Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01057/23.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DO CONTEÚDO DO CADERNO DE ENCARGOS
PLANO DE TRABALHOS; INSUFICIÊNCIA;
EXCLUSÃO CONCURSAL;
Sumário:
I – A declaração formal de aceitação do conteúdo normativo do Caderno de Encargos não pode, em circunstância alguma, ser instrumentalizada como mecanismo de sanação à posteriori das contradições substanciais emergentes da apresentação de documentos técnicos que incorporem especificações materialmente incompatíveis com o referido Caderno de Encargos, não se afigurando admissível, in casu, invocar a pretensa sobreposição de aquiescências.

II – A verificação de incongruências cronológicas de substancial magnitude nos diversos instrumentos que integram a proposta da Contrainteressada e, bem assim, a falta de identificação, de forma concreta, circunstanciada e tecnicamente adequada, da totalidade das espécies de trabalhos previstas no mapa de quantidades, integram circunstâncias objetivamente inviabilizadoras do efetivo e profícuo controlo da execução da obra por parte da Entidade Contratante, comprometendo, de forma irremediável e irreversível, o exercício das prerrogativas fiscalizadoras que legalmente lhe assistem, bem como a aferição do cumprimento dos prazos parcelares, a verificação da qualidade técnica das soluções adotadas e a conferência da conformidade dos trabalhos realizados com as especificações técnicas previstas no caderno de encargos, com inevitáveis e gravosas repercussões no âmbito da realização do interesse público subjacente à contratação.

III- Afigura-se inviável contemplar a possibilidade de correção, aperfeiçoamento ou suprimento de tal proposta, pois que tal intervenção consubstanciaria, inevitavelmente, uma alteração substancial do conteúdo proposto, que, não só contenderia com a intangibilidade da proposta, como representaria a violação do princípio da concorrência, comprometendo a integridade e a equidade do procedimento concursal.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Entidade Demandada nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo T.A.F. do Porto, que, julgando bem fundada a pretensão da Autora, determinou o convite das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 45.º, n.º1, alínea d), do C.P.T.A., para acordarem no montante de indemnização devida, no prazo de 30 dias.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1- O Recorrente não contesta a sentença recorrida quando esta considera que o prazo de execução, neste caso os 12 meses, configura termo ou condição e não um atributo da proposta na medida em que não está submetido à concorrência.

2 - Mas o Recorrente já diverge da conclusão propugnada pela sentença recorrida, segundo a qual a CI terá assumido mais do que um prazo de execução e, como tal, não se terá vinculado a nenhum.

3 - Ao assinar e entregar o Anexo I (constante do PA) a CI comprometeu-se a executar o contrato de acordo com o conteúdo mencionado no caderno de encargos, declarando aceitar sem reservas as suas cláusulas, entre elas a cláusula 9.°, n.° 2, onde vem mencionada a condição do prazo quando se refere “c) Concluir a execução da obra e solicitar a realização de vistoria da obra para efeitos da sua receção provisória no prazo de 12 Meses a contar da data da sua consignação ou da data em que o dono da obra comunique ao empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, caso esta última data seja posterior.”.

4 - A CI vinculou-se à condição nos termos em que a mesma vem estipulada no caderno de encargos, não tendo resultado para o Recorrente qualquer dúvida quanto à vinculação da CI nesses exatos termos.

5 - Ao contrário da configuração dada pela sentença recorrida, a vinculação ao prazo por parte da CI ocorreu aquando da entrega do anexo I, e não em sede de apresentação do PT.

6 - O PT, enquanto documento da proposta, pode ser conformado pela concorrência, e permanece como “documento aberto” até à consignação, podendo ser ajustado até esse momento, e podendo até ser alterado em momento posterior.

7 - É precisamente esta conceção do PT como documento em construção e da suficiência da declaração de compromisso em cumprimento do caderno de encargos, que vem sendo adotada pelo entendimento da jurisprudência mais recente, nos termos supra apresentados.

8 - Não há dúvida que o prazo definido pelo Recorrente para a execução, nos termos do CE, é de 12 meses, sendo um termo/condição; e sendo assim, como efetivamente é, ao submeter a declaração sob compromisso de honra de cumprimento do CE (anexo I), a CI vinculou-se a esse prazo e não a qualquer outro.

