Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02838/12.7BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/05/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
| Descritores: | IVA; PRAZO DEDUZIR IVA; REVISÃO OFICIOSA; NEGLIGÊNCIA; ÓNUS CONTRIBUINTE; |
| Sumário: | I. O recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas. II. A procedência da revisão oficiosa que decorre do n.º 4 do artigo 78.º da LGT depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos i) a verificação de uma injustiça grave ou notória na fixação da matéria tributável em que o acto de liquidação assentou ii) que não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. III. O comportamento ou actuação negligente é aquele comportamento em que o autor actua com falta de cuidado ou desleixo relativamente a determinada situação, originando um resultado não desejado. IV. Recai sobre o requerente do pedido de revisão o ónus de alegar e provar que não existiu comportamento negligente da sua parte.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte 1 – RELATÓRIO [SCom01...], Lda., contribuinte n.º ...15, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 21.01.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação intentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.º ...30 e da liquidação de juros compensatórios n.º ...29, ambas do período de 2008, no valor total de €44.188,00. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida pela Recorrente contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IVA n.º ...30 e da liquidação de juros compensatórios n.º ...29, referente ao ano de 2008, no valor total de €44.188,12, tendo determinado a manutenção na ordem jurídica dos referidos atos de liquidação. B. As referidas liquidações foram contestadas pela Recorrente por via do pedido de revisão do ato tributário, por não admitir a dedução, no 3.º trimestre de 2008, dos créditos de IVA apurados a seu favor ao longo do 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e no 1.º e 2.º trimestres de 2004, no montante de € 43.333,33. C. A Recorrente entendeu que tinha o direito a deduzir os referidos créditos na declaração de IVA respeitante ao 3.º trimestre de 2008, tendo esse direito lhe sido negado pela Autoridade Tributária, em clara violação dos artigos 22.º, 71.º e 98.º do Código do IVA (na sua redação à data dos factos) e do princípio basilar da neutralidade do IVA. D. Pelo que pediu a procedência da ação e, em consequência, a anulação da decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa impugnada. E. A sentença recorrida decidiu, salvo o devido respeito, mal, no sentido da improcedência da Impugnação Judicial quanto ao peticionado pela Recorrente, ao entender que já havia caducado o direito à dedução do crédito de imposto. F. Foi entendimento do tribunal a quo que: “(…) considerando que os créditos apurados nas declarações periódicas do 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e do 1.º e 2.º trimestres de 2003, comunicados à Impugnante pela DSIVA, só podiam ser utilizados no prazo máximo de 2 anos previsto no art.º 71.º, n.º 6 do CIVA, aplicável por força do disposto nos art. 6.º, n.º 1 e 8.º, n.º 3 do D.L. n.º 229/95, de 11/9, é de concluir que quando ocorreu a sua utilização – em 17/11/2008 – já havia caducado o direito à dedução do respetivo imposto. Por conseguinte, a decisão, aqui impugnada, que indeferiu o pedido de revisão do ato de liquidação com fundamento no incumprimento no prazo legal para o exercício do direito à dedução não merece qualquer censura, tendo feito adequada aplicação da lei à factualidade apurada.” G. Contudo, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à alegada caducidade do direito à dedução de imposto. H. O tribunal a quo afirma que “(…) se provou que o excesso as regularizações de crédito, que resultaram das referidas declarações periódicas foram comunicadas ao sujeito passivo em janeiro de 2005.” I. Contudo, nos termos do número 2 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 229/95, na redação em vigor à data, a utilização do crédito de imposto apurado em declaração periódica apresentada fora do prazo legal previsto no artigo 40.º do Código do IVA encontravase condicionada não só ao envio da comunicação para o efeito pela DSCIVA, mas igualmente condicionada ao recebimento efetivo da comunicação remetida pela DSCIVA. J. Não resulta dos Factos Provados que a referida comunicação tenha chegado ao conhecimento efetivo da Recorrente. K. O tribunal a quo apenas considerou o que se encontrava previsto no n.