estejam em causa situações relacionadas com incapacidade permanente e morte do trabalhador. * **** Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo acordam em negar provimento ao recurso interposto da decisão recorrida, mantendo-a em conformidade. Custas pela Recorrente. Notifique. DN. Porto, 24 de Março de 2017 |