Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00693/09.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/31/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO; NOTIFICAÇÃO
Sumário:I. Por força do nº 3 do artigo 38.º do CPPT, na redação dada pela Lei n° 55-B/2004, de 30.12, as notificações de liquidações de tributos que resultem de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição são efetuadas por carta registada simples, presumindo-se efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte quando aquele seja dia não útil (artigo 39.º n.º 1 do CPPT).

II. Se a carta registada simples para efeitos de notificação da liquidação de IRC de 2004 tiver sido devolvida com a menção nela aposta de “entregue por engano”, “aberta por lapso” e “depois de devidamente entregue voltou ao circuito dos correios…” não pode presumir-se efetuada validamente a respetiva notificação, para efeitos de operar a presunção do n.º 6 do artigo 45º da LGT.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A…, Lda. (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se concedeu parcial provimento à impugnação das liquidações adicionais de IVA do ano de 2004 e às correspetivas liquidações de juros compensatórios.

Nas suas alegações a Recorrente concluiu que:
A. Nos presentes autos foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada, anulando os atos de liquidação afetados pelas correções descritas no ponto “III.1.2.1. – IVA não liquidado por não emissão de fatura ou documento equivalente”, mantendo tudo o demais, sendo essa parte da decisão que se pretende colocar crise.
B. Pretendendo colocar em crise o ponto “I” dos factos provados, porquanto resulta como provado as conclusões e fundamentos do relatório inspetivo, o que não se concorda em prol da prova produzida e da matéria de direito que deveria ser devidamente valorada,
C. Assim como se pretende consequentemente colocar em crise o ponto “R” dos factos provados, no qual resultam os atos de liquidação adicional resultantes da diligência inspetiva.
D. O que se pretende promover alertando este tribunal para as preterições legais que se mostram violadas, e bem assim para a prova testemunhal produzida, e corrobora as referidas violações, desde logo o facto de estarmos perante uma situação latente de caducidade do direito à liquidação por parte da Administração Tributária, facto esse que deveria pois ter sido considerado como provado e consequentemente determinar a anulação de todos os atos de liquidação e colocar crise todos os demais;
E. A preterição de formalidades legais essenciais no desenvolvimento de todo o ato inspetivo em que assentou as liquidações em crise, as quais, deveriam ter sido igualmente consideradas como provadas, e determinar a anulação dos atos de liquidação por ilegalidade, e bem assim e na decorrência dos anteriores pontos, a errónea qualificação e quantificação da matéria tributável, quanto ao IVA das transações transfronteiriças.
QUANTO À CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
F. As liquidações de IVA relativamente ao exercício de 2004 nunca foram entregues à aqui Impugnante, e como tal o direito de liquidação extinguiu-se por decurso do prazo legal concedido para o efeito.
G. Para o efeito temos a prova documental junta aos autos, em que o documento n.º 5, junto com a Contestação nos quais é possível observar a aposição nos mesmos por um lado, de um carimbo com os dizeres “Devolvido ao Remetente” e, por outro lado, a expressão desta feita manuscrita de “Morada Errada”, e das quais se verifica que, sequer resulta o nome da rua, número de porta, nem tão pouco o código postal completo.
H. E, por outro lado, completar esta informação com a que nos é prestada pelos Serviços dos CTT, no seu ofício com data de expedição para os presentes autos de 20 de Maio de 2011 e notificada à Impugnante no dia 07 de Setembro do mesmo ano, donde é possível inferir pelo esclarecimento que lá é prestado que de facto a devolução da correspondência só ocorreu por que a morada da pessoa a notificar (a Impugnante) constante das notificações que compõem o documento n.º 5 da Contestação, nada tem que ver com a morada correta, como é dito no referido ofício, do destinatário das mesmas A…., S. A.,
I. Diz-nos o n.º 1 do artº. 36.° do CPPT que os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
J. Dispõe o n.º 3 do artº. 38.° do CPPT que as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição são apenas efetuadas por carta registada.
K. Assim sendo, há que aplicar o nº 3 do artº 38º acima citado que reza assim: “As notificações não abrangidas pelo nº 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”.
L. As liquidações de IVA em causa, ainda que “recebidas” por alguém, como parece resultar do teor da informação prestada pelos CTT (que não a Impugnante e que a mesma desconhece e absoluto), foram devolvidas e, com a indicação de morada errada, conforme documento n.º 5 da Contestação e comunicação dos CTT de 20 de Maio de 2011.
M. Donde resulta (do acima exposto e da ausência da alegação e prova de qualquer outro facto em sentido contrário), que aquelas liquidações de IVA nunca foram recebidas/notificadas à Impugnante.
N. Como o demonstrou na audiência de julgamento, com a produção do depoimento das testemunhas aí inquiridas, todo o serviço postal é rececionado pelas funcionárias M... e AL....L..., que o encaminham para os respetivos destinatários. Toda a correspondência proveniente da Administração Fiscal é entregue no departamento de contabilidade, aos funcionários responsáveis por essa área, Dr. NP. e Dr. NC. que, em regime de tempo integral, trabalham na empresa Demandada. Nunca aquelas liquidações foram ao conhecimento dos referidos funcionários, muito menos da gerência da impugnante.
O. Veja-se o teor dos depoimentos prestados pela testemunha AL....L...
(…) [03:17 a 03:26] - Advogado da Impugnante: Dona AL....L..., disse que exerce as funções de escriturária na empresa. Sempre o fez desde que lá está, desde que é funcionária?
[03:26] Testemunha: Sim.
[03:27 a 03:44] – Advogado da Impugnante: Referiu que passa por si a faturação, os telefones. Pergunto-lhe, na A....A., empresa que trabalha, a quem é que compete rececionar o correio? De que forma é que é recebido, por quem é que é recebido, e que tratamento é que é dado a esse correio?
[03:44 a 04:01] Testemunha: Geralmente sou eu ou a minha colega. Não havendo nada registado o carteiro deixa as carta na caixa do correio e vai-se lá levantar não é, em baixo na porta. Quando há alguma coisa registado para assinar, toca à campainha, ou eu ou a minha colega é que rececionamos.
[04:02 a 04:03] Advogado da Impugnante: recebem o correio. A sua colega é quem?
[04:04] – Testemunha: M....
(…)
[04:37 a 04:46] – Advogado da Impugnante: Há alguma especificidade em relação à correspondência no que diz respeito às finanças, à administração tributária, normalmente vem identificada com um selo? É entregue gerência?
[04:53] - Testemunha: Sim, sim. Nunca abri nada disso.
(…)
[07:26] – Advogado da Impugnante: O correio é sempre entregue pelo mesmo carteiro?
[07:38 a 07:52] – Testemunha: Uma vez por outra não é o mesmo. Porque, o senhor vê-se que tem dificuldades. Não sei. Ao nível de, pessoal, não sei. Não é assim uma pessoa muito certa e então é substituído por outros.
(…)
[08:02 a 08:14] Advogado da Impugnante: Olhe já alguma vez aconteceu correspondência da A....A…. ser entregue em sítio diferente da própria A....A, até com a morada completa?
[08:15] Testemunha: Sim , sim.
[08:16 a 08:17] Advogado da Impugnante: Em que circunstâncias é que isso acontece?
[08:17 a 08:39] Testemunha: Porque até está uma empresa mesmo na zona industrial de ....que se chama IN., e há muita troca de correspondência. Mesmo com a nossa morada vai lá para .... não vem para . Há esse tipo de….. como nós também às vezes recebemos dessa empresa não é. O nome é parecido não olham muito à morada. Penso eu.
(…)
[09:33] Testemunha: Tudo o que se recebe é entregue à gerência.
(…)
[22: 33 a 22:47] – Advogado da Administração Tributária: No caso de, por algum motivo não receberem a correspondência, normalmente os correios deixam o aviso, quem é que ia levantar esses avisos ao posto dos correios? Era a sua colega era a senhora?
[22:47 a 22:59] – Testemunha: Não não. Levantar avisos é sempre a parte, a Dona E…, a gerente. Deixamos o aviso, ela assina, carimba e depois vai, tem que ir mesmo, porque tem de se ir mesmo ao centro de ....….
(…).
P. Veja-se nesta matéria o depoimento da testemunha M... , no que diz respeito ao seu depoimento quanto à matéria em causa neste capítulo,
(…) [25:59 a 26:14] - Advogado da Impugnante: Dona M... disse que no exercício das duas funções, entre aquilo que foi referindo também lhe compete atender os telefones e receber o correio. Na parte que ao correio diz respeito, qual é o tratamento que é dado a esse correio’
[26:15 a 26:43] – Testemunha: Eu recebo todo o correio quando chega, ou eu ou a minha colega, na eventualidade de eu não estar, é a L…. Normalmente sou eu, quando eu não estou ou por algum motivo que não possa, ela fará essa função. Eu recebo o correio, entrego à gerência o que é deles, e tudo o que for relacionado com finanças, autoridade tributária, entrego na contabilidade ao Dr. NP.. Na eventualidade de ele não estar entrego ao Dr. NC..
(…).
Q. A liquidação do IVA do ano de 2004, a ter sido efetuada, não foi notificada à Impugnante,
R. Pois que, se assim fosse, as referidas cartas teriam chegado à posse da gerência da Recorrente, ou bem assim ao departamento de contabilidade da mesma, e teriam sido certamente abertas e processadas.
S. Do depoimento do TOC da Recorrente, pessoa responsável por todo o tratamento tributário da empresa, resulta precisamente a mesma linha se seguimento quanto à não receção das liquidações em causa nos autos.
37:23 a 37:40] - Advogado da Impugnante: Olhe, a indiretamente à questão do processo, pergunto se 2007 em diante, se de facto recebeu alguma liquidação, ou alguma notificação de liquidação, desse correio que vem. Terá recebido já imensas. Já terá recebidos imensas. Pergunto se recebeu alguma liquidação relativa ao ano de 2004?
[37:40 a 37:45] - Testemunha: Não. Nós recebemos bastantes, a nível dos anos de 2005 a 2007. (…)
[37:55 a 38:59] – Não. Eu por acaso na questão particular aqui abordada no processo recordo-me de como é que se teve conhecimento, ou de pelo menos, como é que eu tive conhecimento dessas liquidações, porque na altura a empresas já tinha sido notificada de um projeto de relatório no final de 2008, lá está estaríamos à espera de … lá esta estávamos numa discussão entre aspas, com a autoridade tributária por causa da consulta de uma documentação que tinha sido apreendida, e entretanto quando eu envie, quando estávamos a preparar o envio do IVA de dezembro de 2007, que foi enviado em fevereiro de 2008, foi quando eu reparei que na parte dos processos e das coimas que estavam identificadas no portal das finanças …
T. Do exposto resulta assim que a liquidação do IVA relativamente ao ano de 2004 não foi validamente notificada à Impugnante até ao dia 31 de Dezembro de 2008, pelo que caducou. Caducando o direito de liquidar o tributo, não pode a Administração Fiscal exigir o seu pagamento.
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
U. Prescreve o artigo 56º da Lei Geral Tributária que a Administração Fiscal está vinculada ao princípio da decisão, competindo-lhe a obrigação de decidir todos os requerimentos que lhe sejam dirigidos. Mais estabelece o artigo 58º do mesmo diploma legal que a Administração Fiscal está vinculada ao princípio do inquisitório, competindo-lhe …realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material…
V. A Administração Fiscal retirou das instalações da Impugnante todos os documentos (milhares) que julgou relevantes para a realização do procedimento de inspeção que se seguiu, sem que na empresa ficassem as suas cópias ou suporte informático dos mesmos.
W. Como resulta do suporte documental carreado para os autos e do depoimento das testemunhas, nomeadamente NP., só no início do ano de 2009 pôde a Impugnante aceder aos documentos apreendidos, por consulta autorizada nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de ...., sendo que o acesso era necessário para a correta resposta às duvidas da Administração Tributária.
X. Veja-se quanto a esta matéria o depoimento da testemunha NP., (…)
[58:40 a 59:00] – Testemunha: …os inspetores tiveram acesso a todos os cantos e tudo o que solicitaram e todos os documentos que encontraram não lhes foi nada negado. (…) [59:24 a 59:39] – Foram apreendidas dezenas de pastas de arquivo. Foi também solicitado para separar o servidor; tivemos inclusivamente que chamar o nosso técnico informático….
(…)
[1:00:27 a 1:00:32] – Advogado da Impugnante: Referiu que foram apreendidas pastas de arquivo. Recorda-se em concreto o que é que foi apreendido? Que documentação foi apreendida?
[1:00:33 a 1:01:05] – Testemunha: Foram apreendidas pastas com guias de remessa desses anos, pastas, pastas não, era canhotos das guias de transporte, ou seja, eram uns caixotes com essas guias de transporte, depois foi a questão da cópia do servidor, e salvo erro, a esmagadora maioria foi só isso.
[1:01:17 a 1:01:18] - Advogado da Impugnante: Olhe estamos a falar de milhares de documentos. Na altura ficou alguma coisa na empresa, cópias destes documentos?
[1:01:18 a 1:01:24] – Testemunha: Não. Não nem era possível tirar cópias daquilo tudo naquele dia.
(…)
[1:01:47 a 1:01:49] – Advogado da Impugnante: A empresa quis consultar esses documentos?
[1:01:49 a 1:04:26] – Testemunha: Sim. A empresa recebeu um, pedido da administração tributária em finais de 2008 também, para justificar, eu acho que eram setecentas e qualquer coisa guias. Era uma tabela em Excel, que estava feita, em que estavam identificadas… e de facto era pedido que nós justificássemos estas guias de transporte, porque supostamente não existiria faturação destes mesmos documentos…e depois pronto, veio esse pedido e nós solicitamos que nos fossem facultadas, ou que pudéssemos consultar as guias de transporte, até porque havia aqui informação que nós não conseguiríamos perceber, e teríamos que confrontar com as guias, até porque sabíamos que era normal as informações estarem ausentes. As guias eram manuais, e não raras vezes as pessoas punham outras informações que não só as informações de faturação que era o que estaria presente nas guias, e que poderiam ser de utilidade para encontrar os documentos que estavam a ser solicitados.
[1:04:36 a 1:04:52] – Advogado da Impugnante: Essa consulta foi concedida Sr. Dr.? foi permitida essa consulta por parte da administração tributária? O que é que aconteceu?
[1:04:52 a 1:06:04] – Testemunha: Sim, permitida, entre aspas, apesar de não ser exequível essa consulta, porque aquilo que aconteceu foi que houve ali uma troca de pedidos, nós a solicitarmos as, a consulta desses documentos, a autoridade tributária a responder que nos concedia, por regra eram dois ou três dias para consulta, só que, quando nós recebíamos a carta os dias já tinham sido, já tinham ocorrido, ou seja, pode consultar no dia, hoje são 4 de novembro, pode consultar no dia 31 de outubro. Ora 31 de outubro já tinha passado e nós não conseguíamos consultar. Foi isso que aconteceu por duas ou três vezes, salvo erro. Tanto que depois o que a empresa fez foi fazer o pedido ao tribunal de ...., pedido esse que depois foi atendido, foi ele também no início do ano de 2009.
[1:06:35 a 1:06:44] – Advogado da Impugnante: Olhe, aquela informação que lhe foi exibida, de facto sem essa consulta, conseguiam responder aquilo que vos era solicitado?
[1:06:50 a 1:07:16] – Testemunha: É assim, o problema que se punha naquele caso em concreto é que a esmagadora maioria dos documentos pretendidos tratava-se de guias manuais, ou seja se eu, uma coisa seriam as guias de remessa, a diferença entre as guias de transporte e guias de remessa que a empresa emitia nessa altura é que umas eram informáticas e as outras eram manuais…
Y. Não poderia a Impugnante pronunciar-se sobre o conteúdo do identificado anexo onze do relatório da Administração Fiscal, sem ter acesso ao suporte físico dos documentos em apreço.
Z. Fica assim demonstrado que a Administração Fiscal não cumpriu o direito da Impugnante à audição antes da liquidação, como impõe o artigo 60º n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária, posto que não lhe deu reais condições para que fosse possível expressar a sua versão sobre os factos, ficando assim o procedimento tributário desprovido da contraditoriedade que o deve caracterizar.
AA. Existe assim um vício que afeta o procedimento tributário, vício que é invalidante, posto que é causal, não existisse o mesmo e a Administração Fiscal não lograria as conclusões a que chegou.
DA ILEGALIDADE DO RECURSO A CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
BB. Resulta da página 50 da sentença em crise, no seu 6.º parágrafo, “...Na realidade, é legítimo deduzir que a Administração Tributária não tributou este contribuinte com recurso a métodos indiretos tal como, pela mesma razão, não tributaria qualquer outro nas mesmas circunstâncias, já que o fundamento da sua atuação é a impossibilidade prática de levar o procedimento de avaliação indireta até ao seu termo em face da iminente caducidade dos tributos.”.
CC. Sendo que na mesma página a parágrafo 5.º, havia referido, “No caso dos autos, a Administração Tributária deu a entender que se encontrava limitada pelo tempo, prevendo fundadamente que esse constrangimento obstaria à efetiva tributação….” .
DD. E conclui, “…Se tivesse havido recurso a métodos indiretos de avaliação teria, ainda, de abrir procedimento de revisão, que só seria possível terminar depois do prazo de caducidade, com a consequente inutilidade do procedimento anterior [de inspeção].”
EE. Relembrando para a lúcida apreciação de tais argumentos esgrimidos pela tribunal a quo” para justificar uma ilegalidade por parte da administração tributária, que o procedimento de inspeção teve a duração de 18 (dezoito) meses, tratando-se de um procedimento que foi alargado por duas vezes.
FF. Sustentando a sentença do tribunal a quo, que a Administração Tributária, recorreu ao seu poder discricionário, prescindindo do recurso a métodos indiretos para evitar a prescrição do tributo.
GG. Ora, o que parece que o tribunal a quo esqueceu, é que o poder discricionário da Administração Tributária, não se afigura além da preeminência da lei, enquanto corolário do princípio da legalidade.
HH. Os elementos juntos aos relatórios da inspeção tributária não permitem a solidez do raciocínio feito pela Administração Fiscal subjacente à decisão de corrigir a matéria coletável em sede de IVA para o ano de 2004.
II. Se atendermos às tabelas constantes de fls. 10 a 18 do relatório, podemos verificar que algum dos campos, seja o das quantidades ou o dos preços, não resultam dos documentos juntos mas de uma série de raciocínios que nem sequer são coerentes.
JJ. Tais situações não permitem a efetuação de correções meramente aritméticas. Bem sabemos porque a Administração Tributária optou pelas correções aritméticas, é que se optasse pelos métodos indiretos assistia à impugnante o direito de pedir a revisão da matéria coletável, como preceitua o artigo 91º da LCT, com a consequente suspensão da liquidação do tributo.
KK. Porque no caso não se verificam as circunstâncias que justificam as correções meramente aritméticas, estas não poderiam ser feitas.
LL. Mas ainda que fosse possível os métodos indiretos, não podemos fazer qualquer tipo de convolação ou aproveitamento, pois a Administração Fiscal com o procedimento seguido suprimiu uma fase essencial á defesa dos interesses da impugnante e à descoberta da verdade material, a revisão da matéria coletável, o que fere de morte o procedimento tributário.
MM. Assim se preteriram formalidades legais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 99º al. d) do CPPT.
DA ISENÇÃO DE IVA NAS TRANSAÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS
NN. Veio a sentença em crise defender, “…O facto de os bens terem sido faturados a um cliente estabelecido noutro Estado membro, como é o caso da empresa espanhola “EZ.”, por si só não confere o direito à isenção nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) do RITI….”.
OO. A empresa identificada, EZ. está sedeada em Espanha onde tem o seu estabelecimento, e onde está a instalada toda a sua unidade produtiva, sendo o seu elo a Portugal somente o exercício da sua atividade profissional, seja em termos de importação, seja em termos de exportação.
PP. Ora, sendo a empresa EZ. quem encomenda o produto, quem efetua o pagamento do produto, e sendo a empresa, sem margem para dúvidas, espanhola, há uma comercialização entre uma empresa portuguesa, a Recorrente e uma empresa de um estado membro.
QQ. Ora, o que caracteriza a operação como intracomunitária é a localização noutro Estado membro da União Europeia do estabelecimento do adquirente do produto vendido por empresa sedeada em Portugal, o que sucede no caso dos autos.
RR. A descarga do produto feita em território nacional não descaracteriza o carácter intracomunitário da transação, não só porque existe uma venda feita à empresa sedeada em Espanha mas também porque esta empresa que compra vende o produto à empresa sedeada em Portugal, para onde o produto foi transportado.
SS. E como tal, a decisão do tribunal a quo, sempre deveria ir ao encontro de não ser devida qualquer liquidação de IVA nas transações transfronteiriças, nomeadamente as identificadas no ponto “III.1.2.2 do relatório de inspeção tributária…”
A Apelante finaliza o seu recurso peticionando que seja revogada a sentença recorrida.
A Recorrida (RFP), apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Sr. Procurador Adjunto junto deste Tribunal apresentou parecer defendendo que se deveria considerar improcedente o presente recurso (cf. fls. 683 a 723 dos autos – paginação do SITAF).
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II – Em primeira instância, no que à factualidade diz respeito, decidiu-se que se encontrava provado que:

A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção levada a efeito pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Aveiro, a coberto da ordem n.º OI200…8, de 10/09/2008, de âmbito geral, com incidência sobre o exercício de 2004 – cfr. fls. 7 do processo administrativo apenso aos autos.
B) Em 23/09/2008, pelo ofício n.º 3409043, de 10/09/2008, a Administração Tributária procedeu à notificação da impugnante “para, no prazo de 15 dias, justificar os motivos para a não emissão de factura ou documento equivalente para as transmissões relevadas nas Guias de Transporte descriminados nos mapas em Anexo” - cfr. fls. 30/40 do suporte físico dos autos.
C) Em 07/10/2008, a impugnante respondeu ao ofício referido na alínea anterior, invocando, essencialmente, o seguinte: “manifestamos a impossibilidade de prestar qualquer esclarecimento idóneo, enquanto não estiverem na nossa posse as mesmas guias de transporte”; “o que pudesse ser dito seria mera especulação”; “vimos desde já solicitar que nos sejam enviados os originais de todas as referidas guias de transporte” - cfr. fls. 41/43 do suporte físico dos autos.
D) Em 27/10/2008, através do ofício n.º 8410773, procedeu-se à notificação da impugnante nos termos seguintes: “apesar de considerarmos totalmente dispensável (...), e não sendo possível entregar-vos os elementos apreendidos, na medida em que se tratam de elementos de prova no âmbito de processo de inquérito, ficam desde já, os mesmos, disponíveis para V/ consulta nestes Serviços nos próximos dias 23 e 24 de Outubro de 2008, das 09:00 às 12h30 e das 14:00 às 17:30”; […]notificados, no âmbito do artigo 59° da Lei Geral Tributária, para, no prazo máximo de 8 dias a contar a partir do dia 24 de Outubro de 2008, para justificar os motivos para a não emissão de factura ou documento equivalente para as transmissões relevadas nas Guias de Transporte das 14 páginas em Anexo à Notificação efectuada pelo N/ Ofício n.° 3409043, reproduzidas nos ficheiros em anexo à mensagem electrónica enviada após V/ solicitação para o endereço electrónico do V/ Técnico Oficial de Contas (TOC) Dr. NP. em 25 de Setembro de 2008” - cfr. fls. 44/46 do suporte físico dos autos.
E) Pelo ofício n.º 8411221, de 28/10/2011, a impugnante expôs/requereu o seguinte: “[…] manifestamos [...] imediata disponibilidade para proceder […] verificação, aguardando que nos sejam confiados os livros que estão em vosso poder pelo período mínimo de dez dias necessários à análise e confronto [...]”; “a proposta de consulta dos documentos, não permite o efeito pretendido [...], porque a nossa empresa não dispõe de meios [...] para fazer a consulta no horário proposto, estando previsto que essa actividade seja efectuada [...] em horário pós laboral […]” - cfr fls. 47 do suporte físico dos autos.
F) Em 04/11/2008, pelo ofício n.º 8411081, de 27/10/2008, a impugnante foi notificada do seguinte: “[…] Apesar de considerarmos totalmente dispensável […] ficam, desde já, os mesmos, disponíveis para V/consulta nestes Serviços nos próximos dias 30 e 31 de Outubro de 2008, das 09:00 às 12h30 e das 14:00 às 17:30.
Na sequência dos seguintes factos: - a empresa recusou a recepção de um ofício idêntico a este, em que era dada a possibilidade de realizar a consulta em questão, enviado sexta-feira dia 17 de Outubro de 2008 mediante registo simples;-tal possibilidade foi transmitida ao V/Técnico Oficial de Contas que iria ocorrer quando foi efectuado o contacto telefónico na mesma sexta-feira; - as recusas ocorreram em 20 e 23 do corrente com o motivo “destinatário ausente, empresa encerrada”, quando a empresa se encontra em laboração; Resta-nos concluir que não existe a atenção devida por parte da A..... em colaborar […] conforme prevê o artigo 59.º da Lei Geral Tributária […]” - cfr- fls. 48/50 do suporte físico dos autos.
G) Em 10/11/2008, a impugnante expôs/requereu o seguinte: “[…] continuamos sem compreender porque não nos são facultadas as cópias das guias em questão […]” - cfr. fls.51/53 do suporte físico dos autos.
H) Em Na mesma data a impugnante exerceu o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária - cfr. fls. 209/211 do processo administrativo apenso aos autos.
I) Em 14/11/2008, foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 4/20 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
“[…]
II.3. BREVE CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO
A A..... , LDA (doravante designada por A.....), NIF (…), com início de actividade em 03 de Novembro de 1978, tem a sua sede na Rua ........(…), tendo por objecto social “indústria de transformação de matéria plástica”, conforme cópia da Certidão Permanente em Anexo 9.
A empresa dedica-se, essencialmente, à fabricação de vários objectos de plástico, mediante o sistema de injecção de matéria-prima, dando origem a vários tipos de produtos, tais como embalagens, caixas, cestos, capacetes, componentes para a indústria automóvel, componentes de cadeiras-auto, cadeiras de esplanada, baldes, contentores, entre outros, procedendo ainda à prestação de serviços de ensaio de moldes. A empresa procede à aquisição da matéria-prima, a qual é inserida em máquinas de injecção, produzindo as diferentes peças com moldes, na sua maioria, do próprio cliente.
[…]
A sociedade encontra-se enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade mensal, em todos os exercícios do quadriénio em análise, não se registando qualquer incumprimento de natureza declarativa. Em termos de IRC, a sociedade encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, estando cumpridas as suas obrigações declarativas em sede deste imposto, nomeadamente declarações periódicas de rendimentos e declarações anuais.
II.4. APRESENTAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS ADOPTADOS
Os resultados da presente acção inspectiva foram conseguidos com base nos elementos recolhidos na empresa A....., no decurso da execução do Mandado de Busca e Apreensão e durante a acção inspectiva externa, para além de resultarem dos procedimentos de verificação realizados.
A situação da empresa ao longo do quadriénio caracteriza-se por rendibilidades fiscais exíguas em três dos quatro anos analisados, alcançando mesmo um resultado fiscal negativo no exercício de 2006, para além de uma quebra acentuada e gradual nas margens brutas sobre o custo das matérias, conforme resulta dos mapas em anexos 10,11 e 12, que se resumem no quadro seguinte:
Descritivo 2004 2005 2006 Variação relativa2007 Variação relativa
Margem bruta (Vol.Neg+Var.Pod.-CMVMC)1.716.561,531.567731,881.6185.851,157,5% 1.910.031,0313,30%
Rác.MBruta ([(Vd+PS+VP)/CMVMC)] 87,26% 69,88% 63,62% -9% 60,36% -5,12%
Rentabilidade fiscal 1,6% 1,3% -2,2% -265,1% 0,9% 139,98%
Perante este cenário foram encetados procedimentos com o objectivo de avaliar a credibilidade da informação financeira, de forma a ferir a consequente razoabilidade dos resultados fiscais apresentados […]
Os Procedimentos descritos, a análise das declarações em sede de IRC, da documentação do dossier fiscal e dos elementos apreendidos e recolhidos no âmbito do Mandado de Busca e Apreensão e no decurso da acção inspectiva, respectivamente, permitiram identificar situações passíveis de correcções à matéria colectável apurada pelo sujeito passivo, aos quais estão descritas no ponto III, a fls. 10.
(…1)
1 (…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1. EXERCÍCIO DE 2004
III.1.1. Em sede de IRC
[…]
III.1.1.2. Omissão de proveitos por não emissão de factura ou documento equivalente em transmissões internas para clientes de caixas de fruta (artigo 20º do CIRC)
Os elementos apreendidos no decurso da execução do Mandado de Busca e Apreensão corroboraram os indícios de vendas à margem da contabilidade, com implicações negativas ao nível do volume dos proveitos declarados e do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) liquidado, indícios esses que suportaram a emissão do referido mandado pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de .....
Os documentos apreendidos constantes das verbas 10 e 11 da lista anexa ao Auto de Apreensão de 11 de Dezembro de 2007 (ver Anexo 5), respectivamente cópias de guias de transporte e cópias de notas de encomenda que estavam na secretária do funcionário da A..... PJ., marido da sócia-gerente EC., demonstram de forma esclarecedora o esquema evasivo à tributação implementado nas transacções de caixas plásticas para acondicionamento de frutas para diferentes clientes.
Algumas das cópias de guias de transporte apreendidas como verba 10 da lista anexa ao Auto de Apreensão de 11 de Dezembro de 2007 constam do Anexo 15 ao presente Relatório. A análise do Anexo 15 evidencia que existem duas versões de guias de transporte com o mesmo número, em que a principal diferença entre as mesmas é que a cópia do origina2, que logicamente acompanha a mercadoria na expedição para o cliente, contém uma quantidade inscrita bastante superior à quantidade de caixas que constam do triplicado que ficará na A..... e do quadruplicado que permanece no livro de guias de transporte, vulgarmente designados como “cepos” ou “canhotos”.
2 Considerada como cópia do original porque apresenta uma tonalidade bem mais forte, comparativamente com a outra versão da mesma guia, que se verifica ser preenchida por decalque de químico, uma vez que os dados preenchidos estão mais claros. Para além disso, a versão considerada como cópia do original encontra-se valorizada para efeitos de transmissão ao cliente do valor em transacção
Para além disso, é facilmente perceptível que o esquema evasivo assentava na emissão do original e duplicado da guia de transporte com as quantidades reais da transacção, por forma a dar cumprimentos às exigências legais impostas para os bens em circulação, e da omissão parcial ou total de dígitos que compõem a quantidade no triplicado ou quadruplicado que ficavam na empresa, conforme se corrobora no quadro seguinte, pela transcrição de alguns dados das cópias das guias de transporte constantes do Anexo 15:
Guia de TransporteData Cliente Quantidade Original Quantidade
17836 22-03-2007 (…) 4940 _ _40
17837 22-03-2007 (…)1520 15_ _
17839 27-03-2007 (…)4940 _ _40
17845 27-03-2007 (…)960 9_ _
Assim, o sujeito passivo A..... poderia definir a posteriori com o cliente, consoante fosse controlado pela Brigada Fiscal ou não, ou em função das "necessidades" do cliente, se emitiria a respectiva factura pela totalidade, pela quantidade subtraída de alguns dígitos, ou nem sequer procedia à emissão de factura ou documento equivalente. Note-se, que nalgumas situações, foi detectada a emissão de factura passado alguns meses da expedição, infringindo o disposto no actual artigo 36º do CIVA (anterior 35º), que estipula no n.º 1 que "a factura ou documento equivalente referidos no artigo 29º devem ser emitidos o mais tardar no 5º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7º" (sublinhado nosso). Encontram-se nesta situação os exemplos das guias de transporte listadas no quadro anterior para o cliente JJ., cuja facturação ocorreu em Julho de 2007 (facturas n.º 42346 / 63 / 87 / 99 / 411).
Algumas das cópias de notas de encomenda apreendidas como verba 11 da lista anexa ao Auto de Apreensão de 11 de Dezembro de 2007 constam do Anexo 16 ao presente Relatório. Na maioria dos casos, as notas de encomenda encontram-se validadas mediante uma rubrica que corresponderá, aparentemente, à do funcionário da A..... PJ., marido da sócia-gerente EC.. De realçar que, nalgumas das notas de encomenda, é evidente que a quantidade requisitada é aproximada, uma vez que existem registos dos sinais "+"(mais) e "-"(menos).
A análise das referidas notas de encomenda com a facturação emitida até 31 de Janeiro de 2008 evidencia que não foram emitidas facturas ou documentos equivalentes para todas estas notas de encomenda, tratando-se de requisições de alguns clientes habituais da A....., conforme se comprovou pela análise dos livros de guias de transporte apreendidos, que normalmente são satisfeitas num prazo máximo de um mês. Note-se que algumas das encomendas já remontam a Setembro de 2007, pelo que não foram até 31 de Janeiro de 2008 alvo de facturação.
No que concerne às notas de encomendas do Anexo 16, apenas foi possível identificar alguns casos de guias de transporte para o respectivo cliente em data posterior à encomenda, tal como se comprova pelos quadros seguintes:
Nota de Encomenda nºDataClienteDescriçãoQuantidade
1020719-09-2007(…)Caixas Pretas IP 7571.140
Nota de Encomenda nºDataClienteDescriçãoQuantidade
18533 26-09-2007 (…)Caixas Transporte 45
18687 19-11-2007 (…)Caixas Transporte IP 757 3
Nota de Encomenda nºDataClienteDescriçãoQuantidade
10218 08-10-2007 (…)Caixas Pretas IP 756 426
10218 08-10-2007 (…)Caixas Pretas IP 758 672
Nota de Encomenda nºDataClienteDescriçãoQuantidade
18661 07-11-2007 (…)Caixas Pretas IP 756 _ _6
18661 07-11-2007 (…)Caixas Pretas IP 758 _ _2
De realçar que na cópia apreendida em 11 de Dezembro de 2007 da nota de encomenda n.º 10207 (ver Anexo 16), da qual consta a quantidade de 1.140 caixas a 0,69 euros a unidade, perfazendo uma transacção no valor de 786,60 euros + IVA, foi registada a inscrição de "Pago", sem que tenha sido emitida a respectiva factura ou documento equivalente, nem sequer para as quantidades adulteradas nas guias de transporte nº 18533 e 18687 (ver quadros anteriores).
No que respeita à nota de encomenda n.º 10218 e consequente guia de transporte n.º 18661 (ver quadros anteriores) é evidente, uma vez mais, pela análise dos dois últimos quadros, que o esquema evasivo assenta na subtracção de dígitos à quantidade real, sendo que nesta transmissão também não foi emitida qualquer factura ou documento equivalente, nem sequer pela quantidade adulterada.
No que concerne à nota de encomenda n.º 10223 (ver Anexo 16), de 17 de Outubro de 2007, e apesar de não se ter encontrado qualquer guia de transporte emitida para o cliente em questão, existe um registo na mesma (ver Anexo 16) onde se escreveu "205 caixas em falta das azuis MA. Lda", sendo óbvio que ocorreu uma transmissão após a nota de encomenda de 1.108 caixas azuis e que esta ainda não foi satisfeita na totalidade. Contudo, uma vez mais não foi encontrada qualquer factura ou documento equivalente emitido para este cliente.
Para além dos documentos confiscados que constam da verba 10 e 11 da lista anexa ao Auto de Apreensão de 11 de Dezembro de 2007, foram também apreendidos livros de guias de transporte e livros de notas de encomendas, na sua quase totalidade preenchidos e que são vulgarmente designados por "cepos" ou "canhotos", e que constam das verbas 5, 6, 7 e 8 da lista anexa ao Auto de Apreensão de 11 de Dezembro de 2007.
Pelo já exposto ficou comprovado que o esquema evasivo preconizado pelo sujeito passivo A..... assentava na deturpação das quantidades do triplicado ou quadruplicado das guias de transporte que eram utilizadas na expedição de caixas de fruta3. Assim, procedeu-se à elaboração de uma base de dados em Excel onde se registaram todos os elementos constantes dos triplicados ou quadruplicados que integram os livros ("cepos" ou "canhotos") apreendidos. De realçar que se apuraram casos de guias de transporte cujo nenhuma das vias se encontrava no livro de "cepos" ou "canhotos", tendo sido subtraídas aos mesmos a totalidade das quatro vias, bem como outras situações em que o exemplar que consta dos livros (quadruplicado) se encontra sem quaisquer elementos.
3 Ao contrário da maioria dos restantes clientes, para os quais eram emitidas via informática guias de remessa.
O objectivo da base de dados construída era apurar quais das transmissões concretizadas pela A..... através de guias de transporte não foram sujeitas à emissão da correspondente factura ou documento equivalente. Assim, o confronto das transmissões relevadas nos livros de guias de transporte com as facturas e vendas-a-dinheiro emitidas pelo sujeito passivo A..... permitiram identificar vários casos de evidentes omissões de proveitos por vendas à margem da Contabilidade da empresa.
Os mapas em Anexo 17 arrolam todas as guias de transporte cujo conteúdo não se relacionava com a mera circulação de bens, mas sim com transmissões comerciais efectivas, e sua relação com facturas ou vendas-a-dinheiro que foram emitidas, bem como com as notas de encomendas apreendidas.
A facturação emitida para algumas das guias de transporte constantes dos mapas em Anexo 17 permite corroborar, uma vez mais, qual era o modo operacional do esquema evasivo, sendo por demais evidente que tudo passava pela subtracção de dígitos à quantidade real inscrita na guia, mesmo quando mais tarde se procede à emissão de factura ou documento equivalente, o que apenas acontecia num número reduzido de casos (ver Anexo 17). Assim, a título exemplificativo, veja-se o seguinte quadro resumo: […]
Nota: Dados retirados dos mapas em Anexo 17. De realçar que não foi possível obter todos os livros de notas de encomenda preenchidos pela A....., havendo lacunas na sequência numérica dos mesmos ao longo dos quatro exercícios analisados.
Mesmo quando a transacção deu lugar à emissão de factura, a guia de transporte foi emitida com subtracção de dígitos, sendo claro que a decisão de facturar posteriormente dependia do controlo dos bens em circulação ou do acordo estabelecido com o cliente. Se assim não fosse, não aconteceriam casos como os das guias de transporte n.º 13472, 14755, 14771, 15247, 16793, 16887, 18673 e 18767, em que a data da factura ultrapassa largamente os 5 dias previstos no actual artigo 36º do CIVA (anterior 35º). Veja-se, em caso extremo o exemplo da guia n.º 16793 de 22 de Maio de 2006, cuja factura só foi emitida em 10 de Novembro do mesmo ano.
Perante o exposto, fica por demais comprovado que o sujeito passivo A..... utiliza um esquema evasivo à tributação, mediante vendas à margem da contabilidade, com implicações negativas ao nível do volume dos proveitos declarados e, consequentemente, do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) liquidado.
III.1.1.2.1. Omissão de proveitos apurada com base nas guias de transporte relacionadas em contas correntes manuscritas
No decurso da acção inspectiva externa, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de tomaram conhecimento de elementos enviados pelo Serviços do Ministério Público de ...., para juntar ao processo de inquérito, entre os quais se destacam várias contas correntes de clientes da A..... (ver Anexo 18), aparentemente manuscritas com a caligrafia da sócia-gerente EC., nas quais eram relevadas transacções comerciais suportadas nas aludidas guias de transporte, que nalguns casos, poucos, deram origem à emissão de factura.
De realçar o caso específico do cliente JI. (ver Anexo 18), cuja conta corrente evidencia o pagamento parcial da guia de transporte n.º 16787, no valor de 3.780,00 euros, mediante um cheque no valor de 1.900,00 euros, tendo sido averbado na dita conta corrente "restante passar p/ factura", o que explicita de forma clara que o valor do cheque passa à margem dos proveitos e recebimentos das contas da A...... Neste caso, de uma transacção no valor global de 3.780,00 euros, apenas 1.880,00 euros iriam ser registados nos proveitos da empresa4, o que representa uma percentagem de omissão a rondar os 50%.
4 Note-se que, ainda assim, não foi possível identificar qualquer factura ou venda-a-dinheiro emitida para um cliente com a designação JI. no exercício de 2006
Por sua vez, a conta corrente específico do cliente MF. (ver Anexo 18) evidencia, de forma notória, o lapso temporal entre a emissão da guia de transporte e da respectiva factura, existindo inclusivamente derrogação do princípio contabilístico da especialização. Este facto releva, uma vez mais, que a decisão de emitir ou não factura é decidido consoante a existência de controlo ou, porventura, mesmo das próprias necessidades dos clientes.
O confronto das guias de remessa listadas nas referidas contas correntes, com a facturação e notas de encomenda, permitiu apurar que algumas das referidas transacções foram sujeitas à emissão de factura, contudo, a grande maioria das mesmas correspondem a vendas omitidas à Contabilidade da empresa.
O quadro seguinte resume a relação das guias de transporte do exercício de 2004 que constam das contas correntes e evidencia, uma vez mais, que as quantidades inscritas no triplicado ou quadruplicado que se encontra nos livros ("cepos" ou "canhotos") são, na sua maioria, apenas um ou dois dígitos (ver cópia das guias em Anexo 19) dos três ou quatro que devem constar do original e duplicado que acompanharam a mercadoria durante a sua expedição. Uma vez que nas contas correntes apenas consta a valorização das guias de transporte, só foi possível determinar algumas quantidades reais envolvidas nas transacções por divisão daqueles montantes pelos preços de venda unitários inscritos na "folha de rosto" de cada uma das contas correntes individuais dos respectivos clientes (ver Anexo 18), nos casos em que existiam tais referências.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Note-se que apenas se tomou conhecimento da ocorrência das transacções envolvidas nas guias de transporte n.º 14071, 14073 e 14079 pelas contas correntes, uma vez que se tratam de guias de transporte que não constam dos livros apreendidos ou que os próprios livros respectivos não foram confiscados, pelo que se desconhece que tipo de material foi transaccionado, apesar de se reconhecerem tais clientes como compradores de caixas de fruta. Sublinhe-se que não foi possível obter todos os livros de guias de transporte, por se desconhecer a sua localização, havendo lacunas na sequência numérica dos mesmos ao longo dos quatro exercícios analisados.
Por outro lado, as contas correntes individuais a que os Serviços de Inspecção Tributária tiveram acesso, em Anexo 18, apenas devem representar uma amostra do universo dos clientes de caixas de fruta, sendo claro que devem existir muitas mais, dada a quantidade de clientes relacionados nas guias de transporte em Anexo 17. Por outro lado, a amostra de contas correntes obtidas parece restringir-se a clientes cuja denominação se inicie da letra A a M, sendo claro que têm de existir outras contas correntes das letras N a Z. Contudo, os Serviços de Inspecção Tributária apenas tomaram conhecimento das constantes do Anexo 18.
Perante os valores inscritos nas referidas contas correntes, foi possível determinar de forma directa qual o valor das omissões de proveitos por não emissão de factura ou documento equivalente. Assim, relativamente ao exercício de 2004, existe uma supressão de 23.256,00 euros ao volume de negócios, conforme resulta do mapa anterior, com evidente prejuízo ao nível do imposto sobre o rendimento apurado, impondo-se a correcção de tal valor no campo 225 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22.
III.1.1.2.2. Omissão de proveitos apurada apenas com base nas guias de transporte
Os mapas em Anexo 17 evidenciam um conjunto de transacções comerciais entre a A..... e os seus clientes, concretizadas mediante a emissão de guia de transporte, para além das valorizadas nas contas correntes atrás referidas no ponto 111.1.1.2.1, a fls. 14.
De forma a valorizar as transacções ocorridas, socorreu-se, então, dos preços unitários constantes de facturas ou documentos equivalentes emitidos para aquele cliente específico ao longo do exercício de 2004 (ver Anexo 20), e dos preços unitários inscritos nas contas correntes (ver Anexo 18) mas cuja guia de transporte não consta das mesmas, quando seja explícito que respeita ao exercício de 2004. Nos casos em que não foi possível obter um preço para o produto transaccionado não se apurou qualquer valor de omissão, por estarmos perante correcções meramente aritméticas, sem recurso a qualquer método indirecto.
O quadro seguinte evidencia todas as guias de transporte emitidas pela A..... para os seus clientes (ver Anexo 21), excepto aquelas que se encontravam valorizadas nas contas correntes manuscritas (ver ponto III.1.1.2.1, a fls. 14), e para as quais foi possível obter um preço unitário para o bem transaccionado mediante débitos àqueles clientes em factura ou documento equivalente ou que constem das respectivas contas correntes em Anexo 18.
De realçar que as quantidades consideradas para efeitos do cálculo das omissões são apenas as que resultam dos dígitos inscritos nos livros de guias de transporte apreendidos ou na cópia de originais de guias confiscadas ou obtidas através do Ministério Público. Ou seja, apesar de se reconhecer que, nalguns casos, existe uma clara ocultação de dígitos à quantidade real, devido aos constrangimentos internos e temporais na aplicação de correcções por métodos indirectos (ver ponto II.2.2, a fls. 6), limitou-se a avaliação das omissões de proveitos a correcções meramente aritméticas, o que implica o apuramento de uma base de tributação diminuta face aos rendimentos efectivamente alcançados pela A......
GT nº DATA Nome Cliente QTD Designação Refª P.UnitValor Refª Preço
13.127 19-01-2004 (…) 1 792 Caixas Pretas IP 758 1.200 2.150,40 F 37373,07-05-2004
13.30309-02-2004 (…) 2.684 Caixas Verdes IP 739 2,000 5.368,00 F 38310, 23-12-2004
13.30714-02-2004 (…) 366 Caixas Verdes IP 739 2,000 732,00 F 38310,23-12-2004
13.32415-03-2004 (…) 180 Caixas Pretas IP 753 0,650 117,00 Conta Corrente manuscrita
13.32415-03-2004 (…) 1.456 Caixas Pretas IP 758 1,000 1.456,00 Conta Corrente manuscrita
13.33523-03-2004 (…) 560 Caixas Pretas IP 758 1,000 560,00 V.D. 844 (Agosto 2004)
13.33523-03-2004 (…) 380 Caixas Pretas IP 757 0,600 228,00 V.D. 844 (Agosto 2004)
13.45801-04-2004 (…) 900 Cestos Rectangulares IP 713 1,170 1 053,00 F 38227, 09-12-2004
13.46706-04-2004 (…) 508 Caixas Transparentes IP 757 0,700 355,60 Conta Corrente manuscrita
13.47008-04-2004 (…) 69 Caixas Azul IP 735 2,745 189,41 F 38227, 09-12-2004
13.470 08-04-2004 (…) 84 Caixas Verdes IP 735 2,745 230,58 F 38227.09-12-2004
13.483 22-04-2004 (…) 102 Bacio Alto c/ Tampa 2,124 216,65 F 37843, 03-09-2004
13.912 15-06-2004 (…) 1 620 Caixas Verdes IP 743 2,440 3.952,80 V.D. 847 (Agosto 2004)
14.220 21-09-2004 (…) 327 Caixas Transporte IP 758 1,350 441,45 Conta Corrente manuscrita
14.221 23-09-2004 (…) 86 Caixas Transporte IP 735 2,745 236,07 F 37843, 03-09-2004
14.466 03-11-2004 (…) 94 Caixas Pretas IP 739 1,660 155,10 F 37546, 14-06-2004
14.499 15-11-2004 (…) 4 Caixas Pretas IP 758 1,200 4,80 F 37373, 07-05-2004
14.607 18-11-2004 (…) 8 Caixas Pretas IP 739 1,650 13,20 F 37546, 14-06-2004
14.608 18-11-2004 (…) 2 Caixas Pretas IP 758 1,200 2,40 F 37373, 07-05-2004
14.624 26-11-2004 (…) 1.535 Caixas Pretas IP 743 1,900 2.916,50 Conta Corrente manuscrita
14.636 09-12-2004 (…) 1 315 Cestos Rectangulares IP 713 1,170 1 480,05 F 38227,09-12-2004 (facturado parcial/50 unid)
14.636 09-12-2004 (…) 216 Caixas Transporte IP 735 2,745 455,67 F 36227.09-12-2004 (facturado parcial/ 50 unid)
TOTAL22.314,67
Perante os cálculos evidenciados no quadro anterior, foi possível determinar de forma directa qual o valor das omissões de proveitos por não emissão de factura ou documento equivalente. Assim, relativamente ao exercício de 2004, existe uma supressão de 22.314,67 euros ao volume de negócios, conforme resulta do quadro, com evidente prejuízo ao nível do imposto sobre o rendimento apurado, impondo-se a correcção de tal valor no campo 225 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22.
111.1.1.3. Omissão de proveitos por não emissão de factura ou documento equivalente em transmissões para cliente intracomunitário (artigo 20° do CIRC)
Para além das omissões detectadas ao nível das transacções comerciais de caixas de fruta, o controlo entre as guias de transporte emitidas e consequente factura permitiu identificar outra situação de omissão de proveitos por não emissão de documento de facturação. Neste caso, o cliente é uma empresa sedeada em Vigo, Espanha, designada EZ., para a qual a A..... fornece essencialmente cadeiras plásticas de esplanada, com alusão a marcas de produtos alimentares e bebidas.
Neste sentido, no exercício de 2004, não foi detectada a emissão de factura ou documento equivalente para as transacções comerciais constantes das guias de transporte (ver Anexo 22) a seguir mencionadas:
GT NºDataNifClienteQtdDesignaçãoTransporteDescarga
1385801-06-2004A36615896EZ.364Cadeiras Esplanada TorrieN/Carro 94-76-TF
1391317-06-2004A36615896EZ.1600Cadeiras Esplanada PepsiN/Carro 04-15-NF
1391618-06-2004A36615896EZ.1600Cadeiras Esplanada PepsiV/Carro
1446302-11-2004A36615896EZ.2200Cadeiras Esplanada Aberta-VerdeN/Carro 94-76-TF
1447305-11-2004A36615896EZ.2200Cadeiras Esplanada Aberta-N/Carro 94-76-TF
Com base nos preços unitários praticados em outras transacções em que ocorreu a emissão da respectiva factura (ver Anexo 23), foi possível determinar de forma directa qual o valor das omissões de proveitos por não emissão de factura ou documento equivalente.
GT nº Data QTD Designação P.Unit Valor Obs.
13.858 01-06-2004 384 Cadeiras Esplanada Torríe 3,20 € 1.228,80 € Preço unitário da Fact n.º 37518, de 01/06/2004
13.913 17-06-2004 1600 Cadeiras Esplanada Pepsi 4,81 € 7.696,00 € Preço unitário da Fact n.º 37304, de 26/04/2004
13.916 18-06-2004 1600 Cadeiras Esplanada Pepsi 4,81 € 7.696,00 € Preço unitário da Fact n.º 37304, de 26/04/2004
14.463 02-11 2004 2200 Cadeiras Esplanada Aberta-Verde 3,70 € 8.140,00 € Preço unitário da Fact n.º 37116, de 09/03/2004
14.473 05-11-2004 2200 Cadeiras Esplanada Aberta- 3,84 € 8.448,00 € Preço unitário da Fact n.º 37615, de 24/06/2004
TOTAL33.208.80 €
Assim, relativamente ao exercício de 2004, existe uma supressão de 33.208,80 euros ao volume de negócios, conforme resulta do quadro anterior, com evidente prejuízo ao nível do imposto sobre o rendimento apurado, impondo-se a correcção de tal valor no campo 225 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22.
III.1.1.4. Resumo das correcções ao resultado tributável
Tendo em consideração todas as correcções meramente aritméticas à matéria tributável descritas nos pontos III.1.1.1, a fls. 10, III.1.1.2.1, a fls. 14, III.1.1.2.2, a fls. 16, e III.1.1.3, a fls. 17, o valor do global das mesmas ascende a 79.590,02 euros, o que conduz a uma alteração do lucro tributável de 2004 para 134.527,03 euros, conforme quadro seguinte:
(1)Lucro Tributável Declarado54.937,01€
(2)Correcções meramente aritméticas79.590.02 €
(2.1)- Excesso amortização610,55 €
(2.2)- Contas correntes Manuscritas23.256,00 €
(2.3)- Restantes Guias de Transporte22.314,67 €
(2.4)- EZ.33.208,80 €
(3) = (1+2)Lucro Tributável Corrigido134.527,03 €
[….]
IVA
III.1.2. Em sede de IVA
III.1.2.1. IVA não liquidado por não emissão de factura ou documento equivalente (artigo 20.º do CIRC)
Perante os valores de omissão de proveitos evidenciados nos pontos III.1.1.2.1., a fls. 14, III.1.1.2.2 e, a fls. 16, e III.1.1.3, a fls. 17, impõe-se a determinação do IVA não liquidado á taxa de 19%, conforme redacção à data da alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA, tendo em consideração o disposto no n.º 1 do artigo 16º do CIVA, que define que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”.
Mesmo no que concerne às transacções comerciais para o cliente sedeado em Espanha, verifica-se pelo quadro seguinte que, excepto no caso da guia de transporte n.º 13916, todas elas se tratam de transmissões internas ocorridas em território nacional, não existindo, desse modo, qualquer isenção de IVA, uma vez que não estamos perante uma transmissão intracomunitária de bens. Na verdade, os bens nunca chegam a sair de território nacional, sendo expedidos directamente, nestes casos, para a ….e …….
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

No que respeita à guia de transporte n.º 13916, e apesar de os bens terem sido expedidos para outro Estado membro, não se encontram cumpridos todos os requisitos do artigo 14º do regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), qual dispõe que “estão isentas do imposto: a) as transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens” (sublinhado nosso).
Ora, a pessoa colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, neste caso a empresa EZ., não utilizou o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição, na medida em que não foi emitido qualquer documento que releve tal operação de aquisição. Assim, também neste caso se impõe a liquidação de IVA sobre o valor da transmissão.
De acordo com as datas das guias de transporte relacionadas nos diversos mapas apresentados para apuramento das omissões, os valores das vendas não declaradas repartem-se pelos seguintes períodos de IVA, conforme se corrobora pelo Anexo 24:
PERÍODO BASE TRIBUTÁVEL IVA
04-01 7.439,80 € 1.413,56 €
04-02 6.100,00 € 1.159,00 €
04-03 12.335,20 € 2.343,69 €
04-04 2.045,23 € 388,59 €
04-05 1.385,00 € 263,15 €
04-06 21.823,60 € 4.146,48 €
04-07 1.875,00 € 356,25 €
04-08 1.646,40 € 312,82 €
04-09 677,52 € 128,73 €
04-10 1.836,00 € 348,84 €
04-11 19.680,00 € 3.739,20 €
04-12 1.935,72 € 367,79 €
TOTAL 78.779,47 €14.968,10 €


Assim, relativamente ao exercício de 2004 e respectivos períodos de 04-01 a 04-12, impõe-se que o sujeito passivo proceda à liquidação adicional do IVA mensal em falta respectivo, constante do quadro anterior, num valor total de imposto de 14.968,10 euros.
III.1.2.2. IVA não liquidado em transmissões internas para clientes intracomunitários
Para além das omissões detectadas ao nível das transacções comerciais de caixas de fruta e das transmissões de cadeiras plásticas para o cliente EZ., com influência ao nível do IVA liquidado pela A....., foram detectadas um conjunto de transacções comerciais, consideradas pelo sujeito passivo como transmissões intracomunitárias, mas que pelas mesmas razões, já descritas no ponto anterior, assim não podem ser relevadas, uma vez que os bens não foram expedidos para outro Estado membro.
Como vimos, o artigo 14.º do RITI dispõe que “estão isentas do imposto: a) as transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens” (sublinhado nosso).
Ora, o sujeito passivo A..... considerou isentas de IVA, ao abrigo da aliena a) do artigo 14º do RITI, as transmissões de bens descritas no quadro seguinte, e, como se verifica pelo local de descarga, os bens nunca chegaram a sair do território nacional, na medida em que são expedidos directamente para locais situado em Portugal (ver Anexo 25):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


Note-se que os locais de descarga inscritos no quadro anterior não resultam apenas das guias de transporte, mas também, nalguns casos, das próprias facturas, sendo que apesar da alusão ao local de descarga em território nacional, o sujeito passivo não se coibiu de invocar a isenção de IVA, apesar de não fazer referência à alínea a) do artigo 14º do RITI, como aconteceu nas facturas n.º 37453 e 37460, conforme print screen abaixo da base de dados em ficheiro de texto (.txt):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

De acordo com as datas das guias de transporte e da referida factura, os valores das transmissões internas em que não se procedeu à liquidação devida do IVA repartem-se pelos seguintes períodos:
PERÍODO BASE TRIBUTÁVEL IVA
04-04 4.810,00 € 913,90 €
04-05 2.058,00 € 391,02 €
04-06 34.698,07 € 6.592,63 €
TOTAL 41.566,07 € 7.897,55 €
Assim, relativamente ao exercício de 2004 e respectivos períodos de 04-02, 04-03, 04-05, e 04-06, impõe-se que o sujeito passivo proceda à liquidação adicional do IVA mensal em falta respectivo, constante do quadro anterior, num valor total do imposto de 7.897,55 €.
III.1.2.3. Resumo do IVA não liquidado
Perante o disposto nos pontos III.1.2.1., a fls. 19, e III.1.2.2., a fls. 20, o montante de IVA não liquidado nas transmissões identificadas ao longo do presente Relatório ascendem a 22.865,65 euros, pelo que se impõe que o sujeito passivo proceda à liquidação adicional do respectivo imposto mensal, conforme quadro seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]
VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O procedimento de inspecção tributária segue, nos termos do artigo 8º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), o princípio do contraditório. Neste sentido, nos termos previstos no artigo 60º da Lei Geral Tributária e do artigo 60º do RCPIT procedeu-se ao envio do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, endereçado para a sede do sujeito passivo, através do ofício n.º 8411221, de 28 de Outubro de 2008 (com data de registo nos CTT em 29 de Outubro de 2008), para que o sujeito passivo exercesse o direito de audição.
Em 11 de Novembro de 2008, deu entrada nos Serviços da Inspecção Tributária o ofício do sujeito passivo A....., datado de 10 de Novembro de 2008 (ver Anexo 26), com o direito de audição sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção. O sujeito passivo entendeu prestar alguns esclarecimentos relativamente a pontos do Projecto de Relatório, que se julgam, desde já, nada obstar às correcções à matéria tributável apresentadas no ponto III, a fis. 10, existindo apenas uma correcção favorável ao sujeito passivo, em que existiu uma omissão por parte dos Serviços da Inspecção Tributária, como a seguir se explicitará.
Num primeiro ponto, o sujeito passivo começa por concordar com a correcção do ponto III.1.1.1, relativa ao excesso de amortização não corrigido na declaração de rendimentos, alegando de seguida, e bem, que deveria ter sido considerada uma redução da tributação autónoma, que respeita a 5% das despesas com viaturas ligeiras de passageiros. Assim, será considerada uma redução da tributação autónoma, no campo 365 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, no montante correspondente a 5% do valor da amortização não aceite como custo fiscal (810,55 euros), ou seja, 40,53 euros.
Nos pontos 2 a 6 do ofício do sujeito passivo, este vem alegar, resumidamente, que recebeu o Projecto de Relatório datado de 28 de Outubro de 2008, quando tinha sido notificado mediante ofício do dia anterior, apenas recepcionado em 04 de Novembro, no sentido de serem consultados elementos documentais, suscitando incongruências no processo.
Ora, acontece que os Serviços da Inspecção Tributária começaram por tentar a notificação pessoal do sujeito passivo, em 11 de Setembro de 2008, nas pessoas dos seus sócios-gerentes António Silva e Emília Silva, para apresentar justificação para a não emissão de factura ou documento equivalente em relação às transmissões relevadas nas Guias de Transporte descriminadas em mapas em Anexo à notificação, num total de 14 páginas, a qual foi recusada pelos referidos sócios, conforme Auto de Ocorrência (ver Anexo 1). Posteriormente, foi enviada notificação via postal, com o mesmo teor, com data de registo nos CTT de 12 de Setembro de 2008, a qual foi apenas recebida pelo sujeito passivo em 23 do mesmo mês, porque a recepção do ofício foi recusada pelos funcionários ou responsáveis da empresa no dia 15 com o motivo "destinatário ausente, empresa encerrada", quando a empresa se encontra em normal laboração e sempre com pelo menos um funcionário nos escritórios.
De seguida, na sequência da disponibilidade demonstrada pelos Serviços da Inspecção Tributária em 11 de Setembro de 2008 e após solicitação do sujeito passivo, em 25 de Setembro de 2008, conforme Anexo 27, foi enviado ficheiro Excel, na mesma data, com elementos da recolha das Guias de Transporte Manuais, tal como consta dos anexos à notificação pessoal tentada em 11 de Setembro e concretizada por ofício em 23, de forma a "acelerar o processo" (palavras do Técnico Oficial de Contas, conforme mensagem electrónica em Anexo 27).
Em resposta ao ofício recepcionado em 23 de Setembro, o sujeito passivo respondeu (ver Anexo 28) invocando que não tendo na sua posse os livros das guias de transporte, a "ausência das mesmas guias" implicaria "mera especulação" quanto às justificações a apresentar, sugerindo que só as apresentaria quando estivesse acesso aos livros de guias. Em resposta, os Serviços da Inspecção Tributária, através de ofício de 17 de Outubro de 2008 (ver Anexo 29), esclareceram que "o conteúdo das 14 páginas em Anexo à Notificação efectuada pelo N/ Ofício n.º 3409043, bem como os ficheiros em anexo à mensagem electrónica enviada após V/ solicitação para o endereço electrónico do V/ Técnico Oficial de Contas Dr. NP. em 25 de Setembro de 2008, reproduzem na integra todos os elementos constantes das guias de transporte em questão", sendo totalmente dispensável o acesso aos mesmos. Ainda assim, não sendo possível entregar os elementos apreendidos, na medida em que se tratam de elementos de prova no âmbito de processo de inquérito, informou-se o sujeito passivo que os elementos ficariam disponíveis para consulta nestes Serviços nos dias 23 e 24 de Outubro de 2008, conforme Anexo 29.
Ora, acontece que, uma vez mais, a empresa recusou a recepção do ofício, em que era dada a possibilidade de realizar a consulta em questão, enviado em 17 de Outubro de 2008 mediante registo simples, apesar das duas tentativas de entrega por parte dos CTT, em 20 e 23 do referido mês, não conseguidas pelo motivo "destinatário ausente, empresa encerrada", quando a empresa se encontra em normal laboração e sempre com pelo menos um funcionário nos escritórios. Acresce o facto de a possibilidade de realizar a consulta em questão, manifestada por ofício de 17 de Outubro de 2008, ter sido informada ao Técnico Oficial de Contas da IPALZ que iria ocorrer quando foi efectuado contacto telefónico no mesmo dia 17. O responsável pela distribuição dos CTT de .... informou o técnico DC. que a entrega do ofício tinha sido, uma vez mais, manifestamente recusada perante as tentativas de entrega por parte do carteiro.
Ainda, assim, uma vez que a recepção do ofício de 17 de Outubro só foi efectuada no dia 27, após as datas indicadas para consulta, e no último dia possível de recolher o objecto da estação dos correios, como aconteceu com todos os ofícios referenciados, foi enviado novo ofício em 27 de Outubro (ver Anexo 30). Em condições normais de distribuição pelos CTT e de recepção pela A..... seria entregue no dia seguinte (28), e indicava como datas para consulta os dias 30 e 31 de Outubro de 2008. Contudo, uma vez mais, e apesar da empresa já conhecer a disponibilidade de poder consultar os elementos, recusou o ofício no dia 28, novamente, com o motivo "destinatário ausente, empresa encerrada", quando esta se encontra em normal laboração e sempre com pelo menos um funcionário nos escritórios. A entrega do ofício só foi efectuada em 04 de Novembro, uma vez mais, no último dia possível de recolher o objecto da estação dos correios, como aconteceu com todos os ofícios referenciados.
Perante estes factos, apenas resta concluir que não existiu a atenção devida por parte da A..... em colaborar com os Serviços de Inspecção Tributária, conforme prevê o artigo 590 da Lei Geral Tributária, revelando um completo desinteresse em prestar os esclarecimentos necessários, sabendo de antemão que iria ser informada da disponibilidade de consulta, preferindo tomar atitudes manifestamente tendentes à protelação do procedimento.
Perante o exposto, foi informado o sujeito passivo, também através do ofício de 27 de Outubro (ver Anexo 30), que caso não o pretendesse fazer previamente, as eventuais justificações deveriam ser apresentadas em sede de direito de audição ao Projecto de Relatório, não sendo apontada qualquer outra data limite até lá para tal. Assim, perante a recusa em receber o ofício no dia 28 de Outubro, foi decidido pelos Serviços de Inspecção Tributária enviar o Projecto de Relatório relativo ao exercício de 2004.
Nos pontos 7 a 9 e 14 do ofício do sujeito passivo (em Anexo 26), em sede de resposta ao direito de audição, este vem alegar que as correcções apuradas pelos Serviços de Inspecção Tributária se suportam na aplicação de métodos indirectos, não existindo "nenhum documento que suporte a decisão da Administração Fiscal", concluindo que a determinação da matéria colectável foi feita "com base em induções". Ora, nada mais errado do que estas afirmações. Em anexo ao Projecto de Relatório, mais precisamente nos Anexos 15 a 25, foram juntos vários documentos, desde cópias de guias de transporte, de notas de encomenda, das contas correntes manuscritas, de elementos de facturas, que em tudo comprovam a existência das transacções consideradas omissas à Contabilidade e justificam a valorização das correcções apuradas, sem recorrer a qualquer método indirecto na determinação das mesmas.
No pontos 10 do referido ofício (em Anexo 26), a A..... afirma que "a Administração Fiscal continua a impedir que a Exponente consulte os elementos", acrescentando nos pontos 12 e 13 que "pode a Exponente por em causa a existência daquelas invocadas guias de transporte", quando "não tem acesso" às mesmas. Para além disso, afirma no ponto 11, que "não compreende que a Administração Fiscal (...) não junte as guias que diz deter relativamente às tabelas de fls. 15 e 17 do projecto de relatório". Ora, as guias que constam das tabelas a fls. 15 e 17 do Projecto de Relatório constam dos Anexos 19 e 21, respectivamente, pelo que não se compreende a razão do conteúdo dos pontos 10 a 13 do ofício (em Anexo 26).
Nos pontos 15 a 17 do referido ofício (em Anexo 26), a A..... volta a reivindicar "o acesso a todos os elementos que a Administração Fiscal dispõe", e que "só na posse de todas as guias de transporte, poderão as mesmas ser cruzadas", concluindo que "não é possível exercer o direito de audiência prévia".
É mais que óbvio, que não existe qualquer intenção da Administração Fiscal em impedir a A..... de ter acesso aos elementos, o que parece ter ficado bem patente face aos vários ofícios e diligências no sentido de possibilitar a consulta dos mesmos, conforme se explicitou em parágrafos anteriores.
O que a Administração Fiscal não pode é entregar os elementos apreendidos, na medida em que se tratam de elementos de prova no âmbito de processo de inquérito, como facilmente se percebe.
Resta reafirmar que o conteúdo das 14 páginas em Anexo à Notificação efectuada pelo N/ Ofício n.º 3409043, bem como os ficheiros em anexo à mensagem electrónica enviada após solicitação da A..... para o endereço electrónico do Técnico Oficial de Contas Dr. NP. em 25 de Setembro de 2008, reproduzem na integra todos os elementos constantes das guias de transporte em questão, não podendo ser invocado a "ausência das mesmas guias" para não apresentar as justificações que a A..... julgue necessárias. Todos os elementos que constam das guias e notas de encomenda foram transcritos para os ficheiros referidos, pelo que é possível à A..... efectuar os cruzamentos aludidos no ponto 16 do referido ofício (em Anexo 26).
Em termos de conclusão do ofício em Anexo 26, o sujeito passivo requer que "a Administração Fiscal informe a Exponente sobre o modo, meio, tempo e lugar em que obteve os elementos juntos ao projecto de relatório de inspecção tributária", nomeadamente os Anexos 10 a 25, excepto o 18. Assim, cumpre-nos informar que os Anexos 10 a 13 foram elaborados pelo Técnico DC., com base nos elementos disponíveis na base de dados da DGCI, julgando-se despropositado informar sobre "o modo, meio, tempo e lugar em que obteve os elementos". No que respeita ao Anexo 14, foi fornecido pelo Técnico Oficial de Contas da A....., nas instalações da A....., em data que não se consegue precisar. No que respeita aos Anexos 15, 16, 19, 21, 22 e 25, resultam dos elementos apreendidos, em que o "modo, meio, tempo e lugar" se encontram explicitados nos Autos de Apreensão em Anexo 5 e 7. Relativamente aos Anexos 17 e 24, foram elaborados pelo Técnico DC., com base nos elementos disponíveis, julgando-se despropositado informar sobre "o modo, meio, tempo e lugar em que obteve os elementos". Relativamente aos Anexos 20 e 23, foram elaborados pelo Técnico DC., com base nas recolhas em suporte informático, em que o "modo, meio, tempo e lugar" se encontram explicitados nos Autos de Apreensão e Recolha em Anexo 5 e 8.
Note-se, que relativamente às contas correntes em Anexo 18, aparentemente manuscritas com a caligrafia da sócia-gerente EC., nas quais estão relevadas transacções comerciais suportadas nas guias de transporte omissas à Contabilidade, o sujeito passivo não se pronunciou sobre elas, nem sequer se atreveu a apresentar qualquer explicação para a existência das mesmas.
Num segundo ponto das conclusões do ofício em Anexo 26, a A..... requer "cópia de todos os documentos com base nas quais apurou os resultados em apreço, nomeadamente os referidos nos quadros de fls. 15 e 17". Ora, as guias que constam das tabelas a fls. 15 e 17 do Projecto de Relatório constam dos Anexos 19 e 21, respectivamente, e as contas correntes manuscritas e elementos das facturas estão em Anexo 18 e 20, pelo que não se compreende a razão deste requerimento e, assim sendo, não será atendido.
Para terminar, a A..... solicita no ofício em Anexo 26, que lhe seja concedido novo prazo para direito de audição, após a recepção dos elementos requeridos, o qual não será também atendido, uma vez que foram dadas todas as possibilidades e tempo para que o sujeito passivo apresentasse as justificações que julgasse necessárias, para além de terem sido fornecidos ficheiros com dados suficientes para o fazer, conforme já se explicitou.
Resta concluir que todos os esclarecimentos e argumentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de direito de audição não suscitam a necessidade de rever a forma e os montantes apurados no Projecto de Relatório, excepto no que respeita à tributação autónoma, considerando-se não existir qualquer outra imprecisão que contrarie as correcções à matéria tributável apresentadas no ponto III, a fls. 10, pelo que o presente Relatório mantém os valores constantes do citado Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção.
[…]”.
J) Em 17/11/2008, através do ofício n.º 8412212, a impugnante foi notificada do seguinte: “[…] Cumpre-nos esclarecer que nunca foi solicitado pela A..... quaisquer cópias de guias, mas sim os elementos apreendidos. Contudo, dado o elevado número de documentos, a cópia dos mesmos é inexequível, apenas sendo concebível a consulta dos mesmos nos Serviços da Inspecção Tributária, conforme já foram informados. O facto de não ser possível entregar-vos os documentos apreendidos prende-se, como é óbvio e já foi reiterado, pelo menos, duas vezes por ofício, com o facto de se tratarem de elementos de prova no âmbito de processo de inquérito. Há muito que também se tornou óbvio que não existe a atenção devida por parte da A..... em colaborar com os Serviços de Inspecção Tributária, conforme prevê o artigo 59° da Lei Geral Tributária, revelando um completo desinteresse em consultar os elementos apreendidos. […]” - cfr. fls. 59/60 do suporte físico dos autos.
K) Pelo ofício n.º 8412282, expedido por correio registado com aviso de receção enviado em 19/11/2008 e assinado em 29/11/2008 a impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária - cfr. fls. 1 a 3 do processo administrativo apenso aos autos.
L) Em 21/11/2008, a impugnante veio novamente expor/requerer o seguinte: “[…] Só na presença do respectivo suporte documental é possível responder ao que nos é solicitado”; “vimos propor que nos sejam enviadas cópias dos documentos em vosso poder e não estejam abrangidos pelo invocado segredo de justiça e que, quanto aos restantes, se dignem indicar a vossa disponibilidade para que os mesmos sejam consultados pelos nossos técnicos […]” - cfr. fls. 63 do suporte físico dos autos.
M) Pelo ofício n.º 8012020, de 25/11/2008, a impugnante foi notificada nos termos seguintes:
“[…]
Dado o elevado número de documentos, a cópia dos mesmos é inexequível, apenas sendo concebível a consulta dos mesmos nos Serviços de Inspecção Tributária, conforme já foram informados. O facto de não ser possível entregar-vos os documentos apreendidos prende-se, como é obvio, com o facto de se tratarem de elementos de prova no âmbito de processo de inquérito.
Perante a V/ solicitação de consulta dos elementos ficam desde já, os mesmos disponíveis para V/ consulta nestes Serviços no próximo dia 05 de Dezembro de 208, das 9:00 às 12H30 e das 14:00 às 17:30 […]” - cfr. fls. 64/65 do suporte físico dos autos.
N) Em 28/11/2008, a impugnante requereu no âmbito do processo de inquérito n.º /7TAOAZ a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ...., que fosse ordenado aos serviços da Administração Tributária que efetuassem cópia de todos os elementos apreendidos no âmbito desse processo de inquérito - cfr. fls. 66/68 do suporte físico dos autos.
O) Na mesma data, a impugnante informou a Administração Tributária do seguinte: “[…] já solicitámos ao Tribunal Judicial da Comarca de ...., o levantamento do sigilo bancário, caso tenha sido decretado e como V. Ex.as têm referido repetidas vezes, com o propósito de ser permitida a já requerida obtenção de cópias dos documentos […]” - cfr. fls. 69/70 do suporte físico dos autos.
P) Em 03/12/2008, a impugnante expôs/requereu à Administração Tributária o seguinte: “[…] os elementos em causa são vitais para o efectivo exercício da nossa defesa no âmbito da audiência prévia no processo relativo ao ano de 2004 e estamos dispostos a colocar um fotocopiador nos vossos serviços e fornecer o pessoal necessário à realização de cópia de todos os documentos relativos a este processo”; “a mera consulta dos elementos, além de não ser possível no horário de expediente, período durante o qual os nossos técnicos oficiais de contas, a gerência e o nosso mandatário judicial não têm disponibilidade para se ausentarem das suas tarefas, também impede o confronto com os elementos existentes na empresa; “Enquanto aqueles elementos não nos forem entregues não é possível o efectivo exercício do direito à audição prévia […]” - cfr. fls. 71/73 do suporte físico dos autos.
Q) Em 05/12/2008, pelo ofício n.º 8413237, a impugnante foi notificada do seguinte: “[…] Os elementos que V. Exas consideram "vitais para o efectivo exercício" da vossa "defesa no âmbito da audiência prévia" constam das 14 páginas em Anexo à Notificação efectuada pelo N/ Ofício n.° 3409043, bem como dos ficheiros em anexo à mensagem electrónica enviada após V/ solicitação para o endereço electrónico do V/ Técnico Oficial de Contas Dr. NP. em 25 de Setembro de 2008, que reproduzem na íntegra todos os elementos constantes das guias de transporte em questão, pelo que é perfeitamente possível confrontar os dados das guias com as facturas. Acresce o facto de já terem sido indicados 5 dias diferentes para que V. Exas consultassem os elementos em causa, nomeadamente 23 e 24 de Outubro, 30 e 31 de Outubro e 05 de Dezembro do ano de 2008, para além de toda a disponibilidade demonstrada aos responsáveis da empresa pelos Serviços de Inspecção Tributária. Da V/ parte nunca existiu a atenção devida em colaborar com os Serviços de Inspecção Tributária, conforme prevê o artigo 59° da Lei Geral Tributária, revelando um completo desinteresse em consultar os elementos apreendidos [...]. A impossibilidade invocada por V. Exas quanto ao período de trabalho do V/ Técnico Oficial de Contas, da Gerência e do mandatário judicial é completamente alheia aos Serviços da Inspecção Tributária [...], para além de não ser imperativo que o confronto do conteúdo das guias com as facturas “só se pode fazer nas instalações da […] empresa", como V.Exas alegam. […]” - cfr. fls. 74/75 do suporte físico dos autos.
R) Na sequência do aludido procedimento inspetivo, em 06/12/2008, foram emitidos os seguintes atos de liquidação:
a. Liquidação adicional n.º 08333929, referente a IVA do período 0401, no montante de 1.413,56 €;
b. Liquidação adicional n.º 08333931, referente a IVA do período 0402, no montante de 1.159,00 €;
c. Liquidação adicional n.º 08333933, referente a IVA do período 0403, no montante de 2.343,69 €;
d. Liquidação adicional n.º 08333935, referente a IVA do período 0404, no montante de 1.302,49 €;
e. Liquidação adicional n.º 08333937, referente a IVA do período 0405, no montante de 654,17 €;
f. Liquidação adicional n.º 08333939, referente IVA do período 0406, no montante de 10.739,12 €;
g. Liquidação adicional n.º 08333941, referente IVA do período 0407, no montante de 356,25 €;
h. Liquidação adicional n.º 08333943, referente IVA do período 0408, no montante de 312,82 €;
i. . Liquidação adicional n.º 08333945, referente IVA do período 0409, no montante de 128,73 €;
j. Liquidação adicional n.º 08333946, referente IVA do período 0410, no montante de 348,84 €;
k. Liquidação adicional n.º 08333948, referente IVA do período 0411, no montante de 3.739,20 €;
l. Liquidação adicional n.º 08333950, referente IVA do período 0412, no montante de 367,79 €;
m. Liquidação n.º 08333930, referente a juros compensatórios do período 0401, no montante de 264,74 €;
n. Liquidação n.º 08333932, referente a juros compensatórios do período 0402, no montante de 212,87 €;
o. Liquidação n.º 08333934, referente a juros compensatórios do período 0403, no montante de 423,28 €;
p. Liquidação n.º 08333936, referente a juros compensatórios do período 0404, no montante de 230,67 €;
q. Liquidação n.º 08333938, referente a juros compensatórios do período 0405, no montante de 113,63 €;
r. Liquidação n.º 08333940, referente a juros compensatórios do período 0406, no montante de 1.831,24 €;
s. Liquidação n.º 08333942, referente a juros compensatórios do período 0407, no montante de 59,54 €;
t. Liquidação n.º 08333944, referente a juros compensatórios do período 0408, no montante de 51,22 €;
u. Liquidação n.º 08333947, referente a juros compensatórios do período 0410, no montante de 54,82 €;
v. Liquidação n.º 08333949, referente a juros compensatórios do período 0411, no montante de 574,51 €;
w. Liquidação n.º 08333951, referente a juros compensatórios do período 0412, no montante de 55,30 € - cfr. fls. 99/110 e 156/180 do suporte físico dos autos.
S) O prazo limite para pagamento voluntário das liquidações impugnadas fixado pela Administração Tributária terminava em 28/02/2009 - cfr. fls. 99/110 e 156/180 do suporte físico dos autos.
T) Das demonstrações das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios mencionadas na alínea R) supra consta os seguintes registos postais:
a. Liquidação adicional n.º 08333929: RY930666993PT;
b. Liquidação adicional n.º 08333931: RY930667778PT;
c. Liquidação adicional n.º 08333933: RY930668610PT;
d. Liquidação adicional n.º 08333935: RY930673084PT;
e. Liquidação adicional n.º 08333937: RY930673932PT;
f. Liquidação adicional n.º 08333939: RY930674765PT;
g. Liquidação adicional n.º 08333941: RY930679674PT;
h. Liquidação adicional n.º 08333943: RY930680482PT;
i. Liquidação adicional n.º 08333945: RY930681338PT;
j. Liquidação adicional n.º 08333946: RY930686349PT;
k. Liquidação adicional n.º 08333948: RY930687145PT;
l. Liquidação adicional n.º 08333950: RY930688013PT;
m. Liquidação n.º 08333930: RY930736615PT;
n. Liquidação n.º 08333932: RY930737350PT;
o. Liquidação n.º 08333934: RY930738151PT;
p. Liquidação n.º 08333936: RY930742482PT;
q. Liquidação n.º 08333938: RY930743298PT;
r. Liquidação n.º 08333940: RY930744972PT;
s. Liquidação n.º 08333942: RY930748803PT;
t. Liquidação n.º 08333944: RY930749551PT;
u. Liquidação n.º 08333947: RY930755092PT;
v. Liquidação n.º 08333949: RY930755835PT;
x. Liquidação n.º 08333951: RY930756668PT
- cfr. fls. 99/110 e 156/180 do suporte físico dos autos.
U) Em 11/12/2008 a impugnante reiterou o pedido de acesso aos elementos anteriormente solicitados - cfr. fls. 76/77 do suporte físico dos autos.
V) As demonstrações das liquidações referidas em R) supra foram enviadas em 18/12/2008, para o seguinte endereço: “........(…)”, tendo sido depositadas pelo Distribuidor no Receptáculo Postal dessa morada - cfr. fls. 99/110 e 156/180 do suporte físico dos autos
W) E vieram devolvidas ao remetente, em 29/12/2008, com a anotação manuscrita “Morada Errada”, aposta pelo destinatário do referido Receptáculo Postal ou seu representante - cfr. fls. 99/110, 156/180 e 224 do suporte físico dos autos.
X) Após a entrada no circuito postal e antes de serem devolvidas ao remetente, foi feita por quem na altura fez a conferência do correio a seguinte anotação: “Depois de devidamente entregue voltou ao circuito dos correios com a anotação nela constante e sem nova franquia” - cfr. fls. 99/110, 156/180 e 224 do suporte físico dos autos.
Y) Em 16/01/2009 a impugnante levou ao conhecimento da Administração Tributária de que foi notificada no âmbito do processo de inquérito n.º 699/07.7TAOAZ a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ...., de que poderia aceder aos elementos apreendidos- cfr. fls. 78/80 do suporte físico dos autos.
Z) Já aconteceu os carteiros entregarem cartas dirigidas à impugnante a outros da mesma zona industrial, e o contrário, especialmente a uma empresa designada “IN.”, sedeada no concelho de .... – cfr. depoimentos das testemunhas AL......., M... e N.....
AA) A presente impugnação deu entrada em 09/03/2009 no 1.º Serviço de Finanças de .... – cfr. carimbo aposto a fls. 3 do suporte físico dos autos.
BB) Entre 01/01/2008 e 31/12/2008 a morada associada ao número de contribuinte da impugnante era “....(…)” – cfr. fls. 182/191 do suporte físico dos autos.
CC) Em 09/02/2011 a morada associada ao número de contribuinte da impugnante era “....(…)” – cfr. fls. 181 do suporte físico dos autos.
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No que diz respeito aos factos não provados, na sentença recorrida considerou-se que:
«Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.»
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Relativamente à apreciação e motivação da matéria factual, exarou-se na sentença apelada que:
«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, bem como dos depoimentos das testemunhas tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
A matéria de facto constante da alínea Z) da matéria de facto provada resultou, essencialmente, dos depoimentos das testemunhas AL......., M... e N...., que depuseram de forma espontânea e descomprometida, não obstante as declaradas relações profissionais com a sociedade impugnante.»
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III – Questões a decidir.
No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso e delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, no erro do julgamento de facto e no erróneo julgamento da matéria de direito.
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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se considerou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2004 supra referidas, assim como contra as correspondentes liquidações de juros compensatórios.
As liquidações supra referidas resultaram, de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT na qual, designadamente, se concluiu pela aplicação de correções meramente aritméticas em sede de IVA nos períodos supra referenciados.
Na sentença recorrida, a impugnação dirigida contra as referidas liquidações foi julgada parcialmente procedente, sendo que a ora Recorrente se insurge contra a parte do dispositivo que lhe foi desfavorável.
Passemos, então a analisar o presente recurso, ordenando as questões nele suscitadas de acordo com a ordem lógica de conhecimento das mesmas.
IV.I – Do imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto.
No presente recurso, a Recorrente aduz um conjunto de factos e ilações de facto (vide, designadamente, o alegado nas conclusões «B», «C», «G», «H», «M», «N», «O» a «S», «W», «X», «OO» e «PP»). Porém, quanto a tal factualidade e ilações factuais, a ora Recorrente não deu cumprimento aos ónus processuais previstos no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT. Efetivamente, a ora Apelante não indica, nomeadamente, a decisão que aqui devia ser aqui emanada quanto às questões de facto invocadas em sede recursiva. Assim, mais concretamente, não é aqui dado cumprimento ao disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
Deste modo, não se poderá conhecer do presente recurso, nestes itens.
IV. 2 – Do erro de julgamento de direito.
No presente recurso, a ora Apelante invoca que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento. A este propósito, a Recorrente invoca que a sentença recorrida errou no julgamento que fez relativamente à caducidade do direito à liquidação, da violação do princípio do inquisitório, quanto à ilegalidade do recurso a correções meramente aritméticas e no que concerne à questão da isenção de IVA nas transações intracomunitárias.
Passemos então a analisar as questões aqui suscitadas quanto aos imputados erros decisórios da sentença recorrida, tendo em mente a apreciação daquelas segundo um critério de ordenação de prioridade lógica das questões suscitadas.
Deste modo, a enunciada prioridade analítica determina que se aprecie em primeiro lugar o imputado erro de julgamento relativo à questão da caducidade. Ora, sobre este item considerou-se na sentença recorrida que:
“[…] O facto impeditivo da caducidade do direito à liquidação é, pois, a notificação desta ao sujeito passivo dentro do prazo legalmente estabelecido para a Administração Tributária exercer esse direito.
Por força do disposto no artigo 74.º da LGT, é sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o direito de exigir a obrigação tributária, nomeadamente que a notificação da liquidação foi válida e atempadamente efetuada [cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 17/12/2014 e 06/10/2005, proferidos nos processos n.ºs 01875/13 e 0500/05].
Como emerge do probatório, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais de IVA relativas ao ano de 2004 e respetivos juros compensatórios em 06/12/2008 e remeteu à impugnante as respetivas demonstrações em 18/12/2008, sob registo postal [cfr. alíneas R), S), T) e V) do probatório].
As notificações foram dirigidas à sociedade “A....., Lda.”, para “....(…)” [cfr. alínea V) do probatório].
O domicílio fiscal da impugnante, à data das notificações, tal como ele é regulado nos artigos 19.º da LGT, 43º do CPPT e artigo 3º do Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de novembro [que instituiu o número fiscal de contribuinte] coincidia exatamente com a morada indicada naquela notificação [cfr. alínea BB) do probatório].
Ora, por força do n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, a notificação em causa poderia ser feita através de carta registada, por ser relativa a tributo que resulta de correções à matéria tributável que já tinha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição durante o projeto de relatório de inspeção, como resulta do ponto IX do relatório de inspeção tributária e a impugnante confessa expressamente nos artigos 92.º e 93.º da petição inicial.
As notificações por carta registada presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse [n.º 1 do artigo 39.º do CPPT].
Na generalidade das situações tal presunção legal pode ser ilidida pelo notificado se este provar que o facto que obstou ao seu recebimento dentro desse prazo não lhe é imputável [nº 2 do artigo 39.º do CPPT].
Todavia, no n.º 12 do artigo 39.º do CPPT - aditado pela Lei n.º 53- A/2006, de 29 de dezembro - dispõe-se que “o presente artigo não prejudica a aplicação do disposto no nº 6 do artigo 45º da Lei Geral Tributária” o qual, por sua vez, em derrogação do disposto nos n.º 1 e 2 do referida artigo 39.º do CPPT, determina que “para efeito da contagem do prazo” de caducidade do direito à liquidação – e só para esse efeito - as notificações sob registo postal consideram-se validamente efetuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, sem possibilidade de ilisão.
De facto, enquanto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, aplicável à generalidade das situações, a norma prevê uma presunção legal do tipo juris tantum, ou só de direito, que admite prova em contrário, conforme resulta do n.º 2 do mesmo artigo que logo especifica os requisitos necessários à ilisão da presunção, a norma do n.º 6 do artigo 45.º da LGT tem natureza especial e prevê uma presunção do tipo juris et iure, ou de direito e por direito, que não é ilidível.
Nos termos do artigo 9.º do Código Civil o intérprete deve partir do pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A norma do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT é muito parecida com a do n.º 6 do artigo 45.º da LGT. No entanto, quando o legislador “disse” esta já conhecia há muito tempo o teor e sentido daquela, pelo que se deve entender que não quis dizer a mesma coisa em ambos os casos.
Enquanto no nº 1 do artigo 39º do CPPT “presume-se” a notificação, no n.º 6 do artigo 45º da LGT ela “considera-se” efetuada [para aquele especifico efeito]. A “presunção” admite ser ilidida; a afirmação de que a notificação se “considera efetuada” ficciona um facto consumado, relativamente ao qual perde sentido qualquer possibilidade de prova em contrário.
No sentido geral acima explicitado, veja-se Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª edição 2012, Encontro da Escrita editora, pág. 359, anotação 5 ao artigo 45.º e ainda os acórdãos do STA de 29/10/2014, processo n.º 0726/11 e de 12/04/2012, processo n.º 0331/11.
No mesmo sentido também se decidiu no âmbito do processo n.º 678/09.0BEVIS, em que se impugna a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004 e respetivos juros compensatórios, proveniente do mesmo procedimento inspetivo, cuja fundamentação aqui seguimos de perto.
Portanto, tendo as notificações das liquidações sido enviadas sob registo postal nos termos da lei, em 18/12/2008, “considera[m]-se validamente efetuada[s]”, apenas para o efeito em discussão, em 22/12/2008 [segunda-feira], sem possibilidade de prova em contrário.
A notificação da liquidação validamente efetuada antes do fim do prazo de caducidade - 31/12/2008 - obsta à extinção do direito de liquidar.
Pelo que improcede a invocada caducidade do direito à liquidação.[…]”
Daqui resulta que na decisão jurisdicional ora sob apreciação, o raciocínio do Julgador assentou unicamente e para efeitos da contagem do prazo de caducidade, na factualidade vertida nas alíneas R), S), T) e V), descurando-se as circunstâncias factuais referidas nas alíneas W) e X) que, como veremos, determinam outra solução jurídica.
Ora, a questão supra indicada, já foi apreciada e objeto de decisão por esta instância no acórdão de 17.02.2021, proferido no processo n.º 678/09.0BEVIS, em que as partes em presença eram as mesmas (sendo apenas distintas as liquidações aqui e ali em causa). Ora, sobre a referida matéria foi decidido no acórdão supra citado que:
[…] Para melhor apreensão do regime legal da caducidade, transcrevemos o preceito da Lei Geral Tributária ao caso aplicável.
“Artigo 45.º (Caducidade do direito à liquidação)
1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
(…)
6. Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Para melhor compreensão do regime chama-se à colação o que os autores, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na Lei Geral Tributária, anotada e comentada (4.ª ed., Editora Encontro da Escrita), a págs. 359/360, escrevem em anotação ao artigo 45.º:
«5 – Notificação para além do prazo de caducidade
À face da redacção inicial do art. 45.º da LGT, a notificação, para obstar à caducidade tinha de chegar efectivamente ao destinatário dentro do prazo de caducidade.
No entanto, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, aditou o n.º 6, em que se estabelece uma presunção de que as notificações sob registo se consideram validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Trata-se de uma presunção inilidível, como se depreende do uso da palavra «sempre», que não deixa margem para qualquer restrição quanto à amplitude de aplicabilidade da presunção, e da expressão «consideram-se» e não «presumem-se» como se refere no art. 39.º, n.º 1, do CPPT para situações semelhantes, neste último caso com possibilidade de ilisão, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Aliás, é precisamente essa impossibilidade de ilisão o alcance útil deste n.º 6 do art. 45.º, uma vez que para a generalidade das notificações por carta registada está prevista uma presunção idêntica, nos arts. 39.º, n.º 1 e 38.º, n.º 3, do CPPT.
Porém, como resulta da parte inicial deste n.º 6, a presunção inilidível aqui prevista vale apenas «para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1», pelo que a notificação não se presume efectuada para qualquer outro efeito, designadamente para o de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, nem afasta a possibilidade de o destinatário utilizar o meio previsto no art. 37.º do CPPT para obter o aperfeiçoamento de notificações insuficientes.
Isto é, apesar da imperfeição da notificação, ela considerar-se-á efectuada para efeitos de obstar à caducidade, desde que contenha a identificação do acto de liquidação que se notifica.
O n.º 12 do art. 39.º do CPPT, introduzido pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril, veio confirmar este entendimento ao estabelecer que as regras sobre a perfeição das notificações que constam daquele artigo não prejudicam o regime do n.º 6 do art. 45.º da LGT.
Este regime do art. 45.º, n.º 6, da LGT, ao permitir que obste à caducidade a mera prática do acto de liquidação, independentemente do conhecimento da sua prática pelo destinatário, está essencialmente em sintonia com o regime da caducidade do direito civil, pois também aí basta, para obstar à caducidade, a prática do acto dentro do prazo legal (como resulta do disposto no art. 331.º, n.º 1, do CC, ao preceituar que «só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo»).».
Conforme acabado de referir por estes insignes autores, o n.º 6 do artigo 45.º da LGT estabelece uma presunção inilidível no sentido de que obsta à caducidade a prática do ato dentro do prazo legal, mesmo que não seja do conhecimento do destinatário do mesmo.
Portanto, o que releva é a prática do acto dentro do prazo de caducidade, sendo que o legislador quis salvaguardar que esse acto fosse efectivamente praticado dentro do prazo de caducidade, estabelecendo para o efeito um regime de demonstração da prática do ato dentro desse prazo de caducidade, que é o da notificação por registo postal.
Ou seja, sendo o registo efetuado por uma entidade externa aos serviços da Administração Tributária, sabe-se que o ato foi praticado, o mais tardar, na data em que foi registado o expediente para a notificação da liquidação. Assim, se tal acto for expedido e recebido efetivamente pelo destinatário, ou presumido recebido, nos termos do n.º 6 do artigo 45.º da LGT (conforme o que ocorrer em primeiro lugar) antes do termo do prazo de caducidade, esta não se verifica.
Ora, o n.º 6 do artigo 45.º da LGT estabelece uma presunção inilidível, ou seja, tendo a liquidação sido expedida por registo postal, sabe-se, desde logo, por força desse registo dos correios, que a liquidação foi efetuada no dia do registo postal ou em data anterior. Daqui resulta, que o ato foi praticado dentro do prazo de caducidade e se for notificado dentro desse prazo, não ocorre a caducidade do direito à liquidação. Por isso, o legislador entendeu que a presunção do n.º 6 do artigo 45.º da LGT, é inilidível, na medida em que se sabe, por elementos externos à Administração Tributária (o registo da notificação nos correios), que o ato já foi praticado, restando-lhe que a presunção funcione dentro do prazo de caducidade.
Isto porque, o regime geral da caducidade é o da prática do ato dentro do prazo de caducidade, não que essa prática tenha de ser conhecida do destinatário dentro desse prazo, conforme decorre do n.º 1 do artigo 331.º do Código Civil.
No entanto, o n.º 1 do artigo 45.º da LGT, estabelece que é a notificação da liquidação que faz impedir a caducidade do direito à liquidação. E o n.º 6 do artigo 45.º da LGT, prevê que essa notificação se considera validamente efetuada no terceiro dia útil após o registo. Mas, e se a notificação não tiver ocorrido ou não se possa considerar válida, deixa de funcionar a presunção do n.º 6 do artigo 45.º da LGT.
Isto porque, o regime da presunção está estabelecido a favor do notificante e não do notificado. Por isso, se o notificante não demonstrar que efetuou aquela notificação não pode beneficiar daquela presunção.
Por outras palavras, basta para prova da notificação a prova tão só da emissão do registo postal, fazendo tábua rasa das vicissitudes que ocorreram após aquele facto?
Cremos que não.
A presunção inilidível estabelecida no n.º 6 do artigo 45.º, é apenas inilidível pelo destinatário da notificação, na medida em que não pode invocar que não recebeu a notificação (ou que a recebeu depois do prazo de caducidade) para alegar a caducidade do direito à liquidação. Mesmo que o destinatário não receba a notificação, seja por que motivo for, a presunção funciona sempre a favor da Administração Tributária. Portanto, desde que a Administração Tributária prove que registou a notificação dentro do prazo de caducidade. Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.04.2012, proferido no processo n.º 0331/11 cujo sumário se transcreve:
I - Da conjugação das disposições constantes dos nºs 2 e 3 do art. 19º da LGT impende sobre os sujeitos passivos a obrigação legal de comunicarem o respectivo domicílio fiscal à Administração Tributária, bem como qualquer alteração do mesmo, presumindo-se que as notificações por carta registada se consideram feitas no 3º dia útil ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (art. 39º, nº 1, do CPPT).
II - A presunção prevista no nº anterior considera-se legítima se a notificação for efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar, em conformidade com os dados fornecidos pelo contribuinte.
III - No caso de notificações de IRS, segundo o art. 92º do CIRS, a liquidação ainda que adicional, efectua-se no prazo e nos termos previstos nos arts. 45 e 46º da LGT, pelo que, nos termos do nº 6 deste último preceito, as notificações sob registo se consideram validamente efectuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse quando esse dia não seja útil, sendo tal presunção inilidível para efeitos de evitar a caducidade da liquidação.
IV - O nº 6 do art. 45º da LGT contém uma presunção inilidível de notificação para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, que não afronta a garantia constitucional consagrada no art. 268º, nº 3, da CRP, porque tem um âmbito restrito destinado a assegurar que o acto de liquidação foi efectivamente praticado pela Administração tributária no prazo legal, sob pena de caducidade, devendo, no entanto, nesse prazo incluir-se a dilação da notificação.
V - A presunção consagrada no nº 6 do art. 45º da LGT tem subjacente a regra do art. 331º, nº 1, do Código civil em que a caducidade é afastada com a mera prática tempestiva do acto, independentemente do conhecimento da sua prática pelos destinatários, o que está em consonância com a razão de ser da caducidade, cujo fim é o de preestabelecer o tempo durante o qual o direito pode ser exercido, sob penas de não mais o poder ser, e sendo a natureza do instituto idêntica quer no direito civil quer no direito público, não se vislumbram razões para tratamento diferenciado.
VI - As notificações das decisões cominatórias de coimas, não se inserindo no âmbito do art. 38º, nº 1, do CPPT, não carecem de ser realizadas por via postal sob AR, mas, tratando-se de acto sancionatório, tendo as notificações sido remetidas por vi postal sido devolvidas ainda que por facto imputável ao destinatário, tornava-se necessário assegurar o envio de uma segunda carta registada e a faculdade
Uma leitura atenta do mesmo, permite concluir que a presunção estabelecida no n.º 6 do artigo 45.º da Lei Geral, não pode ser ilidida pelo destinatário da notificação, mas não responde ou trata o acórdão da questão da aplicação da presunção que decorre do n.º 6 do artigo 45º da LGT ou mesmo da presunção que decorre do artigo 39º do CPPT se os autos contiverem elementos que permitam concluir que aquela notificação não foi validamente realizada. Por outras palavras, a questão que se nos coloca, prévia aplicação da presunção, é a de saber se a notificação se pode ter como validamente efetuada, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
In casu, resulta da matéria dada como provada e não colocada em crise, de que as cartas emitidas sob registo não foram recepcionadas nas instalações da Recorrente, tendo sido as mesmas devolvidas AT, com o seguinte averbamento manuscrito: “Foi entregue por engano. Aberto por lapso. 09/12/08. Graça” e o carimbo com os seguintes dizeres: “Depois de devidamente entregue voltou ao circuito dos correios sem nova franquia, em 10/12/08…”, perante isto e atento o tempo que ainda restava impedia sobre AT a obrigação de remeter novo registo ou proceder por qualquer via a notificação.
Ora, a validade da notificação tem a ver com as formalidades inerente à mesma, já não com a presunção que determina que em caso de notificação válida se ficcione a sua concretização em determinada data, no caso para efeito de impedir que opere a caducidade do direito a liquidar.
A formalidade que deve ser aplicada á notificação tem a ver com o tipo de ato que se pretende levar ao conhecimento do destinatário. Assim, umas vezes a lei entende que o ato deve revestir natureza mais solene, outras vezes que pode conter natureza mais formal.
No entanto, por força do disposto no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT - Código de Procedimento e Processo Tributário, quando o contribuinte tenha sido notificado para audição prévia, a notificação da liquidação basta que seja efetuada por registo simples. Reza, assim, o citado preceito:
“Artigo 38.º (Avisos e notificações por via postal ou telecomunicações endereçadas)
1 - As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.
3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada. (Redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro)
4 - As notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efectuadas por simples via postal.” (Redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro)
Ora, o regime das notificações registadas em sede de procedimento tributário é regulado pelos normativos dos artigos 36.º a 39.º do CPPT e pelo Regulamento do Serviço Público de Correios (DL 176/88, de 18 de Maio), sendo que na actual empresa “CTT-Correios de Portugal, SA”, na prática, existem três modalidades de correio registado, como resulta da informação do sítio da internet http:www.ctt.pt/fectt/wcmservlet/ctt/condições_gerais.html e do verso dos próprios impressos de registo, disponibilizados nas estações de correio dos CTT:
- Simples: depositado no receptáculo postal do destinatário.
- Em mão: entrega personalizada na morada do destinatário - É recolhida a assinatura de quem recebe no domicílio.
- Pessoal: entrega exclusiva ao destinatário e mediante a sua identificação - Inclui aviso de recepção.
Pois bem, no artigo 38º do CPPT, apenas, estão previstas as modalidades de correio registado com aviso de recepção e registado com entrega personalizada na morada do destinatário e não o correio registado simples, depositado no receptáculo do destinatário, meio este que passou a ser utilizado pela AT, na modalidade de “invólucro mensagem”, mas sem apoio legal.
Com efeito, tendo em atenção o exposto no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.01.2020, in Proc. nº 01639/17.0BELRA, cabe ter presente que “… Assim, e tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.
Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).
Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).
E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.”
São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:
(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer”.
Ora, “o procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade”.
Neste enquadramento, torna-se claro que “a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário.
Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efectivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade. A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio”.
Ao contrário do que acontece com a carta registada, que “coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito””, “no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu receptáculo.
Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu receptáculo nenhuma carta.” (fim de transcrição)
Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo a carta com a notificação, questão que não se coloca nos presentes autos, pois a concluirmos pela validade da notificação, operaria automaticamente a presunção inilidível do artigo 45º n.º 6 para efeitos de caducidade do direito a liquidar, pelas razões amplamente expostas supra e na sentença sob recurso.
Bem pelo contrário, in casu, temos que a presunção de notificação do n.º 6 do artigo 45º da LGT (bem como a do n.º 1 do artigo 39º do CPPT) não pode funcionar pois que as cartas (de liquidação e juros compensatórios) foram devolvidas aos serviços da AT com a menção expressa de que os invólucros tinham sido entregues por engano e abertas por lapso e devolvidas ao circuito dos CTT, cumpre concluir que, se a mesma foi devolvida com aquelas menções manuscritas, nunca foi entregue/recebida pelo seu destinatário e que não ocorre nenhum elemento do probatório (quanto a esta notificação em concreto) imputável ao sujeito passivo atinente a essa não concretização.
Resulta expressamente do probatório que as cartas contendo a notificação foram devolvidas aos serviços da AT com menções manuscritas a que já se aludiu, “entregas por engano” e “abertos por lapso”, ora se elas foram devolvidas sem a menção de “entregue”, “ausente” ou mesmo “não atendeu”, não se pode presumir que foi efectuada qualquer notificação, logo a contrario sensus não estamos perante uma notificação válida nos termos e para os efeitos que se inserem no regime da caducidade a que alude o artigo 45º da LGT.
Dando por assente e confirmando o que aí se atesta na sentença recorrida da aplicação do artigo 38º n.º 3 do CPPT, teria a notificação de ter lugar de acordo com o disposto nos n.ºs 3, 5 e 6 do artigo 39º do CPPT. Com efeito, não existe diferença entre carta registada e carta com aviso de recepção, apenas esta última dando mais garantias à Administração Tributária do recebimento da carta pelo destinatário, pelo que há que aplicar o mesmo regime em ambos os casos.
É que sendo patente dos autos que a notificação da liquidação, tendo sido remetida por via postal, veio devolvida nos termos já apontados, somos obrigados a concluir que efectivamente, não chegou ao conhecimento do destinatário.
Constitui jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pelo menos no que se refere aos particulares, mas sem razões para não se estender no caso dos autos às circunstâncias concretas do mesmo, que a presunção do nº 2 do art. 39º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, quer na situação de carta registada (cfr. acórdãos de 18.02.1987, in rec. nº 004015, de 02.60.1999, in rec n.º 022529, de 06.05.2009, in rec nº 270/09 e de 13.04.2011, in rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acórdãos de 21.05.2008, in rec nº 01031/07 e de 08.07.2009, rec nº 0460/09).
Neste sentido, ficou consignado em acórdão do STA que “Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º, nº 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento”. (cfr. o acórdão do STA, de 31.01.2012, in rec n. º 0929/2011).
E, sobre a temática de operar o funcionamento das presunções do artigo 39º do CPPT, mais concretamente do n.º 5, no caso em que não tenha sido deixado ao destinatário aviso para levantamento da respectiva carta, sendo certo que não resulta controvertido que tal aviso não foi deixado ao destinatário pelo distribuidor postal na morada para onde foram dirigidas as notificações, discorre o acórdão do STA, de 08.07.2009, in rec n.º 0460/09, o seguinte: «A respeito da presunção da notificação estabelecem os n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT o seguinte:
n.º 5-“ Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.” n.º 6- “No caso de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Ora, em face destes dispositivos legais, a presunção funciona em duas situações, a saber:
- recusa do destinatário a receber a notificação;
- não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicilio fiscal.
Em anotação ao citado artigo 39.º escreve Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls 357, versando os requisitos da presunção de notificação: “Na segunda situação, pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontrava depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de:
-ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta podia ser levantada;
-não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.
Assim, conjugando estas situações com as formas de ilidir a presunção constata-se que a presunção deixa de valer quando se demonstrar
-que não foi deixado aviso para levantamento da carta;
-que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto que obstou a que o destinatário fosse levantar a carta (justo impedimento);
-que o destinatário tenha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária;
-que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicilio, no n.º 1 do art. 43.º);
-que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no referido prazo.
Correlativamente, presunção só valerá nos seguintes casos:
- quando tiver sido deixado aviso e não houver justo impedimento ao levantamento da carta;
-quando o destinatário tiver mudado de domicilio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.”
Subscreve-se por inteiro estas doutas considerações e revertendo à situação em apreço no presente recurso, importa realçar que de acordo com o probatório apenas se encontra assente que as cartas foram devolvidas pelos CTT à Administração Tributária sem a assinatura dos correspondentes avisos de recepção, nada mais se adiantando a respeito de não terem sido reclamados ou levantados, o que sempre pressuporia que no domicilio da ora recorrente tivessem sido deixados avisos a informar que as cartas podiam ser levantadas, o que não consta do probatório.
Neste contexto, a mera constatação de que os avisos de recepção foram devolvidos sem assinatura do destinatário nada nos elucida a respeito do conhecimento que o mesmo possa ter tido da existência das cartas nos serviços dos CTT a fim de serem levantados» (fim de transcrição)
Retomando a situação que nos ocupa, mais se diga que perante a devolução das cartas, competia AT efectuar nova notificação só assim, a ocorrer então recusa no recebimento ou conseguida a entrega efectivamente nas instalações do sujeito passivo, seriam chamadas a colação as presunções, nomeadamente a prevista no artigo 45º n.º 6 da LGT.
Não tendo sido cumpridas estas formalidades da notificação, esta não pode considerar-se efectuada e, consequentemente não opera qualquer presunção, pelo que o direito à liquidação caducou ao abrigo do disposto no art° 45°, n° 1 da LGT, não tendo aplicação a presunção do n.º 6 pois não ocorreu qualquer notificação susceptível de aclamar a sua aplicação.
[…]
Nesta medida, não podemos acompanhar a afirmação vertida na decisão recorrida no sentido de que “(…) tendo a notificação sido enviada sob registo postal nos termos da lei, em 9-12-2008, “considera-se validamente efectuada”, apenas para o efeito em discussão, em 12-12-2008 (sexta-feira), sem possibilidade de prova em contrário. A notificação da liquidação validamente efectuada antes do fim do prazo de caducidade obsta à extinção do direito de liquidar.”, por via da aplicação da presunção do disposto no n.º 6 do artigo 45º da LGT, e considerando nos termos expostos que dos autos o sujeito passivo não foi validamente notificado da liquidação dos tributos (IRC de 2004) no prazo de quatro anos, o que por si determina a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida e procedência da impugnação por caducidade do direito à liquidação e prejudicado a apreciação das restantes questões suscitadas.[…]”.
Assim, fazendo-se aqui as necessárias adaptações para a questão ora em apreço do que vai enunciado no acórdão referido, podemos também concluir que a sentença aqui recorrida enferma de erro de julgamento. Efetivamente, também aqui, consideramos que existiu erro de julgamento na sentença recorrida ao considerar unicamente a factualidade vertida nas alíneas «V», «BB» e «CC» da factualidade assente, olvidando-se das circunstâncias que determinaram a devolução das respetivas notificações e mencionadas nas alíneas «W» e «X» da matéria de facto vertida na sentença recorrida (complementadas com o facto instrumental inserido na alínea «Z»). Daqui emerge que a ora Recorrente não foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade das liquidações aqui em causa (IVA de 2004 e correspondentes juros compensatórios), concluindo-se, assim, em sentido oposto ao que foi decidido na sentença recorrida, ou seja, que se operou a caducidade das liquidações aqui em causa.
Deste modo, na procedência do invocado erro de julgamento quanto À caducidade do direito de liquidação, encontra-se prejudicada a análise das demais questões colocadas no presente recurso.
*
Assim, acolhe-se aqui o sumário formulado no supra citado acórdão desta instância, nos seguintes termos:
I. Por força do nº 3 do artigo 38.º do CPPT, na redação dada pela Lei n° 55-B/2004, de 30.12, as notificações de liquidações de tributos que resultem de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição são efetuadas por carta registada simples, presumindo-se efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte quando aquele seja dia não útil (artigo 39.º n.º 1 do CPPT).

II. Se a carta registada simples para efeitos de notificação da liquidação de IRC de 2004 tiver sido devolvida com a menção nela aposta de “entregue por engano”, “aberta por lapso” e “depois de devidamente entregue voltou ao circuito dos correios…” não pode presumir-se efetuada validamente a respetiva notificação, para efeitos de operar a presunção do n.º 6 do artigo 45º da LGT.
-/-

V – Com os fundamentos supra expostos:
a) concede-se provimento ao presente recurso, na parte recorrida e
b) julga-se totalmente procedente a impugnação.

Custas pela Recorrida (por vencida), não sendo devida aqui a respetiva taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Registe e Notifique.


Porto, 31 de março de 2022

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Tiago A. Lopes de Miranda
Cristina da Nova