Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01546/16.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/10/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE;
OPOSIÇÃO VERSUS ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL;
Sumário:
I - Do ponto de vista processual, a relação de dependência jurídica do acto administrativo que lhe subjaz não afecta a execução fiscal. Enquanto se mantiver válido e eficaz o acto incorporado no título executivo, quem nele figura como credor tem o poder de accionar quem nele figura como devedor.

II – Não estando demonstrado nos autos que o acto administrativo determinante da reposição de verbas, que subjaz ao presente processo de execução fiscal, foi eliminado da ordem jurídica, mantém-se a relação de utilidade da presente oposição judicial.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

[SCom01...], C.R.L, pessoa colectiva n.º ...83, com sede na Rua ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 25/03/2024, que julgou extinta a instância de oposição, por impossibilidade da lide, no âmbito do processo executivo n.º ...80, a correr termos no Serviço de Finanças ... – 1, por dívidas referentes à falta de reposição de quantias devidas ao Estado, relativas a inexecução/execução indevida de contratos de associação, ascendendo a dívida exequenda ao montante de €278.050,42.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I O tribunal a quo considerou existir inutilidade superveniente da lide, no errado pressuposto que a douta sentença proferida nos autos de ação administrativa especial nº 2246/15.8BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, transitada em julgado, anulou o ato administrativo (ordem de reposição) que subjaz à certidão de dívida que deu origem ao PEF nº ...80, que, por seu turno, deu causa à presente Oposição.
II A douta sentença proferida naquela ação administrativa infirma aquele pressuposto, uma vez que através dela só se anulou o ato praticado pelo Ministério da Educação que determinou a aplicação, à Recorrente, de uma pena de multa no valor de € 1.096,80 euros e, outrossim, a ordem de reposição da quantia de € 421.164,59, quando estavam em causa, não uma, mas duas reposições: a de € 421 164,50, efetivamente anulada, e a de € 219 854,92, que não foi anulada.
III No Processo nº 2246/15.8 BEBRG, foi proferido “despacho saneador que julgou procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade das notas de reposição n.º 3 e n.º 18”, sendo que a guia nº 18 respeita, justamente, à quantia de € 219 854,92, reclamada no processo de execução fiscal nº ...80.
IV O objeto da lide da ação administrativa nº 2246/15.8 BEBRG, delimitada pelo pedido e pela causa de pedir, ficou, após o despacho saneador, circunscrito a saber:
- se estava prescrito o direito da Entidade Demandada ao pagamento, pela Autora, das quantias de € 421.164,59 euros e de € 1.096,80 euros, determinado pelo despacho Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 06.01.2015;
- se o despacho do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 06.01.2015, se encontrava ferido de vício de incompetência e de vício de forma, por falta de fundamentação.
V Ao limitar-se a anular o ato praticado pelo Ministério da Educação em 06.01.2015 que determinou a aplicação de uma pena de multa no valor de € 1.096,80 euros e ordenou a reposição da quantia de € 421.164,59 euros, remanesce a ordem de reposição da quantia de € 219.859,42.
VI Se a decisão transitada em julgado na ação administrativa nº 2246/15.8 BEBRG não pôs em causa a ordem de reposição da quantia reclamada no PEF que subjaz à presente Oposição, não se verifica inutilidade superveniente da lide, como decidiu o Tribunal a quo, devendo, destarte, conhecer-se dos fundamentos da oposição à execução.
VII A douta sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 281º do CPPT, na medida em que a decisão de extinguir a instância está em contradição com os fundamentos erroneamente tidos em consideração para ajuizar no sentido da impossibilidade superveniente da lide e que, ao estribar-se nessa pretensa impossibilidade, deixou de se pronunciar sobre questões que o Tribunal a quo devia apreciar, mormente no que tange aos fundamentos esgrimidos na Oposição.
VIII Reconhecendo-se ou não, em sede de recurso, a nulidade da sentença, por imperativo do artigo 615º-4 do CPC, deve o Tribunal ad quem revogar a douta decisão recorrida, e, porque a tal está autorizado pelo estatuído no artigo 665º-2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT, conhecer dos fundamentos esgrimidos em sede da presente Oposição, mormente no que toca à prescrição da dívida exequenda.
IX Os fundamentos e decisão sobre prescrição da dívida exequenda, constantes da sentença, transitada em julgado, na ação administrativa nº 2246/15.8 BEBRG, não podem deixar de se aplicar nesta sede.
X A dívida exequenda encontra-se prescrita, por efeito do decurso do prazo prescricional de 5 anos, aplicando-se in casu o regime estabelecido no n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, como, de resto, foi reconhecido pelo TCA Norte no acórdão de folhas 302 do processo nº 2246/15.8 BEBRG.
XI A decisão recorrida viola o disposto no artigo 277º e) e no artigo 2º-2do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2º do CPPT.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se, consequentemente, a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que mande prosseguir os autos em 1ª instância para apreciação dos fundamentos da Oposição, ou, mesmo, atendendo ao estatuído no artigo 665º-2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT, aprecie esses fundamentos, julgando a causa, com todos as legais consequências. SÓ ASSIM SE FARÁ A TÃO PORFIADA JUSTIÇA!
Com respaldo no artigo 651º-1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT, requer-se a junção aos autos de 2 documentos (despacho saneador e acórdão proferidos no processo nº 2246/15.8 BEBRG do TAF de Braga).”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de nulidade e se errou no julgamento ao extinguir a instância por impossibilidade superveniente da lide.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida a decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“1. FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade, resultantes do acordo das partes expresso nos articulados e dos documentos juntos aos autos pelas partes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
A. Em 06-01-2015, pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, foi proferido despacho do qual, e além do mais, consta que a Oponente deve proceder à reposição da quantia de € 421.164,59, bem como do pagamento da multa de € 1.096,80, no total de € 422.261,39 (cf. documento junto a fls. 18 dos autos, numeração SITAF).
B. Em 17-02-2015, o Delegado Regional de Educação da Região Norte emitiu ofício, dirigido à Oponente, de cujo teor se extrai, designadamente o seguinte:
“(…) Assunto: Reposição de verbas relativas a inexecução/execução indevida de contratos de associação. N/Proc. ...55... Junto se remete a V. Exas, para os devidos efeitos, a Guia de Reposição n.° 03, de 2015, no valor de €421.164,59, assim como, o despacho de Sua Exa, o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar proferido em 06.01.2015, e exarado sobre a informação n.° ...4, dos serviços da Inspeção- Geral da Educação e Ciência. Igualmente se remete cópia da Guia de Reposição n.° 18, de 2014, no valor de €219.854,92, respeitante ao Proc. n.° 10/........... (…)” (cf. cópia do ofício de fls. 14 dos autos, numeração SITAF).
C. Corre termos, no Serviço de Finanças ... - 1, o processo de execução fiscal nº ...80, instaurado contra a Oponente, por falta de pagamento do total de € 247.163,54, sendo € 219.854,92 referente a reposições não abatidas, €29.991,78 referente a juros de mora vencidos e 895,10 a custas, (cf. informação de fls. 32 e 33 dos autos, numeração SITAF – Facto não controvertido).
D. A Oponente apresentou, no Tribunal Administrativo de Braga, a ação administrativa especial que correu termos sob o nº 2246/15.8BEBRG, por via da qual impugnou o despacho mencionado na alínea A), supra, na origem do PEF referido na alínea C), que antecede, (cf. Sentença proferida no processo nº 2246/15.8BEBRG, fls.213 a 242 dos mencionados autos de processo).
E. Em 17-06-2021 foi proferida Sentença, no âmbito do processo referido na alínea C), supra mencionada, por via da qual foi julgada a ação procedente, e determinada a anulação do “o ato praticado pela Entidade Demandada em 06.01.2015 que determinou a aplicação de uma pena de multa à Autora no valor de € 1.096,80 euros e ordenou a reposição da quantia de € 421.164,59 euros” - mencionado na alínea A), supra, (cf. Sentença proferida no processo nº 2246/15.8BEBRG a fls. 213 a 242, numeração SITAF, dos mencionados autos de processo).
F. Em 10-03-2023, foi proferido Acórdão pelo TCAN no âmbito do processo referido na alínea D) e por via do qual foi mantida a sentença referida na alínea E), que antecede, (cf. acórdão proferido no processo nº 2246/15.8BEBRG e junto a fls. 181 a 202 dos autos, numeração SITAF).
G. Em 24-04-2023, o acórdão proferido nos autos de processo n.º 2246/15.8BEBRG, transitou em julgado, (cf. fls. 177, dos autos, numeração SITAF).
Motivação
Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Nestes termos, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e da certidão do processo de execução, apensa aos autos, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.”
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Previamente à apreciação das questões suscitadas, no recurso interposto, haverá que analisar a possibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.
Dispõe o n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil (CPC) que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)” (destacado nosso).
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas.
Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do citado normativo que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e seguintes.
A Recorrente juntou dois documentos com as respectivas alegações de recurso, consubstanciados em cópia do acórdão, proferido por este TCA Norte em 10/03/2023, no âmbito do processo n.º 2246/15.8BEBRG, referente a acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo, e de cópia do despacho saneador proferido no âmbito desse mesmo processo em 05/02/2021.
Ora, o primeiro documento, em cumprimento do despacho judicial proferido em 22/05/2023, já se encontra ínsito nos autos desde 23/05/2023. O segundo explicita mais fundadamente as razões para o tribunal ter julgado inimpugnáveis dois dos actos impugnados no âmbito do processo n.º 2246/15.8BEBRG.
Na medida em que o tribunal recorrido poderá não ter interpretado convenientemente o teor do acórdão já constante dos autos, julgando a causa em equívoco por não ter alcançado toda a amplitude dessa decisão, é possível entender que a necessidade de apresentar a cópia do despacho saneador, prolatado no processo n.º 2246/15.8BBRG, com as alegações do recurso se revelou em virtude do julgamento recorrido.
Conforme afirmam Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª instância.
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95).
Com efeito, a questão resolvida na oposição judicial já impunha a necessidade de descortinar se o processo n.º 2246/15.8BEBRG visava o acto subjacente à dívida em execução no presente processo de execução fiscal. E, em princípio, o teor integral do acórdão proferido em 10/03/2023 nesses autos seria bastante para levar a cabo tal julgamento.
Na medida em que poderá ter havido alguma precipitação no desfecho da causa através da impossibilidade da lide, criando essa decisão recorrida pela primeira vez necessidade de junção de outro documento mais esclarecedor, e o despacho saneador proferido no âmbito do processo n.º 2246/15.8BEBRG poder ter a virtualidade de melhor e mais amplamente dilucidar o objecto dessa acção e os termos em que foi julgada, admite-se a junção desse documento com as alegações do recurso.

2. O Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou extinta a instância de oposição, por impossibilidade superveniente da lide.
Sustenta que o tribunal “a quo” considerou existir essa impossibilidade da lide, no errado pressuposto que a sentença proferida nos autos de acção administrativa especial n.º 2246/15.8BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, transitada em julgado, anulou o acto administrativo (ordem de reposição) que subjaz à certidão de dívida que deu origem ao PEF n.º ...80, que, por seu turno, deu causa à presente Oposição.
Compulsando a tramitação dos autos, verificamos, desde logo, que, na sua contestação à oposição, o Ministério da Educação poderá ter contribuído para induzir o tribunal recorrido em erro, ao afirmar, no seu artigo 7.º, que pela acção administrativa especial a que coube o processo n.º 2246/15.8BEBRG, a oponente impugnou, entre outros actos, o despacho proferido em 22/11/2013 pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar. Acentuando que o acto de onde promana a certidão de dívida dada à presente execução foi proferido em 22/11/2013, no âmbito do processo disciplinar n.º 10/..........., onde se concluiu pela punição da oponente com a pena de multa graduada em dois salários mínimos nacionais, no valor de €701,80, e a reposição nos cofres do Estado do montante de €219.854,92, visto que nos contratos de associação celebrados a prestação da contraente não foi executada nas condições inicialmente contratualizadas.
Nessa sequência, foi proferido nos presentes autos o seguinte despacho judicial em 24/04/2017:
Nos presentes autos, veio a Ilustre Magistrada do Ministério Público promover a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo 2246/15.8BEBRG deste Tribunal, deduzida pela aqui Oponente, defendendo a existência de uma relação de prejudicialidade entre ambos os processos. Notificadas as partes do teor da aludida promoção, nada vieram dizer aos autos. Consultado o SITAF, constata-se não ter sido, ainda, proferida decisão no aludido processo 2246/15.8BEBRG. Neste contexto, cabe apreciar e decidir. De acordo com o n.º 1 do artigo 272º do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º al. e) do CPPT, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. Confrontados os presentes autos com a aludida acção administrativa especial resulta que, embora o âmbito de tal acção não esgote o objecto dos presentes autos, em ambos os processos é submetida à apreciação deste Tribunal a questão da prescrição da dívida exequenda, termos em que, por forma a obstar à eventual prolação de decisões contraditórias, e ao abrigo do nº 1 do artigo 272º do CPC, determino a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo nº 2246/15.8BEBRG deste Tribunal. Notifique. Após trânsito, dê-se conhecimento do presente despacho ao referido processo 2246/15.8BEBRG.”
Considerando que o que está em causa nas acções impugnatórias é a ilegalidade de actos que subjazem à dívida e que na oposição os fundamentos se relacionam com a exigibilidade da mesma ao Oponente, embora possa existir uma relação de utilidade ou inutilidade superveniente, não existe uma relação de prejudicialidade.
Efectivamente, se vierem a ser julgadas procedentes as acções impugnatórias dos actos administrativos, a relação existente só se coloca quando surgir para a Administração o dever de executar a eventual sentença de anulação dos actos. No momento em que a anulação desses actos vier a ser decretada, a Administração tem o dever de reapreciar os actos e as situações jurídicas que possam obstar à reintegração da situação jurídica em que o autor deverá ser colocado na sequência da anulação, o que passa também pelo reconhecimento da invalidade dos actos conexos (cfr. artigo 173.º do CPTA, ex vi artigo 102.º da LGT). Nessa altura, seremos confrontados com a consequente extinção da instância executiva por impossibilidade superveniente da lide e da oposição, por falta de objecto.
Porém, do ponto de vista processual, a relação de dependência jurídica do acto administrativo não afecta a execução fiscal. Enquanto se mantiver válido e eficaz o acto incorporado no título executivo, quem nele figura como credor tem o poder de accionar quem nele figura como devedor.
Na presente oposição, para além de se mostrar suscitado o fundamento de oposição previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º (prescrição da dívida exequenda), também se alude à alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo (por se defender não estar autorizada a cobrança). Contudo, in casu, a legalidade do acto exequendo de reposição não se discute no processo de execução fiscal, por, em princípio, não estarem reunidos os pressupostos para utilização dos fundamentos previstos nas alíneas a) e h) do artigo 204.º do CPPT para deduzir oposição à execução fiscal; logo, a acção administrativa especial não consubstancia causa prejudicial da oposição judicial susceptível de suspender esta instância, pois o título executivo, enquanto existe, é autónomo e independente da relação material que lhe dá causa.
Como o título no processo executivo presume a existência do direito e da obrigação que lhe dá causa, espelhando o acto tal e qual foi emitido, a oposição tem por objecto o próprio título executivo que surge como base da execução e não a situação de facto e de direito existente no momento da emissão do acto administrativo subjacente ao título.
Este fenómeno de abstracção, através do qual se explica a autonomia jurídica da acção executiva, implica que a acção de impugnação do acto exequendo não tenha, por si só, efeito suspensivo da execução.
Todavia, como veremos, não estando demonstrado nos autos que o acto administrativo de reposição de verbas em apreço, que subjaz ao presente processo de execução fiscal n.º ...80, foi eliminado da ordem jurídica, mantém-se a relação de utilidade da presente oposição judicial.
Na acção administrativa especial n.º 2246/15.8BEBRG a oponente, aqui Recorrente, formulou o seguinte pedido contra o Ministério da Educação:
“(...) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, consequentemente, ser:
a) declarado NULO ou, quando assim se não entenda, ANULADO, o despacho de 6 de Janeiro de 2015, do Senhor Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, que determinou à Autora o pagamento da multa no valor de € 1 096,80 e a reposição nos cofres do Estado da importância de € 421.164,59;
b) declarado NULO ou, quando assim se não entender, ANULADO, o ato praticado pelo Senhor Delegado Regional de Educação do Norte, da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares, anunciado pelo ofício datado de 17/02/2015, que mandou emitir, ou apenas emitiu as guias de reposição n.º 03 do ano económico de 2015, Receita do Estado, Cofre do Porto, no valor de € 421.164,50, com data de 15 de Fevereiro de 2015, anulando-se, outrossim, tais guias;
c) declarado INEXISTENTE, ou quando assim se não conceder, NULO ou, se assim se não entender ANULADO, o ato praticado pelo Senhor Delegado Regional de Educação do Norte, da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares, igualmente anunciado pelo ofício datado de 17/02/2015, que mandou emitir, ou tão somente emitiu, a Guia n.º 18 do ano económico de 2014, Receita do Estado, Cofre do Porto, no valor de € 219.854,92, com data de 17 de janeiro de 2014, anulando-se, outrossim, tal guia.”
O TAF julgou a acção procedente, tendo anulado o acto praticado pela Entidade Demandada em 06.01.2015 que determinou a aplicação de uma pena de multa à Autora no valor de € 1.096,80 e ordenou a reposição da quantia de € 421.164,59 (o que foi confirmado por este TCAN em 10/03/2023).
Tal acto estava subjacente à dívida exequenda no processo de execução fiscal n.º ...70, ao qual foi deduzida a oposição n.º 1545/16.6BEBRG, que, por ter sido eliminado da ordem jurídica pela decisão transitada em julgado no âmbito do processo n.º 2246/15.8BEBRG, foi extinta a instância dessa oposição, por impossibilidade superveniente da lide.
O mesmo desfecho teve a presente oposição, sem que se tenha conhecimento que o acto administrativo que subjaz ao processo executivo n.º ...80 tenha sido eliminado do ordenamento jurídico.
Tendo presente os pedidos formulados na acção n.º 2246/15.8BEBRG, que enunciámos supra, e o que foi decidido no despacho saneador nessa mesma acção, ressalta que o descrito nas alíneas b) e c) deu lugar à absolvição da instância, com fundamento em inimpugnabilidade dos actos praticados pelo Delegado Regional de Educação do Norte, da Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares que, respectivamente, mandaram emitir as guias de reposição n.º 03 do ano económico de 2015, Receita do Estado, Cofre do Porto, no valor de € 421.164,50, com data de 15 de Fevereiro de 2015, e a Guia n.º 18 do ano económico de 2014, Receita do Estado, Cofre do Porto, no valor de € 219.854,92, com data de 17 de janeiro de 2014, ambos comunicados pelo ofício datado de 17/02/2015.
O tribunal considerou verificar-se a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos que mandaram emitir as notas de reposição n.º 03 e n.º 18, pois as notas ou guias de reposição são simples documentos e não actos administrativos que possam ser julgados impugnáveis ou inimpugnáveis.
Tudo melhor visto, observa-se que a acção apenas seguiu para o conhecimento das invalidades imputadas ao despacho datado de 06.01.2015, tendo a sentença somente proferido decisão sobre o único acto que, nessa fase processual, se impunha conhecer - o identificado na alínea a) da petição inicial, na medida em que no despacho saneador já tinham sido julgados inimpugnáveis os identificados nas suas alíneas b) e c).
Logo, não só nessa acção n.º 2246/15.8BEBRG, ao contrário da informação dada na contestação, o oponente não impugnou o despacho proferido em 22/11/2013 pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, como não chegou o tribunal a tomar conhecimento da nota de reposição n.º 18, no montante de €219.854,92, com que se relaciona a dívida em execução no presente processo de execução fiscal.
Ao invés do que é alegado na conclusão VII, não detectamos qualquer contradição entre a factualidade apurada e a decisão, susceptível de inquinar a sentença recorrida no vício de nulidade, dado que se verifica, manifestamente, erro de julgamento na ilação vertida no ponto D. do probatório, que se reflectiu na conclusão de impossibilidade superveniente da lide. Por outro lado, o desfecho que o tribunal “a quo” encontrou para a causa impossibilitava o conhecimento do objecto da oposição, pelo que, de igual forma, inexiste omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, quanto às causas de pedir, vertidas na petição inicial, tendo em vista a pretensão de extinção do processo de execução fiscal em apreço.
Assim, sendo ostensivo o erro de julgamento - por não estar demonstrado nos autos que o acto administrativo de reposição de €219.854,92, que subjaz ao presente processo de execução fiscal, foi eliminado da ordem jurídica - a presente oposição mantém utilidade, devendo prosseguir os seus termos, se a tal nada mais obstar, tendo em conta que a decisão da matéria de facto na sentença recorrida não poderá subsistir, devendo atender-se, igualmente, aos requerimentos probatórios apresentados na oposição (processo n.º 1324/06.9BEBRG), pela relevância, além do mais, no apuramento exaustivo dos factos interruptivos e suspensivos do prazo prescricional invocado.
Urge, portanto, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí ser proferida nova decisão, após instrução dos autos, por não se verificar impossibilidade superveniente da lide, se a tal nada mais obstar.

Conclusões/Sumário

I - Do ponto de vista processual, a relação de dependência jurídica do acto administrativo que lhe subjaz não afecta a execução fiscal. Enquanto se mantiver válido e eficaz o acto incorporado no título executivo, quem nele figura como credor tem o poder de accionar quem nele figura como devedor.
II – Não estando demonstrado nos autos que o acto administrativo determinante da reposição de verbas, que subjaz ao presente processo de execução fiscal, foi eliminado da ordem jurídica, mantém-se a relação de utilidade da presente oposição judicial.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí ser proferida nova decisão, por não se verificar impossibilidade superveniente da lide, se a tal nada mais obstar.

Custas a cargo do Recorrido, que não inclui a taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Porto, 10 de Abril de 2025

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Ana Paula Santos