Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00032/25.6BECBR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/29/2025 |
| Tribunal: | TAF de Coimbra |
| Relator: | ANA PATROCÍNIO |
| Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR, PENHORA, ERRO NA FORMA DO PROCESSO; CONVOLAÇÃO, ACTO DE LIQUIDAÇÃO, INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO; DESVALOR DA NULIDADE VERSUS ANULABILIDADE; |
| Sumário: | I - Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial. II – Os actos de penhora apenas são passíveis de reclamação com um dos fundamentos previstos nos artigos 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 784.º do Código de Processo Civil. III - Não é possível conhecer nesta reclamação de acto do órgão da execução fiscal quaisquer vícios da liquidação que subjaz à dívida exequenda. IV - Se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT. V - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas. VI - No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra a (i)legalidade concreta do acto de liquidação é a impugnação judicial – cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a) e artigo 99.º, ambos do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais. VII – Perante erro na forma do processo, constituem obstáculos à convolação processual, a inadequação do pedido formulado e a intempestividade, por referência à forma processual correcta. VIII - Reconduzindo-se o vício atribuído ao acto de liquidação a vício de violação de lei, por inexistência do facto tributário, a procedência de tal vício será geradora de anulabilidade do acto, e não da sua nulidade, não podendo, pois, ser impugnado a todo o tempo (n.º 3 do artigo 102.º do CPPT).* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório [SCom01...], S.A., contribuinte fiscal n.º ...75, com residência fiscal/sede na Estrada ..., ..., ... ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., proferida em 30/01/2025, que indeferiu liminarmente a petição de reclamação do acto de penhora praticado pelo órgão de execução fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...........397, instaurado contra si pela Direcção de Finanças ..., por dívida de IRC, referente ao exercício de 2021, no valor de €10.757,43. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1. Reclamou a recorrente ao abrigo do disposto no artigo 276° do CPPT, a penhora de um imóvel por pretenso não pagamento de imposto, concretamente de IRC, que originou um processo de execução fiscal e falsa adição de um tributo indevido, sujeitando a empresa a penhoras fundadas em falta de pagamento de tributos indevidos. 2. A AT procedeu ao apuramento oficioso da matéria colectável numa inspecção que efectuou à [SCom02...], S.A., considerando a falsa existência de rendas referentes a um contrato de arrendamento de imóveis para fins não habitacionais celebrado em 07-01-2013. 3. Esta pretensão de consideração do arrendamento partiu de um simples esquisso de um projecto nunca concretizado, destinado a um arrendamento entre a [SCom03...], ex-proprietária daquele edifício, e a então [SCom04...] S.A., hoje denominada [SCom02...], S.A.. 4. O inspector tributário acedeu ocasionalmente na inspecção que procedia à [SCom02...] referente aos exercícios 2014, 2015 e 2016, ao esquisso suprarreferido, lançando proveitos falsos à [SCom01...] de 48.000,00€ / ano, importância que tributou em IRC durante todos esses anos. 5. A realidade é que nunca existiu qualquer omissão de proveitos/rendas e consequentemente também não existiu qualquer infracção por se ter tratado de uma mera invenção do inspector tributário para proceder à cobrança de tributos indevidos, suportados em factos inexistentes. 6. O inspector tributário que inspeccionava o [SCom02...] onde não encontrou suporte em custos desses falsos proveitos, passou a alargar a inspecção à [SCom01...], procurando a evidência desses proveitos, que não encontrou porque esses proveitos não existiam. A que acresce que se a [SCom02...] tivesse suportado tais custos, não se dispensaria da sua consideração ao determinar o IRC nos referidos anos. 7. Bem sabia o inspector «AA» que o arrendamento nunca aconteceu e que mentia naquilo que escrevia, porque do seu trabalho sabe que não existem proveitos sem os respectivos custos. Tratou-se de uma "esperteza" que teve por objectivo uma dupla tributação, obrigando a [SCom01...] a reconhecer um falso proveito, não reconhecido como custo nas contas da [SCom02...], que a ser assim teria que ser a devedora, daí que tenha sido peticionada a declaração de nulidade dos actos de liquidação subjacente às coimas aplicadas, que por se ter tratado de uma atitude desonesta estavam feridos de nulidade. 8. E consequentemente os processos de execução fiscal e a penhora efectuada também estão atingidas em consequência dessa nulidade. 9. O tribunal recorrido pretendeu a improcedência da reclamação, alegando a existência de erro na forma do processo. 10. E em 01-05-2023 para o domicílio fiscal da então reclamante e ora recorrente. foi enviado o ofício de citação pessoal emitido em processo de execução fiscal, instaurado pela Direcção de Finanças ..., execução repetida todos os anos desde 2014, realizando uma penhora sobre o prédio rústico com o nº ...14 da Freguesia .... 11. Realizando como dissemos, na inspecção à [SCom02...] nos exercícios de 2014, 2015 e 2016 e não tendo encontrado nada de significativo senão o suprarreferido esquisso, foi subindo o seu crédito sobre a ora recorrente com o que designava por "acrescidos" que se tornaram incontroláveis. porque, entretanto, a recorrente foi pagando muitas dessas dívidas fiscais inexistentes, daí a reclamação que deu origem aos presentes autos, que a Instância recorrida considerou ter um pedido a roçar a ineptidão, apesar de reconhecer que ele se refere a um "reconhecimento da nulidade do tributo e consequentemente do processo de execução fiscal e da penhora". 12. Referindo o artigo 276° do CPPT que "as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributário, que no processo afectem direitos e interesses legítimos de proprietário ou de terceiro, são susceptíveis para o tribunal tributário de 1ª Instância". 13. Este invocado erro na forma do processo "o que visa sobretudo é não ter de se pronunciar sobre a folio de mérito ou mesmo sobre a evidente desonestidade da actuação deste inspector «AA»", quando ao Legislador o que importa é que "as decisões ou simples actuações sejam admitidas, desde que afectem direitos e/ou interesses legítimos do executado ou de terceiro". Seguindo o ensinamento de Lopes de Sousa que a Instância cita quando afirma "deve ser reconhecido o direito global aos interessados reclamarem para o juiz de todos os actos que os lesem", o que torna irrelevante face à Lei e à Doutrina que a liquidação do imposto constitua ou não acto praticado em qualquer processo de execução fiscal, por ser, como diz, momento autónomo e prévio, por ser a falta de pagamento que conduz à extração da decisão executiva. 14. Mero esforço de justificação de que não foi utilizado o meio processual adequado, tentando colocar em crise actos de falsa liquidação de tributos e daí concluir que mesmo tratando-se de ilegalidade, só pode visar a anulação do acto tributário. E nunca a sua nulidade. 15. A recorrente pediu em várias intervenções judiciais sobre este mesmo tema, que o inspector tributário procedesse à retratação do seu procedimento no resultado das inspecções que fez à ora recorrente, que tem sido muito prejudicada todos os anos repetidos desde 2014, em que para além de lhe serem impostos vários tributos foi confrontada com o agravamento da sua imagem bancária, impossibilitando-a de recorrer a crédito e mesmo a benefícios fiscais merecidos, que vêm sendo recusados, como em concreto o benefício da recuperação dos dois imóveis em que funciona o Hotel ..., que lhe foi recusado por endividamento fiscal, que é falso. 16. E em consequência do agravamento da sua imagem bancária tem o edifício da Rua ... a aguardar a conclusão das obras, apesar da CMC que o embargou, já ter sido judicialmente condenada. 17. Insiste o tribunal recorrido em que apenas a impugnação judicial prevista no artigo 99° e ss. do CPPT é meio processual para colocar em crise actos de liquidação de tributos que - diz - afirma comummente aceite "como meio de defesa contra o acto tributário". 18. Repetindo que nos termos do artigo 99° do CPPT a prática de qualquer ilegalidade constitui exclusivamente fundamento de impugnação. 19. E mais insiste em que "do disposto no artigo 97° do CPPT a impugnação é o meio processual adequado para actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da ilegalidade de acto de liquidação ou quando a lei utilizada a expressão impugnação". 20. Obviamente que se não inclui na simples impugnação sujeita a prazos, uma actuação desonesta, que deva ser invocada a todo o tempo, que é do que aqui tratamos. 21. A aqui reclamante afirmou a "inexistência dos rendimentos (rendas) apurados oficiosamente pela AT no âmbito do procedimento inspectivo", daí que se refira à nulidade do tributo, mais rigorosamente a "nulidade da liquidação do tributo", que o tribunal afirma que o que está "a formular" é um "pedido próprio de impugnação judicial, tendo como respectiva causa de pedir a ilegalidade em concreto do acto de liquidação", daí que insista como indubitável o erro na forma do processo. 22. Mas ainda que assim fosse - que não concedemos - seria irrelevante, porque o erro na forma de processo que foi empregue é de conhecimento oficioso e consente a convolação para a forma de processo adequada. 23. Só que perseguindo o seu desígnio, de branquear a actuação do inspector «AA», vem insistir na falta de idoneidade da P.I., acrescida da sua manifesta improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada, com o objectivo de restringir a abrangência que o Legislador pretende para a convolação, ficando a parecer que os danos e prejuízos sofridos pela recorrente não são considerados na preocupação do tribunal. 24. Por no caso entender que há extemporaneidade da petição, para efeitos de impugnação judicial do acto de liquidação, por já ter terminado o prazo à data em que foi instaurada a execução fiscal, conclui que o prazo para poder utilizar esse meio processual já tinha terminado, mesmo considerando as férias judiciais. 25. Entende que no momento em que foi apresentada a P.I. da reclamação (16-01-2025) o prazo para deduzir a liquidação de IRC exequendo já estava largamente ultrapassado, daí a impossibilidade de convolação dos actos da reclamação efectuada para a impugnação judicial, para tanto bastando o seu entendimento de que o vício alegado "não é gerador de nulidade, mas de mera anulabilidade", concluindo que a impugnação nunca poderia ser deduzida. 26. A impugnante atribui ao acto de liquidação impugnado "uma violação da lei por inexistência de um acto tributário", que entende gerador de anulabilidade do acto e não da sua nulidade. O que vemos é que a Instância que é recorrida se conforma com a percepção de tributos ilegais ou inexistentes, que seguramente que não conforma o âmbito das competências de um Estado de Direito. 