Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00333/15.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL CONTRA O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP;
DESPACHO DA DIRETORA DO CENTRO DISTRITAL DO PORTO DO ISS;
ATO ADMINISTRATIVO DE ENQUADRAMENTO NO REGIME GERAL DOS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM;
ACERTO DA SENTENÇA RECORRIDA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa especial contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, ambos melhor identificados nos autos, impugnando o despacho da Directora do Centro Distrital do Porto do ISS, no uso de subdelegação de competências, datado de 13/10/2014, que declarou a nulidade do respectivo acto administrativo de enquadramento no Regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, da beneficiária NISS ...25 - «AA» - na Entidade NISS ...40 - [SCom01...], SA - nos termos do disposto no artigo 78° da Lei n° 4/2007 de 16 de Janeiro, em conjugação com o disposto nos art.° 133° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (fundamentado em falsas informações.)
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e, em consequência, anulados os actos impugnados e condenada a ED a emitir novo acto que não reincida na ilegalidade nos termos enunciados na presente decisão e com observância do quadro legal aplicável.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:
1- A sentença recorrida, ao, pura e simplesmente ignorar o principal fundamento da declaração de nulidade, omite pronúncia com um dos fundamentos do acto, ignorando norma legal imperativa, nulidade do contrato de trabalho, 398º n° 1 do Código das sociedades comerciais, e nulidade do enquadramento por força deles o art. 133º do velho CPA.

2 – Na verdade, a sentença sem sequer se pronunciou como seria possível o R. poder aceitar um enquadramento enquanto TCO resultante de um contrato nulo, em violação do art. 398º n° 1 do Código das sociedades comerciais, que proíbe precisamente esses contratos e que, portanto, não podem servir de base a um enquadramento proibido por lei, sendo portanto a sentença nula por não se pronunciar sobre todas as questões postas pelas partes. [art. 615º nº 1 d) do CPC] e cuja argumentação aliás consta do PA.

3 - Aliás, o acto declarado nulo seria sempre nulo, por força do art. 133º no antigo CPA, e o R. estava vinculado à prática do mesmo, pelo que a sentença viola também as disposições conjugadas dos art. 280º e 294º do Código Civil, art. 133º do antigo CPA.

4 - Sem prescindir, a construção do “dolo específico” que o tribunal exige para enquadrar o conceito de má fé excede largamente o conceito de dolo em direito civil e comercial, já que exige um dolo específico que só encontramos em direito criminal,

5 - Na verdade, para admitir a nulidade por falsas declarações, o tribunal exige , além do conhecimento e vontade de prestar falsas informações, (o que está demonstrado nos autos) um dolo específico de burlas a segurança social, equiparando esse dolo aos elementos do tipo do crime de burla tributária, como se fosse a mesma coisas prestar falsas declarações sabendo-o, e o crime de burla tributária e premeditada

5-Finalmente, a sentença entra em contradição entre os fundamentos e o dispositivo , quando entende que o dolo invocado não é suficiente para levar à declaração de nulidade anulando-a e, depois, condenar o R. a apreciar de novo a nulidade, como se esta pudesse ser declarada com outra razão qualquer (sendo certo que, a considerar isso, teria o tribunal obrigatoriamente de conhecer essa outra causa de nulidade) e, não se vislumbrando (segundo o tribunal) outra causa, não faz qualquer sentido condenar à emissão de novo acto que seria de todo em todo inútil, já que a anulação da declaração de nulidade repristina o enquadramento de TCO anulado, nada mais haveria, pois a decidir, nem o R. tem de proferir nenhum outro novo acto de enquadramento (retroactivo).

Termos em que, revogando a sentença recorrida e absolvendo o R. do pedido fará este Tribunal inteira Justiça.

-A Entidade recorrente está dispensada do pagamento prévio de taxa de Justiça
-Julgando-se procedente o recurso e revogando-se o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal, e a improcedência da acção, fará este tribunal a costumada JUSTIÇA

A Autora juntou contra-alegações, concluindo:

QUANTO À QUESTÃO PRÉVIA

1. O Recorrente, em violação do disposto no artigo 144º, nº 2 do CPTA, não interpôs o recurso mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, mas sim ao tribunal ad quem, pelo que o recurso não deve ser admitido.

SEM PRESCINDIR, QUANTO À TOTAL FALTA DE FUNDAMENTO DO RECURSO
Quanto à pretensa nulidade do contrato de trabalho celebrado pela Recorrida

2. A Recorrida celebrou com a sua entidade patronal contrato de trabalho em comissão de serviço, com fundamento no disposto no artigo 161º e seguintes do Código do Trabalho, norma esta integrada em regime excepcional de recrutamento para o desempenho dos cargos de administração que, pela sua natureza excepcional, afasta qualquer norma de carácter geral
3. Mas independentemente disso, nunca tal contrato, admitido por lei, poderia ser nulo por violação da norma do artigo 398º, nº 1 do CSC dado que a previsão de tal norma não abrange a situação prevista no artigo 161º do CT; aquela proíbe apenas que um administrador desempenhe outras funções que não as administração ao abrigo de um qualquer contrato, seja ele de trabalho ou “autónomo”, isto é, de prestação de serviços, sejam tais funções temporárias ou permanentes;
Quanto ao dolo exigido pelo tribunal para a nulidade por falsas declarações
4. Na sua contestação (cfr. artºs 27º, 28º e 29º) o Recorrente admitiu que, no caso, não podia o acto impugnado ser fundamentado nem em falsas declarações nem em má fé da Recorrida, pelo que não pode agora vir suscitar em recurso questão nova com base em tal matéria.
5. Independentemente disso, encontra-se reconhecido pela decisão recorrida que não foi a Recorrida quem prestou à Recorrente as informações com base nas quais esta procedeu ao enquadramento pelo que em nenhuma circunstância pode ser-lhe imputada a prestação de quaisquer declarações (falsas ou verdadeiras, de boa ou de má fé).
Quanto à contradição entre os fundamentos e a decisão:
6. Não há qualquer contradição: a decisão recorrida na sua fundamentação entendeu existir uma ilegalidade (caracterizadora de vício de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito) e determinou que a Entidade Demandada emita novo acto que não reincida nessa ilegalidade.

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

A) Em 1 de Outubro de 2010 a respondente celebrou com a [SCom01...], S. A., o contrato de trabalho subordinado, em regime de comissão de serviço, com o seguinte teor: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» (cfr. doc. n° 1 junto à resposta remetida pela Autora no exercício do seu direito de participação, PA junto a fls. 48/87 do SITAF);
B) A empregadora isto é, a entidade NISS ...40 - [SCom01...], S. A., tomou a iniciativa de fazer cessar o contrato de trabalho com a Autora, o que fez através de carta regista data de 11 de Fevereiro de 2014, e posterior rectificação em 28/02/2014, declarando a cessação do contrato de trabalho com a Autora com efeitos a 31/03/2014 - (cfr. doc. n° 2 e 3 junto à resposta remetida pela Autora no exercício do seu direito de participação, PA junto a fls. 48/87 do SITAF);
C) A Autora instaurou contra a entidade empregadora procedimento cautelar de arresto que, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, ... Juízo, com o n° 462/14...., que por sentença de 27/05/2014 determinou o seguinte: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» (cfr. doc. n° 4 junto à resposta remetida pela Autora no exercício do seu direito de participação, PA junto a fls. 48/87 do SITAF);
D) Em 06/08/2014, pelo Director de Núcleo de Identificação e Qualificação /da Unidade de Identificação e Qualificação e contribuições, foi proferido despacho com o seguinte teor: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» [cfr PA junto a fls. 48/87 do SITAF];
E) Em 01/09/2014, a Entidade demandada notificou a Autora da decisão referida em D), cujo teor se transcreve: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» [cfr PA junto a fls. 48/87 do SITAF];
F) Na mesma data, e nos mesmo termos referidos em E) a Entidade Demandada notificou a “[SCom01...], SA” [cfr PA junto a fls. 48/87 do SITAF];
G) Em 16/06/2014, a Autora dirigiu resposta à notificação de declaração de nulidade de enquadramento no regime geral de trabalhadores por conta de outrem, cujo conteúdo se transcreve: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cfr PA junto a fls. 48/87 do SITAF];
H) Em 13/10/2014, pelo Director de Núcleo de Identificação e Qualificação /da Unidade de Identificação e Qualificação e contribuições, foi proferido despacho com o seguinte teor: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» [cfr PA junto a fls. 48/87 do SITAF];
I) Em 16/10/2014, a Entidade Demandada mediante ofício, notificou a Autora do seguinte:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» [cfr PA junto a fls. 48/87 do SITAF];
J) A presente acção foi intentada em 21-01-2015 [cfr. fls. 1 do SITAF].
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou procedente a acção.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
DA QUESTÃO PRÉVIA: INADMISSIBILIDADE DO RECURSO -
Estatui o artigo 144º, nº 2 do CPTA que o recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão.
In casu, o Recorrente dirigiu tal requerimento não ao Tribunal que proferiu a decisão mas sim ao próprio Tribunal ad quem.
Ainda assim, tal não impediu que o Senhor Juiz o tivesse admitido e chegado a este Tribunal de recurso.
Desatende-se, assim, esta argumentação da Parte.
O OBJECTO DO RECURSO -
É pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso.
Lidas estas, são as seguintes as questões suscitadas:
a) O contrato de trabalho celebrado pela Recorrida é nulo por violação do disposto no artigo 398º, nº 1 do Código das Sociedade Comerciais, não se tendo a sentença recorrida pronunciado sobre tal nulidade (conclusões 1, 2 e 3);
b) O Tribunal a quo “para admitir a nulidade por falsas declarações”, “exige um dolo específico de burlas à segurança social” (conclusões 4 e 5);
c) A sentença incorre em contradição entre os fundamentos e a sua parte dispositiva (a segunda conclusão 5).
Cremos que carece de razão.
Vejamos,
Quanto à pretensa nulidade do contrato de trabalho celebrado pela Recorrida, temos que esta celebrou com a sua entidade patronal contrato de trabalho em comissão de serviço, com fundamento no disposto no artigo 161º e seguintes do Código do Trabalho.
O contrato de trabalho em regime de comissão de serviço é, antes de tudo, um contrato de trabalho, ou seja, um contrato pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas (cfr. artº 11º do Código do Trabalho).
Sobre a sua natureza jurídica não se levantam quaisquer dúvidas na doutrina, nem existe na Lei qualquer equívoco desde a sua autonomização pelo Decreto Lei n° 404/91, de 16 de outubro de 1991 e posterior consagração em todos os Códigos do Trabalho.
A razão de ser de tal autonomização consta logo dos primeiros quatro parágrafos do Preâmbulo de tal Decreto Lei, onde se diz:
O exercício de funções que pressuponham uma especial relação de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador não apresenta, no quadro do actual regime jurídico do contrato individual de trabalho, qualquer especialidade relativamente ao dos demais trabalhadores.
Hoje em dia, porém, reconhece-se que a necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige.
Por outro lado, sendo estes atributos de natureza marcadamente interpessoal, o seu desaparecimento concorre, normalmente, para o desenvolvimento de situações degradadas de relacionamento no trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes e para outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa.
A prevenção de tais consequências, negativas quer do ponto de vista dos interesses individuais quer para a função social que a empresa desenvolve, justifica a adopção de um regime excepcional de recrutamento para o desempenho dos referidos cargos, a aplicar, contudo, a situações futuras.
Trata-se de norma integrada em regime excepcional que, por isso, se sobreporia e afastaria sempre uma norma de carácter geral, como a do artigo 398°, n° 1 do CSC.
Mas a verdade é que a norma do 398°/1 do CSC tem um âmbito de aplicação mais restrito, pois não proíbe o desempenho da função de administrador ao abrigo de contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, mas sim que um administrador desempenhe outras funções que não as de administração ao abrigo de um qualquer contrato, seja ele de trabalho ou “autónomo”, isto é, de prestação de serviços, sejam tais funções temporárias ou permanentes.
Quanto ao facto de o Tribunal a quo não ter conhecido da invocada nulidade do contrato de trabalho:
Como bem se salienta na sentença recorrida, adiantamos, desde já, que o presente processo não pode servir de oportunidade para que a Entidade Demandada demonstre, a posteriori, os pressupostos de facto de uma decisão que proferiu em momento anterior e que nesse momento não logrou demonstrar.
Tal asserção vale também para os fundamentos de direito: o acto impugnado não teve por pressuposto nem fundamento qualquer invalidade do contrato de trabalho celebrado pela Recorrida.
Quanto ao dolo exigido pelo Tribunal para a nulidade por falsas declarações o Recorrente não extraiu dos argumentos que invocou, qualquer efeito jurídico, não tendo imputado à decisão recorrida a violação de qualquer norma adjectiva ou substantiva.
Ademais, tudo quanto ali alegou é irrelevante, face ao que confessou nos artigos 27º, 28º e 29º da contestação e onde afirma o seguinte:
27º Nesta matéria, admite-se, a fundamentação não está completamente adequada à situação concreta existente.
28°
Na verdade, não há que falar em falsas declarações nem em má fé, já que a situação de gerente-administrador é pública e resulta de publicação em jornal oficial.
29°
Sendo certo que a R. podia e devia ter tomado conhecimento a tempo de recusar o enquadramento.
Ora, tendo o Recorrente aceite que, no caso, não podia o acto impugnado ser fundamentado nem em falsas declarações nem em má fé da Recorrida, não pode agora vir suscitar em recurso questão nova com base em tal matéria.
Com efeito, os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12.

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13.

Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se.

A função do recurso, repete-se, é a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos.
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.

O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante este tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são, reitera-se, os vícios da decisão recorrida.

Além disso, tal como foi alegado pela Recorrida e tal como se encontra reconhecido pela decisão recorrida, não foi a Recorrida quem prestou à Recorrente as informações com base nas quais esta procedeu ao enquadramento pelo que não pode ser-lhe imputada a prestação de declarações (falsas ou verdadeiras, de boa ou de má fé).

No caso em apreço, revisitado o acto impugnado, verificamos que apenas se limita a concluir quanto às intenções da Autora, nada sendo referido no acto quanto a factos que apontem para uma conduta dolosa da mesma.
Acresce que as informações foram prestadas pela entidade empregadora e não pela Autora/beneficiária, pelo que, não se podia concluir - sem mais - pelo preenchimento do artigo 78.° da Lei 4/2007, de 16 de janeiro, e, consequentemente, de igual modo não se poderia concluir pela sua nulidade.
Quanto à contradição entre os fundamentos e a decisão -
São os seguintes, os fundamentos que suportam a decisão:
No caso em apreço, perscrutado o acto impugnado verificamos que apenas se limita a concluir quanto às intenções da ora A., nada sendo referido no acto quanto a factos que apontem para uma conduta dolosa da A.; ademais as informações foram prestadas pela entidade empregadora e não pela Autora/beneficiária, pelo que, não podia concluir singelamente pelo preenchimento do artigo 78.° da Lei 4/2007, de 16 de janeiro, e, consequentemente, de igual modo não poderia concluir pela sua nulidade.
Como tal, o acto impugnado terá se de anulado por vício de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
No entanto, de acordo com o disposto no art. 71° n.° 2 do CPTA, quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido.
Assim, em face do exposto, incumbiria agora ao Tribunal indagar do enquadramento da Autora no Regime no RGTCO ou pelo contrário como abrangida pelo Regime dos Membros dos órgão Estatutários, porém temos para nós que tal caíra no âmbito da zona de discricionariedade técnica e que implica a formulação de valorações próprias da actividade administrativa, pelo que não pode o Tribunal indagar da existência de qualquer erro grosseiro ou critério inadequado utilizado pela Administração no exercício das suas funções e substituir-se à mesma proferindo o acto pretendido com determinado conteúdo sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
Não obstante, já será lícito ao Tribunal explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do novo acto devido, nos termos do art. 71° n° 2 in fine do CPTA, o que, no caso em apreço, passará pela condenação da ED na emissão de novo acto que não reincida na ilegalidade apontada supra e com observância do quadro legal aplicável, nomeadamente o contante dos artºs 124° n° 1 al. c) e 125° n° 1 do CPA e artigo 78.° da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro.
E é o seguinte o segmento decisório:
Nos termos e pelas razões expostas ante, julga-se a presente acção administrativa procedente, e, em consequência, anulam-se os actos impugnados, condenando-se a ED a emitir novo acto que não reincida na
ilegalidade nos termos enunciados na presente decisão e com observância do quadro legal aplicável.
Temos, assim, que a decisão recorrida, na sua fundamentação, entendeu existir uma ilegalidade (caracterizadora de vício de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito) e determinou que a Entidade Demandada emita novo acto que não reincida nessa ilegalidade.
Não se vislumbra, pois, qualquer nulidade.
Em suma,
As nulidades da sentença estão taxativamente previstas no art.º 615º, n.º 1, do CPC.
A nulidade da decisão judicial por oposição dos fundamentos com o decidido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º CPC, é um vício que afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, motivo por que não lhe são subsumíveis meras discordâncias do recorrente com que o foi decidido - Acórdão do STA de 29/9/2022 no proc. 0128/20.0BALSB.
Não ocorre nulidade da sentença recorrida se esta é coerente entre os fundamentos e a decisão, sem prejuízo da eventual ocorrência de erro de julgamento quanto às questões a apreciar - Acórdão do STA de 11/7/2012, no proc. 0235/12.
Esta nulidade (contradição entre os fundamentos e a decisão) ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão.
Na verdade, a sentença pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação. Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
Logo, nos termos do supracitado preceito legal, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154º, nº 1, do CPC.
O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar, como referimos, somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
No caso posto, tal vício (de oposição entre os fundamentos e a decisão), como causa de nulidade da sentença, não se descortina. Com efeito, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziram ao resultado expresso na decisão, inexistindo uma real contradição entre os fundamentos e a decisão pois que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue esse caminho não se verifica a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC.

Improcedem, in totum, as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Réu/Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 06/6/2025

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães