Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02229/16.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/26/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:IMT; REPETIÇÃO DE EXAME DE CONDUÇÃO; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; PENA CRIMINAL; ABSOLVIÇÃO
Sumário:
1 – À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.
Relativamente à apreciação da matéria de facto, o tribunal deverá socorrer-se, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente e não assente, a materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do atual Código de Processo Civil.
Em sede de apreciação de recurso jurisdicional, o tribunal, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
2 - Tendo a decisão do IMT objeto de impugnação, de “submissão a novo exame de condução”, assentado nas “sérias dúvidas sobre se estes condutores reúnem as condições legalmente exigidas para a titularidade de uma carta de condução”, em virtude de serem arguidos em processo-crime conexo com a obtenção de títulos de condução por meios fraudulentos, resulta manifesto que a sua absolvição, embora ainda não transitada em julgado, não deixa de permitir questionar as dúvidas que haviam determinado a controvertida decisão.
3 – Com efeito, se de acordo com o próprio IMT “a decisão administrativa ora colocada em crise tem um caráter preventivo, não possuindo qualquer carácter sancionatório”, não se justificará insistir na mesma perante a não confirmação das dúvidas que haviam determinado a mesma. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JFMC
Recorrido 1:IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar procedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do presente recurso jurisdicional não obter provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
JFMC, no âmbito da Ação Administrativa que intentou contra o IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, tendente à anulação do Despacho de 19 de agosto de 2016, proferido neste Instituto, que determinou a necessidade de realização de exame de condução teórico e prático, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Braga em 22 de maio de 2017 que julgou “improcedente a presente ação”, veio interpor recurso jurisdicional face à mesma, em 22 de junho de 2017, no qual concluiu (Cfr. fls. 114 a 116 Procº físico):
1. Por Douta Sentença proferida em primeira instancia, pela Orgânica 1, 1ª Espécie, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi no processo supra identificado Doutamente julgado improcedente o pedido do A., em relação a um possível e alegado vicio do Ato Administrativo em causa, por falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente sem antes o Tribunal em causa decidir julgar provados todos os factos alegados pelo reu e nenhum facto alegado pelo autor, aliás, salvo o devido respeito por Douta Opinião, Sentença esta também nula e viciada por não identificar os factos dados por não provados e mesmo quanto aos factos dados como provados, não fundamentando nem justificando tal entendimento, referindo a Douta Sentença sem fundamentação alguma e contra o que o autor conhece dos autos, que tais factos foram dados como provados com base no acordo das partes, ao contrario, não existindo qualquer acordo quanto a quaisquer factos e pelos documentos juntos apenas se pôde basear nos documentos juntos pelo reu que mais não são um processo interno elaborado pelo próprio reu, portanto documentos exclusivamente conhecidos pelo reu e exclusivamente do interesse do reu, passando depois a Douta Sentença a aplicação do Direito fundamentando tudo com as alegações do próprio reu, sem elencar todos os factos provados e todos os factos não provados, com fundamentação critica dos mesmos pelo julgador e nem fazendo referencia aos factos alegados pelo autor e documentos juntos por este e inclusive não ouvindo a prova testemunhal junta pelo autor.
2. Ora tal julgamento sobre essas provas só podia ser feito pelo Tribunal em sede de Julgamento, sobretudo para se poder ouvir a prova testemunhal apresentada pelo autor, onde também poderia o autor provar e contrariar toda a fundamentação usada no ato administrativo que era uma mera e defeituosa copia de uma acusação crime do Ministério Publico de Bragança, sem nada se comprovar contra o autor, aliás, suspeita que o reu levantou contra o autor de estar em causa a segurança rodoviária ou aptidão do autor para condução automóvel sem prova de qualquer dos factos elencados para tal, no Código da Estrada, pois o Autor nunca foi condenado no sentido de lhe ser atribuído tal suspeita e até no sentido de se sujeitar a qualquer perícia ou exame para o efeito e que justifique tal ato administrativo.