27. Mas a reclamante peticionou também a nulidade do processo de execução fiscal que o tribunal recorrido na sua perseguição branqueadora, passou a entender que não vislumbra qualquer causa de pedir para tal pedido, que não seja para si causa de pedir da própria impugnação judicial. E diz que tem este entendimento, mesmo adoptando interpretação suficientemente abrangente, insistindo que da invocação do vício imputado não seria possível qualquer convolação destes actos para uma oposição pela repetida improcedência e intempestividade, insistindo que esse vício não constitui fundamento válido da oposição, ancorando-se nas datas de citação e instauração da presente reclamação. 28. A todo este raciocínio no sentido de branquear a actuação do inspector tributário e defesa do tributo arrecadado, ainda que ilegalmente, é que não parece necessitar-se de grande abrangência para se constatar que no vício que é imputado está implícito um pedido de extinção de qualquer das execuções, pelo mesmo facto desonesto que implica necessariamente a sua nulidade, porque o Estado, por designação, não é apenas "uma" mas "a" Pessoa Colectiva de Bem por excelência e como tal não chama a si tributos inexistentes. 29. Mas não é o entendimento da Instância recorrida, que insiste na impossibilidade da convolação para oposição por manifesta improcedência. 30. Conclui mal, que julgando um parcial erro na forma do processo, não é admissível a convolação para as formas processuais adequadas, nem como a procedência quanto à nulidade ou anulabilidade do acto de penhora, mas o que deve é concluir-se a improcedência da reclamação, invocando directamente os n°s 3 e 4 do artigo 98° do CPPT, bem como o n° 3 do artigo 97° da LGT e artigo 193°, do CPC, todos aplicáveis ex vi artigo 2° do CPPT. 31. Tudo vista e revisto, o que merece o nosso reparo, porque assim o entendemos, é a desonestidade do inspector tributário «AA» e também - creia-se assim - a apropriação ilegítima de falsos tributos pela AT, referimo-nos à cobrança de um IRC inexistente, como tendo que reconhecer que o cidadão está nas mãos da voracidade fiscal, que cada vez mais põe em causa o Estado de Direito. Deve por isso, Considerar-se a nulidade da execução da penhora ou a sua anulabilidade por convolação para a forma de processo adequada, sempre reconhecendo a desonestidade na actuação no sr. inspector tributário e a não aceitação do Estado de pretensos tributos inexistentes, assim se escrevendo Direito.” **** Em 24/04/2025, foi apresentado um requerimento pela Recorrente, em complemento das alegações do recurso, tendo em vista um melhor esclarecimento da polémica dos autos, que será desconsiderado por se reportar a condenação em coimas, que não são objecto deste processo, e por se limitar a reafirmar tudo o que já é patente no corpo e nas conclusões das alegações do recurso. **** Não houve contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não dever ser admitido, por o valor da causa não ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre. Com efeito, fixou-se à causa o valor da penhora, de €222,83, por ser inferior ao da execução [cfr. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e) do CPPT], não se mostrando impugnado. Porém, o presente recurso foi admitido, bem, nos termos da primeira parte do artigo 280.º, n.º 6 do CPPT, que ressalva os casos previstos na lei processual civil e administrativa. Não podemos olvidar que a primeira instância proferiu uma decisão de indeferimento liminar nos presentes autos. Ora, segundo o disposto no artigo 629.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC), independentemente do valor da causa, é sempre admissível recurso para a Relação das decisões de indeferimento liminar da petição de acção. O mesmo sentido nos indica o disposto no artigo 142.º, n.º 3, alínea d) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), determinando ser sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa, das decisões que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa. Tal é o caso da decisão recorrida, pelo que é admissível o presente recurso. **** Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário). **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se o tribunal recorrido errou ao indeferir liminarmente a presente reclamação, com fundamento na verificação de erro parcial na forma do processo, impossibilidade de convolação e manifesta improcedência dos fundamentos para impugnar o acto de penhora reclamado. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a apreciação liminar dos presentes autos: 1. Em 01.05.2023 foi enviado para o domicílio fiscal electrónico da ora Reclamante, via CTT, o ofício de citação pessoal emitido no processo de execução fiscal n.º ...........397, instaurado contra si pela Direcção de Finanças ... em 19.04.2023, por dívidas de IRC do ano de 2021, no valor de €10.757,43, tendo aquele ofício sido entregue na visada caixa postal electrónica no mesmo dia (cfr. visado ofício de citação pessoal e print de aplicação informática da ATA referente à gestão de comunicações na justiça tributária execuções fiscais – SECINNE, no qual é possível verificar a coincidência do código do documento e o histórico das visadas operações de criação, envio e entrega na caixa postal electrónica, a fls. 17 e 9 dos autos); 2. Em 04.12.2024, no âmbito do processo de execução fiscal referido no ponto anterior, foi realizada penhora sobre o prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial com o nº ...14 da Freguesia ..., ..., pelo valor de €222,83 (cfr. se retira do ofício de notificação após penhora, presente a fls. 13 dos autos); 3. Em 13.12.2024 o Director de Finanças ... subscreveu ofício dirigido à ora Reclamante, tendente à notificação da realização da penhora referida no ponto anterior (cfr. visado ofício, presente a fls. 13 dos autos); 4. Em 16.01.2025, foi enviada ao Serviço de Finanças ..., por correio postal registado, a p.i. de Reclamação que deu origem aos presentes autos (cfr. etiqueta de registo postal aposta no envelope de envio e visada p.i., a fls. 8 e 2 e ss. dos presentes autos).” * 2. O Direito A Recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento liminar da presente reclamação do acto de penhora proferido pelo órgão da execução fiscal, que aí identificou três pedidos, considerando verificar-se erro parcial na forma do processo quanto ao pedido de reconhecimento da nulidade do tributo e do processo de execução fiscal e manifesta improcedência do pedido de nulidade da penhora. O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) - entendido na sua dimensão positiva de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo - e inútil qualquer instrução e discussão posterior. Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado – cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 765/10. Vejamos, agora, se no presente caso estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial, ou seja, se o seguimento do processo não tem razão alguma de ser e seja desperdício manifesto de actividade judicial - cfr. ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373. Na petição de reclamação visa-se impugnar o acto de penhora de um imóvel, que foi efectuado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...........397, pretendendo-se discutir a legalidade da liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2021, que subjaz à dívida exequenda nesse processo executivo, tendo em vista, com esse fundamento, implicitamente, extinguir o processo de execução fiscal e eliminar o acto de penhora da ordem jurídica. Esta é a nossa interpretação da petição de reclamação que nos é apresentada, apesar de a reclamante peticionar o reconhecimento da nulidade do tributo e, consequentemente, do processo de execução fiscal e da penhora. Efectivamente, a petição acentua e motiva toda a reclamação na ilegalidade concreta da dívida e daí pretende retirar consequências no processo executivo e na penhora realizada. No entanto, não podemos esquecer, atentos os seus termos, que esta reclamação surge na sequência da notificação após penhora, sendo, por isso, inequívoco que o acto de penhora é o acto impugnado. Recordamos que após a sua citação para esta execução, a reclamante nada fez, quando tinha legalmente trinta dias para proceder ao pagamento da dívida, requerer o seu pagamento em prestações ou deduzir oposição judicial, sendo por essa razão que o órgão da execução fiscal deu cumprimento ao disposto no artigo 215.º do CPPT, realizando o pedido de penhora que foi registado em 04/12/2024. É, portanto, neste contexto, de notificação após penhora, que foi apresentada a presente reclamação desse acto em 16/01/2025, onde estava expressamente indicado este meio processual, como forma impugnatória do acto de penhora. Nesta perspectiva, não vislumbramos qualquer erro na forma processual, na medida em que a reclamante, ora Recorrente, se limitou a impugnar o acto lesivo de penhora através da presente reclamação, nos termos do disposto nos artigos 276.º e seguintes do CPPT. Todavia, resulta evidente que não foi assacada qualquer ilegalidade ao acto de penhora propriamente dito. Com efeito, são fundamentos de ilegalidade do acto de penhora os que se encontram expressamente referidos nos artigos 784.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 278.º, n.º 3 do CPPT, a saber: 1) a inadmissibilidade dos bens concretamente penhorados [cfr. artigo 278.º, n.º 3, alínea a), 1.ª parte do CPPT e artigo 784.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte do CPC]; 2) a indevida extensão da penhora [prevista no artigo 278.º, n.º 3, alínea a), 2.ª parte do CPPT e artigo 784.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte do CPC]; 3) a imediata penhora de bens que só subsidiariamente responderiam pela dívida exequenda [cfr. estipulado no artigo 278.º, n.º 2 do CPPT e artigo 784.º, n.º 1, alínea b) do CPC]; 4) a incidência da penhora sobre bens que não deveriam ter sido abrangidos pela diligência, por não responderem nos termos do direito substantivo [cfr. artigo 278.º, n.º 3, alínea c) do CPPT e artigo 784.º, n.º 1, alínea c) do CPC]. Ora, do teor da petição inicial, constata-se que a reclamante vem sustentar a sua pretensão, alicerçada, em suma, na alegação de que a dívida exequenda é referente a IRC inexistente, por assentar em suposta omissão de proveitos (rendas) provenientes de contrato de arrendamento que não terá sido formalizado. Perante esta alegação verifica-se que vem invocado, como fundamento da presente reclamação judicial, a inexistência do facto tributário, por erro de análise cometido em sede de inspecção tributária (erro nos pressupostos de facto). O tribunal recorrido considerou que tal sustentação constitui fundamento de impugnação judicial da liquidação de IRC e, como foi solicitado o reconhecimento da nulidade do tributo, julgou existir erro parcial na forma do processo utilizada, com impossibilidade de convolação por extemporaneidade. A Recorrente considera