Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03534/11.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/22/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Esperança Mealha
Descritores:SUBSÍDIO DESEMPREGO; FALSAS DECLARAÇÕES;
AUDIÊNCIA PRÉVIA; FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – No âmbito de procedimento administrativo destinado à prática de atos que visam fazer cessar subsídio de desemprego anteriormente concedido, a audiência prévia do interessado não se revela inútil ou desnecessária quando os atos em causa se fundamentam em alegados indícios de falsas declarações, mas, pelo contrário, configura uma garantia procedimental legalmente imposta (artigo 100.º do CPA), para permitir ao interessado pronunciar-se previamente sobre os factos que lhe são imputados.
II – Não se encontra suficientemente fundamento o ato administrativo que suspende o pagamento das prestações de desemprego com fundamento na invocação genérica da existência de “fortes suspeitas sobre a inexistência de efetiva prestação de trabalho”, uma vez que não dá minimamente a conhecer as razões e os factos em que se suportam as alegadas “fortes suspeitas de fraude”, impedindo o interessado de se defender, nomeadamente, através da impugnação dos pressupostos em que assenta tal ato.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:INSTITUTO DA SOLIDARIEDADE E DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Recorrido 1:MMOS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
INSTITUTO DA SOLIDARIEDADE E DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, que julgou procedente a ação administrativa especial que MMOS intentou contra o Recorrente e, em consequência, anulou os despachos impugnados, com fundamento em vício de forma, decorrente da preterição de audiência prévia e de insuficiente fundamentação e condenou o demandado a pagar à autora as prestações de subsídio de desemprego em falta.
O Recorrente conclui as suas alegações como se segue:
1- O Acórdão recorrido fez errada aplicação do disposto no artº 95, nº 2, do CPTA, bem como o artº 87 al c) do CPTA, já que o Tribunal a quo entendeu não conhecer do vício de erro nos pressupostos de facto dos atos impugnados, expressamente invocado pela A. e contestado pela entidade recorrente, mas acaba por condenar (sem fundamento) o ISS, I.P., ao pagamento das prestações peticionadas pela Recorrida, e sempre sem conhecer daquele vício de fundo.
2- Ora, estando os factos cuja prova importa à decisão do invocado vício de erro nos pressupostos de facto, sujeitos ao segredo de justiça, decretado em Processo-Crime, deveria o Tribunal a quo, ter decidido a suspensão da instância, até ao levantamento do segredo de justiça, conforme, aliás, se decidiu nas diversas acções identificadas no art.º 53º das presentes alegações, instauradas por outros beneficiários contra o aqui Recorrente.
3- A dispensa da audiência prévia é legítima e legal, já que ocorreu ao abrigo dos artigos 100º e 103º do C.P.A., uma vez que a comunicação integral dos factos alertaria os suspeitos e colocaria em causa toda a investigação. Com efeito,
4- Num Estado de Direito, existem situações em que a tutela dos direitos individuais deverá ser sacrificada na medida do necessário para defender outros direitos de igual ou superior importância, nomeadamente, neste caso, o direito ao particular da audiência prévia deve ceder face aos direitos dos outros beneficiários da Segurança Social, bem como aos interesses do próprio Estando, de defesa da legalidade e promoção da acção penal.
5- De qualquer modo, mesmo que se entendesse que era necessário ter-se efectuado a audiência prévia, neste caso tratar-se-ia de uma mera irregularidade processual sem capacidade anulatória.
6- Na verdade, quando estamos em presença de um ato vinculado e a decisão a tomar não poder ser outra que mão a já tomada, qualquer que sejam as alegações do interessado, anular o ato para a administração praticar depois outro ato igual vai contra o princípio do aproveitamento dos atos processuais, pelo que nestes casos se deverá considerar inoperante o alegado vício de falta de audiência prévia, conforme acórdão nº00462/2000 – Coimbra, do TCA Norte, de 22/06/2011 e ainda acórdãos proc. Nº 0805/03, de 22/06/2006; proc. Nº 0779/07, de 29/05/2008; e proc. Nº 01129/08, de 05/03/2009.
7- O ato recorrido está perfeitamente bem fundamentado, já que explica que a suspensão das prestações se deve a fortes suspeitas de que não houve efectiva prestação de trabalho entre a A. e as entidades citadas.