3. Por conseguinte, salvo o devido respeito por Douta Opinião, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga podia e devia ter Doutamente decidido ou pela suspensão do processo para se conhecer da Sentença de Bragança e da culpabilidade ou inocência do autor, ou pela marcação de Julgamento para decidir de todos os factos alegados também pelo autor, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos, ouvindo a prova testemunhal crucial apresentada pelo autor e conjugar a mesma com os documentos quer apresentados pelo autor quer os apresentados pelo reu, com tratamento igualitário das partes processuais e de forma criteriosa e critica e conjugados entre si, e nunca de forma prejudicial ao autor apenas considerando os documentos e alegações do reu, podendo aferir ou não da suspensão do ato administrativo para a data da sua execução como se decidiu na providencia cautelar apensa a estes autos e daí a falta do autor de forma justificada e legal ao exame pois o ato administrativo estava suspenso devido logo à sua impugnação nos termos legais, não considerando nenhum dos factos enumerados na Douta Sentença com os números 1., 2., 3. 4. e 5., como provados sem mais e alegando o acordo entre as partes que não existiu pois o autor sempre colocou em crise todos esses factos, e mesmo em relação aos factos do ponto 6., ter em conta o alegado pelo autor cuja absolvição estava já pedida no processo criminal de Bragança, ter em conta o principio da presunção de inocência até prova em contrario, pois o ato administrativo baseou-se numa Acusação Crime ainda não comprovada na data da sua produção e agora considerada pelo próprio Procurador da Republica no Tribunal de Bragança como não provada em relação ao autor, identificar e justificar os factos não provados, cuja relação é inexistente na Douta Sentença, tudo o que a sanciona como nula, mas sobretudo e também relacionar indicando de todos os factos alegados pelo autor, que de novo se consideram aqui reproduzidos para os legais efeitos, quais os considerados provados e quais os considerados como não provados com a devida e legal fundamentação, o que também inexiste por completo na Douta Sentença, para depois poder aplicar o Direito aos mesmos.
4. Assim e salvo o devido respeito por Douta Opinião, tal Sentença viola as normas dos artigos 615º nº 1 alínea b) e d) e artigo 644º nº 2 e até o artigo 611º (para o facto de já ter sido pedida absolvição do autor no processo crime em que se baseou o ato administrativo) do Código do Processo Civil aqui aplicadas por remissão do CPTA, bem como os artigos 91º, 94º e 95º deste ultimo diploma legal referido, tudo acrescido e por consequência de se violar também o principio da igualdade das partes, pois tudo o que alegou o reu foi atendível e nada do que alegou o autor foi tido em consideração sequer pelo Tribunal “a quo”, incluindo a justificada suspensão do processo, pois o este processo não só não tinha todos os elementos para Decisão definitiva como tinha ligação pelo próprio objeto – o ato administrativo – ao processo criminal em causa no qual se baseou o ato administrativo.
5. Tudo o que por consequência da Douta Sentença que também está em contradição em si mesma pelo que refere na parte do Direito e na sua antepenúltima pagina que se por um lado admite que o termo do processo-crime poderia dissipar duvidas sobre os factos imputados ao autor e podendo o autor ser absolvido – admite, justificando aqui até a suspensão deste processo como foi peticionada pelo autor nos termos legais do CPTA - por outro lado defende que se possam suscitar duvidas só pela mera Acusação sem Julgamento, quanto à aptidão ou capacidade do autor para a prática de condução segura, só para considerar tal ato administrativo viciado e impugnável como válido, sendo tal argumentação não apenas confusa mas também contraditória pois considera tal ato válido, ainda que baseado na referida Acusação, como uma autentica copia parcial da Acusação referida mas sem qualquer sustentação e comprovação e aqui viola forçando a sua aplicabilidade, do artigo 129º nº 1 do Código da Estrada e não tem em conta os nº 2 e nº 5 do mesmo artigo do diploma legal referido, não devendo ser aplicado e interpretado de forma tão extensiva e contra o principio da presunção de inocência de arguido em processo criminal e, por consequência, podendo gerar uma situação inadmissível de um inocente ser sujeito a exames para a condução automóvel totalmente inexigíveis, pelo que tanto o ato administrativo como a Douta Sentença violam os artigos 3º, 4º, 6º, 7º 8º, pelos princípios supra referidos como violados, 152º nº 1 alínea a), 161º nº 1 e nº 2 alínea d), 162º, e 163º nº 1 todos do Código do Código do Procedimento Administrativo, para além de todas as normas e princípios do Direito já referidos supra em 5., 6., e 7., deste recurso, bem como em 3 e 4 destas conclusões e de outras normas e princípios legais que V. Exas., Venerandos Desembargadores melhor e superiormente entendam aqui aplicáveis, normativos todos esses que até deviam ter sido aplicados e salvaguardados pela Douta Sentença.