que tal julgamento corresponde ao branqueamento da desonestidade na actuação do inspector «AA» e da própria AT ao liquidar o IRC que subjaz à dívida exequenda neste processo de execução fiscal. Argumentando que o tribunal “a quo” restringiu a abrangência que o legislador pretende para a convolação, por entender que há extemporaneidade da impugnação judicial, ao desconsiderar a existência de nulidade e qualificar a situação de violação de lei com o desvalor da anulabilidade. Por outro lado, tendo por base a defesa da nulidade do tributo, a petição de reclamação faz igualmente reflectir tal nulidade no processo de execução fiscal, tendo o tribunal recorrido encontrado nesta sustentação pedido próprio de oposição judicial, julgando, também aqui, verificar-se erro parcial na forma do processo utilizada, com impossibilidade de convolação por intempestividade e por manifesta improcedência (já que tal vício não constitui fundamento válido de oposição - cfr. artigos 204.º, n.º 1 e 209.º, n.º 1 al. b) do CPPT). A Recorrente admite que faz (implicitamente) pedido de extinção do processo de execução fiscal, com fundamento na apropriação de tributo inexistente, com base em facto desonesto (praticado pelo inspector tributário) e, portanto, nulo. Afirmando que a desonestidade não constitui para o tribunal recorrido fundamento válido de oposição. Tudo visto, continuamos a interpretar a alegação da Recorrente no sentido de pretender eliminar o acto de penhora do ordenamento jurídico, com fundamento na inexistência do facto tributário. A indignação da Recorrente decorre da gravidade da situação concreta, por considerar que o inspector tributário se fundou num esquisso, não curando de averiguar a realidade factual, dado inexistir o suposto contrato de arrendamento que subjaz às liquidações sucessivamente efectuadas. No fundo, na sua óptica, uma situação onde faltarão os requisitos essenciais do facto tributário terá que afectar o acto com o vício de nulidade e ter necessárias repercussões na validade do processo de execução fiscal e no acto de penhora impugnado. Porém, a lei processual tributária não estabelece qualquer dependência entre a impugnação (graciosa ou judicial) do acto tributário e a cobrança (voluntária ou coerciva) dos montantes que resultam desse acto. É o que se extrai do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CPPT que claramente assume a sequência de actos conducentes à cobrança do tributo: “[F]findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor” (de acordo com o 162.º do CPPT, a certidão de dívida serve de título executivo). Em seguida, impõe o n.º 1 do artigo 188.º, também do CPPT, que “[I]instaurada a execução, mediante despacho a lavrar no ou nos respetivos títulos executivos ou em relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efetuado o competente registo, o órgão da execução fiscal ordenará a citação do executado.” Como o título no processo executivo presume a existência do direito e da obrigação que lhe dá causa, espelhando a liquidação tal e qual foi emitida, do ponto de vista processual, a relação de dependência jurídica do acto administrativo que lhe subjaz não afecta a execução fiscal. Enquanto se mantiver válido e eficaz o acto incorporado no título executivo, quem nele figura como credor tem o poder de accionar quem nele figura como devedor, abstraindo da situação de facto e de direito existente no momento da emissão do acto administrativo subjacente ao título. Este fenómeno de abstracção, através do qual se explica a autonomia jurídica da acção executiva, não está, contudo, imune à anulação da liquidação que possa ter ocorrido, por exemplo, em sede de impugnação judicial, reflectindo-se, naturalmente, na anulação da dívida. Todavia, os autos não espelham essa realidade, pretendendo a Recorrente discutir nesta sede a legalidade do tributo. Nesta conformidade, não sendo a inexistência do facto tributário fundamento da reclamação judicial prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT e não sendo assacada qualquer ilegalidade das supramencionadas ao acto de penhora, terá que se concluir que a presente acção se encontra destituída de fundamento, conduzindo, como decidiu a primeira instância, ao indeferimento liminar da petição inicial da presente reclamação judicial. A Recorrente parece não atacar este esteio da decisão recorrida, atendendo às normas indicadas que considerou violadas pela mesma, desferindo os seus contra-argumentos contra o entendimento restritivo do tribunal recorrido quanto à obrigatoriedade de convolação. No entanto, tendo por sustentação a interpretação que realizamos da petição de reclamação, não podemos deixar de clarificar que a reclamação prevista e regulada nos artigos 276.º e seguintes do CPPT não poderá ter um qualquer fundamento. Nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) e 276.º do CPPT, a intervenção dos órgãos da administração tributária no processo de execução fiscal está sujeita a um apertado controle de legalidade, reconhecendo a lei aos interessados o direito de solicitarem a intervenção do titular judicial do processo (o juiz, pois que se trata de um processo judicial, no qual os órgãos da administração intervém na realização de actos sem natureza jurisdicional), através da reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, relativamente a todos os actos que tenham potencialidade lesiva, ou seja, que tenham capacidade de afectar a esfera jurídica do executado ou de terceiros. Mas é de salientar que este controlo judicial é dirigido às «decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária» no âmbito do processo de execução fiscal. Ora, desde logo, o tribunal recorrido detectou que o acto que a Recorrente verdadeiramente pretende sindicar nesta reclamação é o acto de liquidação de IRC, do exercício de 2021, com fundamento na inexistência do facto tributário. Afastando-se, portanto, da imputação de vícios próprios ao acto de penhora impugnado. No entanto, a reclamação contra o acto de penhora apenas pode ter por fundamento vícios próprios desse acto, elencados, como já referimos supra, nos artigos 278.