8- A prova dessa efectiva prestação de trabalho faz parte já dos pressupostos de facto do ato, e nada tem a ver com a fundamentação, pelo que a demonstração dessa realidade, bem como as razoes de ciência e de convicção da Administração não tem de fazer parte da fundamentação do ato e, nesse sentido, o acórdão recorrido, ao considerar insuficiente a fundamentação, violou os artº 125 do C.P.A.
9- Acresce que o douto acórdão recorrido é nulo, nos termos do artº 615º do C.P.C., já que a matéria de facto dada como assente é insuficiente para sustentar a condenação da entidade recorrente no pagamento à Recorrida das prestações de desemprego em falta, desde o mês de Novembro de 2010.
10 – Por fim, o douto acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artº 615, nº 1, alínea d), do C.P.C., porquanto, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão - erro nos pressupostos de facto dos atos impugnados – da qual devia ter tomado conhecimento, a partir do levantamento do segredo de justiça decretado no Processo de Inquérito nº 5544/11.6TAVNG, que corre termos
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A Recorrida não contra-alegou.
A Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Norte emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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2. Delimitação do objeto do recurso
No presente recurso são colocadas as seguintes questões:
a) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre o vício de erro nos pressupostos de facto imputado ao ato impugnado;
b) Nulidade do acórdão recorrido por insuficiência da matéria de facto para sustentar a condenação do Recorrente no pagamento das prestações em causa;
c) Invalidade da decisão por não ter determinado a suspensão da instância até ao levantamento do segredo de justiça;
d) Erro de julgamento quanto à ilegalidade da não realização da audiência prévia ou, subsidiariamente, quanto à falta de força invalidade da sua não realização;
e) Erro de julgamento quanto à falta de fundamentação do ato.
Além disso, o Recorrente suscita ainda a questão de o tribunal a quo não ter determinado a suspensão da instância até ao levantamento do segredo de justiça, ao contrário do que foi decidido noutros processos semelhantes. Contudo, trata-se de questão que não pode ser apreciada no âmbito do presente recurso, o qual apenas tem por objeto o acórdão recorrido, que não se pronunciou sobre tal questão. Não tendo o Recorrente recorrido do despacho saneador, onde foi decidido não existir causa prejudicial que justificasse a suspensão da presente instância, tal decisão mostra-se fora do objeto do presente recurso e, consequentemente, transitada em julgado.
Assim, o presente recurso tem por objeto apenas as questões acima elencadas.
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3. Factos
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
A- Por despacho de 05/05/2009 foi deferido o requerimento de prestações de desemprego apresentado pela A., tendo-lhe sido atribuído o Subsídio de Desemprego no montante mensal de €1.148,70, por um período de 630 dias- cfr. fls.3 do PA;
B- Em 30/07/2010 o Diretor do Centro Distrital do Porto do ISS, IP, proferiu despacho no qual refere que “considerando que existem fortes indícios da inexistência de atividade das entidades empregadoras que identifica…determino a imediata cessação do direito às prestações até à conclusão dos processos de averiguação, uma vez que a existência de fortes indícios de fraude é suficiente para que a segurança social obste ao enquadramento e registo de remunerações
28/03/2011,
(…) face à ocorrência de fortes indícios da inexistência da relação laboral dos trabalhadores identificados pelas Entidades Empregadoras acima referidas, que determinará a anulação das Declarações de Remunerações apresentadas por aquelas e a correspondente inutilização do período de garantia necessário à atribuição das prestações de desemprego àqueles trabalhadores, a imediata cessação do direito às prestações até à conclusão do processo de averiguação, uma vez que a existência de fortes indícios de fraude é suficiente para que a Segurança Social obste ao enquadramento e/ou registo de remunerações.
Concluído o processo de averiguações, proceder-se-á de acordo com o que for apurado. Notifique-se o meu Despacho à Unidade de Prestações para cumprimento.
C- Em 12/02/2011 foi atribuído à A. o subsídio social de desemprego subsequente, por um período de 315 dias- cfr. doc. de fls.3 do PA;
D- Até ao mês de setembro de 2010, a A. recebeu mensalmente a quantia de € 1.148,70, a título de subsídio de desemprego.