º 1 deste normativo, olvidando o requisito previsto no n.º 2 do mesmo. L. O número 2 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 229/95, de 11/09, prevê expressamente que o mero envio da comunicação - o qual, repisa-se, nem resultou provado! - não é suficiente para se considerar cumprido este requisito, sendo que esta comunicação apenas se considera cumprida com a receção efetiva pelo sujeito passivo. M. Esta questão já foi analisada previamente pelos tribunais tributários, os quais se pronunciaram expressamente no sentido de considerar que o exercício do direito à dedução do imposto por parte do sujeito está dependente não só do envio da referida comunicação, como da efetiva receção da mesma pelo sujeito passivo em causa. N. Na decisão recorrida apenas foi considerado como provado - Ponto E) dos Factos Provados - que a Autoridade Tributária enviou no ano de 2011 o Ofício n.º ...93, em que fez referência à comunicação de janeiro de 2005. O. Não foi dado como provado que a Autoridade Tributária tivesse enviado a comunicação em janeiro de 2005. P. Não foi provado que a Recorrente tivesse tido efetivo conhecimento desta comunicação. Q. Não tendo sido provado a receção / conhecimento efetivo da comunicação em causa pela Recorrente, não podia o tribunal a quo considerar que tinha já decorrido o prazo de dois anos para exercício do direito à dedução. R. Face aos factos dados como provados, não poderia o tribunal a quo ter considerado o envio da comunicação como termo inicial do prazo de caducidade do direito à dedução do IVA, uma vez que não ficou provado nos autos o conhecimento efetivo da referida comunicação por parte da Recorrente. S. Não colhe, assim, o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, quando refere que uma vez que alegadamente foi enviada pela Autoridade a comunicação em janeiro de 2005, o direito à dedução já havia caducado. T. Nem se encontra correto o entendimento de que “(…) a decisão (…) que indeferiu o pedido de revisão do ato de liquidação com fundamento no incumprimento do prazo legal para o exercício do direito à dedução, não merece qualquer censura, tendo feito adequada aplicação da lei à factualidade apurada”. U. Acresce que, o prazo para dedução do IVA em causa sempre seria de quatro anos e não de dois anos, como entendeu o tribunal a quo. V. O número 6 do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável em situações de erros materiais ou de cálculo. W. O número 2 do artigo 95º-A do CPPT esclarece que se consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente, os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como de situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso. X. Tal não é, de todo, a situação em apreço. Y. No caso, estaremos, quando muito, perante um lapso na consideração do prazo para dedução de créditos de IVA, em eventual violação das normas legais que regem esta matéria e não perante qualquer lapso de escrita ou de cálculo no preenchimento das declarações periódicas de imposto. Z. O que configura um erro de direito, na medida em que a Recorrente teria incorrido num erro na consideração do prazo para dedução dos créditos de IVA, o que originou um valor de IVA pago em excesso relativamente ao montante que seria devido, caso a Recorrente tivesse procedido à dedução do IVA em momento anterior. AA. Pelo que não estamos no âmbito de aplicação do número 6 do artigo 78.º do Código do IVA, mas sim no âmbito de aplicação do número 2 do artigo 98.º do Código do IVA, o qual prevê que “Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente”. BB. De onde resulta que o prazo para dedução do crédito de imposto é de quatro anos - nos termos do número 2 do artigo 98.º do Código do IVA - e não de dois anos - nos termos do número 6 do artigo 78.º da LGT -, conforme alegado pela Autoridade Tributária. CC. A jurisprudência emitida sobre esta matéria comprova o entendimento propugnado. DD. O entendimento da Autoridade Tributária expresso no Ofício-Circulado n.º 30082, de 2005.11.17, da Direção de Serviços de IVA, reconhece a admissibilidade da dedução de IVA mencionado em faturas ainda não registadas, nos termos do artigo 22.º do Código do IVA, desde que dentro do prazo previsto no número 2 do artigo 98.º do Código do IVA. EE. Se num caso em que um sujeito passivo de IVA não contabilizou o IVA mencionado em faturas que conferem o direito à dedução a Autoridade Tributária permite que tal dedução seja realizada no prazo de quatro anos, nos termos do número 2 do artigo 98.