Pelo que, por todas as alegações, razões e conclusões apresentadas e outras que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Norte, superior e Doutamente suprirão e aplicarão, peticiona o recorrente a total procedência do presente recurso, declarando-se nulo o referido Ato Administrativo e nula e contraditória a Douta Sentença em causa.
Assim de novo se pugnando como sempre pela mais elementar e fundamentada e costumada JUSTIÇA.”

O aqui Recorrido/IMT IP veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 8 de setembro de 2017, nas quais referiu (Cfr. fls. 132 a 134 Procº físico):
I. O facto do Ministério Público ter considerado, no inquérito-crime (Proc.º n.º 1420/11.0T3AVR), existirem indícios suficientes da verificação de crime e de que o condutor, ora Recorrente, ter sido a (um dos seu(s) agente(s) e, em consequência, ter deduzido acusação contra si (vide, n.º 2 do art.º 283.º do CPP), é factualidade suficientemente idónea a gerar na autoridade administrativa demandada “fundadas dúvidas” sobre a aptidão e capacidade do mesmo para a prática da condução segura de veículos motorizados em via pública.
II. O legislador português, nos artigos 129.º e 130.º do CE, visou acautelar a reavaliação célere dos condutores, ou candidatos a condutores, sobre os quais incidem “fundadas dúvidas” - não “fundadas certezas” ou “prova” - sobre as suas capacidades para realizarem uma condução segura, facto que constitui, inequivocamente, um perigo abstrato para a segurança rodoviária.
III. A decisão administrativa ora colocada em crise tem um caráter preventivo, não possuindo qualquer carácter sancionatório, nem carecendo, para ser aplicada, de condenação prévia do condutor visado, ou candidato a condutor, em processo-crime ou processo contraordenacional.
IV. Não se vislumbra que as “fundadas dúvidas” da Entidade Administrativa Recorrida, que levaram à submissão do condutor, ora Recorrente, a prova teórica de exame de condução, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 129.º do CE, plasmadas da acusação do M.P, possam ser fundadamente elididas, tendo em conta as finalidades da norma de direito estradal em causa.
V. Relativamente à aplicação do disposto no artigo 129.º, n.º 1 do CE á situação prevista nos autos, à qual se resume a questão de direito controvertida, se pronunciou já, de forma clara o TCA Norte, nos doutos Acórdãos constantes do Processos n.º 2482/16.0PRT e do Processo n.º 1957/16.5BEBRG-A, que se juntam e se dão por reproduzidos, ao abrigo do disposto no art.º 651.º, n.º 2 do CPC, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA.
VI. Termos em que inevitavelmente devem naufragar os argumentos expendidos pelo Recorrente, quanto á primeira questão objeto deste Recurso
VII. Não se concorda ainda que o Tribunal a quo não tenha aplicado de forma correta o disposto nos art.º 115.º, n.º 1, alínea b) do CPC e 94.º e 95.º do CPTA, no tocante à douta sentença recorrida;
VIII. Esteve bem o(a) Mmo(a) juiz a quo, ao decidir como decidiu, pois fê-lo com base em elementos probatórios sólidos e suficientes, designadamente os constantes da acusação do M.ºP.º plasmados no Processo Administrativo junto aos autos.
IX. Como bem refere a douta sentença recorrida: “os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria”.
X. Ora, em nenhum segmento a dita sentença recorrida se vislumbra que a mesma possa padecer de qualquer contradição ou de nulidade, ao contrário do alegado pelo Recorrente, pelo que também nesta parte devem naufragar os argumentos por si expendidos.
Termos em que, nos melhores de Direito, e com Douto Suprimento de Vossas Exas, Venerandos Desembargadores, deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo em consequência, manter-se inalterada a douta sentença recorrida.
Assim será cumprido o Direito e feita Justiça!”
O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido, por despacho de 12 de setembro de 2017 (Cfr. Fls. 179 Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 28 de setembro de 2017 (Cfr. fls. 185 Procº físico), veio a emitir Parecer em 6 de outubro de 2017 (Cfr. fls. 186 a 190 Procº físico), no qual, a final, “emite parecer no sentido de o presente recurso jurisdicional, não obter provimento”.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, de modo a verificar se estarão reunidos os pressupostos de facto e de direito, tendentes a determinar o sentido da decisão recorrida, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
Factos (fixados perfunctoriamente e com interesse para a decisão a proferir)
1. Por ofício datado de 15.07.2014, com o n.º 9935621, os Serviços do Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto deram conhecimento ao IMT, I.P. da acusação proferida no processo de inquérito n.º 1420/11.0T3AVR. – cf. doc. constante de fls. 2 do PA – Parte I, cujo teor se dá por reproduzido.
2. Em 21.08.2015 foi elaborada, pelos serviços do Réu, a informação n.º 039300096538763-DSC/DHC, que se pronuncia no sentido de que as acusações que impendem sobre os arguidos condutores no referido processo n.º 1420/11.0T3AVR integram a previsão do disposto no n.º 1 do art.º 129.º do Código da Estrada, atendendo a que levantam sérias dúvidas sobre se estes condutores reúnem as condições legalmente exigidas para a titularidade de uma carta de condução, designadamente os conhecimentos teóricos sobre o Código da Estrada e a capacidade para exercerem uma condução segura, pelo que propõe a sua submissão a novo exame de condução ao abrigo da citada disposição legal. – cf. doc. constante de fls. 19-18 do PA – Parte I, cujo teor se dá por reproduzido.
3. Em 24.03.2016 foi elaborada, pelos serviços do requerido, a informação n.º 039300101604858-DSC/DHC que novamente se pronuncia pela necessidade de avaliação dos conhecimentos e da capacidade técnica dos condutores arguidos, ao abrigo do n.º 1 do art.° 129º do Código da Estrada – cf. doc. constante de fls. 39-38 do PA – Parte I, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Em 28.03.2016 o Presidente do Réu exarou, sobre informação referida em “4.”, despacho com o seguinte teor:
“Concordo. À DSFC para proceder conforme o proposto, com carácter de urgência, em coordenação com a DSF” – cf. doc. constante de fls. 39 do PA – Parte I, cujo teor se dá por reproduzido.
5. Por ofício datado de 30 de Setembro de 2016, assinado pela Diretora de Serviços de Formação e Certificação da entidade requerida, o Autor foi informado do seguinte:
“Assunto: Notificação para realização de exame de condução- Decisão final – Agendamento das provas teórica e prática, constitutivas do exame de condução
Relativamente ao assunto supra identificado notifica-se que, por meu despacho datado de 19 de Agosto de 2016, foi proferida decisão final de submissão a exame de condução nas suas vertentes de prova teórica e prova prática, com os fundamentos constantes na informação de que se junta cópia.
Assim fica V. Exa. notificado(a) para comparecer no Centro de Exames de Vila Real, sito em Vila Nova de Cima, Folhadela (junto ao Aeródromo) 5000 – 413 Vila Real, (...) no dia e hora a seguir indicados, a fim de realizar prova teórica de exame de condução.
DIAHORA
24-10-201611H00
Mais se notifica que, se obtiver aprovação na referida prova teórica é de imediato agendada data para a realização de prova prática (podendo a mesma ser realizada no próprio dia ou dia seguinte), devendo para efeitos de realização desta, providenciar veículo licenciado para o ensino da condução, conforme despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IMT, IP., de que se junta cópia.
Adverte-se que a não comparência ou reprovação em qualquer das provas determinadas pelo Ministério Público de Bragança, no dia e hora agendados, implica a não realização da(s) prova(s) seguinte(s), bem como a caducidade do título de condução nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 130.º do Código da Estrada e a consequente comunicação àquela entidade.– cf. doc. constante de fls. 21 do PA – Parte II, cujo teor se dá por reproduzido.
6. O Autor é arguido no processo-crime n.º 1420/11.0T3AVR [referido em “2.”], a correr termos no Tribunal Judicial de Bragança, no âmbito do qual foi acusado por factos relacionados com a obtenção da carta de condução com recurso a meios fraudulentos – cf. doc. 1 junto com a petição inicial, a fls. 9 e ss. dos autos físicos e docs. constantes de fls. 39-38 e 32-30 do PA – Parte I, cujo teor se dá por reproduzido.
Nos termos do Artº 662º nº 1 CPC são introduzidos os seguintes factos:
7 – Consta da decisão final do Procº nº 1420/11.0T3AVR, a correr no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, lida em 13 de dezembro de 2017, designadamente o seguinte:
“68 – JFMC
Tendo em conta que:
Como não se provaram os factos que eram imputados ao Arguido JFMC vai absolvido”.

IV – Do Direito
Vem suscitada a deficiência da matéria de facto fixada, que terá assentado em “defeituosa cópia de uma acusação crime do Ministério Publico de Bragança, sem nada se comprovar contra o autor”, sendo que deveria ter-se optado por “ouvir a prova testemunhal do autor e conjugar a mesma com os documentos juntos quer pelo autor quer pelo réu ...”.
É manifesto que a prova que suporta o presente Processo é predominantemente documental, pelo que se adotará o entendimento preconizado e sumariado, designadamente no Acórdão deste TCAN nº 301/14.0BEBRG, de 07/07/2017, onde se afirma que “À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.
Relativamente à apreciação da matéria de facto, o tribunal deverá socorrer-se, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente e não assente, a materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do atual Código de Processo Civil.
Em sede de apreciação de recurso jurisdicional, o tribunal, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.”

Por outro lado, mas no mesmo sentido, como sumariado no acórdão do TCAN nº 648/17BEPRT, 12-01-2018 “Mostrando-se a prova relevante predominantemente documental, e sendo patente que a eventual inquirição de testemunhas, independentemente do que pudesse ser dito, não teria a virtualidade de alterar a prova produzida e o sentido da decisão, não é suscetível de crítica a sua dispensa, mormente em Ação Administrativa impugnatória.
Como efeito, a necessidade de inquirição de testemunhas indicadas pelas partes deverá ser ponderada pelo juiz não havendo qualquer imposição legal relativamente a essa formalidade, em face do que a dispensa de inquirição de testemunhas não pode considerar-se a preterição de uma formalidade legal, desde que a prova produzida e disponível se mostre suficiente.”

Em face de tudo quanto precedentemente se expendeu, não se reconhece qualquer vicio decorrente da fixação da matéria de facto ou relativa à não inquirição de testemunhas.
*
Importa agora analisar o mérito da decisão.
No que aqui releva e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância o seguinte:
“O Autor pretende impugnar o despacho que ordena a sua submissão a provas – teórica e prática – de condução e pelo qual se determina a sua comparência em centro de exames, para a sua realização.
De quanto é possível alcançar da sua alegação, este funda a sua pretensão na violação de lei, “por falta de requisitos legais”.
Vejamos, à luz do enquadramento legal que ao caso cabe.
Da leitura da petição inicial apresentada resulta que não são especificamente apontados vícios ao despacho impugnado. Em todo o caso, o Autor parece sustentar não estarem verificados os requisitos legais de que depende a sua submissão a novas provas.
Sob tal perspetiva, importa atentar no teor da disposição legal em que a entidade requerida funda a decisão administrativa.
Trata-se do art. 129.º do Código da Estrada, onde se diz, sob a epígrafe “Novos exames”:
1 - Surgindo fundadas dúvidas sobre a aptidão física, mental ou psicológica ou sobre a capacidade de um condutor ou candidato a condutor para conduzir com segurança, a autoridade competente determina que aquele seja submetido, singular ou cumulativamente, a avaliação médica, a avaliação psicológica, a novo exame de condução ou a qualquer das suas provas.
(...)”
Em causa, fundamentalmente, está o n.º 1 do artigo transcrito e em concreto a questão de saber se, no caso em apreço, é legítimo considerar que existem fundadas dúvidas sobre a aptidão física, mental ou psicológica ou sobre a capacidade [do Autor] para conduzir com segurança.
Ora, da factualidade apurada para os presentes autos resulta que o Autor é arguido em processo-crime relacionado com a utilização de meios fraudulentos para a obtenção de cartas de condução.
Se é certo que, como refere, o processo-crime ainda está em curso, podendo ainda o Autor vir a ser absolvido, por outro lado do mesmo não se retira que não se suscitem desde já dúvidas quanto à respetiva aptidão ou capacidade para a prática de condução segura.
Na realidade, inversamente, o termo do processo-crime poderia eventualmente dissipar as dúvidas que os factos imputados ao Autor no libelo acusatório naturalmente suscitam.
Tanto vale por dizer, justamente, que os factos em virtude dos quais o Autor figura como arguido naquele processo-crime foram considerados pelo Ministério Público suficientemente evidenciados para contra ele ser proferida acusação (cf. art. 283.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Assim, entende-se que o facto de o Ministério Público ter considerado, na conclusão do inquérito, existirem indícios suficientes da verificação de crime e de o Autor ter sido o (um dos) seu(s) agente(s) e, em consequência, ter deduzido acusação contra este, é factualidade bastante e idónea a gerar na entidade administrativa “fundadas dúvidas” sobre a aptidão ou capacidade do Autor para a prática da condução de veículos motorizados.
Com efeito, respeitando os crimes em causa, precisamente, à obtenção de títulos de condução por meios fraudulentos, afigura-se perfeitamente legítima a consideração de que o mesmo não tenha sido devidamente sujeito às provas necessárias à comprovação daquela aptidão ou capacidade.
Assim, podendo legitimamente duvidar-se da demonstração das condições materiais necessárias à prática da condução, a cuja evidência ou comprovação se dirigem justamente as provas teórica e prática a que os candidatos a condutores se submetem, por imperativo legal, resultam verificados os pressupostos daquele artigo 129.º do Código da Estrada.
Efetivamente, possuindo o mesmo normativo um elenco meramente ilustrativo das circunstâncias que permitem inferir acerca das mencionadas “dúvidas”, considera-se que este é um dos casos em que se verifica a previsão genérica estabelecida no n.º 1 do artigo.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a argumentação do Autor e, com ela a presente ação, absolvendo-se o Réu do peticionado.”

Vejamos:
Há desde logo uma questão incontornável e que assenta no facto da decisão do tribunal a quo ter justificado as “fundadas dúvidas (...) sobre a capacidade [do Autor] para conduzir com segurança”, no facto de ser “... arguido em processo-crime relacionado com a utilização de meios fraudulentos para a obtenção de cartas de condução”, que como é do conhecimento público, envolvia mais de uma centena de arguidos.
O Referido determinou pois que o Tribunal a quo tenha concluído “que o facto de o Ministério Público ter considerado, na conclusão do inquérito, existirem indícios suficientes da verificação de crime e de o Autor ter sido um dos seus agentes e, em consequência, ter deduzido acusação contra este, é factualidade bastante e idónea a gerar na entidade administrativa “fundadas dúvidas” sobre a aptidão ou capacidade do Autor para a prática da condução de veículos motorizados”.
O que está agora em causa é que as “fundadas dúvidas” que resultavam da acusação do ministério Público, soçobram agora perante a absolvição do aqui Recorrente relativamente aos crimes de que vinha acusado, circunstância que foi acrescentada à matéria de facto provada, nos termos do Artº 662º nº 1 CPC.
Ainda que estejamos perante uma mera decisão judicial ainda não transitada em julgado, o que é facto é que a mesma, só por si, permite colocar em crise as fundadas dúvidas que determinaram a decisão objeto de impugnação.
Se é certo que de acordo com a própria Entidade Recorrida/IMT, “a decisão administrativa ora colocada em crise tem um caráter preventivo, não possuindo qualquer carácter sancionatório”, não se justificará insistir na mesma perante a não confirmação das dúvidas que haviam determinado a mesma.
Com efeito, tendo a decisão do IMT objeto de impugnação, de “submissão a novo exame de condução”, assentado nas “sérias dúvidas sobre se estes condutores reúnem as condições legalmente exigidas para a titularidade de uma carta de condução”, resulta manifesto que a sua absolvição, embora ainda não transitada em julgado, não deixa de permitir questionar as dúvidas que haviam determinado a controvertida decisão.
Acresce que perante eventual recurso relativo à referida absolvição criminal do arguido, aqui Recorrente, o tribunal superior não está naturalmente impedido, se for caso disso, de determinar a apreensão do título que o habilita a conduzir, o que sempre determinará a repetição dos exames de condução.
Em conclusão, tendo o ato objeto de impugnação assentado em “dúvidas”, que se não vieram a confirmar em sede de julgamento, importa revogar a decisão recorrida.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogar a decisão recorrida, mais se julgando procedente a Ação.
Custas pela Entidade Recorrida
Porto, 26 de janeiro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Migueis Garcia

Voto vencido, conquanto entendo que a decisão não transitada, mesmo que de absolvição, não demonstra que a valia do ato – e mais a mais ao seu tempo – esteja afetada por erro nos pressupostos.
Porto, 26/01/2018.
Ass. Luís Migueis Garcia