E- A partir do mês de setembro de 2010 a A. deixou de receber qualquer quantia monetária relativa ao subsídio de desemprego que fora atribuído nos termos referidos em A).
F- A A. não foi notificada pelo ISS, IP da existência de nenhum procedimento aberto, nem de nenhum ato administrativo do qual resultasse a cessação do pagamento o subsídio de desemprego que vinha a auferir.
G- A A. remeteu para os competentes serviços do ISS, IP, o pedido de informação escrita de fls.28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
H- Em 14/01/2011, a A. remeteu para os competentes serviços do ISS, IP o pedido de informação sobre a cessação do pagamento de benefícios e pedido de reposição de fls. 30 a 33 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
I- O ISS, IP não respondeu a nenhum dos pedidos de informação referidos nas alíneas F) e G).
J- A A. foi notificada do ofício datado de 31/05/2011, de fls. 34 e 49 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para efeitos de audiência prévia relativamente à proposta de declaração de nulidade de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem e Anulação das Declarações de Remunerações referente ao trabalho prestado para a entidade empregadora ARS, do qual consta designadamente o seguinte:
(…)
Nos termos do art.º 100.º e ss do Código de Procedimento Administrativo, fica V. Ex.ª notificado da proposta de decisão infra, por despacho de 2011/03/28, do Exmo. Senhor Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP (…) para que, querendo, se pronuncie, por escrito (…).
Do apuramento efetuado pelos Serviços de Fiscalização do Norte do ISS, IP, no âmbito do processo 201000005467, vertido em relatório final remetido a estes serviços resulta que “(…)
A EEARS não respondeu às nossas notificações, enviadas para a residência declarada em sede de Segurança Social e Finanças, nem prestou qualquer esclarecimento acerca das (…) pessoas qualificadas como seus trabalhadores e fez incluir nas Declarações de Remunerações enviadas à Segurança Social, verificando-se que todas estas pessoas seguidamente passaram a receber prestações de doença e desemprego.
MMGOS (…), Qualificada em 30-03-096 e sequente passagem à situação de desemprego, indicando como causa da cessação a denúncia do contrato no período experimental por iniciativa da EE.
Foi notificada para prestar declarações no dia 15/03/2010 (…) Prestou as informações registadas em auto de declarações e no que importa relevar sobre a relação laboral estabelecida com o ENI em apreço expôs designadamente:
Não sabe localizar o estabelecimento onde trabalhou, sabe apenas chamar-se CB (…).
Acrescentando, ainda que (…) Face ao conteúdo deste relatório (…) não se confirma que (…) as pessoas singulares qualificadas como trabalhadores por conta de outrem na EEARS, entre 09/01/2009 e 05/01/2011s, tenham exercido efetiva atividade profissional remunerada no estabelecimento de que é titular por não existir prova documental que os mesmos tenham recebido qualquer remuneração por parte da EE e os pretensos trabalhadores também não se dispuseram a prestar declarações no sentido de aclarar a situação.
Todos os documentos entregues na Segurança Social em nome da EE …, nomeadamente declarações, qualificações, declarações de remunerações e outros onde constem as pessoas singulares sinalizadas (…) deverão ser excluídas do respetivo enquadramento em nome do empresário em nome individual ARS (…)
K- A Autora apresentou a defesa que consta de fls. 38/40 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual expressou designadamente o seguinte:
(…) foram violadas as mais elementares normas de direito, nomeadamente as de procedimento administrativo.
(…) Tendo sido violado o dever de notificação e comunicação aos interessados previsto no art. 55.º do CPA, na medida em que a m/Cliente verificou ter-lhe sido suspenso o pagamento do subsídio de desemprego, há vários meses, sem qualquer justificação prévia ou comunicação fundamentada, nem suporte legal, o certo é que a presente informação, seguida de despacho, faz referência à existência “de um Relatório Final” elaborado “pelos serviços de Fiscalização do Note do ISS, IP”.
Ora, o mínimo exigido legalmente era que a m/Constituinte fosse notificada do teor do referido “Relatório Final”, o que ora se requer, bem como da cópia do mencionado despacho de 28/03/2011 do Ex.mo Diretor do Centro Distrital.
(…) tem a esclarecer, dizer, refutar e realçar a m/Cliente que é falso que a mesma não tenha exercido “atividade como trabalhadora por conta de outrem” para a entidade empregadora “ARS”
(…) para prova clara do mencionado, apresenta em anexo declaração emitida pela referida entidade empregadora e reconhecida por Notário, em que consta o reconhecimento e afirmação da efetiva e real prestação de trabalho por parte da beneficiária em causa.
Da mesma forma, e para que nenhuma dúvida reste, a m/Cliente, no exercício do direito ao contraditório e no exercício do dever/direito de prestar as informações necessárias ao esclarecimento dos factos e apuramento da verdade, uma vez que não foi nunca sequer ouvida quanto ao assunto em causa, pretende ser ouvida por esses Serviços.
Sabe a m/Cliente que, inexplicavelmente, ao arrepio de todas as normas legais e no uso da boa-fé, esses Serviços da Segurança Social nem sequer ouviram ou tomaram declarações à referida entidade empregadora, que se deslocou pessoalmente para o fazer, pelo que, em bom rigor, não existe a mínima prova para a sustentação da decisão que pretendem tomar. No mínimo, requer a m/Cliente que a entidade empregadora identificada seja notificada para prestar declarações e esclarecer todas as dúvidas (!!) que possam existir.
(…)
Por essa via, deverá ser reposta a legalidade no procedimento por esses Serviços da Segurança Social, retomando-se o pagamento do subsidio de desemprego, com os respetivos retroativos, a que a m/Cliente tem direito.(…)”.
L- Dá-se aqui por integralmente reproduzida declaração subscrita pela entidade empregadora ARS, de fls. 41 a 47 dos autos.
M- A A. foi notificada do ofício datado de 01/06/2011, de fls. 36 a 37 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para efeitos de audiência prévia relativamente à proposta de declaração de nulidade de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem e Anulação das Declarações de Remunerações referente ao trabalho prestado para a entidade empregadora AFRO, do qual consta designadamente o seguinte:
(…) Nos termos do art.º 100.º e ss do Código de Procedimento Administrativo, fica V. Ex.ª notificado da proposta de decisão infra, por despacho de 2011/0406, do Exmo. Senhora Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP (…) para que, querendo, se pronuncie, por escrito (…).
Do apuramento efetuado pelos Serviços de Fiscalização do Norte do ISS, IP, no âmbito do processo 200900012948, vertido em relatório final remetido a estes serviços resulta que “(…)
Face aos factos apurados não se confirma a prestação de trabalho, nem o pagamento de qualquer remuneração referente aos TCO´s, MMOS - NISS 1…, no período de novembro de 2007 a março de 2008.
Acrescentando, ainda a anulação de todas as declarações de remunerações entregues na segurança Social pela E.E.AFRO (…)
Face ao exposto e por não resultar efetivamente comprovado o exercício de atividade como trabalhador por conta de outrem por parte da beneficiária (…) declara-se a nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem da citada entidade empregadora (…) com fundamento na prestação de informações falsas prestadas dolosamente e com má fé, consubstanciadas na comunicação de admissão de trabalhadores bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado(….)”.
N- A Autora apresentou a defesa que consta de fls. 49/51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
O- Através do ofício datado de 10/08/2011 a A. foi notificada do despacho de 29/07/2011 emanado pelo Senhor Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP do seguinte teor:
Em referência ao alegado por V. Ex.ª na resposta ao projeto de decisão de declaração de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem na PS/EEARS bem como da consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento, oportunamente, comunicado, entende-se não haver sido carreado para o processo qualquer elemento novo passível de alterar a decisão.
Note-se que o Relatório dos Serviços de Fiscalização, efetuado no âmbito da ação inspetiva que a esse Serviço está cometida, servindo de investigação a processo de natureza criminal em curso, está abrangido pela referida investigação judicial, não sendo, por isso, documento administrativo que deva ser facultado ao interessado, tendo sido transmitidas as informações relevantes à sua pronúncia sobre o projeto de decisão.
Porquanto, por despacho datado de 2011/07/29 do Ex.mo Sr. Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP, (…) decide-se declarar nulo o referido ato de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem, nos termos do disposto no art.º 78.º da Lei n.º 4/2007, de 16.01, em conjugação com o disposto nos Art. 133.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas prestadas dolosamente e com má fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12/02, artigos 1.º, 4.º e 5.º do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.º do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.º, 24.º, n.º1, 37.º, n.º1 do Art.º 40.º do Código Contributivo e Art.º 14.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de janeiro, à contrário, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento. (…).”.
