Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00477/02 - Porto
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2006
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Dr. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Descritores:CONCURSO PROVIMENTO - CLASSIFICAÇÃO - ESCOLHA MÉTODOS DE SELECÇÃO
Sumário:I. Se em concurso de provimento para um lugar de auxiliar de serviços gerais o recorrente impugna o acto que homologou a lista de classificação final assacando vícios que se repercutem no método de selecção entrevista profissional, deixando no entanto intocada a classificação atribuída no método prova de conhecimentos onde obteve classificação inferior à da outra oponente, é irrelevante o conhecimento daqueles vícios já que a procedência dos mesmos não tem a virtualidade de alterar a classificação final relativa entre os concorrentes.
II. A escolha dos métodos de selecção nos termos do art. 19º, n.º 1 do DL n.º 204/98 de 11/7 traduz-se numa actividade da administração que cai no âmbito da discricionariedade, pelo que, a mesma só é sindicável pelos Tribunais com fundamento em erro manifesto ou evidente.
Data de Entrada:10/13/2005
Recorrente:M.
Recorrido 1:Junta de Freguesia de Pedroso
Recorrido 2:I.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso Contencioso de Anulação - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
M…, com os sinais nos autos, inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, 1º juízo liquidatário, datada de 12 de Novembro de 2004 que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação que havia intentado contra a Junta de Freguesia de Pedroso, identificada nos autos, por não verificação dos vícios que imputou à deliberação datada de 27 de Março de 2002 que homologou a lista de classificação final e graduação respeitante ao concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de auxiliar de serviços gerais, concurso este que foi aberto por Aviso publicado no DR, n.º 290, III Série, de 17/12/2001 e em que ficou classificada em primeiro lugar I….
Alegou, tendo concluído como se segue:
1. Continua a recorrente convencida da bondade do que sustentou no requerimento inicial deste recurso contencioso de anulação – que vem nesta sede manter e reiterar integralmente, confiando em que a razão que entende assistir-lhe aqui será reconhecida: daí o presente recurso;
2. Discordando embora do sentido da decisão de que se recorre, protesta a maior consideração e respeito pela Digna Magistrada que a proferiu, e admiração e apreço pela linearidade e clareza de exposição e sistematização que foram adoptadas naquela douta sentença – para essa mesma sistematização se reconduzindo assim as linhas mestras desta singela peça;
3. Cristalizada que está a matéria factual relevante para a boa decisão da lide, entende a recorrente que essa mesma matéria cabalmente demonstra a verificação efectiva dos vícios de violação de lei que se apontaram ao acto recorrido no presente recurso contencioso de anulação;
4. Seguindo a boa sistematização da decisão recorrida, reitera-se, em primeira linha, que ocorreu efectivamente a violação do disposto no art. 5º do DL n.º 204/98 de 11/07 que se aponta ao procedimento concursal de cujo desfecho vem o presente recurso;
5. A este propósito evidencia-se que a douta sentença recorrida reconhece, objectivamente, o incumprimento, no caso concreto, desse dispositivo legal – que é cristalino ao impor “a divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final”;
6. Que assim não aconteceu no caso vertente, é a própria sentença recorrida a reconhecê-lo (fls. 100, remissão para os pontos 13 a 18 dos factos assentes, e pontos 29 e 39 dos mesmos factos) – embora aí se entenda que esse incumprimento da Lei é irrelevante, porque extrai a conclusão de que “o Júri actuou com total isenção e imparcialidade”, e que no caso concreto, não resultaram beliscados os princípios do n.º 1 do mesmo art. 5º do DL n.º 204/98 de 11/07;
7. Salvo o devido respeito, não é assim de todo, no caso concreto – pois a igualdade de condições e a igualdade de oportunidades devem aferir-se não só com referência à linearidade ou correcção formal do procedimento, mas também em presença das condições objectivas em que resultam colocados os concorrentes, e com atenção à tipicidade das funções para que se concorre;
8. Daí que, estando-se em presença de um concurso com o conteúdo funcional deste (vide ponto 3 dos factos provados) seja de exigir uma grande transparência e exactidão na divulgação do conteúdo das provas – sob pena de factores de grande subjectividade, indiferentes para as concretas funções para que se dirige o concurso, poderem influenciar, decisivamente, o resultado desse;
9. Não pode assim haver dúvidas de que, ao contrário do entendimento formulado na douta sentença recorrida, a violação objectiva, do disposto no art. 5º, n.º 2 do DL n.º 204/98 de 11/07 – viciou, de forma decisiva o resultado do concurso aqui em crise;
10. Este aspecto, aliás, tem manifesta ligação com o que, em sede de violação do art. 19º do DL n.º 204/98 de 11/07, a recorrente também aponta ao acto recorrido – pois, para além de não ser divulgado atempadamente o teor/tema da prova de entrevista profissional, entendeu o Júri como ajustado, e o Tribunal “a quo” como adequado ao caso concreto, a paridade avaliativa, em termos de classificação, entre a prova de conhecimentos e a entrevista profissional de selecção – ambas pontuadas entre 0 e 20 valores, e com o mesmo peso no resultado final do concurso, face à formula de classificação final;
11. Essa fórmula é objectivamente ilegal – como aliás a própria sentença recorrida reconhece – e é inadmissível no caso concreto;
12. Como cristalinamente estatui o art. 19º do DL n.º 204/98 de 11/07, a entrevista profissional de selecção tem, sempre, carácter complementar – e só pode, nos termos do art. 23º do mesmo diploma legal, ser utilizada como método de avaliação dos candidatos desde que “o conteúdo funcional e as especificidades da categoria o justifiquem, sem carácter eliminatório”;
13. Como bem se assinala na douta sentença recorrida, a fls. 101 destes autos, é indiscutível “o facto da entrevista profissional de selecção consistir num momento, por excelência, de funcionamento da discricionariedade administrativa”, sendo “campo de discricionariedade”;
14. Porque assim é, resulta óbvio que a ponderação igualitária entre as provas de conhecimentos e a entrevista profissional de selecção violou, no caso concreto, os princípios ou critérios da … e da complementaridade estatuídos no art. 19º do DL n.º 204/98 de 11/07;
15. Pois constitui uma evidência, e uma certeza matemática, o facto de que, mediante a ponderação igualitária feita entre a prova de conhecimentos e a entrevista profissional de selecção neste concreto concurso, resulta possível determinar o resultado desse através da classificação atribuída aos candidatos na entrevista profissional de selecção;
16. Ou seja, retira-se, na prática, o critério de principalidade ao método da prova de conhecimentos – pois o resultado do concurso pode objectivamente colocar um candidato inferiormente pontuado nessa prova à frente de outro melhor notado na entrevista profissional;
17. Tal ponderação não é, pois, admissível, pois coloca em verdadeira paridade – mais permitindo que determine insofismável e decisivamente o resultado do concurso – aquela prova que, como expressamente se reconhece na douta sentença recorrida, consiste no momento, por excelência, de funcionamento da discricionariedade administrativa, constituindo campo aberto de discricionariedade;
18. Este entendimento, que não se crê como passível de séria contestação, será tanto mais pertinente neste caso concreto quanto se constata que o conteúdo funcional do concurso em causa em nada justifica essa verdadeira prevalência da entrevista profissional sobre a prova de conhecimentos;
19. Como resulta da enunciação, e do conteúdo e finalidades objectivas do concurso aqui em crise, estamos em presença de trabalhos de grande dignidade mas de natureza “menor” – trabalhos de limpeza e conservação de instalações, e colaboração eventual em outras tarefas simples – o que só reforça o entendimento de que, objectivamente, carece de qualquer justificação ou verosimilhança o flagrante desrespeito pelo normativo do art. 19º do DL n.º 204/98 de 11/07 que ocorreu no caso concreto;
20. Estamos em presença do campo exacto de aplicação do n.º 3 do art. 23º do mesmo normativo: nada têm a ver com a proficiência de uma funcionária de limpeza e auxiliar os seus dotes oratórios, o seu carácter reservado ou a sua expansividade, ou a sua timidez perante pessoas com superior grau de literacia, para mais investidas numa posição/função de avaliação concorrencial;
21. O próprio tema adoptado para o desenvolvimento da entrevista é passível de várias abordagens perfeitamente sérias e coerentes – em cuja “avaliação” só pode pesar a subjectividade, a simpatia humana, o humor do momento de avaliador e de avaliado, tudo critérios que o legislador necessariamente quis afastar como critério de avaliação;
22. Houve, assim, evidentemente, no caso concreto dos autos, violação do princípio da principalidade e da complementaridade que decorrem da estatuição do art. 19º do DL n.º 204/98 de 11/07;
23. Como também houve, manifestamente – e por tudo quanto veio de expor-se – inadequação dos critérios de classificação adoptados para o concurso aqui em crise, em clara violação do disposto no art. 18º do mesmo diploma legal;
24º Na verdade, a douta decisão recorrida limita-se, a esse propósito, a constatar que o método de avaliação curricular – que aquela defende que deveria ter constituído método e elemento primordial a considerar no concurso, face ao conteúdo funcional do mesmo, para avaliação dos candidatos – não foi adoptado como critério de avaliação;
25º Não foi, mas deveria tê-lo sido – pois a determinação dos métodos de avaliação, nos termos do citado art. 18º, não é um poder discricionário (como erradamente se defende na douta decisão recorrida), antes constitui uma faculdade dos Júris a exercer de acordo com as balizas claramente determinadas naquele normativo, e também pelas elementares regras de senso comum e de experiência de vida;
26º E a deliberação e actuação do Júri desse concurso violou, claramente, por flagrante inadequação, essa regra legal, e essas “normas” não escritas, mas de todos conhecidas, face ao conteúdo funcional daquele;
27º Não tendo sido objectivamente possível à recorrente reproduzir ou aportar a estes autos a realidade factual da prestação das suas provas neste concurso, com vista a aqui demonstrar cabalmente a sua razão quanto à injustiça das pontuações que recebeu nas suas provas de selecção/classificação – limita-se, por isso, a afirmar, terminando as presentes alegações, que a diferença de classificação entre as duas candidatas que o resultado do concurso espelha, encontra explicação cabal na discricionariedade que informou essa classificação, em directa decorrência das violações de lei, quanto aos critérios e métodos de selecção, que atrás se apontaram;
28º Por todo o exposto, é patente que a douta decisão de que vem o presente recurso jurisdicional, ao negar a anulação do acto recorrido, violou, ou fez errada interpretação e aplicação das disposições legais citadas no contexto – nomeadamente o disposto nos arts. 5º, 8º, 18º, 19º e 23º do DL n.º 204/98 de 11/07;
29. Pelo que deve ser revogada, para em seu lugar ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o recurso contencioso de anulação apresentado pela recorrente, com as legais consequências apontadas no requerimento inicial desse.
Contra-alegou a Junta recorrida pugnando pela improcedência do recurso.
Também o Ministério Público emitiu parecer no mesmo sentido.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Uma vez que a matéria de facto não vem posta em causa no presente recurso dá-se a mesma aqui por reproduzida nos termos do disposto no art. 713º, n.º 6 do CPC.

A recorrente desenvolve todas as suas alegações, no essencial, em torno da questão da entrevista profissional que, se por um lado foi atribuído a tal método de selecção um valor de classificação final desajustado, por outro desenvolveu-se sobre um tema que não tem qualquer correspondência com o que se deixou expresso no aviso de abertura do concurso e por último mostra-se completamente desprovido de sentido, face ao art. 18º do DL n.º 204/98 de 11/7, a realização de entrevista profissional face ao conteúdo funcional do lugar posto a concurso.
Independentemente de se saber da justeza ou não de tais afirmações por parte da recorrente, não podemos deixar de ter por assente, que o concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de auxiliar de serviços gerais, tinha como métodos de selecção uma prova de conhecimentos com carácter eliminatório e uma entrevista profissional, sendo ambas pontuadas de 0 a 20 valores.
Igualmente se tem por assente que na prova de conhecimentos a recorrente teve uma classificação de 16 valores e a contra-interessada 19 valores e na entrevista profissional teve uma pontuação de 11 valores e a contra-interessada 16 valores.
Ou seja, o que daqui resulta é que, mesmo a julgar-se procedentes os vícios que a recorrente imputa ao acto recorrido no que toca à entrevista profissional, isso sempre seria irrelevante para efeitos de modificação das posições classificativas das concorrentes uma vez que a contra-interessada, porque teve uma classificação superior na prova de conhecimentos sempre se manteria colocada em primeiro lugar.
É portanto irrelevante saber se há ou não qualquer vício que afecte a validade da entrevista profissional já que isso em nada altera o resultado final do concurso, não permitindo à recorrente ser posicionada em primeiro lugar; os vícios apontados, a operarem, são por si insusceptíveis de alterar a classificação relativa entre as concorrentes.

Pretende ainda a recorrente que foram adoptados métodos de selecção manifestamente desajustados ao lugar a preencher porque deveria ter sido utilizado o método de avaliação curricular para se poder ter em conta a experiência profissional, o que não aconteceu.
Dispõe o art. 19º, n.º 1 do DL n.º 204/98 de 11/7 que nos concursos podem ser utilizados, isolada ou conjuntamente, e com carácter eliminatório, os seguintes métodos: a) Provas de Conhecimentos; b) Avaliação curricular.
Da simples leitura desta norma se pode concluir que a lei não impõe a utilização de ambos os critérios, antes permite que sejam adoptados isoladamente ou em conjunto em função, naturalmente, das características do lugar a preencher.
Portanto não se pode deixar de acompanhar o que se disse na sentença recorrida quanto a esta questão: “Realmente, não pode deixar de se assumir que o júri goza de poder discricionário para determinar as provas e as suas circunstâncias e critérios de avaliação, bem como a sua influência na classificação dos candidatos. Nesta …medida… tal poder só é sindicável com fundamento em erro manifesto ou na utilização de critério ostensivamente inadequado, desacertado ou inaceitável”, o que no caso dos autos não se vê que tenha acontecido.

Por último e quanto à prova de conhecimentos é a própria recorrente que afirma, conclusão 27º, que não trouxe aos autos elementos probatórios que permitissem pôr em causa as classificações que foram atribuídas a ambas as candidatas pelo que a classificação final não sofre qualquer alteração, devendo, por isso manter-se a sentença recorrida e consequentemente o acto impugnado.

Por tudo o que fica exposto, acordam os juízes que compõem este TCA Norte em negar provimento ao recurso jurisdicional e em consequência confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a t.j. em € 200 e a procuradoria em 80% daquele valor.
D.N.
Porto, 2006-02-16