º do CPPT e 784.º do CPC, pelo que os vícios do acto de liquidação não podem ser apreciados em sede da reclamação prevista do artigo 276.º do CPPT, nem, de resto, qualquer fundamento que seja próprio de outro meio processual. Como se julgou no Acórdão deste TCA Norte, de 12/06/2024, proferido no âmbito do processo n.º 00234/24.2BEPRT, “(…) tal é o que decorre do artigo 97.º, n.º 2, da LGT que, em sintonia com o artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estatui que «A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo.», frisando a ideia que não está na disponibilidade da parte interessada/contribuinte escolher o meio processual ou o momento para fazer valer os seus direitos. Aliás, a garantia da tutela jurisdicional efetiva (que implica o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível) não é incompatível com a definição de meios processuais, prazos para exercício de direitos e restrições ao recurso jurisdicional. Em suma, a reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT apenas pode ter como objeto atos materialmente administrativos praticados no âmbito do processo de execução fiscal pelos órgãos da AT, sendo que os atos de penhora apenas são passíveis de reclamação com um dos fundamentos previstos no artigo 278º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 784º do Código de Processo Civil. Ademais, não é possível conhecer nesta reclamação quaisquer vícios da liquidação exequenda (…). Na impossibilidade de aqui ser apreciado o fundamento invocado na p.i., por ser próprio de outro meio processual, resulta manifesta a improcedência da presente reclamação, donde que importa confirmar a sentença recorrida, no sentido do seu indeferimento liminar. (…)” Com efeito, na interpretação que fazemos da petição de reclamação, com baixo rigor formalista, não existe erro na forma do processo, tanto mais que a Recorrente utilizou o meio processual que lhe foi indicado aquando na notificação após penhora, pretendendo impugnar esse acto de penhora que lhe foi notificado, com fundamentos, como vimos, desajustados, por não bulirem com a validade do próprio acto de penhora, tendo como consequência a manifesta improcedência da reclamação. Aqui chegados, se inexiste erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT. De todo o modo, analisando a petição de reclamação, poderemos detectar, como o fez a decisão recorrida, mais do que um pedido. Ou seja, além do já identificado, relativo à anulação do acto de penhora, observamos, implicitamente, um pedido de extinção do processo executivo, que poderá ser compatível com a utilização do meio processual “oposição judicial”. E, ainda, o pedido de reconhecimento da nulidade do tributo, com fundamento na inexistência do facto tributário, susceptível de ser peticionado em impugnação judicial. A jurisprudência dos tribunais superiores, com o apoio da doutrina, tem afirmado, de modo reiterado, que o erro na forma do processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, in Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.). Contudo, o STA, tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione, “(…) tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir. Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13. Aludindo a esta jurisprudência veja-se, igualmente, o Acórdão deste TCA Norte, de 03/11/2022, proferido no âmbito do processo n.º 1477/08.1BEBRG. A ideia da verificação de uma multiplicidade de pedidos na presente acção poderia ser mais favorável à Recorrente. Porém, em caso de cumulação de pedidos, ocorrendo erro na forma do processo quanto a alguns deles, tendo sido conhecido na primeira instância um pedido próprio da forma de processo utilizada, não é possível a convolação dos demais para a forma de processo adequada - cfr. Acórdão do STA, de 07/03/2012, proferido no âmbito do processo n.º 01160/11. Efectivamente, na primeira instância, foi prolatada uma decisão de erro na forma do processo, ainda que parcial, que se mostra questionada neste recurso, por não ter operado a convolação. Tendo em vista responder a este recurso, se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais, torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas – cfr., entre outros, Acórdão deste TCAN, de 28/01/2021, também relatado pela aqui relatora no âmbito do processo n.º 01046/19.0BEPRT. «Na interpretação dos articulados são aplicáveis os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 9.º e 236.º do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado» – cfr. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01/02/2005, proferido no processo com o n.º 5460/01; e de 05/04/2005, proferido no processo com o n.º 5410/01. Uma vez que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, adoptando uma interpretação ainda menos formalista, é possível observar que, provavelmente, a Recorrente, aproveitando a abertura da via judicial através da notificação do acto de penhora, apenas quis relançar a discussão da legalidade da liquidação, para retirar consequências no processo de execução fiscal e no acto de penhora, daí o pedido formulado ser de reconhecimento da nulidade do tributo e consequentemente do processo de execução fiscal e da penhora. Nesta perspectiva, estaríamos perante uma pretensão única de declaração de nulidade do acto de liquidação de IRC, com fundamento na inexistência do facto tributário, para a qual o meio processual adequado será a impugnação judicial. Nesta óptica, existiria erro na forma do processo; acontece que o tribunal recorrido já ponderou a impossibilidade de convolação, por ter detectado que se verificaria a caducidade do direito de acção. Finalmente percebemos, por não se mostrar escorreito, que é com esta impossibilidade de convolação que a Recorrente não se conforma, uma vez que, de acordo com a sua convicção, a impugnação judicial poderia ser deduzida a todo o tempo, considerando a gravidade da situação concreta de alegada desonestidade do inspector tributário, geradora do desvalor da nulidade, por erro nos pressupostos de facto e consequente inexistência do facto tributário. No âmbito da discussão da legalidade do mesmo tributo, mas relativo a outros exercícios, já a Recorrente havia impugnado judicialmente liquidação de IRC, com idêntico fundamento, mas igualmente de forma intempestiva, o que impediu a prossecução desses autos e a sindicância da invocada violação de lei. Como referimos, aproveitando o ensejo da abertura da via judicial, a Recorrente pretende, nesta sede, essa discussão da ilegalidade do IRC de 2021, através da convolação para o meio processual próprio – a impugnação judicial – porém, as razões que sustentaram a verificação da caducidade do direito de acção no âmbito do processo n.º 386/19.3BECBR, no Acórdão deste TCA Norte, prolatado em 25/03/2021, mantêm-se válidas e pertinentes. Uma vez que concordamos com tal motivação, acolhemo-la e reproduzimo-la, para fundamentar a inutilidade in casu da almejada convolação: “(…) Analisada a petição inicial verifica-se que o vício que a recorrente aponta aos atos de liquidação é o erro nos pressupostos de facto; vício que, na sua perspetiva, conduziria à nulidade dos atos de liquidação impugnados e à conclusão de que a presente ação poderia ser deduzida a todo o tempo. Todavia sem razão. Com efeito, nos termos do disposto no art. 99º do CPPT, constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, constituindo ilegalidade e, consequentemente vício do ato administrativo ou ato tributário, qualquer ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, que poderá envolver a anulabilidade, a nulidade ou a inexistência. Por sua vez, como já foi dito, o art. 102º do mesmo Código estabelece que a impugnação judicial é apresentada no prazo de 3 meses contados a partir dos factos indicados nas várias alíneas do seu nº 1, bem como nos prazos indicados nos seus nºs. 2 e 4, embora possa ser deduzida a todo o tempo, se o fundamento for a nulidade (nº 3 do mesmo artigo). Não fornecendo a LGT ou o CPPT qualquer noção do que sejam atos tributários nulos, impõe-se recorrer ao que dispõe nesta matéria atos administrativos nulos o CPA, subsidiariamente aplicável por força do disposto nos arts. 2°, al. d) do CPPT e 2°, al. c) da LGT. É consabido que os atos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção da nulidade podem ser impugnados a todo o tempo, como resulta do preceituado no art. 102.º, n.º 3, do CPPT, em consonância com o disposto no art. 162.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA): «Salvo disposição em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação, de acordo com o art. 58.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA): «Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e os atos anuláveis tem lugar no prazo de (…)». Todavia, como bem se salientou na sentença a quo, os vícios invocados na petição inicial não são sancionáveis com a nulidade, uma vez que estes se reconduzem ao erro sobre os pressupostos de facto. Sobre esta matéria, tem vindo o Supremo Tribunal Administrativo a afirmar unânime e reiteradamente que, por regra, os vícios dos atos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade [arts. 161.º e 163.º do CPA]. A doutrina vem afirmando que «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.º do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”». (…) A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem-se: (a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); (b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54° e segs. do CPA), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120º do CPA), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123º do CPA)». Aliás com as alterações ao CPA com o DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro, fizeram-se modificações profundas no regime da invalidade do ato administrativo, maxime, em matéria de nulidade que por razões de certeza e segurança, passou a determinar-se que a nulidade pressupõe a respetiva cominação legal expressa, eliminando-se as “nulidades por natureza”. Com base na doutrina e jurisprudência alargaram-se os casos de nulidade expressamente previstos, até agora no antigo código (art. 131.º) hoje no art. 161.º, n.º2, mas a jurisprudência tem vindo a afirmar que esses atos terão de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e não aqueles que contendem com o princípio da legalidade tributária, como sucede no caso dos autos. Como se refere em acórdão recente do STA: Está em causa um acto praticado pela Administração Tributária, a impor ao Recorrente o pagamento de um determinado valor, com fundamento num imposto criado por lei (…), na interpretação que fez dos factos que apurou e na conclusão que extraiu de que esse pagamento era exigível. E, nessa medida, é indiscutível que estamos perante um acto que, se eivado de erro sobre os pressupostos de facto (ou de direito), pode e deve ser anulado. Deste modo, a propositura de uma impugnação judicial de um ato de liquidação com fundamento em inexistência de facto tributário está sujeita aos prazos fixados na lei para tal propositura, já que aquele ato de liquidação é anulável e não nulo. Por conseguinte, contando-se o prazo de 3 meses partir (…) é manifesto que a petição enviada em (…) é extemporânea, tendo caducado o direito de ação da recorrente. (…)” Na verdade, o alegado acto desonesto do inspector tributário, que apenas consubstancia um juízo de valor sobre a forma como decorreu a fiscalização da sociedade, poderá ter configurado um erro quanto a eventual omissão de proveitos (rendas), portanto, um erro nos pressupostos de facto na consideração da existência de um contrato de arrendamento, podendo reflectir a inexistência do facto tributário, mas não se enquadra em nenhuma das situações previstas na lei como nulidade, pelo que se confirma o seguinte julgamento realizado pelo tribunal recorrido: “(…) Ora, o erro na forma do processo é de conhecimento oficioso, conforme dispõem os artigos 193.º e 196.º do NCPC e importa a convolação na forma do processo adequada, se for possível, nos termos da lei – artigos 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT. De facto, a convolação da presente acção para a forma processual adequada só é admissível, não só quando a petição inicial seja idónea para o efeito, mas também quando não seja manifesta a improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada, em função do meio processual adequado. De contrário, tal convolação consubstanciar-se-á na prática de um acto inútil e, como tal, proibido por lei (cfr. art.º 130.º do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT). O que é o caso em apreço, atenta desde logo a extemporaneidade da petição para efeitos de Impugnação Judicial do acto de liquidação, considerando que, pese embora não se saiba a data exacta em que terminou o prazo voluntário de pagamento do imposto, é certo que à data em que foi instaurada a execução fiscal para a sua cobrança coerciva – 19.04.2023 (cfr. facto provado sob o ponto 1.), tal prazo havia já terminado, dispondo-se de três meses contados do termo desse prazo para pagamento voluntário para a apresentação da respectiva Impugnação Judicial (cfr.º art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT). Logo, o prazo para lançar uso de tal meio processual terá terminado, o mais tardar, em 19.07.2023, ou seja, em período de férias judicias, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil subsequente a estas, 02.09.2023 (cfr. art.º 20.º do CPPT e art.º 279.º, al. e) do C. Civil). Pelo que é evidente que no momento de apresentação da presente petição inicial de Reclamação – 16.01.2025 (cfr. facto provado sob o ponto 4.), o aludido prazo de três meses para deduzir impugnação da liquidação do IRC exequendo estava já largamente ultrapassado, pelo que nunca seria admissível a convolação dos autos de Reclamação para Impugnação Judicial. Na verdade, o vício alegado nesse conspecto pela Reclamante não é gerador de nulidade, mas de mera anulabilidade, pelo que a impugnação não poderia ser deduzida a todo o tempo. Tal como impressivamente sumariou o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 18.06.2014: «Reconduzindo-se o vício que o impugnante atribui ao acto de liquidação impugnado a vício de violação de lei, por inexistência do facto tributário, a procedência de tal vício será geradora de anulabilidade do acto, e não da sua nulidade, não podendo, pois, ser impugnado a todo o tempo (n.º 3 do artigo 102.º do CPPT).» [processo n.º 0417/14] (…)” Nesta conformidade, o recurso não pode ser provido, devendo manter-se a sentença recorrida. Conclusões/Sumário I - Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial. II – Os actos de penhora apenas são passíveis de reclamação com um dos fundamentos previstos nos artigos 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 784.º do Código de Processo Civil. III - Não é possível conhecer nesta reclamação de acto do órgão da execução fiscal quaisquer vícios da liquidação que subjaz à dívida exequenda. IV - Se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT. V - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas. VI - No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra a (i)legalidade concreta do acto de liquidação é a impugnação judicial – cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a) e artigo 99.º, ambos do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais. VII – Perante erro na forma do processo, constituem obstáculos à convolação processual, a inadequação do pedido formulado e a intempestividade, por referência à forma processual correcta. VIII - Reconduzindo-se o vício atribuído ao acto de liquidação a vício de violação de lei, por inexistência do facto tributário, a procedência de tal vício será geradora de anulabilidade do acto, e não da sua nulidade, não podendo, pois, ser impugnado a todo o tempo (n.º 3 do artigo 102.º do CPPT). IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 29 de Maio de 2025 Ana Patrocínio Cláudia Almeida Maria do Rosário Pais |