9 - O definido em sede de PT, enquanto documento submetido à concorrência, permanece em aberto, podendo vir a ser conformado até a consignação e mesmo depois da mesma, desde que não viole o previsto pelo caderno de encargos (prazo de 12 meses).

10 - No caso concreto da presente ação, verifica-se que nenhum dos prazos indicativos apresentados pela CI era superior, pelo que, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, nunca poderia ser fundamento da exclusão da proposta.

11- Mesmo que se considerassem existir dúvidas quanto aos prazos diversos apresentados no plano de trabalhos - o que, reitera-se, não colocaria nunca em causa o entendimento do júri de que a CI se vinculou ao prazo de execução do n.° 2 da cláusula 9ª do CE - ainda assim sempre seriam apenas ambiguidades ou obscuridades suscetíveis de serem supridas pela prestação de esclarecimentos e até mesmo retificação oficiosa, porque o número de dias que terão em concreto os 12 meses de execução da obra dependeriam sempre da data de consignação (que corresponde a uma fase muito posterior à fase de apresentação de propostas).

12- O juízo da sentença recorrida que julga bem fundada a pretensão da Autora, com as consequências que daí também retira quanto ao direito indemnizatório da mesma, não pode proceder.

13- A consequência da exclusão da proposta da CI também se configura como infundada e desproporcionada, não tendo, para além disso, qualquer apoio mínimo na letra da lei.

14 - A intervenção do tribunal, neste domínio, deverá ser circunscrita às situações de erro grosseiro, manifesto e palmar, caso em que se reconheça que a intervenção da Administração sofreu de um evidente e grave desajustamento face à situação concreta.

15 - Este pressuposto do erro grosseiro, manifesto e palmar não se verificou, de todo, no presente caso.

16 - De acordo com a teoria das formalidades relativamente essenciais, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares pelo candidato a um concurso público só implica a exclusão da respetiva proposta quando a lei estabeleça tal sanção ou se não puder, no caso concreto, dar-se como assegurados os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar.

17 - Sendo assumido na doutrina e na jurisprudência, de forma reiterada, que a exclusão de uma proposta reduz a concorrência, pelo que tal hipótese deve ser reduzida ao mínimo estritamente necessário.

18 - A sentença recorrida procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação das normas invocadas para a respetiva decisão, designadamente as normas dos artigos 361°, 43°, 70° e 146°, todos do CCP, normas essas que assim se mostram violadas pela sentença recorrida (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no n.º1 do artigo 146.º do CPTA.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por “(…) incorreta interpretação e aplicação das normas invocadas para a respetiva decisão, designadamente as normas dos artigos 361°, 43°, 70° e 146°, todos do CCP (…)”.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. O quadro fáctico [positivo e negativo] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

1. Em 2023.01.30, por despacho da presidente da câmara de ... foi proferida decisão de contratar referente à empreitada Reconstrução interior dos balneários do estádio municipal de ... e ... - .... (fls. 149-156 do PA).

2. Do programa do procedimento, consta no ponto II - Objeto, preço e prazo do contrato a celebrar, que o prazo de execução contratual é de 12 meses contados da data de consignação até à data da receção provisória, sem prejuízo das obrigações inerentes ao período de garantia da obra. (fls. 149-156 do PA).

3. Do programa do procedimento consta, entre o mais, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 149-156 do PA).

4. Consta ainda do programa do procedimento, entre o mais, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 149-156 do PA).

5. Em 2023.02.02, foi publicado em Diário da República, II Série, Parte L, o Anúncio de procedimento n.° ...23, referente à empreitada identificada no ponto 1, do qual consta entre o mais, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. Do caderno de encargos consta, entre o mais, o seguinte: (...)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(fls. 175-176 do PA, parte I).

7. A empreitada Reconstrução interior dos balneários do estádio municipal de ... e ... - ..., encontra-se decomposta nos capítulos 1 - Estaleiro (de 1.1 a 1.2), capitulo 2 - Trabalhos preparatórios (2.1 a 2.2), capítulo 3 - Demolições (3.1), capitulo 4 -Fundações e Estrutura (4.1 a 4.4), capítulo 5 - Pavimentos, subcamadas (5.1), capítulo 6 - Revestimentos de Bancada (6.1 a 6.4), capítulo 7 - Paredes (7.1 a 7.4), capítulo 8 - Revestimentos (8.1 a 8.7), capítulo 9 - Portas (9.1 a 9.8), capítulo 10 - Equipamentos (10.1 a 10.4), capítulo 11 - Instalações (11.1 a 11.3), e dentro de cada capitulo em artigos e subartigos e sub-sub-artigos, nos seguintes termos:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

8. Do plano de trabalhos da proposta da CI, consta:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. Do plano de mão de obra da CI, consta:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Do plano de equipamentos, consta:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

11. Do plano de pagamentos e cronograma financeiro da CI, consta:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

12. Da memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra da proposta da CI, consta, entre o mais, o seguinte: (…) A presente Memória Descritiva tem como objetivo definir o modo de execução, seu faseamento e respetivos meios da empreitada em concurso. O Programa de Trabalhos foi elaborado a partir das condições expressas no Processo de Concurso, nomeadamente: Prazo de execução da empreitada de 12 meses; (...). 4.5 Prazo de execução. O prazo de execução da empreitada, a contar da data da consignação é de 12 meses. (…)” (fls. 217-258 do PA, parte II).

13. A proposta da CI, contém ainda, entre o mais o seguinte:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (fls. 217-258 do PA, parte II).

14. Em 2023.03.10, é elaborado o relatório preliminar, onde consta, entre o mais, a seguinte ordenação das propostas admitidas:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(fls.41 do PA, parte 1).

15. Do requerimento de apresentação de pronúncia em sede de audiência prévia, da A., consta entre o mais o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(doc. n.º 9, junto à PI, fls. 11-22 do PA).
16. Em 2023.04.21 é elaborado o relatório final, onde consta, entre o mais, o seguinte:

(…)

Nos termos do artigo 147.º do CCP aprovado pelo DL n.º 18/2008, o júri procedeu à audiência prévia escrita dos concorrentes, tendo-se pronunciado o concorrente [SCom01...] [Sic].

Após análise da pronunciada referida, entende o júri, que na proposta entregue pela empresa [SCom02...], Lda. verifica-se que nos documentos apresentados, plano de trabalhos, plano de equipamentos e de mão de obra, encontram-se especificados todas as espécies de trabalhos previstas no caderno de encargos patenteado a concurso e que tais elementos não podem ser dissociados uns dos outros, os quais integram, igualmente o plano de pagamentos tal como definido no artigo 361.º-A, n.º 1 do CCP.

Assim, estamos perante uma formalidade essencial que se degrada em não essencial, nos termos do artigo 163.º n.º 5 al. b) do CPA, uma vez que o plano de trabalhos apresentado, na sua componente de plano de equipamento, mão de obra e pagamentos sempre permitirá ao dono de obra fiscalizar a obra, tal como tem sido a posição da jurisprudência maioritária designadamente no Ac. do STA de 14/07/2022; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (dgsi.pt] – Processo 0627/20.4BEAVR.

Por outro lado, importa salientar o único critério de adjudicação em avaliação é na modalidade monofator – na avaliação do preço enquanto aspeto da execução do contrato a celebrar.

Todas as deliberações foram tomadas por unanimidade, entendendo o júri, que deve ser mantido o teor do relatório preliminar.

(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

17. Em 2023.04.25, a Presidente da Câmara municipal ..., exarou sobre o relatório final, o seguinte despacho: “Concordo, adjudique-se à empresa [SCom02...], Lda, pelos valores da sua proposta”.


(fls.1 do PA, parte I e despacho de adjudicação a fls.175 do PA).

18. Com data de 2023.04.28, foi endereçada carta a todos os concorrentes destinada a dar conhecimento do acto de adjudicação supra mencionado e, bem assim, notificada a adjudicatária para a apresentação dos seguintes documentos: “(...)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


(fls.139 e 140 do PA, parte II - numeração manuscrita-)

19. Com data de 2023.05.05, a adjudicatária, aqui Contrainteressada fez a entrega dos documentos de habilitação. (fls.189 e 190 do PA, parte II - numeração manuscrita -)

20. Com data de aposição de assinatura em 2023.05.15 e 2023.05.12, o R. e a Contrainteressada, respetivamente, subscreveram documento intitulado «Contrato n.º ...23 || Contrato de Empreitada “Reconstrução interior dos Balneários do Estádio ... - ..., ... e ...”», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (fls.192 a 195 do PA, parte II - numeração manuscrita -)

21. Com data de 2023.06.09, foi recebida pela «ACT» a “comunicação prévia de abertura de estaleiro da construção”, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (fls.215 a 218 do PA, parte II - numeração manuscrita -)

22. Com data de 2023.06.12, foi subscrito pelo representante do R. e pela diretora de fiscalização e pelo diretor técnico da Contrainteressada da obra em apreço, o “auto de consignação”, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (fls. 223 do PA, parte II - numeração manuscrita -)

Factos não provados:

a. qual o exato estado de execução da obra;

b. quais os equipamentos desportivos existentes no Município ... e qual o seu estado de conservação;

c. a aquisição e aluguer de uma série de equipamentos e, bem assim, da alocação de mão obra especializada e permanente, para assegurar a execução da empreitada contratada realizada pela Contrainteressada cocontratante e respetivos custos;

d. as consequências da “descontinuação” da alocação de tais meios e mão-de-obra à obra em apreço (…)”.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. A Autora [SCom01...], Unipessoal, Lda., intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, tendo formulado o seguinte petitório: “(…) Termos em que se deve ordenar a citação da ED e Contrainteressada para, querendo, contestarem a presente ação, no prazo e sob as legais cominações, sendo, a final, julgada a mesma procedente, por provada, e em consequência: 1. ser anulado o ato administrativo impugnando, e, em consequência, julgar-se excluída a proposta da contrainteressada do procedimento dos autos e a consequente adjudicação à aqui Autora, 2. ou, caso assim se não entenda, condenar-se a entidade demandada a elaborar um novo relatório final e nova decisão de adjudicação expurgada dos apontados vícios e que integre a exclusão da proposta da dita contrainteressada; (…)”.

12. Fundamentou as suas pretensões, brevitatis causae, no entendimento de que o ato impugnado enfermava de uma miríade de vícios, que elencou [(i) falta de fundamentação na resposta à audiência prévia feita pela A.; (ii) erro nos pressupostos de facto e de direito; e (iii) violação dos princípios da concorrência, igualdade e da intangibilidade das propostas ou imutabilidade].

13. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, após algumas vicissitudes processuais, julgou bem fundada a pretensão da Autora e, consequentemente, instou as partes a estabelecerem, por mútuo consenso, o quantum indemnizatório devido, no prazo de 30 [trinta] dias, em conformidade com o estatuído no artigo 45.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

14. Perlustrando a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida, verifica-se que a decisão judicial recorrida fundamentou-se, primacialmente, no entendimento de que, não obstante a não verificação dos alegados vícios de insuficiência de fundamentação e violação dos princípios da concorrência e igualdade, o acto administrativo de adjudicação padecia, indubitavelmente, de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na apresentação de três prazos distintos na proposta e na manifesta inadequação do plano de trabalhos, circunstâncias que, per se, justificariam a anulação do referido ato.

15. Realmente, o Tribunal recorrido constatou que a proposta continha três prazos distintos e incompatíveis entre si: 365 dias no formulário principal, 336 dias [correspondentes a 48 semanas] no plano de trabalhos, e 360 dias no plano de mão de obra e equipamentos, o que violava diretamente a cláusula 9.ª do caderno de encargos e o ponto II do programa do procedimento, que estabeleciam claramente um prazo de execução contratual de 12 meses [contados da data de consignação até a receção provisória].

16. Outrossim, observou que o plano de trabalhos apresentado pela Contrainteressada não continha os dados relativos à execução de cada espécie de trabalhos, limitando-se a apresentar informação genérica sobre capítulos de trabalho, sem especificar concretamente as 88 tarefas da empreitada elencadas no mapa de quantidades anexo ao caderno de encargos, o que impossibilitava determinar a sequência, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, constituindo "uma verdadeira impossibilidade prática" de fiscalização, em função do que considerou que a proposta da C.I. violava os artigos 57.º, n.º 2, alínea b) e 361.º do CCP, bem como os pontos 2 e 15.V do programa do procedimento, constituindo causa de exclusão da proposta, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e f) do CCP.

17. Não obstante o reconhecimento do vício substancial supra referido, suscetível de determinar a anulação do ato de adjudicação, o Tribunal Recorrido optou por afastar o efeito anulatório relativamente ao contrato já celebrado, mediante aplicação do disposto no artigo 283.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, alicerçado na manifesta desproporcionalidade que adviria da anulação contratual, considerando o avançado estado de execução da empreitada e os relevantes interesses públicos em presença, reconhecendo à Autora, tão-somente, o direito a ressarcimento pelos prejuízos efetivamente suportados.

18. No recurso em apreço, a Recorrente manifesta concordância quanto à natureza jurídica do prazo de execução de 12 meses, reconhecendo-o como termo ou condição não submetido à concorrência.

19. Contudo, insurge-se veementemente contra o entendimento jurisdicional que concluiu pela não vinculação da Concorrente/Contratada a qualquer prazo, sustentando, ao invés, que a vinculação ao prazo de 12 meses ocorreu, inequivocamente, aquando da entrega do Anexo I, mediante declaração de aceitação incondicional das cláusulas do caderno de encargos, nomeadamente a disposição constante da cláusula 9.º, n.º 2, alínea c).

20. Clama ainda a Recorrente que o Plano de Trabalhos reveste natureza instrumental e evolutiva, constituindo um documento suscetível de conformação até ao momento da consignação e mesmo posteriormente, desde que observado o prazo máximo estabelecido no caderno de encargos.

21. Nesta senda argumentativa, sublinha que nenhum dos prazos indicativos apresentados pela Concorrente/Contratada excedia o limite temporal estatuído, pelo que eventuais ambiguidades ou obscuridades seriam passíveis de suprimento mediante esclarecimentos ou retificação oficiosa, considerando que a determinação precisa do cômputo temporal dependeria, em última análise, da data de consignação da obra.

22. A Recorrente advoga, outrossim, que a exclusão da proposta se afigura manifestamente infundada e desproporcionada, carecendo de sufrágio na letra da lei, postulando que a intervenção jurisdicional no domínio da contratação pública deve circunscrever-se às situações de erro grosseiro, manifesto e palmar, pressuposto que, segundo alega, não se verificou in casu.

23. Espraiadas as considerações expendidas na constelação argumentativa da Recorrente, e após cuidada análise do alcance e substância das mesmas, impõe-se, em sede preliminar, antecipar, por um lado, que não se antolha a existência de qualquer fio condutor lógico-jurídico que justifique a reversão da sentença recorrida.

24. Com efeito, e no tocante ao primeiro vetor recursivo, impera ressaltar a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no aresto de 31.03.2016, proferido no processo n.º 023/16, que se mostra inequívoca na afirmação da seguinte realidade jurídica: "(…) Com efeito, em qualquer concurso, inclusive, no caso do presente concurso, em que o critério de adjudicação é o do preço mais baixo, se um concorrente apresenta um documento [seja ou não de apresentação obrigatória] cujo conteúdo técnico, vai contra o exigido no programa do concurso ou no caderno de encargos, e deste modo contraria o conteúdo constante da Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, obviamente que tal facto é inadmissível e é motivo de exclusão. Igualmente, não se pode concluir, pelo facto da concorrente haver subscrito a Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, que tal aceitação afasta imediata e necessariamente a relevância e o compromisso manifestados através da apresentação de qualquer outro documento que contenha regras técnicas que contrariem esse mesmo caderno de encargos, não se podendo falar em sobreposição de aceitações [como se a declaração de aceitação afastasse qualquer documento que o contrariasse] uma vez que, o que importa é o cumprimento rigoroso dos parâmetros fixados no caderno de encargos levado a concurso (…)". [destaque nosso].

25. Reiterando e perfilhando in totum a supracitada orientação jurisprudencial, impõe-se, mediante a sua translação hermenêutica ao caso sub judice, concluir pela absoluta conformidade jurídica da sentença recorrida no particular conspecto em análise, revelando-se esta irrepreensivelmente fundamentada e juridicamente escorreita, em estrita observância dos princípios estruturantes do direito da contratação pública.

26. Efetivamente, resulta límpido dos autos que o Recorrente não controverte a evidência de a proposta apresentada contemplar, de forma manifestamente irregular, a indicação simultânea de "(…) três prazos distintos e incompatíveis entre si: 365 dias no formulário principal, 336 dias [correspondentes a 48 semanas] no plano de trabalhos, e 360 dias no plano de mão de obra e equipamentos (…)", factualidade esta que conduziu, inexoravelmente, à conclusão de que "(…) a Contrainteressada não se vinculou a um único prazo para a execução da empreitada (…)".

27. Alternativamente, o Recorrente sustenta que a vinculação ao prazo de execução contratual de 12 meses, expressamente estabelecido na cláusula 9.ª do caderno de encargos e precisamente determinado no ponto II do programa do procedimento, terá ocorrido, de forma alegadamente inequívoca, aquando da entrega do Anexo I, mediante a declaração formal de aceitação incondicional das cláusulas do caderno de encargos, argumentando, em consequência, pela inexistência de fundamento jurídico-material válido para a determinação de exclusão da proposta.

28. Não obstante, tal construção argumentativa revela-se manifestamente improcedente e juridicamente insustentável, porquanto, como já vimos, a declaração formal de aceitação do conteúdo normativo do caderno de encargos não pode, em circunstância alguma, ser instrumentalizada como mecanismo de sanação à posteriori das contradições substanciais emergentes da apresentação de documentos técnicos que incorporem especificações materialmente incompatíveis com o referido caderno, não se afigurando admissível, in casu, invocar a pretensa sobreposição de aquiescências.

29. In casu, a apresentação concomitante de três prazos distintos e manifestamente incompatíveis entre si consubstancia uma ambiguidade insuscetível de superação por via interpretativa, gerando uma incerteza juridicamente intolerável quanto a um elemento essencial do contrato – o prazo de execução da empreitada –, o que coloca, irremediavelmente, em causa os princípios basilares da comparabilidade das propostas e da concorrência efetiva, estruturantes de todo o procedimento de contratação pública.

30. A contrario sensu, a aceitação da tese propugnada pela recorrente conduziria ao resultado manifestamente inaceitável, do ponto de vista dos princípios gerais de direito, de permitir aos concorrentes apresentarem propostas intrinsecamente contraditórias nos seus elementos constitutivos essenciais, reservando-se o direito de, posteriormente, optarem pela interpretação que lhes fosse mais conveniente, em flagrante violação dos princípios da boa-fé objetiva, da transparência procedimental e da igualdade de tratamento entre os concorrentes.

31. Ad abundantiam, cumpre ainda salientar que, nos termos do preceituado no artigo 57.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, a proposta é constituída pelo conjunto de todos os documentos que a integram, não sendo juridicamente admissível estabelecer uma hierarquia valorativa entre os mesmos que permita a um documento genérico [como a declaração de aceitação] prevalecer sobre documentos técnicos específicos [como o plano de trabalhos ou o plano de mão de obra e equipamentos].

32. Afigura-se, portanto, juridicamente insustentável a pretensão do Recorrente de ilidir a manifesta contradição entre os diversos prazos de execução apresentados na sua proposta mediante a invocação da declaração formal de aceitação incondicional das cláusulas do caderno de encargos, com o que fica negada a procedência da mesma.

33. E idêntica asserção é atingível no tocante ao demais argumentado pelo Recorrente

34. Na verdade, a mácula detetada pelo douto Tribunal a quo na proposta da Autora - recorde-se - prende-se com a circunstância, para além da proposta não se vincular ao prazo de execução contratual de 12 meses fixado nas peças concursais -, de o plano de trabalhos apresentado pela Contrainteressada não conter os dados relativos à execução de cada espécie de trabalhos, limitando-se a apresentar informação genérica sobre capítulos de trabalho, sem especificar concretamente as 88 tarefas da empreitada elencadas no mapa de quantidades anexo ao caderno de encargos.

35. Tais lacunas, na ótica do Tribunal de primeira instância, configurariam óbices à admissibilidade da proposta, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e f) do CCP.

36. Secundamos o entendimento assim perfilhado.

37. De facto, da análise pormenorizada e sistemática do acervo factual dado como provado, afigura-se inequívoco e insofismável que a Contrainteressada incorreu numa manifesta e substancial omissão quanto à identificação exaustiva e circunstanciada das espécies de trabalhos, tal como definidas no mapa de quantidades anexo ao Caderno de Encargos, tendo optado, em clara contravenção às exigências procedimentais e normativas aplicáveis, por uma abordagem reducionista e simplificadora, limitada à mera referenciação capitular.

38. Realmente, compulsado o tecido fáctico coligido nos autos, designadamente nos pontos 7 e 8 da factualidade dada como provada, constata-se, com meridiana clareza, que o mapa de quantidades da empreitada sub judice encontra-se estruturado segundo uma lógica hierárquica descendente, partindo de onze capítulos principais – designadamente, Estaleiro, Trabalhos Preparatórios, ..., Revestimentos de Bancada, Paredes, Revestimentos, Portas, Equipamentos e Instalações – para, subsequentemente, se desdobrar em múltiplos artigos, subartigos e sub-sub-artigos, culminando na identificação individualizada e pormenorizada de oitenta e oito espécies de trabalho autónomas e distintamente caracterizadas.

39. Em contraposição, o Plano de Trabalhos apresentado pela Contrainteressada revela-se manifestamente deficitário e lacunar, consubstanciando-se numa representação diagramática rudimentar, estruturada exclusivamente ao nível dos capítulos genéricos, sem qualquer alusão, discriminação ou particularização dos elementos constitutivos de grau hierárquico inferior, designadamente as espécies de trabalho concretamente definidas no mapa de quantidades.

40. Acresce, com particular relevância jurídica, que se verificam incongruências cronológicas de substancial magnitude nos diversos instrumentos que integram a proposta da Contrainteressada, conforme resulta, de forma cristalina, dos pontos 8, 9, 10, 11 e 12 da matéria factual.

41. Com efeito, enquanto o plano de trabalhos configura um horizonte temporal de 336 dias, correspondentes a 48 semanas, o plano de mão-de-obra e o plano de equipamentos estabelecem, divergentemente, um prazo de execução de 360 dias.

42. Em acrescida dissonância, a memória descritiva e justificativa, bem como o plano de pagamentos e cronograma financeiro, aludem a um período de 12 meses, introduzindo, assim, um terceiro referencial cronológico, manifestamente inconciliável com os anteriormente mencionados e gerador de uma inadmissível insegurança jurídica quanto ao compromisso temporal, efetivamente, assumido pela Contrainteressada.

43. Esta tríplice e irreconciliável divergência temporal não constitui mera irregularidade formal ou vício não essencial, antes configurando uma violação substantiva das disposições normativas aplicáveis, designadamente do preceituado no artigo 361.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos, nos termos do qual o plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los.

44. Face ao circunstancialismo factual supra exposto, é de manifesta evidência que o Plano de Trabalhos em apreço não procede à identificação, de forma concreta, circunstanciada e tecnicamente adequada, da totalidade das espécies de trabalhos previstas no mapa de quantidades, cingindo-se a uma exposição de caráter genérico e manifestamente insuficiente relativa aos capítulos laborais, abstendo-se, consequentemente, de apresentar os elementos informativos imprescindíveis relativos à execução pormenorizada de cada categoria tipológica de trabalhos.

45. As insuficiências que se vem de patentear consubstanciam, indiscutivelmente, circunstâncias objetivamente inviabilizadoras do efetivo e profícuo controlo da execução da obra por parte da Entidade Contratante, comprometendo, de forma irremediável e irreversível, o exercício das prerrogativas fiscalizadoras que legalmente lhe assistem, bem como a aferição do cumprimento dos prazos parcelares, a verificação da qualidade técnica das soluções adotadas e a conferência da conformidade dos trabalhos realizados com as especificações técnicas previstas no caderno de encargos, com inevitáveis e gravosas repercussões no âmbito da realização do interesse público subjacente à contratação.

46. Assim, na senda da jurisprudência espraiada no Acórdão deste T.C.A. Norte prolatado em 04.10.2023, no âmbito do processo 00536/23.5BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt, deve entender-se que as patenteadas insuficiências constituem-se como causas legítimas e juridicamente sustentáveis para a exclusão da proposta apresentada pela Autora, aqui Recorrente.

47. A questão que se equaciona no imediato é a de saber se tais causas de exclusão são [ou não] suscetíveis de sanação procedimental?

48. A indagação suscitada encontra, desde logo, resposta negativa.

49. De facto, estabelece o artigo 72.º, n.ºs 1 a 3, do CCP, o seguinte: “(…)

1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.

2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º

3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento de irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, incluindo, designadamente:

a) A não apresentação ou a incorreta apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da candidatura ou da proposta, incluindo as declarações dos anexos i e v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública;

b) A não junção de tradução em língua portuguesa de documentos apresentados em língua estrangeira;

c) A falta ou insuficiência da assinatura, incluindo a assinatura eletrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos.

4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido (…)”.

50. Como se colhe inequivocamente do disposto no artigo 72º, n.º1 do CCP, a faculdade de “prestação de esclarecimentos” mostra-se reservada para eventuais dúvidas que ressaltem da análise dos elementos constantes das propostas apresentadas.

51. O que significa que não pode ser objeto de “prestação de esclarecimentos” aquilo que não existe no procedimento concursal.

52. De igual modo, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, também não há lugar ao suprimento da proposta quanto ao patamar em análise.

53. De facto, o n.º 3 do artigo 72.º do CCP, na redação aplicável, apenas permite o suprimento das “(…) irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, incluindo, designadamente: (…)”.

54. Como está bom de ver, o mecanismo consagrado no n.º 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos foi concebido para dar resposta às denominadas invalidades formais não essenciais.

55. Ora, na situação dos autos, não estamos perante qualquer irregularidade formal não essencial, mas antes perante uma invalidade material [no sentido de que as exigências do 361.º do CCP não são apenas de natureza formal, antes encontram o seu fundamento também em aspetos materiais relacionados, quer com a correta avaliação das propostas, quer com a futura execução do contrato, vd. Acórdão do STA, de 07/04/2022, proferido no processo n.º 01513/20.3BELSB].

56. Esta invalidade material decorre da omissão de elementos obrigatórios da proposta: a resposta do concorrente a aspetos específicos da execução contratual que, embora não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, se afiguram imprescindíveis para a avaliação in loco da conformidade e qualidade dos trabalhos efetuados e dos materiais aplicados.

57. Neste enquadramento, afigura-se inviável contemplar a possibilidade de correção, aperfeiçoamento ou suprimento da proposta.

58. Tal intervenção consubstanciaria, inevitavelmente, uma alteração substancial do conteúdo proposto, que, não só contenderia com a intangibilidade da proposta, como representaria a violação do princípio da concorrência, comprometendo a integridade e a equidade do procedimento concursal.

59. E nada disto bole com o princípio de separação de poderes, já que este “(…) não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração, mas tão-só uma proibição funcional do juiz não ofender a autonomia do poder administrativo (…)” [Vd. aresto do STA, de 03.12.2015, processo n.º 913/15].

60. No caso vertente, a apreciação judicial incide sobre a verificação de requisitos formais e substanciais objetivamente determinados na lei, não envolvendo qualquer juízo valorativo sobre a oportunidade ou conveniência da decisão administrativa, nem substituindo o tribunal à Administração na ponderação de interesses ou na formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.

61. Em conclusão, a análise efetuada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quanto à conformidade do plano de trabalhos com as exigências legais aplicáveis inscreve-se plenamente no âmbito da sua competência fiscalizadora da legalidade administrativa, não consubstanciando qualquer violação da discricionariedade técnica reconhecida à Administração.

62. Nesta conformidade, e face de tudo o quanto ficou antes exposto, soçobram, inexoravelmente, as conclusões recursórias em análise.

63. Donde se atinge que o presente recurso não merece provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida.

Assim se decidirá em sede dispositiva.


* *


V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 4 de abril de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Clara Ambrósio