P- Através do ofício datado de 11/08/2011 a A. foi notificada do despacho de 29/07/2011 emanado pelo Senhor Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP do seguinte teor:
Em referência ao alegado por V. Ex.ª na resposta ao projeto de decisão de declaração de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem na PS/EEAFRO bem como da consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento, oportunamente, comunicado, entende-se não haver sido carreado para o processo qualquer elemento novo passível de alterar a decisão.
Note-se que o Relatório dos Serviços de Fiscalização, efetuado no âmbito da ação inspetiva que a esse Serviço está cometida, servindo de investigação a processo de natureza criminal em curso, está abrangido pela referida investigação judicial, não sendo, por isso, documento administrativo que deva ser facultado ao interessado, tendo sido transmitidas as informações relevantes à sua pronúncia sobre o projeto de decisão.
Porquanto, por despacho datado de 2011/07/29 do Ex.mo Sr. Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP, (…) decide-se declarar nulo o referido ato de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem, nos termos do disposto no art.º 78.º da Lei n.º 4/2007, de 16.01, em conjugação com o disposto nos Art. 133.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas prestadas dolosamente e com má fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12/02, artigos 1.º, 4.º e 5.º do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.º do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.º, 24.º, n.º1, 37.º, n.º1 do Art.º 40.º do Código Contributivo e Art.º 14.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de janeiro, à contrário, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento. (…).”.
Q- A presente ação foi instaurada em 30/11/2011.
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4. Direito
4.1. Nulidades
O Recorrente começa por sustentar a nulidade do acórdão recorrido com fundamento em omissão de pronúncia, por o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre o vício consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto que a autora/recorrida imputou aos atos impugnados.
O acórdão recorrido, depois de ter constatado a anulabilidade dos atos em causa, com fundamento nos vícios de forma de preterição de audiência prévia e de insuficiente fundamentação, entendeu que ficava prejudicado o conhecimento do também alegado vício por erro nos pressupostos de facto, uma vez que a entidade demandada, aqui Recorrente, não revelara a fundamentação completa dos atos impugnados (que se constatou ser insuficiente), nem fornecera o processo administrativo que instruiu a prática de tais atos.
Relembre-se que os atos impugnados determinaram a imediata cessação das prestações de desemprego que haviam sido concedidas à Recorrida e, posteriormente, declararam nulos os atos de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem, com fundamento na prestação de informações falsas, por alegadamente não ter existido qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado, com a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento. Relembre-se, também, que nos presentes autos, o Recorrente não revelou a fundamentação completa dos atos, considerando que o processo em causa se encontrava em segredo de justiça, nomeadamente, não facultando à Recorrida, nem antes nem do decurso do presente processo, o relatório da equipa de fiscalização para o qual remetem os atos em causa, no qual alegadamente se encontra o suporte para a conclusão de que a Recorrida prestou falsas declarações.
Assim, na linha do decidido pelo acórdão recorrido, forçoso é concluir que nos autos não constam os elementos necessários para que o tribunal se possa pronunciar sobre o vício consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto, em virtude das circunstâncias descritas, imputáveis ao próprio Recorrente. Note-se que a este respeito não há qualquer omissão na decisão recorrida, mas antes a conclusão (fundamentada) da impossibilidade de apreciar esta causa de invalidade do ato, pelas razões referidas.
O que, só por si, determina a inexistência de qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Acresce que no presente recurso o Recorrente não contesta as razões, acima enunciadas, em que se fundamentou a decisão para não conhecer do aludido vício, as quais, independentemente disso, sempre se mostrariam inteiramente válidas, porquanto a insuficiência da fundamentação dos atos (a seguir melhor explicitada), conjugada com a indisponibilidade demonstrada para facultar os elementos em que se basearam tais decisões, o que evidentemente impossibilitava o tribunal de apreciar tal vício (e como salienta o acórdão recorrido, não podiam os presentes autos “servir de oportunidade para que a entidade demandada demonstre a posteriori os pressupostos de facto de uma decisão que proferiu em momento anterior e que nesse momento não logrou demonstrar”). Contrariamente ao que parece resultar das alegações do Recorrente, o objeto da ação de que emerge o presente recurso não são as condutas da Recorrida (sendo certo que os tribunais administrativos sempre seriam incompetentes para o julgamento das suas atuações, no plano criminal ou tributário), mas sim os atos administrativos praticados pelos serviços do Recorrente.
Mais alega o Recorrente a nulidade do acórdão recorrido com base em insuficiência da matéria de facto para sustentar a condenação do Recorrente no pagamento das prestações em causa.
Porém, não se vislumbra em que possa consistir tal insuficiência, que o próprio Recorrente não cuida de detalhar. Cumpre salientar que a condenação do Recorrente no pagamento das prestações em causa é consequência direta da decisão de anulação dos atos impugnados, pois consubstancia a execução do efeito repristinatório emergente dessa anulação, ou seja, a determinação dos atos e operações necessários à reposição do status quo ante, pronúncia que, como é sabido, deixou de estar reservada à fase execução de sentença anulatória, podendo ser peticionada e decidida, como foi, logo na ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos (cfr. artigo 47.º/2-b) do CPTA).
Pelo que improcedem as invocadas nulidades.
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4.2. Erros de julgamento
Sustenta o Recorrente que o acórdão recorrido errou ao considerar verificado o vício de preterição de audiência prévia, uma vez que esta se achava dispensada por se tratar da prática de um ato vinculado, não podendo a decisão a tomar ser outra senão a que foi proferida, o que, pelo menos, determinaria a inoperância deste vício de forma. Já na fase dos articulados o ora Recorrente havia defendido a inexistência de audiência prévia, então com fundamento na sua dispensa, nos termos do artigo 103.º do CPA, por obrigar à comunicação de factos que poderiam pôr em causa a utilidade da decisão.
Em qualquer dos casos, sem razão.
Ficou provado que não foi efetuada audiência prévia da interessada, quanto a um dos atos e que, quanto aos demais, não lhe foi dada a conhecer a fundamentação completa dos autos, impedindo-a de se defender ou pronunciar sobre os “índicos” que lhe são imputados. Uma vez que estamos perante atos lesivos, que subtraem um direito (prestação) que anteriormente havia sido concedido à interessada e que se fundamentam em condutas (falsas declarações) que o Recorrente imputa (aparentemente a título indiciário) à Recorrida, é manifesto que o autor do ato tinha que previamente ouvir a destinatária dos atos, nomeadamente, para lhe permitir defender-se dos factos que lhe são imputados como fundamento para a cessação das prestações de desemprego, o que, além do mais, lhe teria permitido demonstrar a eventual existência de um erro sobre os pressupostos de facto.
Ou seja, não só a referida audiência prévia era aqui legalmente imposta (cfr. artigo 100.º do CPA), como a mesma não era inútil ou desnecessária. Neste caso, como em geral, a audiência prévia da interessada não constituía um mero “ato de rotina”, mas uma garantia procedimental da interessada, que foi incumprida.
Por fim, o Recorrente invoca erro de julgamento quanto ao vício de falta de fundamentação, defendendo que o ato recorrido está “perfeitamente bem fundamentado, já que explica que a suspensão das prestações se deve a fortes suspeitas de que não houve efetiva prestação de trabalho entre a A. e as entidades citadas”.
A própria conclusão do Recorrente é reveladora da insuficiência de fundamentação de que padece(m) o(s) ato(s) impugnado(s), pois a simples alusão a “fortes suspeitas” sobre não ter havido “efetiva prestação de trabalho” não permite ao destinatário do ato conhecer os factos concretos em que se baseia tal conclusão. Como salienta a decisão recorrida, não apenas o Recorrente praticou atos que retiram direitos, apenas com base em “fortes suspeitas”, como não revelou à interessada as razões e os factos em que suporta a existência dessas fortes suspeitas de fraude, impedindo-a de se defender.
Resta dizer que na ação administrativa especial de que emerge o presente recurso apenas está em causa a apreciação da validade dos atos impugnados, à luz das normas e princípios jurídico-administrativos aplicáveis, que não se confunde, nem pode ser confundida, com o plano de uma eventual investigação criminal sobre os mesmos factos.
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 22.05.2015
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia