Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01231/10.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:PAULO MOURA
Descritores:MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
PROVA DOCUMENTAL VERSUS PROVA TESTEMUNHAL;
Sumário:
I - A matéria de facto vertida na sentença não pode conter juízos de valor, nem considerações genéricas e deve estar devidamente motivada, fazendo um exame crítico das provas, nomeadamente fundamentado os motivos pelos quais um tipo de prova, como a testemunhal, deve prevalecer sobre a prova documental.

II - Um documento particular faz prova plena quanto às declarações que dele constam, considerando-se provadas essas declarações, na medida em que foram contrárias aos interesses do declarante.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por «AA» e «BB», contra a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 5.164,06 e do Imposto do Selo (IS), no valor de € 635,58, bem como dos respetivos juros compensatórios, no montante global de € 6.710,00, respeitante ano de 2010 e relativo à aquisição do prédio urbano.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou procedente, por provada, a impugnação judicial e, consequentemente, anulou, tal como foi peticionado pela Impugnante, as liquidações adicionais de IMT e I. Selo e respetivos juros compensatórios, impugnadas nos autos, no montante global de € 6.710,00 (seis mil, setecentos e dez euros e zero cêntimos).
2. Sentença que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento no que toca à apreciação, ponderação e valoração dos factos relevantes para a boa decisão da causa,, bem como de falta de apreciação crítica da prova testemunhal produzida nos autos, bem como, ainda padece de errada, incongruente, deficiente e escassa fundamentação factual e jurídica e da concomitante errada aplicação das competentes normas legais, nomeadamente:
i) ao dar como provados – erradamente, a nosso ver - os factos constantes dos pontos 17., 18., 19. e 20. do probatório,
ii) ao alegar de entre os motivos concretos que contribuíram para a sua convicção, no sentido de julgar provados os seguintes factos:
“A factualidade descrita sob os pontos 16) a 20) foi relatada de forma coincidente pelas testemunhas inquiridas em audiência contraditória, «CC», tio por afinidade do impugnante marido, «DD» e «EE», ambos irmãos do impugnante marido. Pese embora os vínculos familiares em causa, todas as testemunhas prestaram um depoimento isento e circunstanciado, revelando conhecimento directo dos factos, fruto da própria convivência familiar e por se encontrarem a trabalhar na obra no período em que os mesmos ocorreram, merecendo por isso inteira credibilidade. A veracidade do facto descrito no ponto 20) foi, ainda, corroborada pela falta de pagamento da importância de €79.447,03 referida no documento de confissão de dívida, que levou o vendedor a instaurar um processo de execução contra os impugnantes.” (sublinhado nosso),
iii) ao não dar a relevância que lhes merece os factos dados como provados nos pontos 6., 7., 9.,13., 14. e 15. do probatório, que, no fundo, prendem-se reflexamente com a prova documental,
iv) ao ter considerado que a assinatura do documento de Confissão de Dívida ocorreu sobre “grande pressão psicológica” e “ameaça grave” feita pelo vendedor/exequente «FF» no sentido de impor ao impugnante a compra do lote n.º 1 onde estava a ser levantada a moradia, e nesse seguimento, que, “Apesar de terem subscrito a confissão de dívida (e o contrato promessa), os impugnantes não quiseram comprar o imóvel para além do valor de €150.000,00 que ficou consignado na escritura.”.- [cfr. item “D) Subsunção dos factos ao Direito”], e
v) ao não dar como provado o recebimento, por parte dos impugnantes, do montante de € 79.447,03 (que corresponde à diferença entre o montante dos €229.447,03 e o montante dos €150.000,00).
3. Tal como vem referido na douta sentença aqui posta em crise, o cerne da questão em análise nos presentes autos prende-se com apurar se efetivamente os impugnantes/ora recorridos não quiseram, efetivamente, pagar mais do que aquilo que de facto pagaram, ou seja, se não quiseram pagar mais do que os € 150.000, 00, que era o “preço” pelo qual adquiriram o prédio em questão e que constava da escritura pública.
4. No que se refere à aludida motivação da matéria de facto dada como provada nos pontos 17. a 20. do probatório, ressalta à vista a falta de apreciação crítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas, parentes dos impugnantes/ora recorridos – as quais prestaram depoimentos na qualidade de testemunhas arroladas pelos impugnantes – o que, a nosso ver, indicia, desde logo, que a prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas não foi devidamente apreciada, nomeadamente através do confronto com a prova documental carreada para os autos e à luz de critérios de razoabilidade e de normalidade.
5. Propendemos para defender que, pese embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes se circunscreva no âmbito dos atos da audiência final, deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença, o certo é que, no processo tributário não há autonomização do julgamento da matéria de facto, sendo que o Juiz que elabora a sentença deve discriminar a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (art.º 123.º, n.º 2 do CPPT). Com efeito, afigura-se-nos que, quanto a esta questão, no processo de impugnação judicial, a sentença deve ser proferida pelo Juiz que presidiu à fase instrutória, sem prejuízo de, nos casos em que tal se mostre totalmente inviável (o que não se nos afigura verificar no caso concreto), a sentença deve ser proferida pelo Juiz a que, o processo esteja distribuído no momento da prolação da sentença.
6. Chamando à colação o Parecer do digno Procurador do MP, que se pronunciou em sentido favorável à Fazenda Pública, no que concerne à prova testemunhal, parece-nos, salvo o devido respeito por diferente perspetiva, que a Mm. ª Juiz “a quo” absteve-se de fazer uma análise crítica e devidamente ponderada da prova testemunhal com os outros elementos de prova, limitando-se a formar a sua convicção nos depoimentos das três testemunhas, que como vimos, são parentes diretos dos impugnantes, o que torna a prova, a nosso ver, mais “fraca” e, por isso, menos fiável.
7. Ainda, no que se refere à prova testemunhal, como se pode verificar, atendendo ao grau de parentesco das testemunhas com os impugnantes, ou seja, tratam-se de parentes diretos, motivo pelo qual, a nosso ver, não obstante terem prestado Juramento legal [ao abrigo dos art.ºs 459.º e 513.º, n.º1 do Código de Processo Civil (C.P.C.)], suscita-nos sérias dúvidas se os seus depoimentos foram fidedignos, para o que terá tido influência a relação familiar muito próxima entre as testemunhas e os impugnantes, razão pela qual muito dificilmente os iriam contradizer.
8. À prova testemunhal aduzida pelos recorridos e que foi valorada tal como consta da sentença, a nosso ver, a mesma não deveria ter dado tanta relevância a esse meio de prova, fazendo a recorrente apelo à duvidosa credibilidade e parcialidade dos depoimentos (importa levar em linha de conta o conteúdo dos depoimentos, se em relação aos mesmos, eventualmente, há contradições ou incongruências).
9. Nesse sentido, chamamos a atenção para a descrição detalhada e minuciosa e subsequente análise crítica, feita pela Fazenda Pública (em sede de alegações, nos termos do art.º 120.º do CPPT), relativamente à prova testemunhal produzida.
10. Pelo que, por tudo o exposto, parece-nos, em nossa modesta perspetiva que ocorreu efetivamente, erro na apreciação da prova testemunhal, não logrando a Mm. ª Juiz “a quo” demonstrar que a sua preferência conferida à prova testemunhal (em detrimento da prova documental), terá sido conseguida de forma objetiva e fundamentada.
11. Sendo que, em alternativa à prova testemunhal, a recorrente faz apelo a outra prova, a prova documental, consubstanciadora, a nosso ver, de divergências relativamente à matéria de facto dada como provada. Para além do mais, discorrida a sentença, deparamo-nos com a falta de uma análise aprofundada e crítica desta prova, sendo que, de igual modo, sobre a relevância da mesma, nenhum juízo de valor foi emitido pela Mm. ª Juiz “a quo”.
12. Relativamente à prova documental, existente nos autos, a saber, o contrato promessa de compra e venda assinado em 05/06/2006, a declaração de Confissão de Dívida assinada em 29/06/2006 e ainda, o “Documento Particular de Transação” assinado em 17/01/2011, atendendo ao conteúdo dos mesmos, reflete a atuação dos impugnantes, a qual, a nosso ver, só encontra justificação no propósito de omitir o preço real da venda do imóvel de € 229.447,03, conforme reconheceram os impugnantes na declaração de confissão de dívida assinada em 29 de junho de 2006 (apenas um dia antes da escritura definitiva), o que se traduziu na falta de liquidação dos impostos devidos a título de IMT e de Imposto do Selo, na esfera dos impugnantes.
13. Pelo que, não se compreende como pode ter sido considerado suficiente o conteúdo dos depoimentos das testemunhas, para se fazer “tábua rasa” do conteúdo do documento da confissão de dívida.
14. Pelo exposto, somos do parecer, com o merecido respeito por distinto entendimento, que desde o início, antes da celebração de cada um dos negócios jurídicos acima descritos, houve uma implícita, mas inequívoca intenção dos impugnantes de fugir à tributação, de “escapar-se” ao pagamento de impostos (o IMT e o IS) ao Estado. Mais se diga, que o objetivo último era o da fuga ao fisco, de não ter que pagar o IMT e o I. Selo sobre o valor dos €79.477,03€, e que, portanto, estão em falta.
15. A Fazenda Pública perfilha dos fundamentos ínsitos no Parecer do Digníssimo Magistrado do MP no sentido de ser estranho, atendendo ao valor em causa - € 79.447,03 , ou seja, tratar-se de um montante bastante considerável nos nossos dias, para os exequentes/vendedores «FF» e esposa, terem abdicado assim, sem mais, de receber esse valor, conforme ficou consagrado no “Documento Particular de Transação”.
16. De igual modo, estranha-se, à luz das regras da normalidade e da veracidade pelas quais os negócios jurídicos se devem pautar, que exequentes/vendedores «FF» e esposa tenham celebrado um “Documento Particular de Transação”, em que declararam que desistem da ação, o que quer significar que desistem de receber o valor dos €79.477,03€, e ainda aceitem pagar 2/3 das custas em dívida.
17. Além do mais, pasme-se, como podem os impugnantes/ora recorridos defender terem sido coagidos, através da alegada “pressão/ameaça”, [e portanto, ter sido praticado um crime de coação (“moral”) previsto e punido no art.º 154.º do Código Penal], quando em face disso, os impugnantes nada fizeram, ou seja, não reagiram pelos meios judiciais à alegada “pressão/ameaça” e portanto, não denunciaram esse crime que alegam ter sido cometido contra eles. Aliás, podemos entender precisamente o contrário, isto é, quando o Sr. «FF» e esposa intentaram a Execução Comum, fizeram-no de boa fé, ou seja, lançaram mão dos meios judiciais normais para ver satisfeito o seu crédito, à luz dos critérios de sensatez e de razoabilidade e, de como atuar face a vicissitudes decorrentes da celebração de negócio jurídicos, e daquela que se poderia pautar por ser a “diligência de um bom pai de família”, a que se refere o art.º 487.º, n.º 2 do Código Civil.
18. Por tudo o exposto, será que não é legítimo perguntar-se, perante a particularidade das circunstâncias do caso concreto e face os factos demonstrados e comprovados (isto é, os impugnantes/ora recorridos não terem reagido pelos meios judiciais à “suposta” “pressão/ameaça”, a desistência dos exequentes/vendedores Sr. «FF» e esposa, materializada no “Documento Particular de Transação”, e ainda terem aceite pagar 2/3 das custas) que à luz das regras da boa fé e da veracidade que deve nortear os negócios jurídicos celebrados pelas partes e de harmonia com critérios de normalidade e razoabilidade, não poderá ter havido uma compensação “encapotada” entre as partes, com o claro intuito de fugir ao pagamento dos impostos (IMT e I. Selo)?
19. Em suma, tendo presente o seguinte,
√ os pontos que, erradamente, foram dados como provados no probatório [a saber, nos pontos 17., 18., 19. e 20. do probatório e os factos que constam da alínea “C) Motivação da decisão de facto”];
√ os factos vertidos nos negócios jurídicos celebrados (contrato promessa de compra e venda, a confissão de dívida e a escritura pública de compra e venda);
√ a pertinência dos fundamentos, ínsitos nas inquirições reproduzidas pela Fazenda Pública, em sede das alegações nos termos do art.º 120.º do CPPT;
√ os pertinentes fundamentos alegados pelo Digno Procurador do Ministério Público no seu Parecer;
√a manifesta predileção que é dada pela Mm. ª Juiz “a quo” à prova testemunhal em detrimento da prova documental,
√ a manifesta e “exagerada” valoração que é atribuída aos depoimentos das testemunhas dos impugnantes e sobretudo, o modo errado como foram considerados pela Mm. ª Juiz “a quo” como manifestamente suficientes para se fazer “tábua rasa” do conteúdo do documento de “Confissão de Dívida”;
√ e por fim, a sentença recorrida alicerçar-se apenas na “justiça formal”, focando-se estritamente no sentido do que é a definição de simulação do art.º 240.º do Código Civil, com predominância para dar atenção ao seu elemento “preço”, para concluir pelo seguinte, “Ora, no caso dos autos, a vontade declarada pelos Impugnantes na escritura pública, quanto ao elemento “preço”, correspondia à sua vontade real, pelo que não se verifica qualquer divergência entre esta e a declaração negocial, ficando assim afastada a figura da simulação e, consequentemente, a existência do próprio “negócio dissimulado”.
Em face do exposto, não resulta elidida a presunção de veracidade do preço declarado pelos Impugnantes que lhes é conferida pelo n.º 1 do artigo 75.º da LGT, carecendo, consequentemente, as liquidações adicionais de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis e Imposto do Selo em crise nos presentes autos, de fundamento legal.”, parece-nos que, tudo conjugado e apreciado criticamente, deveria, ter a Mm. ª Juiz do Tribunal “a quo” mantido integralmente a liquidações adicionais de IMT e I. Selo impugnadas, bem como as liquidações dos respetivos juros compensatórios, com todas as legais consequências – o que, respeitosamente, se requer seja (agora) determinado por V. Exas..

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

Os Impugnantes apresentam contra-alegações, tendo concluído como segue:
1.ª - Não há qualquer impedimento legal a que a sentença seja proferida por um juiz que não presidiu a fase instrutória
2.ª - A recorrente não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que imponham decisão sobre esses factos diversa da recorrida e por isso deve rejeitar-se a impugnação
- vd. al. b) e n.° 1 art.° 640.° CPC
3.ª - O tribunal não viu razão para descredibilizar os depoimentos prestados pelas testemunhas, nem a recorrente, no decorrer da audiência final, pôs em causa a isenção das mesmas, justificando-se, pois, a relevância desses depoimentos
4.ª - Os recorridos explicitaram a origem e teor dos documentos indicados pela recorrente, sendo que, a transação de 17 de janeiro de 2011 retrata a realidade do ocorrido e, pois, que os recorridos não omitiram o preço real de venda do imóvel

DE HARMONIA COM AS RAZOES EXPOSTAS DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, CONFIRMANDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA
ASSIM SERÁ FEITA JUSTIÇA

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, por entender ter ocorrido défice instrutório, por isso devendo ser anulada a sentença e os autos baixarem à 1.ª instância para serem realizadas diligências necessárias, como apurar o resultado de inquérito criminal instaurado contra os Impugnantes por indícios de fraude fiscal.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se foi violado o princípio da imediação da prova e se a sentença padece de erro de julgamento no que toca à apreciação, ponderação e valoração dos factos relevantes para a boa decisão da causa, bem como de falta de apreciação crítica da prova testemunhal produzida nos autos, bem como, ainda padece de errada, incongruente, deficiente e escassa fundamentação factual e jurídica e da concomitante errada aplicação das competentes normas legais.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
A) FACTOS PROVADOS
1) No dia 05.06.2006, os impugnantes celebraram um contrato promessa de compra e venda com «FF» e mulher «GG», comprometendo-se estes a vender e aqueles a comprar uma parcela de terreno, correspondente ao lote n.º 1, com a área de 585 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...17, ainda omisso à matriz e ainda uma moradia em construção nessa parcela, a que corresponde o processo camarário n.º ....9/04 e o alvará de licença de obras n.º .......5/05, emitido pela Câmara Municipal em 31.05.2005, pelo preço de €229.447,03 – cfr. fls. 103/106 do suporte físico dos autos.
2) Nesse contrato, ficou acordado que o preço seria pago nas condições seguintes:
a) a importância de €25.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, no acto da assinatura do contrato, valendo como recibo de quitação;
b) a importância de €125.000,00 a pagar no acto da celebração da escritura;
c) os restantes €79.447,03, no prazo de um ano a contar da data da assinatura da escritura – idem.
3) No dia 29.06.2006, os impugnantes assinaram um documento de “confissão de dívida”, no qual se confessam devedores a «FF» e mulher «GG», da importância de €79.447,03 referente ao resto do preço da venda da parcela de terreno, declarando ainda que “o preço real da venda e o que consta no contrato promessa de compra e venda celebrado em 5 de Junho de 2006 é de 229.447,03 Euros” – cfr. fls. 13/15 do processo administrativo apenso aos autos.
4) No dia 30.06.2006, os impugnantes e os vendedores «FF» e mulher «GG» outorgaram a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, na qual os primeiros declararam adquirir o prédio atrás identificado pelo preço de €150.000,00, declarando ainda que aquele contrato não fora precedido de contrato promessa de compra e venda – cfr. fls. 6 a 12 do apenso.
5) No mesmo dia, os impugnantes solicitaram no Serviço de Finanças ... a liquidação do IMT, a que foi atribuído o nº.........................603, com base no preço de €150.000,00, tendo pago IMT no montante de €9.750,00, bem como Imposto do Selo no montante de €1.225,00.
6) Em Setembro de 2009, os vendedores «FF» e mulher «GG» instauraram execução contra os aqui impugnantes (e outros), reclamando o pagamento da quantia de €79.447,03 e juros de mora – cfr. doc. fls. 26 a 29 do suporte físico dos autos.
7) A execução referida no ponto anterior tinha como título executivo o documento particular “confissão de dívida” a que se alude em 3 – cfr. doc. fls. 30/32 do apenso.
8) Em 13.10.2009, os aqui impugnantes deduziram oposição à execução referida no ponto 6, nos termos constantes de fls. 14 a 25 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9) Através do ofício nº ...72, de 26.05.2010, a Divisão de Justiça Tributária – Núcleo de Investigação Criminal, da Direcção de Finanças ..., comunicou ao Serviço de Finanças ... o seguinte:
“Assunto: Liquidação adicional de IMT
Das diligências efectuadas no âmbito do inquérito n.º .../10.3 TABCL instaurado por indícios de Fraude Fiscal, apurou-se que o valor de aquisição constante da escritura pública (…) é simulado, atendendo a que o preço efectivamente pago foi de duzentos vinte e nove mil, quatrocentos e quarenta e sete euros e três cêntimos, conforme documentos extraídos do processo cuja cópia se anexa.
Neste sentido, mostra-se necessário proceder à liquidação adicional do IMT devido pelos compradores nos termos do disposto no art.º 31.º em conjugação com o art.º 21.º, ambos do CIMT” – cfr. fls. 5 a 15 do apenso.
10) No dia 01.06.2010, foi efectuada a liquidação adicional de IMT e IS, no valor de €5.164,06 e de Imposto do Selo (IS), no valor de €635,58, bem como dos respectivos juros compensatórios, no montante global de €6.710,00 – cfr. fls. 16 do apenso.
11) Os Impugnantes foram notificados da liquidação referida no ponto anterior através de ofício remetido via postal registada, em 01.06.2010 – cfr. fls. 16 e 17 do suporte físico dos autos.
12) Em 06.07.2010, foi apresentada a petição inicial que deu origem à presente impugnação – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos.
13) No dia 09.12.2010, foi lavrado na secretaria do Tribunal Judicial de Barcelos, no âmbito do processo de oposição à execução comum, a que se alude no ponto 8 e que aí correu termos sob o nº ...8/09.1TBBCL-A, o seguinte termo de transacção:
No dia 09-12-2010, em ..., na Secretaria Judicial, compareceram:
Oponentes: «HH» e mulher «II»
Mandatário dos oponentes: Dr(a), «JJ», NIF - ...14, BI - ...03, Cartão profissional ­..., domicílio: Rua ..., ..., ... ...
Oponidos: «FF» e «GG»
Mandatário dos oponidos: Drº. «KK», domicílio: Rua ..., ... ..., ... ....
Disseram que vêm consignar neste Termo o acordo a que chegaram sabre o litígio que discutiam nos presentes autos, aos quais por este meio põem fim.
São as seguintes as cláusulas qua reciprocamente aceitam:
CLÁUSULA PRIMEIRA
Os oponidos declaram que se consideram já pagos do preço de venda do prédio urbano identificado na escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança outorgada em 30.06.2006 e que teve por objecto o prédio urbano que nele se identifica.
CLÁUSULA SEGUNDA
Consequentemente, as oponentes declaram que desistem do pedido que formularam nestes autos, declarando os oponidos, por sua vez, que desistem do pedido formulado na execução apensa.
CLÁUSULA TERCEIRA
As custas em dívida a juízo nesta oposição e no apenso serão pagas na proporção de 2/3 pelos oponentes e de 1/3 pelo oponidos, prescindindo todos de custas de parte e procuradoria na parte disponível.

Lido o presente termo acharam-no conforme e vão assinar.
[cfr. fls. 107 do suporte físico dos autos].

14) Posteriormente, foi junto aos referidos autos de oposição à execução, documento particular de transacção, com o seguinte teor:
OPONENTES
«HH» e mulher «II»
..., já devidamente identificados nos autos
«AA» e mulher «BB», já devidamente identificados nos autos
Mandatário: Dr. «JJ», com escritório na cidade ...
OPONIDOS
«FF» e mulher «GG», já devidamente identificados nos autos
Mandatário: Dr. «KK», com escritório na cidade ...
As partes declaram que transigem quanto ao objecto desta oposição à execução nos seguintes termos
Primeiro
Os oponidos declaram que, com o recebimento do montante de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros) declarado na escritura de "compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança" celebrada em 30.06,2006, se consideram já integralmente pagos do preço da vanda do PRÉDIO URBANO objecto dessa escritura, sito na freguesia ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...06, e, consequentemente, nada mais têm a reclamar dos oponentes. -------------------------------
Segundo
Deste modo, os oponidos/exequentes desistem do pedido que formulam contra os oponentes/executados no apenso de execução comum n.º....8/09.1TBBCL. --------------
Terceiro
Consequentemente, os oponentes e os oponidos estão de acordo em que o prosseguimento da presente oposição se revela inútil. --------------------------
Quarto
As custas em dívida a juízo nesta oposição e no apenso serão pagas na proporção de 2/3 pelos oponentes a de 1/3 pelos oponidos, prescindindo todos de custas de parte e procuradoria na parte disponível. ---------------------------
[cfr. fls. 116 a 118 do suporte físico dos autos]
15) Em 24.01.2011, foi proferida sentença homologatória da transacção referida no ponto anterior, nos seguintes termos:
Considerando que anterior sentença homologatória [que ainda não havia transitado em julgado] e outrossim a manifestação das partes em tornar mais clara a transacção inicialmente produzida, cumpre, em substituição daquela outra sentença, homologar a transacção junta a fls. 163 a 165, por se tratar de acto é valido, não só quanto ao seu objecto como também relativamente aos sujeitos intervenientes, e condeno, em consequência, as partes intervenientes, a cumpri-lo, nos seus precisos termos [vide os artºs 293º, nº 1, 294°, 299°, n° 1, a contrario, e 300º, nº 1, todos do Cod. de Proc. Civil]. ---
Custas nos termos acordados. ---
[cfr. fls. 119 e 120 do suporte físico dos autos].

Mais se provou o seguinte:
16) Em data não apurada, o impugnante marido e o seu pai, «HH», contrataram com o referido «FF» a construção de uma moradia no indicado lote n.º 1, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ....
17) Já com essa obra em estado avançado, o «FF» alegou a existência de defeitos, relacionados com a falta de qualidade do betão, exigindo a destruição da mesma.
18) A destruição da obra iria afectar irremediavelmente a credibilidade e imagem do impugnante e do seu pai como empreiteiros de construção civil, o que lhes causou grande pressão psicológica.
19) Tendo em conta a “ameaça” feita pelo «FF» e a necessidade do impugnante e do seu pai preservarem a sua imagem e negócio, o impugnante marido propôs àquele a compra do lote nº 1 onde estava a ser implantada a moradia.
20) Apesar de terem subscrito a confissão de dívida e o contrato promessa, a que se alude nos pontos 1) a 3), os impugnantes não quiseram comprar o imóvel para além do valor de €150.000,00 que ficou consignado na escritura.
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B) Matéria de facto não provada
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

C) Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente aos factos dados como provados alicerçou-se na posição das partes na acção e nos documentos juntos aos autos, supra identificados a seguir a cada um dos factos.
A factualidade descrita sob os pontos 16) a 20) foi relatada de forma coincidente pelas testemunhas inquiridas em audiência contraditória, «CC», tio por afinidade do impugnante marido, «DD» e «EE», ambos irmãos do impugnante marido. Pese embora os vínculos familiares em causa, todas as testemunhas prestaram um depoimento isento e circunstanciado, revelando conhecimento directo dos factos, fruto da própria convivência familiar e por se encontrarem a trabalhar na obra no período em que os mesmos ocorreram, merecendo por isso inteira credibilidade. A veracidade do facto descrito no ponto 20) foi, ainda, corroborada pela falta de pagamento da importância de €79.447,03 referida no documento de confissão de dívida, que levou o vendedor a instaurar um processo de execução contra os impugnantes.

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Apreciação do recurso.

Em primeiro lugar compete apreciar o Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, segundo o qual a sentença deve ser anulada, de modo a que seja adquirida prova sobre o resultado do inquérito instaurado contra os Impugnantes, por indícios de fraude fiscal de simulação do valor constante da escritura pública e do valor efetivamente pago.
Salvo melhor entendimento, a regra legal estabelece que é o processo penal que fica dependente do processo tributário, quando esteja em causa situação tributária cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados aos agentes, tal como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 47.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Considerando que no processo penal está em apreço saber o preço efetivamente pago e que neste processo se trata exatamente do mesmo pagamento, conclui-se que a impugnação judicial não tem que saber o resultado do processo penal, na medida em que no processo de impugnação deve ser realizada convicção própria sobre o assunto.
Face ao exposto, não se considera pertinente que seja adquirida prova do referido processo de inquérito.
*
Apreciando o recurso da Fazenda Pública, alega a Recorrente que a sentença deu erradamente provados os factos 17, 18, 19 e 20 do probatório, não tendo sido a prova testemunhal devidamente apreciada, nomeadamente através do confronto com a prova documental e analisada à luz dos critérios de razoabilidade e de normalidade, sendo que não foi efetuada uma análise critica dessa prova e nem sequer se pode considerar que tenha sido realizada prova cabal e consistente sobre a suposta “pressão/ameaça” invocada, sobre a qual os Impugnantes nada fizeram (ou seja, não reagiram pelos meios judiciais), para além de que tratando-se de depoimentos prestados por familiares diretos, suscitam-se sérias dúvidas sobre se os depoimentos foram fidedignos, pelo que não se entende a credibilidade dada a tais testemunhos.
Alega a Recorrente que na escritura pública, realizada em 30/06/2006, os Impugnantes, ora Recorridos, declararam aceitar a venda do prédio em causa pelo preço de € 150.000,00; no entanto, no documento de confissão de dívida, assinado em 29/06/2006 (apenas um dia antes), reconhecem que o preço real da venda é de € 229.447,03, por isso efetuaram um reconhecimento da dívida de € 79.447,03, correspondente à diferença entre o valor real da venda de € 229.447,03 e o valor já pago de € 150.000,00, sendo que o valor de € 229.447,03 é o que consta do contrato promessa de compra e venda, não obstante ter sido declarado na escritura não ter sido celebrado contrato promessa.
No que concerne aos documentos de transação, refira-se que na primeira transação não se referem valores e que é estranho que alguém prescinda do montante de € 79.447,03, que é valor considerável, e ainda aceite pagar 2/3 das custas, sendo de concluir que houve uma clara vontade de fugir à tributação.
Invoca, ainda, a Recorrente que foi violado o princípio da imediação da prova, na medida em que quem proferiu sentença não foi quem efetuou a inquirição de testemunhas.

Nas suas contra-alegações os Recorridos defendem a improcedência do recurso.
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Começando por este último aspeto, ou seja, pela alegada violação do princípio da imediação da prova, por não ter sido o juiz que presidiu à prova testemunhal que proferiu a sentença, cumpre dizer que, tendo a inquirição das testemunhas sido realizada no dia 2 de julho de 2012 (vide Ata de Inquirição de Testemunhas a págs. 137 do SITAF), não é ainda aplicável o princípio da imediação da prova. Ou seja, no contencioso tributário, apenas a partir da entrada em vigor da alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), operada pela Lei n.º 118/2019, de 19 de setembro (que entrou em vigor 60 dias após a publicação, ou seja, no dia 16/11/2019), é que passou a ser aplicado o princípio da plenitude da assistência do juiz, conforme nova redação dada ao artigo 114.º do CPPT. Portanto, apenas para as inquirições de testemunhas realizadas a partir de 16 de novembro de 2019, é que passou a ser obrigatório que seja o juiz que realiza a inquirição de testemunhas, quem deva proferir a sentença.
Desta forma, tendo a prova testemunhal sido realizada em momento anterior à entrada do novo regime de plenitude de assistência dos juízes no contencioso tributário, a sentença proferida por juiz que não presidiu à inquirição de testemunhas pode proferir a sentença, para o efeito ouvindo a gravação dos depoimentos.
Neste sentido tem-se pronunciado a jurisprudência, inclusive deste Tribunal (veja-se, por exemplo o Acórdão proferido em 30/09/2021, no processo n.º 00617/05.7BEPRT), bem como do Supremo Tribunal Administrativo, nos Acórdãos nos Acórdão de 03/07/2019, recurso n.º 01522/15; de 03/07/2019, no proc. n.º 499/04.6BECTB; de 04/03/2020, no proc. n.º 259/10.5BELRS; de 07/04/2021, no proc 0503/13.7BEAVR., com fundamentação que subscrevemos integralmente. Assim, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão 03.07.2019, proferido processo 0499/04.6BECTB, transcrevendo integralmente o seu Sumário:
” I - Antes da entrada em vigor do novo CPC o princípio da plenitude de assistência do juiz só tinha aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto (artº 654º do antigo CPC).
II - Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito sempre estiveram cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verificava em processo civil, entre a fase de audiência final, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III - Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.
IV - Com as alterações introduzidas através do artº 605 do novo CPC o referido princípio passou a aplicar-se à fase da audiência final pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.
V - Estas alterações aplicam-se aos processos pendentes mas não têm eficácia retroactiva.
VI - As ditas alterações não influenciam o julgamento em sede de impugnação judicial se, como no caso dos autos, a inquirição de testemunhas ocorreu antes de 2013 e antes da entrada em vigor do novo CPC.
VII - Em consequência, se a recolha da prova em sede tributária, foi efectuada no domínio do anterior CPC é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição

Igualmente no Acórdão de 4 de Março de 2020, proferido no processo n.º 59/10.5BELRS, em resposta à questão que lhe foi endereçada pelo Presidente do Tribunal Tributário de Lisboa, em sede de consulta prejudicial [Consulta prevista no art. 93.º, n.ºs 1, alínea b) e 3, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ao contencioso tributário por força do disposto no art. 2.º, alínea c), do CPPT, e no n.º 2, do art. 27.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.] – de saber se “a elaboração de sentença em processo em que tenha havido inquirição de testemunhas após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, compete ao juiz que no momento for titular do processo ou compete ao juiz que presidiu à inquirição de testemunhas e outras diligências de prova” entendeu que esta não era de admitir, porque “a doutrina deste Supremo Tribunal sempre foi no sentido de que, no processo judicial tributário, o juiz competente para a elaboração da sentença era aquele a quem o processo se encontrava atribuído, como o próprio legislador apenas pretendeu que se fizesse de modo diferente nos processos entrados em juízo após a entrada em vigor da referida Lei n.º 118/2019”.
E ponderou-se, ainda, no douto acórdão: “Sobre a questão da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz, no âmbito do contencioso tributário, já este Supremo Tribunal se pronunciou nos seus acórdãos datados de 12.12.2012, recurso n.º 01152/11 e mais recentemente no acórdão datado de 03.07.2019, recurso n.º 01522/15.
Em ambos se concluiu que no processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.
É certo que a aproximação do regime estabelecido no novo Código de Processo Civil ao regime que desde sempre vigorou no processo tributário, no tocante ao regime da prova e elaboração das sentenças, veio suscitar dúvidas, infundadas, de resto, sobre se também no processo tributário haveria que passar a fazer-se de modo diferente.
Porém, e face, como se disse, à singularidade do processo tributário, a questão colocada já se encontrava resolvida pela doutrina deste Supremo Tribunal e veio mesmo a ser confirmada pelo legislador, na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114.º, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13.º, n.º 1 e alínea a)”.
Face a exposto, não se mostra violado o princípio da imediação da prova.
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No que concerne ao demais alegado no recurso, temos de mencionar que a sentença depois de dar por assente a matéria de facto que considerou pertinente, em função da prova documental e da prova testemunhal, referiu que o comprador invocou defeitos da obra, relacionados com a falta de qualidade do betão, exigindo a destruição da mesma e que tal corresponderia a uma “ameaça” dos compradores que afetaria a imagem do Impugnante e do seu pai como empreiteiros, pelo que estes aceitaram que o imóvel fosse comprado pelo valor que ficou consignado na escritura e não pelo valor mencionado no contrato promessa de compra e venda. Conclui a sentença que o valor declarado na escritura correspondia à vontade real da declaração negocial, afastando-se, assim, a figura da simulação e consequente existência de negócio dissimulado.
A Recorrente alega que se deve considerar o valor mencionado no contrato promessa de compra e venda e que o tribunal de 1.ª instância não fez uma avaliação crítica da prova.
Apreciando.
Em primeiro lugar compete referir que a Recorrente indica a concreta prova que entende enfermar de erro de julgamento, ou seja, a que consta dos pontos 17), 18), 19) e 20) do probatório.
De seguida deve dizer-se que não é possível analisar os concretos depoimentos, na medida em que não estão indicadas as passagens das gravações que eventualmente possam contrariar ou infirmar os factos dados como assentes através da prova testemunhal, uma vez que a Recorrente não cumpriu o ónus estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Mas já é possível saber se existiu um exame crítica da prova mediante a análise da fundamentação da sentença, no que concerne à motivação da matéria de facto, mormente na parte relativa à prova testemunhal e sua conjugação com a prova documental.
Assim, conforme determina o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, determina que o juiz deve analisar criticamente as provas. Reza assim o citado preceito:
Artigo 607.º (Sentença)
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

No mesmo sentido dispõe o n.º 3 do artigo 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja, que o juiz deve analisar criticamente as provas.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário determina que o juiz discrimina a matéria provada da não provada e fundamenta as decisões.
Ora, conforme refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, (ed. 2011, vol. II, págs. 321 e 322), o cumprimento do dever de fundamentação segue determinado paradigma.
«A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.º 2 do art. 123.º do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto”.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objetivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respetivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.
Mas, quando se tratar de meios de prova suscetíveis de avaliação subjetiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objetivo de revelação das razões da decisão, que seja efetuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» (sublinhado nosso).
Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma.
Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
Refere, ainda, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, (op. cit pág. 348):“ a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”
E no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.

O Tribunal da Relação, ou seja, o Tribunal de 2.ª instância, deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes impuserem decisão diversa, realizando um juízo autónomo sobre a factualidade assente, conforme admite o n.º 1 do artigo 662.º do Código de processo Civil.
Conforme refere o Prof. Rui Pinto, no Manual do recurso Civil – vol. I, AAFDL Editora, ano 2020, na pág. 33: «2. Ora, é inegável que a relação pode censurar o tribunal a quo, em duplo grau de jurisdição em decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do artigo 662º, mesmo quanto aos juízos de livre apreciação da prova produzidos pelas instâncias.».
Por sua vez, o conselheiro Abrantes Geraldes, refere na obra Recursos em Processo Civil (6.ª ed., Almedina, ano 2020), em anotação ao artigo 662.º, nas págs. 331 e 332, o seguinte: «3. Com a redação do art. 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetem a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previsto no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência.
(…)
4. o atual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 2 e 3, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.».
Por seu turno, o Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, escreve no seu livro, Prova por Presunção no Direito Civil (3.ª ed., almedina, 2017), na pág. 185:
«Conforme refere HENRIQUE ANTUNES, «(…) em face dos dados que a lei disponibiliza ao intérprete e ao aplicador, não há outra resposta exata que não entender que a Relação não deve limitar-se a corrigir os erros manifestos ou grosseiros da instância a quo, e que, na busca de uma solução mais acertada e justa para o objeto da causa, deve valorar de novo a prova, sem estar vinculada às razões e às valorações do juiz da 1ª instância – embora, no caso de divergência deve cumprir, com particular escrúpulo, o dever de motivação a que está adstrita, a través da indicação das razões que justificam a discordância.».
Face a esta relevante alteração normativa, dúvidas não subsistem de que a Relação há de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a primeira instância, se estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida em função do princípio da imediação da prova ou de qualquer outro.».

Em função destes ensinamentos, podemos verificar que a sentença não realiza nenhuma análise crítica da prova, mormente não explica o motivo pelo qual a prova testemunhal prevalece sobre a prova documental que foi elaborada pelas próprias partes no negócio (portanto os documentos particulares correspondentes ao contrato promessa de compra e venda e à declaração de divida), mas que depois as testemunhas parece que “infirmam” o negócio realizado, por escrito, pelas partes.
Assim, a sentença, efetivamente não efetua qualquer juízo de apreciação das provas, uma vez que não efetua uma análise crítica dos depoimentos prestados, limitando-se a considerações genéricas e superficiais sobre a prova testemunhal. Não está vertida na sentença a razão de ciência de cada testemunha sobre cada um dos factos impugnados pela Recorrente, ou seja, sobre os pontos 17), 18), 19) e 20) do probatório. Aliás, considerar factos algumas das afirmações constantes dos pontos sindicados no recurso, é algo bastante generoso.
Para além disso, a sentença não efetua um juízo comparativo entre os dois tipos de prova, ou seja, a prova testemunhal e a prova documental, sendo que esta apresenta maior objetividade, pelo que se mostrava necessário estar fundamentada a decisão da matéria de facto, no sentido de prevalecer a prova testemunhal sobre a documental; e não está, quando devia estar.
Desta forma, o tribunal de segunda instância pode realizar a sua própria convicção, realizando a devida fundamentação.

Ora, nos termos do disposto nos nos. 1 e 2 do artigo 376.º do Código Civil, o documento particular faz prova plena quanto às declarações que nele constam, considerando-se provados os factos na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração indivisível. Só assim não sucede quando esteja arguida a falsidade do documento, sendo que no caso em apreço não foi arguida a falsidade de tais documentos, pelo que os mesmos se devem considerar verdadeiros e prevalecerem sobre a prova testemunhal, conforme dispõe a lei e tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinal. Veja-se, por exemplo, o Acórdão da Relação de Évora, proferido em 14/10/2021, no processo n.º 4151/20.7YIPRT.E1 (disponível em www.dgsi.pt), cujo sumário se transcreve:
I. Um documento particular (artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil) cuja autoria (assinatura) não se encontra impugnada, tem o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova a falsidade do documento.
II. Assente a força probatória plena do documento, não é admissível a prova testemunhal (e, consequentemente, a prova por presunção judicial - cfr. artigo 351.º do Código Civil) visando a demonstração da inveracidade da declaração com base em quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento com força probatória plena, sejam as mesmas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato (artigos 393.º, n.º 1 e 2, e 394.º, do Código Civil.
III. Exceciona, porém, a lei, esta regra desde que esteja em causa apenas a interpretação do contexto do documento, como expressamente estipula o n.º 3 do artigo 394.º do Código Civil.
IV. Se as circunstâncias do caso tornam verosímil a convenção (contra o conteúdo do documento ou para além dele – artigo 394.º do Código Civil), entende-se que a prova testemunhal não colide com a regra dos artigos 394.º e 395.º do Código Civil.
V. Nesse pressuposto, a prova testemunhal limita-se a completar e a esclarecer o significado das circunstâncias objetivas inerentes ao negócio em ordem a interpretar o contexto do documento confessório donde resultará, ou não, a conformidade do declarado com o facto ali inscrito (artigo 393º, n.º 3, do Código Civil).
Portanto, a prova testemunhal não pode ser admitida para infirmar o que os celebrantes do contrato promessa pretenderam, nem para desqualificar o documento de declaração de dívida.
Mesmo que as partes contratantes tenham declarado na escritura pública de compra e venda um valor inferior de aquisição, a partir do momento em que celebram um contrato promessa de compra e venda onde consta valor superior e com a assinatura de uma declaração de dívida pelos Impugnantes, que perfaz o valor da última tranche de pagamento prevista no contrato promessa, torna inverosímil a declaração do valor de compra e venda exarada na escritura publica.
De tal forma é inverosímil o valor declarado na escritura pública, que a após a celebração desta, o vendedor coloca o comprador em Tribunal para que lhe pague o valor que considera em falta, e que é precisamente aquele montante que não consta na escritura pública de compra e venda.
Portanto, temos prova documental suficiente que infirma a declaração que as partes fizerem na escritura pública de compra e venda, quando ao valor da venda do imóvel em apreço.
Sobre a valoração das declarações prestadas em escritura pública, em contraponto com as declarações insertas em documento particular que sejam diferentes, deve considerar-se que as declarações prestadas diante de oficial público são inverosímeis, caso haja outros documentos em sentido contrário, mesmo particulares. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/01/2018, proferido no processo n.º 8470/15.6T8CBR.C1 (disponível em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor:
I – Um documento autêntico faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto (art. 371º, nº 1, 1ª parte, do C.Civ.).
II - Uma escritura pública de compra e venda pertence indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos (art. 369º, nºs 1 e 2 do CCiv) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do CCiv.).
III - Um documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art. 371º, nº 1, 2ª parte, do CCiv.).
IV - Isto é, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram.
V - Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele.
VI - Se na realidade não faz a mesma prova plena do pagamento do preço à vendedora/recorrente, fá-lo, no entanto, da sua declaração de já haver recebido o preço, pois que a realidade da afirmação cabe nas percepções do notário, o que implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, beneficia a autora, e que o artigo 352º do CCiv. qualifica como confissão.
VII - Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355º, nºs 1 e 4, e 358º, nº 2 do CCiv.
VIII - Lembre-se que o nº 2 do artº 358º do CCiv. dispõe que “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
IX - Em resultado dessa força probatória plena, o facto confessado ter-se-ia, em princípio, de considerar como provado, sem poderem ser admitidas outras provas para isso contrariar (designadamente, a prova testemunhal - artº 393º, nº 2 - e, consequentemente, o funcionamento das presunções judiciais - artº 351º, nº 1, do CCiv), sem prejuízo, porém, de se poder demonstrar a falsidade do aludido documento autêntico ou fazer prova da falta ou vícios da vontade que inquinaram a declaração “confessória” (artºs 372º, nº 1 e 359º do CCiv.).
X - A jurisprudência dos tribunais superiores, com base no defendido pelo Prof. Vaz Serra, tem entendido, maioritariamente, que, fora dos casos acima referidos, quando houver determinado circunstancialismo, por exemplo um princípio de prova por escrito, que tornem verosímil o facto a provar, contrário à declaração confessória, ficará aberta a possibilidade de complementar esse circunstancialismo, mediante testemunhas, de modo a fazer a prova do facto contrário ao constante dessa declaração, ou seja, no caso, a prova de onde resulte não corresponder à realidade o afirmado recebimento do preço.
XI - Na verdade, se o facto a provar está já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, a prova testemunhal é de admitir, pois não oferece os perigos que teria se desacompanhada de tal começo de prova: em tal caso, a convicção do tribunal acha-se já formada parcialmente com base num documento, não sendo a prova testemunhal o único meio de prova do facto.
XII - - Tal como nos documentos autênticos, fixada a força probatória formal dos documentos particulares, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art. 376.°, n.° 1, do CCiv, ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações dele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão.