º do Código do IVA, da mesma forma, deverá permitir que a Recorrente possa, no mesmo prazo, requerer a dedução do crédito de imposto em causa. FF. De onde resulta que o direito à dedução do crédito de IVA do qual a Recorrente se pretende valer e em escrutínio nos presentes autos é tempestiva, por ter sido realizado no prazo de quatro anos previsto no número 2 do artigo 98.º do Código do IVA, e pelo facto de o crédito de IVA não foi utilizado períodos anteriores, pelo que deveria a mesma ter sido considerada pela Autoridade Tributária no apuramento do IVA devido por referência ao período de 2008/09T. GG. Acresce ainda que o princípio fundamental da neutralidade do IVA sempre exigirá que a dedução do imposto pago a montante pelo Recorrente seja concedida. HH. O direito à dedução consubstancia-se como elemento fundamental do funcionamento do imposto, sendo essencial para garantir e efetivar a neutralidade do imposto, característica essencial do funcionamento do mesmo. II. Não se encontra convertido nos presentes autos que (i) a Recorrente seja titular de um crédito de IVA, emergente das declarações referidas nos Pontos B), D) e E) dos Factos Provados; (ii) a Recorrente não procedeu à dedução do crédito de IVA em causa nos períodos anteriores; nem que (iii) a Recorrente reportou o crédito em causa e que o mesmo não foi utilizado pela mesma em períodos anteriores a 2008/09T (3.º trimestre de 2008). JJ. Na análise da questão sob escrutínio importa ainda ter presente o regime específico do IVA, imposto harmonizado a nível europeu e no qual a neutralidade representa um dos princípios basilares deste imposto. KK. Uma situação semelhante à dos presentes autos foi já analisada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no processo n.º 1784/13.1BELRS, de 26 de fevereiro de 2020 e pela ampla jurisprudência do TJUE, a qual é assente e pacífica ao considerar que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se as exigências materiais forem observadas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais e que as exigências formais do referido direito não podem, por isso, ser utilizadas de forma a porem em causa o direito a dedução do IVA e, portanto, a neutralidade do IVA. LL. Esta tem sido também a posição assente da doutrina nacional, enquadrada pela jurisprudência europeia. MM. Da mesma forma a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido constante neste mesmo sentido. NN. A Recorrida não contestou a materialidade das operações inseridas no desenvolvimento da atividade da Recorrente. OO. Conforme Ponto E) dos Factos Provados, “A DSCIVA, pelo ofício n.º ...93, de 14/03/2011, informou a Impugnante que os créditos de IVA apurados no 1.º, 2.º , 3.º e 4.º trimestres de 2003 e no 1.º e 2.º trimestres de 2004 foram comunicados em janeiro de 2005 para que fossem considerados numa declaração apresentada dentro do prazo legal (…)”. PP. A DSCIVA assim expressamente o reconheceu e afirmou o direito a esta dedução do crédito de IVA. QQ. Em momento algum a existência do crédito de imposto foi contestada pela Autoridade Tributária. RR. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida fez tábua rasa do direito do sujeito passivo à dedução do imposto suportado a montante, característica fundamental do IVA e essencial ao funcionamento deste imposto. SS. A douta sentença recorrida não só pôs em causa aquele princípio, como colocou, igualmente, em causa o princípio da boa-fé nas relações que os sujeitos passivos estabelecem com a administração fiscal. TT. Pelo que a douta sentença recorrida ao decidir, como decidiu, no sentido de a Autoridade Tributária poder indeferir o pedido de revisão do ato tributário, ao fazer precludir o direito da Recorrida à dedução do IVA, violou, entre outras, as disposições contidas no número 1 do artigo 22.º do Código do IVA, número 2 do artigo número 2 do artigo 98.º, ambos do Código do IVA e no número 3 do artigo 8.º e artigo 6.º, ambos do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11/09, todos na redação em vigor à data. UU. Tendo ficado demonstrado, face à factualidade dada como provada, o fundamento do pedido de revisão, não pode proceder o entendimento do tribunal a quo de que “E carecendo (como carece) o pedido de revisão de fundamento legal, nunca o mesmo poderá ser deferido com base em injustiça grave ou notória, ou seja, sob a égide do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, que assim também não se mostra violado.”. VV. No que se reporta à injustiça grave e notória, note-se que o número 4 do artigo 78.º da LGT prevê que: “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.” WW.O Supremo Tribunal Administrativo tem sido unânime ao considerar que existe um dever de a Administração Tributária efetuar a revisão de atos tributários quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, nomeadamente no caso de erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei. XX. Não há dúvida da arrecadação, no caso, pela Autoridade Tributária, de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei, e na violação do princípio da neutralidade que rege o IVA, o que configura numa injustiça grave ou notória em sede de tributação em IVA, uma vez que no apuramento do imposto devido não foram considerados os montantes suportados a montante nas aquisições de bens e serviços inerentes à atividade da Recorrida. YY. A Autoridade Tributária não se poderá escudar atrás do facto de a Recorrente apenas ter deduzido o IVA relativo às declarações periódicas referentes ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e do 1.º e 2.º trimestres de 2004, na declaração periódica relativa ao 3.º trimestre de 2008, na medida em que a referência da parte final do número 4 do artigo 78.º da LGT a “negligência do contribuinte” compreende situações mais gravosas de não colaboração do mesmo com a Autoridade Tributária, que não os meros lapsos / atrasos na dedução do IVA. ZZ. Não há qualquer negligência por parte da Recorrente, na medida em que a mesma deduziu o IVA dentro do prazo legal para o efeito. AAA. Ainda que se admitisse que o prazo era, de facto, apenas de dois anos, quando muito, haveria apenas um eventual “atraso” na dedução de IVA, que não pode ter como consequência uma limitação da dedução do IVA, o que se traduz no pagamento de um IVA amplamente excessivo, lesivo e penalizador, e, nessa medida, ilegal. BBB. Pelo que, repisa-se, não se pode aceitar o entendimento do tribunal ao afirmar que “E carecendo (como carece) o pedido de revisão de fundamento legal, nunca o mesmo poderia ser deferido com base em injustiça grave ou notória, ou seja, sob a égide do n.º 4 do art.º 78º da LGT, que, assim, também não se mostra violado.” CCC. Tendo-se provado que não se encontra caducado o direito à dedução do IVA sob escrutínio e demonstrada a injustiça grave e notória, não poderia a liquidação ora contestada permanecer na ordem jurídica, por ilegal. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas. melhor suprirão, julgando no sentido do fundamento legal do pedido de revisão, com base em injustiça grave ou notória e consequente anulação das liquidações impugnadas. Porém, V. Exas. decidindo farão a costumada Justiça!” * Por decisão de 15.12.2022, o STA julgou-se incompetente em razão da hierarquia, determinando a competência deste Tribunal para decidir do recurso interposto. * O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por considerar que “o juízo decisório contido na sentença recorrida se mostra inteiramente conforme com o nela estabelecido acervo fáctico - com o qual, como se disse, a impugnante/recorrente expressamente se conformou –, reflectindo, outrossim, acertado enquadramento e subsunção jurídica da mesma realidade - como se vê da respectiva fundamentação” e ainda porque “a impugnante nunca questionou, seja no procedimento, seja na petição inicial, seja em qualquer articulado posterior a efectivação (emissão pelo autor e recepção pelo destinatário) da atrás referida comunicação de Janeiro de 2005 da DSCIVA”. * Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro de julgamento de direito. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) A Impugnante está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, desde 06/07/1998 – cfr. fls. 30 verso do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. B) Em 17/11/2008, a Impugnante apresentou uma declaração periódica de IVA (modelo B), referente ao período de 2008/09T (3.º trimestre de 2008), inscrevendo no seu campo 61 – excesso a reportar do período anterior – a quantia de € 44 076,32 – cfr. fls. 11 e 12 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido. C) A DSCIVA, pelo ofício n.º ...97, de 22/02/2011, comunicou à Impugnante que, após análise à sua conta-corrente, verificou que o crédito utilizado no 3.º trimestre de 2008 – “excesso a reportar (campo 61)” – não tinha suporte na conta-corrente da empresa e que a manutenção desta situação dava origem a uma regularização a débito (a favor do Estado) no valor de € 43 333,33 – cfr. fls. 17 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. D) Em 03/03/2011, a Impugnante informou a DSCIVA que a declaração de IVA do 3.º trimestre de 2008 tinha sido corretamente submetida e que o reporte utilizado tinha origem nos valores apurados no 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e no 1.º e 2.º trimestres de 2004 – cfr. fls. 18 e 19 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. E) A DSCIVA, pelo ofício n.º ...93, de 14/03/2011, informou a Impugnante que os créditos de IVA apurados no 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e no 1.º e 2.º trimestres de 2004 foram comunicados em janeiro de 2005 para que fossem considerados numa declaração apresentada dentro do prazo legal, com a limitação temporal estabelecida no n.º 6 do então art.º 71º do CIVA, e que ultrapassado que foi o prazo para a utilização dos referidos créditos, os mesmos não podem ser considerados, mostrando-se devido o débito a favor do Estado, no 3.º trimestre de 2008, no valor de € 43 333,33 – cfr. fls. 20 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. F) Em 01/05/2011, foram emitidas em nome da Impugnante a liquidação adicional de IVA n.º ...30, no valor de € 43 333,33, e a liquidação de juros compensatórios n.º ...29, no valor de € 854,79, referentes ao ano de 2008 – cfr. fls. 14 do suporte físico do processo e fls. 7 e 9 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido. G) Em 27/12/2011, a Impugnante veio requerer, ao abrigo dos art.os 98º do CIVA e 78º da LGT, a revisão oficiosa dos atos de liquidação mencionados na alínea antecedente, alegando que estes resultam “de manifesto erro, gerador de grave injustiça”, na medida em que não está estabelecido qualquer prazo máximo para o exercício do direito à dedução dos créditos de IVA, de € 44 188,12, apurados nos anos de 2003 e 2004, utilizados na declaração de IVA do 3.º trimestre de 2008, pedindo, a final, a anulação das liquidações e a devolução das quantias pagas – cfr. fls. 23 a 26 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. H) Em 06/01/2012, a DSCIVA prestou uma informação da qual se extrai, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 30 a 32 do suporte físico do processo): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] I) Em 16/05/2012, o Subdiretor-Geral da Autoridade Tributária, em concordância com a informação mencionada na alínea antecedente, projetou o indeferimento do pedido de revisão, determinando a audição prévia da Impugnante – cfr. fls. 30 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. J) A Impugnante veio exercer audição prévia, nos seguintes termos (cfr. fls. 28 do suporte físico do processo): “(…) notificada (…) do projetado indeferimento do requerido, vem (…) manter tudo o quanto ficou naquela requerimento alegado, que o despacho ora em crise não logra fundadamente contrariar”. K) Em 29/06/2012, o Subdiretor-Geral da Autoridade Tributária indeferiu o pedido de revisão, por considerar que a Impugnante, em sede de audição prévia, não aduziu factos novos suscetíveis de alterar o projeto de decisão de indeferimento – cfr. fls. 33 verso e 34 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. L) A Impugnante foi notificada da decisão mencionada na alínea antecedente em 11/07/2012 e deduziu a presente impugnação em 09/10/2012 – cfr. fls. 5 a 10, 13, 34 verso e 35 do suporte físico do processo. Mais se provou que, M) As declarações periódicas de IVA do 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e do 1.º e 2.º trimestres de 2004, onde foram apurados os valores reportados na declaração do 3.º trimestre de 2008, foram entregues pela Impugnante em 28/12/2004 – cfr. fls. 30 verso do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. N) As regularizações de crédito, resultantes dos valores apurados nas declarações periódicas de IVA do 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e do 1.º e 2.º trimestres de 2004, foram comunicadas ao sujeito passivo em janeiro de 2005 – cfr. fls. 30 verso do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. 2. FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem, com interesse para a decisão. Motivação A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos.” *** 2.2 – O direito Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação intentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.º ...30 e liquidação de juros compensatórios n.º ...29, ambas do período de 2008. O Tribunal a quo considerou que atendendo a “que os créditos apurados nas declarações periódicas do 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e do 1.º e 2.º trimestres de 2004, comunicados à Impugnante pela DSCIVA, só podiam ser utilizados no prazo máximo de 2 anos previsto no art.º 71º, n.º 6, do CIVA, aplicável por força do disposto nos art.os 6º, n.º 1 e 8º, n.º 3, do D.L. n.º 229/95, de 11/9, é de concluir que quando ocorreu a sua utilização – em 17/11/2008 – já havia caducado o direito à dedução do respetivo imposto.” Discordando do assim decidido, a Recorrente invoca o erro do julgamento de direito. Para tal, vem invocar que, não tendo sido feita a prova do recebimento efectivo da comunicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira a que faz referência o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro, não poderia ter início a contagem do prazo para o reembolso do valor em seu crédito e ainda a violação do princípio da neutralidade do IVA. Vejamos. Como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Delimitação subjetiva e objetiva do recurso”, “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente” Assim, “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estes sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) A assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos: a) As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, pois estes destinam.se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição. Ac. do STJ, de 1-10-02, CJ, t. III, p.65”- cfr. António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos em processo Civil, 7ª Edição atualizada, Almedina, pag. 139 a 141). No mesmo sentido, vide Acórdão do STA de 29.10.2014, proc. 0833/14. No caso presente, e como se infere da petição inicial (a pag. 6 a 10 de fls. 1 do SITAF), a Recorrente limitou-se a invocar a insuficiente fundamentação da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão, assim como a manifesta violação do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, defendendo a existência de injustiça grave. Nesta senda, a Recorrente não invocou em sede do articulado inicial a questão da prova do recebimento efectivo da comunicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira a que faz referência o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro, e o consequente início da contagem do prazo para o reembolso do valor em seu crédito, nem a violação do princípio da neutralidade do IVA. Assim, sendo as questões que vêm colocadas questões novas, por não terem sido invocadas, apreciadas e/ou decididas pelo Tribunal a quo, e, não sendo de conhecimento oficioso, não irão ser conhecidas por este Tribunal, por impossibilidade legal. A Recorrente vem também sustentar que o prazo para a dedução do IVA em causa seria de quatro anos e não de dois anos. Vejamos. O Imposto Sobre o Valor Acrescentado é um imposto geral que, incidindo sobre todas as despesas, é aplicado a todas as fases do circuito económico (plurifásico), como tal, é pago por todos os operadores que intervêm no circuito de produção, transformação e comercialização, incidindo sobre o valor acrescentado em cada fase, não produzindo assim, em regra, qualquer efeito cumulativo. Trata-se de um regime baseado no método de crédito de imposto, em que o valor a entregar ao Estado resulta da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível em determinado período. A faculdade do contribuinte poder deduzir o imposto que suportou nas aquisições, cujo princípio se encontra consagrado nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA, constitui o chamado direito à dedução, elemento nuclear à volta do qual gravita todo o funcionamento do IVA. Este direito consubstancia-se no direito atribuído a cada sujeito passivo de, no momento em que apure o imposto por si devido, relativo às suas vendas e prestações de serviços, poder deduzir o imposto que suportou nas aquisições de bens e serviços necessários à sua actividade, entregando apenas a diferença entre os dois montantes considerados. A Sexta Diretiva IVA (Diretiva do Conselho 77/388/CEE de 17.05.1977), no seu artigo 20.º sob a epígrafe “Ajustamento de deduções”, previa a possibilidade de ajustamento às deduções inicialmente operadas, designadamente quando a dedução fosse superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito, relegando para os Estados-membros a determinação dos termos em que tais ajustamentos eram efectuados (Cfr. Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 19.09.2000 (Schmeink & Cofreth e Strobel – C-454/98), n.ºs 48, 49, 65 e 66, de 06.11.2003 (Karageorgou e processos apensos C-78/02 a C-80/02), n.º 49 e de 18.06.2009 (C 566/07), n.º 35). Da mesma forma, após a alteração prosseguida pela Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28.11.2006, passou a constar do artigo 184.º sob a epígrafe “Regularização das deduções” que “A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito” Nesta senda, estabelecia à data dos factos o artigo 22.º Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado o “Momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, estatuindo que “2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. 3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. 4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes. 5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso.” Acresce que, o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA dispunha que “Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente” Ora as disposições especiais decorrem do estatuído pelo Decreto-Lei n.º 229/95, de 11/9, que veio proceder à harmonização das disposições que regulamentam a cobrança e o pagamento dos reembolsos do IVA e nessa medida estabelecer no seu artigo 8.º n.º 3 que “O crédito apurado em declaração periódica apresentada depois de terminado o prazo previsto no artigo 40.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado será comunicado pela DSCIVA, de acordo e para os efeitos previstos no artigo 6.º” Por sua vez, o mencionado artigo 6.º no seu n.º 1 dispunha que a diferença que resultasse entre o valor do meio de pagamento e o imposto apurado na declaração periódica, era comunicada ao sujeito passivo para efeitos da sua compensação nos períodos de imposto seguintes, aplicando-se para a sua utilização a limitação temporal estabelecida no artigo 71.º n.º 6 do Código do IVA. Com efeito, o artigo 71.º n.º 6 do Código do IVA (com a redacção introduzida pela Lei nº 39-A/2005, de 29.07) determinava, à data dos factos, que “A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51º e 65º, nas declarações mencionadas no artigo 40º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 67º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do nº 1 do artigo 22º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.” A Recorrente vem pugnar pela não aplicação do disposto, à data, n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA, por considerar que não estamos perante um erro material ou de cálculo. Ora, como aqui acabamos de dar conta, a aplicação ao caso presente do n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA decorre da remissão do artigo 6.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11/9, aplicável por força do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, sendo aplicável na parte respeitante à limitação temporal, não sendo pressuposto a verificação de erro material ou de cálculo. Assim, e tal qual é dado conta na decisão recorrida, impõe-se concluir que “Assim, da leitura conjugada dos art.os 8º, n.º 3 e 6º, n.º 1, do D.L. n.º 229/95, de 11/9, e do art.º 71º, n.º 6, do CIVA, extrai-se que o crédito de IVA apurado em declaração periódica apresentada fora do prazo legal pode ser compensado nos períodos de imposto seguintes, aplicando-se para a sua utilização o prazo de 2 anos.” – fim de citação. Por último, vem a Recorrente sustentar a sua pretensão à luz do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária invocando injustiça grave e notória, pois considera que não há negligência porque deduziu o IVA dentro do prazo legal fixado para o efeito. Para tal, defende que não havendo dúvida que, no caso, foi arrecadado pela Autoridade Tributária e Aduaneira tributo em montante superior ao que seria devido, tal configura uma injustiça grave ou notória em sede de tributação em IVA, uma vez que no apuramento do imposto devido não foram considerados os montantes suportados a montante nas aquisições de bens e serviços inerentes à atividade da Recorrente. Vejamos. Estatui o n.º 4 do artigo 78.º da lei Geral Tributária que “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte” Acresce que, é “inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a administração deve realizar também por sua iniciativa)” - cfr. Diogo Leite Campos, Benjamin Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 212, pag. 706. Com efeito, e como tem entendido a nossa jurisprudência “A revisão por iniciativa da Administração Tributária, ainda que desencadeada por requerimento do contribuinte, tem lugar sempre que exista erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, (…)” (78.º da LGT).” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 17.10.2019, proc. 932/09.0BELRS. Por sua vez, o n.º 5 do mesmo preceito legal estabelece que “Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional” Parafraseando José Maria Fernandes e Pires e outros (in Lei Geral Tributária anotada e comentada: Almedina, 2015, pag. 849 e 850.), “Para se estar perante uma situação de injustiça, não basta a existência de qualquer ilegalidade na liquidação. Se assim fosse, conhecida a ilegalidade essa seria inequívoca, pelo que o fundamento de “qualquer ilegalidade”, previsto na primeira parte do nº 1 deste artigo, passaria a ser invocável num prazo alargado, retirando qualquer utilidade àquele segmento do nº1 do artigo 78.º. O nº 4 não pode ser entendido como uma derrogação dos prazos de reclamação e impugnação. Servirá, isso sim, para corrigir os casos chocantes de injustiça fiscal”. Assim, a procedência da revisão oficiosa depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos i) a verificação de uma injustiça grave ou notória na fixação da matéria tributável em que o acto de liquidação assentou ii) que não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Quanto ao conceito de negligência este reconduz-se à mera culpa a que se referem os artigos 483º e seguintes do Código Civil, por contraposição ao dolo. O comportamento ou actuação negligentes têm sido considerados pela jurisprudência e pela doutrina como aqueles comportamentos em que o autor actua com falta de cuidado ou desleixo relativamente a determinada situação, originando um resultado não desejado, na medida em que, “Diferente do dolo, em qualquer das suas variantes, é o conceito de mera culpa ou negligência, a qual consiste na omissão da diligência exigível do agente” (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1982, p. 491). Acresce que, “é um ónus dos requerentes do pedido de revisão alegar e provar que não existiu comportamento negligente da sua parte” – cfr. Acórdão do STA de 10.11.2021, proc. 0209/13.7BECTB. In casu, não está em questão a existência de injustiça grave ou notória, mas tão só o segundo pressuposto - que não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte - isto porque, como decorre do ponto H) da factualidade assente, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão apresentado pela Recorrente por ter considerado que não havia erro dos serviços e ter havido negligência por parte da Recorrente. Ora, a Recorrente vem afirmar que não agiu negligentemente pois deduziu o IVA dentro do prazo legal para o efeito. No entanto, como já decidimos supra, a Recorrente tinha ao seu dispor o prazo de 2 anos, contado da data da comunicação das regularizações de crédito, que resultaram das referidas declarações periódicas, (Janeiro de 2005), para proceder à dedução do IVA, o que não logrou fazer. Ademais, a Recorrente agiu de forma negligente no momento da declaração periódica de IVA, pois não tratou de declarar o IVA devido, assim como agiu negligentemente após a notificação da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira em Janeiro de 2005 para que os créditos de IVA apurados no 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003 e no 1.º e 2.º trimestres de 2004 fossem considerados numa declaração apresentada dentro do prazo legal – cfr. ponto E) da factualidade assente. Acresce que, a petição inicial é omissa a respeito das razões que a levaram a não declarar, em tempo, o IVA e/ou a declarar tais créditos dentro do prazo legal, o que, não logrou fazer Pelo que, não se verifica o erro de julgamento que vem imputado à decisão recorrida, na medida em que, tem razão o Tribunal a quo quando julga improcedente o pedido impugnatório do acto de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário por considerar que não estão preenchidos, in casu, os pressupostos do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, negando-se assim provimento ao recurso interposto. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÀRIO: I. O recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas. II. A procedência da revisão oficiosa que decorre do n.º 4 do artigo 78.º da LGT depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos i) a verificação de uma injustiça grave ou notória na fixação da matéria tributável em que o acto de liquidação assentou ii) que não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. III. O comportamento ou actuação negligente é aquele comportamento em que o autor actua com falta de cuidado ou desleixo relativamente a determinada situação, originando um resultado não desejado. IV. Recai sobre o requerente do pedido de revisão o ónus de alegar e provar que não existiu comportamento negligente da sua parte. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B. Porto, 5 de Junho de 2025 Virgínia Andrade Maria da Conceição Pereira Soares José Coelho |