Sendo a prova documental constante do contrato promessa de compra e venda, bem como da declaração de dívida, é anterior à escritura pública de compra e venda – vide itens 1), 2), 3) e 4) do probatório -, então essa prova documental pode (e deve) ser apreciada e valorada, no sentido de confirmar ou infirmar as declarações prestadas na escritura pública.
No caso concreto, entendemos que as declarações prestadas diante de oficial público, saem infirmadas, segundo acima já referido e conforme adiante ainda referiremos, aquando da análise aos pontos da matéria de facto sindicados neste recurso.

Assim, o ponto 17) que se reporta à falta de qualidade do betão, trata-se de uma generalidade, pois não se sabe ao certo se essa alegada falta de qualidade afetava a estrutura da obra, ou uma parte da ora, ou que defeito em concreto era esse. Aliás, na Petição Inicial, os Impugnante nunca se referem ao defeito do betão, mas antes invocam defeitos da obra, sem concretizar mais nada.
Ora, um defeito de uma obra carece de ser concretizado de modo que se possa perceber se tal defeito é de tal modo grave que afete a estrutura da obra de molde a que a mesma fique insegura, coloque o imóvel em risco de ruir ou provoque danos estruturais no imóvel. Nada de concreto se sabe sobre estes alegados efeitos, nem a sentença o refere, assim como também não diz quais os depoimentos testemunhais que referiram os defeitos da obra. Não obstante, diz-se no ponto 17), que foi exigida a destruição da obra, sendo que não existe notícia da obra ter sido destruída.
Portanto, o ponto 17), não está motivado, pelo que tem de ser eliminado.
No que concerne ao ponto 18) do probatório, também não se mostra motivado, para além de se tratar de algo genérico e conclusivo.
Em primeiro lugar, não está explicado como é que poderia haver a destruição da obra. Ou seja, não sendo o comprador empreiteiro, não se entende como é que obra podia ser destruída pelo comprador, aliás, nem faz sentido que o comprador “ameace” com a destruição de algo que já teria pago, em função de um defeito não concretizado. Para além disso, o Impugnante, enquanto profissional da construção parece que cede à “ameaça” de uma pessoa não especializada na matéria, sem sequer a propor a reparação dos alegados defeitos da obra. Portanto, a destruição afigura-se que seria desproporcionada ao suposto defeito da obra.
Por sua vez, caso a “ameaça” fosse passar a mensagem de que a obra tinha defeitos, também não se percebe como é que uma só pessoa pode afetar a credibilidade de um construtor, de modo a que o mesmo sentisse grande impacto psicológico e aceitasse, sem reservas, tudo o que o comprador pretendia.
Por outro lado, a indicação no ponto 18) de que a alegada destruição da obra afetaria «irremediavelmente» a credibilidade e imagem do impugnante, não contém nenhum suporte na fundamentação dos depoimentos, não se mostrando realizada nenhuma análise crítica acerca da validade desta afirmação, tanto mais que «irremediavelmente», não é um facto concreto, mas antes um juízo de valor que não pode, ou melhor, não deve ser levado à matéria de facto.
Portanto, o ponto 18) corresponde a mais uma generalidade sem qualquer análise concreta da ameaça e de suposto temor público da divulgação de um alegado defeito de uma obra.
Em face do exposto, não merece a mínima credibilidade a alegação da destruição da obra, nem a invocação da afetação “irremediável” da imagem do Impugnante, nem a grande pressão psicológica.
Desta forma, o ponto 18) da matéria de facto deve ser eliminado.

Relativamente ao ponto 19), no que neste se refere sobre a “ameaça” e sobre a “imagem” do Impugnante e seu pai, vale o que acima ficou expendido. Portanto, trata-se de uma afirmação vaga e genérica, sem qualquer fundamento sustentado nas provas carreadas para os autos.
Por sua vez, no concerne à proposta de compra do lote n.º 1, onde estava implantada a moradia, não faz sentido, na medida em que, conforme já acima explicado, a normalidade da vida ensina-nos que os defeitos das obras corrigem-se. Portanto, a primeira opção é sempre a de resolver os supostos defeitos de uma obra, não é comprar ou vender uma obra com defeitos, supostamente por um valor inferior ao que valeria. Nem se compreende como é que o Impugnante se dedicando a uma atividade lucrativa, não tentou resolver os supostos defeitos da obra, mas teria cedido logo á suposta “ameaça”. Esta situação não tem a mínima credibilidade, de tal modo que a motivação da sentença nada explica a este título.
Portanto, como se considera que não se acolhe a alegação de ter havido uma “ameaça” de destruição da obra, nem de divulgação pública dos defeitos da obra, a suposta proposta de compra do lote n.º 1, cai por terra, por falta de fundamento real que o suporte.
Desta forma, o ponto 19) do probatório também tem de ser eliminado.

No que concerne ao ponto 20), trata-se de uma conclusão e não de um facto.
Conclusão esta que levada ao probatório resolve a causa, o que não é admissível, na medida que a conclusão deve ser retirada depois da análise crítica de todas as provas, não sendo um facto simples em si mesmo.
Resulta, ainda, que a sentença não explica os motivos pelos quais afinal os Impugnantes quiseram comprar pelo valor de 150.000 euros e não pelo valor mencionado no contrato promessa.
Assim, verifica-se que foi assinado um contrato promessa no dia 05/06/2006 pelo valor total da compra de 229.447,03 Euros – vide ponto 2) do probatório; que foi assinada uma declaração de dívida no dia 29/06/2006, no valor de 79.447,03 euros – vide ponto 3) da matéria de facto; e foi celebrada a escritura pública de compra e venda no dia 30/06/2006, pelo preço declarado de 150.000, 00 euros.
Portanto, entre o dia da assinatura do contrato promessa e o dia da celebração da escritura de compra e venda, decorreram 25 (vinte e cinco dias). Ora, não é credível que em tão pouco espaço de tempo tenham decorrido todas as situações que os Impugnantes alegam. Ou seja, não é credível que em 25 dias tenha sido realizada a obra e que mesma apresentasse defeitos de tal forma que podiam implicar uma “ameaça” de destruição da obra.
Para além disso, assinada uma declaração de dívida no valor que perfaz o montante total mencionado no contrato promessa de compra e venda e, celebrada no dia seguinte a escritura pública em valor inferior, parece que, em menos de 24 horas, as coisas se alteraram tão drasticamente, que afinal, o valor da dívida diminuiu de um dia para o outro em 79.447,03 euros. Ora, não é credível que as coisas se possam ter passado assim, de tal forma que vem alegados defeitos da obra e “ameaça” de divulgação desses defeitos, pelo que não seria em 24 horas que se detetariam os defeitos, se realizaria a “ameaça” e que o comprador cederia sem fazer uma vistoria à obra ou sem apresentar qualquer proposta alternativa, como a reparação dos alegados defeitos.
Portanto a alegação de que o comprador apenas pretendia comprar pelo valor de 150.00,00 euros não tem a mínima credibilidade.
Para além disto, nem os Impugnantes, nem a sentença explica a “reviravolta” operada na ação judicial mencionada nos itens 6), 7), 8), 13), 14) e 15) do probatório.
Conforme dado por assente nos pontos 6) e 7) do probatório, os vendedores exigiram judicialmente aos Impugnantes que lhes pagassem € 79.447,03 (e juros de mora), que era o montante que faltava para completar a totalidade do valor de € 229.447,03, que era o indicado no contrato promessa.
Não consta que nesse processo, os Impugnantes tivessem alegado o mesmo que agora defendem nesta Impugnação, ou seja, de que foram “ameaçados” com a destruição da obra e os danos na imagem, de forma a aceitar o valor da venda. Assim, também por este motivo, a versão agora trazida aos autos pelos Impugnantes, não merece credibilidade.
Nessa sequência, efetuaram uma primeira transação onde os vendedores declaram que se consideram pagos do preço de venda do prédio e que desistem do pedido efetuado, ficando as custas a cargo dos vendedores em 1/3 e dos compradores em 2/3 (os aqui Impugnantes).
Ora, se os vendedores intentam a ação judicial para receberem € 79.447,03 (e juros de mora) e declaram que se consideram pagos do preço de venda, é porque estes € 79.447,03, lhes foram pagos, entretanto. Os vendedores não dizem na transação que prescindem dos € 79.447,03, mas apenas que se consideram pagos. Deve-se entender que se consideram pagos da quantia peticionada, pois mais nada estava em apreciação nessa ação.
Para além disso, os compradores, portanto os Impugnantes, aceitam ficar com as custas a seu cargo na proporção de 2/3.
Oras, não faz sentido que alguém vá peticionar em tribunal € 79.447,03, desista do pedido e ainda fique a seu cargo a maior parte das custas. O que faz, sentido é que o exequente tenha desistido dos juros, por isso arcar com 2/3 das custas.
Assim, somos do entendimento que a primeira transação é aquela que corresponde à realidade.
Por outro lado, também não explica a sentença, como é que está indicado num contrato promessa de compra e venda um valor total de 229.447,03 euros, e o vendedor prescinde de 79.447,03 euros, não obstante ter intentado uma ação para receber essa avultada quantia. E como vimos os motivos alegados para o efeito, não foram considerados plausíveis, como tal eliminados da matéria de facto.
Portanto, em face da prova documental constante de documentos particulares, como são o contrato promessa de compra e venda e a declaração de dívida (confissão de dívida, conforme designado pelos próprios nesse documento), assim como pelo facto de ter sido intentada ação judicial executiva para fazer a cobrança do valor que consta da confissão de dívida, é inverosímil que o valor de compra e venda do bem imóvel em apreço nos autos tivesse sido pelo valor declarado na escritura pública de compra e venda. E a prova testemunhal ouvida pelo Tribunal não infirma esta conclusão, pois, por um lado contaria documentos escritos que prevalecem sobre os depoimentos testemunhais, e, por outro lado, não apresenta motivação que eventualmente pudesse colocar em causa qualquer um daqueles documentos particulares.
Em face do exposto, dado o ponto 20) da matéria de facto também tem de ser eliminado.

Em face da eliminação dos pontos 17), 18), 19 e 20) da matéria de facto, não resulta demonstrado pelos Impugnantes que a compra do imóvel orçou o valor declarado na escritura de compra e venda, pelo que não tendo os Impugnantes logrado provar que o valor da compra foi o de 150.000,00 euros, verifica-se que o ato impugnado se encontra conforme a realidade dos factos. Ou seja, o valor da compra e venda é aquela que consta do contrato promessa, cujo valor é superior ao que ficou exarado na escritura pública.
O valor mencionado no contrato promessa de compra e venda, correspondia a 229.447,03 euros, devendo ser por este montante que devia ter sido pago o IMT e o Imposto de Selo, pelo que não o tendo sido (uma vez que o valor base foi o indicado na escritura pública de compra e venda, que era inferior), as liquidações adicionais encontram-se validamente emitidas.
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Face ao exposto, o recurso merece provimento, devendo a sentença ser revogada e mantidas na ordem jurídica as liquidações impugnadas.
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No concerne a custas, atenta a revogação da sentença e ao facto de os Recorridos terem contra-alegado, assim como a impugnação acabar por ser totalmente improcedente, são os eles os responsáveis pelas custas em ambas as instâncias – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - A matéria de facto vertida na sentença não pode conter juízos de valor, nem considerações genéricas e deve estar devidamente motivada, fazendo um exame crítico das provas, nomeadamente fundamentado os motivos pelos quais um tipo de prova, como a testemunhal, deve prevalecer sobre a prova documental.
II - Um documento particular faz prova plena quanto às declarações que dele constam, considerando-se provadas essas declarações, na medida em que foram contrárias aos interesses do declarante.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em eliminar os pontos 17), 18), 19) e 20) do probatório, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
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Custas a cargo dos Recorridos (Impugnantes), em ambas as instâncias.
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Porto, 21 de março de 2024.

Paulo Moura
Celeste Oliveira
Carlos Castro Fernandes