Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00136/23.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/21/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:ATO DE EXCLUSÃO DE PROPOSTA; DECLARAÇÃO DO ANEXO I) AO CCP;
ESCLARECIMENTO E SUPRIMENTO DE PROPOSTA;
LEI INTERPRETATIVA; LEI INOVADORA;
Sumário:
I – Nos termos do artigo 57.º, n.º1, alínea a), do CCP, a proposta é constituída, de entre outros, pela declaração do anexo I) do CCP, da qual faz parte integrante.

II – Apresentando distintivo que um dos candidatos não logrou apresentar tal declaração, deve concluir-se no sentido da existência de um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos do artigo 146º, nº.2, alínea d), do CCP, na redação anterior ao Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07.11.

III- Não pode ser objeto de “prestação de esclarecimentos” aquilo que não existe no procedimento concursal, sendo de qualificar como formalidade essencial” a exigência legal à qual o legislador comina com a sua inobservância com a exclusão da proposta.

IV- O que nos transporta para evidência da inaplicabilidade ao caso versado do disposto no artigo 72º, n.ºs 2 e 3 do C.C.P, na redação anterior ao Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07.11.

V- A redação dada ao CCP pelo Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07.11., não conforma qualquer lei interpretativa do C.C.P. em matéria de prestação de esclarecimentos e suprimento de irregularidades prevista no seu artigo 72º, mas antes configura uma lei disruptora da previsão legal até então estabelecida.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
* *

I – RELATÓRIO

1. [SCom01...] E.I.M., S.A., Ré nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom02...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado nos autos, que julgou a presente ação parcialmente improcedente e, em consequência, anulou “(…) o ato de adjudicação da empreitada “Conceção/Construção da Reabilitação de 10 ETAR’s nos Municípios de ... e ...”, à contrainteressada [SCom03...], Lda., datado de 30.01.2023, absolvendo a Entidade Demandada e a contrainteressada dos demais pedidos deduzidos pela Autora (…)”.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1. Em causa está a correcta aplicação conjugada do disposto nos Artigos 57.º número 1, alínea a) e 146.º número 2 alínea d) do CCP.

2. A Sentença recorrida do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela acolhe uma interpretação, quase pioneira e, como tal, excêntrica no âmbito da nossa Jurisprudência, apontando para uma solução sem qualquer adesão ao CCP e, como tal, susceptível de redundar num elevado clima de incerteza e insegurança jurídica (uma vez que muitos dos intervenientes na Contratação Pública não são Juristas e apenas têm o texto da Lei como a sua bússola comportamental no desempenho de funções de, por exemplo, Júri do Procedimento).

3. A não apresentação da Declaração que consta do Anexo I ao CCP, a que alude o Artigo 57.º, número 1 alínea a) do CCP, assume-se nos termos do CCP como uma formalidade essencial e, como tal não passível de ser suprida.

4. O seu carácter essencial é absolutamente sublimado, com o facto de a apresentação desta Declaração ser taxativamente obrigatória nos termos do CCP, mais concretamente nos termos do mencionado Artigo 57.º do CCP quando refere que “A proposta é constituída pelos seguidos documentos” pelo que, a sua não apresentação por parte da Recorrida, nos termos do disposto no supra mencionado Artigo 57.º número 1, alínea a) ex vi do Artigo 146.º número 2, alínea d), ambos do CCP, assume-se como um inquestionável motivo para exclusão da Proposta em causa.

5. Assim, nesta linha de raciocínio encontrando-se a Declaração em causa nesses documentos essenciais, mais concretamente no primeiro número deste preceito, na sua primeira alínea, entendemos que, de acordo com o CCP à época vigente, não pode a ausência da mesma ser objecto de suprimento por iniciativa do Júri do Procedimento ou, fora do prazo definido para a apresentação de Propostas, por parte de um qualquer Concorrente que a tenha olvidado.

6. A Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela objecto do presente Recurso, no sentido de permitir esse suprimento fora de tempo, para além de se assumir ao completo arrepio do regime estatuído pelo CCP, viola de forma gritante o Princípio da Legalidade bem como, os Princípios da Imparcialidade, da Concorrência e da Igualdade de tratamento entre Concorrentes.

7. Viola o Princípio da Legalidade uma vez que pretende que a Recorrente actue contra a Lei, in casu, contra o regime estatuído pelo CCP.

8. Atinge também de forma clara o Princípio da Imparcialidade uma vez que se subsume num comportamento a favor da Recorrida sem qualquer fundamento legal para o efeito e, como tal, sem a objectividade que se impõe à Administração na sua actuação.

9. A Sentença aqui em crise proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela atinge ainda o Princípio da Concorrência uma vez que, ao pretender ver ser Adjudicado um Contrato a um Concorrente que ostensivamente violou o CCP, trata este Concorrente de forma desigual relativamente a outros interesses no procedimento, introduzindo assim uma inaceitável, ilegal e desproporcional na concorrência que a Contratação Pública pretende (e bem) suscitar.

10. Violando desta forma o Princípio da Concorrência, a Sentença de que se recorre tem também o condão de violar assim também de forma ostensiva o Princípio da Igualdade de Tratamento entre Concorrentes porque, desconsidera profundamente os demais Concorrentes, como a Contra-Interessada [SCom03...], Lda., que cumpriram escrupulosamente com o estatuído pelo CCP.

11. Entendemos que não se poderá assumir a apresentação em conjunto com a Proposta da mencionada da Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I do CCP como uma formalidade não essencial, não sendo aqui aplicável a Doutrina do Aproveitamento do Acto Administrativo uma vez que, em matéria de Contratação Pública (matéria muito sensível tendo sempre presente o Princípio da Concorrência), o recurso à teoria do aproveitamento do acto administrativo e da degradação das formalidades essenciais em não essenciais, para efeitos de salvar uma proposta irregular ou de evitar o efeito excludente dessa irregularidade (quando taxativamente previsto no CCP), terá forçosamente de ser encarado como uma situação de excepção.

12. Perante todo este pano de fundo, resulta para nós como cristalinamente claro que o Júri do Procedimento, porque subordinado em primeira instância ao Princípio da Legalidade, não dispunha de qualquer fundamento legal que lhe possibilitasse, sem ferir os mais elementares direitos dos demais Concorrentes, não excluir uma Proposta que não cumpre com um requisito básico e elementar do CCP: a apresentação em conjunto com a Proposta da Declaração que consta do Anexo I ao CCP, a que alude o seu Artigo 57.º número 1, alínea a).

13. Pelo que, ao contrário do que refere a Sentença recorrida do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, não poderia de forma alguma e, particularmente de forma legalmente admissível, o Júri do Procedimento, em sede de análise a avaliação das Proposta apresentadas, substituir-se nas suas funções à ora Recorrida, enquanto Concorrente, no procedimento concursal em causa neste Recurso.

14. Nesta sequência, resulta claro e uniforme o entendimento Doutrinal no sentido de que, na vigência do CCP aqui em causa, a admissão póstuma da Declaração do Anexo I ao CCP defendida pela Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, porque ilegal, não é juridicamente admissível.

Por outro lado,

15. O disposto no Artigo 9.º número 1 do Código Civil estatui que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não se devendo nunca olvidar que o pensamento legislativo, não pode ser atingido e considerado pelo bom intérprete quando não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal.

16. Estando em causa neste Recurso a correcta interpretação e aplicação conjugada do disposto nos Artigos 57.º número 1, alínea a) e 146.º número 2 alínea d) do CCP, não pode deixar de se referir que quando nos reportamos à Interpretação efectuado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, estamos perante uma interpretação, quase pioneira e, como tal, única na nossa Jurisprudência, que aponta para uma solução tão alargada do sentido destas normas que esvazia praticamente todo o seu sentido útil, sendo certo que tal interpretação não cabe na literalidade do preceito.

17. Interpretação essa que deverá ser devidamente rectificada em função do presente Recurso, sob pena a sua materialização redundar num elevado clima de incerteza e insegurança jurídica (uma vez que muitos dos intervenientes na Contratação Pública não são Juristas e apenas têm o texto da Lei como a sua bússola comportamental no desempenho de funções de, por exemplo, Júri do Procedimento) uma vez que o disposto nos Artigos 57.º número 1, alínea a) e 146.º número 2 alínea d) do CCP contém um comando normativo que não permite ao julgador a ponderação discricionária dos interesses em jogo por forma a suspender a sua aplicabilidade com a fundamentação constante na Sentença objecto deste Recurso.

18. Determina assim a Lei, neste caso o CCP, que o Júri do Procedimento teria sempre de excluir a Proposta apresentada pela Recorrida em resultado de a mesma não ter instruído a sua Proposta com a Declaração que consta do Anexo I ao CCP, nos termos do disposto no Artigo 57.º número 1, alínea a) do CCP.

19. Só esta interpretação tem correspondência com a letra e com o espírito do preceito e se ajusta com o pensamento do legislador e da coerência do sistema jurídico no seu todo na data em que a mesma foi proferida.

Importa ainda levar em linha de conta o facto de,

20. O disposto no Artigo 51.º do CCP é bem claro quando refere que “ As normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes. “

21. Desta forma, não poderemos nunca considerar como suficientes os documentos exigidos por um determinado Programa do Procedimento uma vez que, caso do mesmo não constem elementos essenciais prescritos pelo CCP, os mesmos não serão dispensáveis por um qualquer Júri de um determinado Procedimento.

22. Assim, não se vislumbra fundamento para o supra mencionado considerando da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela de que se recorre uma vez que o mesmo se encontra frontalmente em oposição ao estatuído pelo CCP sobre esta matéria conforme supra já se explicitou.

23. Na verdade, resulta do disposto no mencionado Artigo 51.º do CCP que são inválidas quaisquer prescrições das peças de um determinado Procedimento que contrariem as normas imperativas do CCP sobre a formação e execução dos Contratos.

24. Quando se refere prescrições de peças de um determinado Procedimento, não poderá pois então deixar também de ser ler a actividade do Júri do Procedimento uma vez que, caso o mesmo no seu exercício de funções contrarie as normas imperativas do CCP sobre a formação e execução dos Contratos, não poderia deixar de sofrer a mesma sanção: a invalidade da sua actuação por desconformidade com o CCP.

25. Certo é que, no nosso Ordenamento Jurídico, designadamente no âmbito da formação dos Contratos, predominam as normas de carácter imperativo como aquela sobre a qual nesta temática nos debruçamos, em particular atenta a natureza pública deste tipo de Contratos.

26. Andou por isso bem o Júri do Procedimento, ao contrário do pretende fazer crer a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela de que se recorre, quando na sua actividade de análise e avaliação das Propostas apresentados neste Procedimento Concursal, utilizou não apenas o que consta do Programa do Procedimento e do respectivo Caderno de Encargos como, todo o acervo Jurídico do CCP. Outro comportamento aliás, não lhe seria legalmente admissível.

27. Revela-se assim merecedor de censura e de necessária revogação o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que a nosso ver, de forma equivocada, proferiu Sentença sobre esta matéria ao completo arrepio do todos os normativos legais supra mencionados bem como, da generalidade da Doutrina Portuguesa.

Sem conceder,

28. Entende a ora Recorrente que se encontram verificados os pressupostos processuais previstos na parte final do Artigo 6.º, número 7 do RCP (complexidade da causa e conduta processual) bem como, os fundamentos de que depende a dispensa do pagamento do remanescente da Taxa de Justiça.

29. A este respeito, importa sublinhar que a Taxa de Justiça deve ser determinada de acordo com os Princípios Constitucionais da Proporcionalidade, nomeadamente na vertente da adequação (Cfr. Artigos 2.º e 18.º, número 2 da CRP), com vista à garantia do acesso ao Direito (Cfr. Artigo 20.º da CRP), como corolário do Estado de Direito Democrático (Cfr. Artigo 2.º da CRP), devendo ser adequada à complexidade da actividade judicial efectivamente desenvolvida.

30. Pelo que, constitui entendimento da ora Recorrente que a Taxa de Justiça já paga é manifestamente suficiente, justa, proporcional e adequada, devendo ser pelo Tribunal Central Administrativo Norte dispensada o pagamento do respectivo remanescente.

31. E, mesmo que assim não se entenda, algo que apenas por mera hipótese académica se admite, sempre deverá o valor do remanescente da Taxa de Justiça ser proporcionalmente fixado pelo Tribunal num montante reduzido, por força dos princípios supra mencionados.(…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II– DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença enferma de erro de julgamento de direito, por errada interpretação da normação contida nos artigos 57º, nº. 1, alínea a), 72º, e 146º, nº. 1, alínea d), todos do CCP.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

11. Pela decisão apelada, como sabemos, foi julgada parcialmente procedente a presente ação, em consequência do que anulado “(…) o ato de adjudicação da empreitada “Conceção/Construção da Reabilitação de 10 ETAR’s nos Municípios de ... e ...”, à contrainteressada [SCom03...], Lda., datado de 30.01.2023], tendo as contrapartes sido absolvidas “(…) dos demais pedidos deduzidos pela Autora (…)”.

12. A ponderação de direito convocada para arrimar o juízo de procedência parcial da presente ação foi a seguinte: “(…)

O artigo 40º, nº 1 al. c) do Código dos Contratos Públicos (CCP) define quais são as peças dos procedimentos de formação de contratos no caso de concurso público: o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos.

O programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração (cfr. artigo 41º do CCP).

Por sua vez, o caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar (cfr. artigo 42º, nº 1 do CCP).

No caso específico do concurso público, como é o caso daquele que nos ocupa nestes autos, o artigo 132º, nº 1 do CCP estabelece as indicações obrigatórias do respetivo programa, com destaque para o que aqui interessa, para a sua alínea h): “O programa do concurso público deve indicar os documentos referidos nos nº.s 1 e 2 do artigo 57º e no nº 4 do artigo 60º”.

Por sua vez, o artigo 57º, nos 1 e 2 tem a seguinte redação:

“1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:

a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;

b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;

c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;

d) (Revogada.)

2 - No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por:

a) Uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução;

b) Um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;

c) Um cronograma financeiro, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução, contendo um resumo dos valores globais correspondentes à periodicidade definida para os pagamentos, subdividido pelas componentes da execução de trabalhos a que correspondam diferentes fórmulas de revisão de preços;

d) Um estudo prévio, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 43.º, competindo a elaboração do projeto de execução ao adjudicatário”.

Já o artigo 60º, nº 4 do CCP refere-se à obrigatoriedade de indicação do preço na proposta, nos seguintes termos: “No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, o concorrente deve indicar na proposta os preços parciais dos trabalhos que se propõe executar correspondentes às habilitações contidas nos alvarás ou nos certificados de empreiteiro de obras públicas, ou nas declarações emitidas pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P., nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 81.º”

Note-se que “a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo” (cfr. artigo 56º, nº 1 do CCP).

Por outro lado, para efeitos do CCP, “entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” (cfr. nº 2 do artigo 56º do CCP).

A este propósito, GONÇALO GUERRA TAVARES faz notar que “o Código (…) introduz a noção de «atributo da proposta», definindo-o como qualquer elemento ou característica – qualitativo ou quantitativo, acrescentamos nós – da mesma que diga respeito a um aspeto da execução submetido à concorrência pelo caderno de encargos. Exemplos de atributos das propostas são o preço, o prazo de execução (elementos quantitativos) ou a qualidade técnica da mesma (elemento qualitativo)” – (cfr. autor citado. Comentário ao Código dos Contratos Públicos. Coimbra, Almedina, 2019, pág. 267).

E o mesmo autor chama a atenção para a importância de “não confundir os atributos das propostas com os respetivos aspetos não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, mas em relação aos quais a entidade pretenda que os concorrentes se vinculem” (cfr. artigo 57º, nº 1 alínea c) do CCP) – (cfr. obra citada, pág. 268).

Ora, o artigo 146º, nº 2 do CCP prevê que, no relatório preliminar, o júri deve propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: “(…) d) que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57º (…)”; e “o) cuja análise revele alguma das situações previstas no nº 2 do artigo 70º”.

No mesmo sentido, o artigo 70º, nº 2 al. a) do CCP estipula que “são excluídas as propostas cuja análise revele que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º”.

Não obstante, o artigo 72º, nº 1 do CCP prevê que “o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas”.

Nesses casos, “os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinem a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 70º” (cfr. artigo 72º, nº 2 do CCP).

Assim, “o júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento” (cfr. artigo 72º, nº 3 do CCP).

Em qualquer caso, “elaborado o relatório preliminar, o júri envia-o a todos os concorrentes, fixando-lhes um prazo, não inferior a cinco dias, para que se pronunciem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia” (cfr. artigo 147º do CCP).

E, posto isso, “o júri elabora um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 146.º” (cfr. artigo 148º, nº 1 do CCP).

Finalmente, “cabe ao órgão competente para a decisão de contratar decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação (…)” (cfr. artigo 148º, nº 4 do CCP).

Neste caso, o programa do procedimento era omisso quanto à necessidade de entrega, juntamente com a proposta, da Declaração do Anexo I do CCP, como resulta do artigo 9º daquela peça procedimental, que enuncia os documentos que constituem a proposta.

Por outro lado, como resulta do Modelo de Declaração constante do referido Anexo I do CCP, a mesma destina-se, em primeira linha, a assumir o compromisso de executar o respetivo contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, relativamente ao qual se deve declarar aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas. Além disso, a referida declaração também visa discriminar todos os demais documentos integrantes da proposta, de forma a vincular o declarante aos respetivos termos no que respeita à execução do contrato. E, por último, mediante a mesma declaração, o proponente deve ainda renunciar a foro especial, aceitando submeter-se, no que respeita à execução do contrato, à legislação portuguesa aplicável, mais declarando que não incorre em nenhum dos impedimentos previstos no artigo 55º, nº 1 do CCP.

Donde, como pode ver-se, a Declaração, embora de apresentação obrigatória, não incide sobre nenhum atributo da proposta.

Ora, atento o disposto no artigo 146º, nº 2 d) do CCP, é evidente que a falta ou a incompletude da referida Declaração poderiam, em abstrato, ter como consequência a exclusão da proposta da Autora.

No entanto, só a falta de um atributo essencial da proposta da Autora, no sentido definido pelo artigo 56º, nº 2 do CCP, é que poderia conduzir à sua exclusão.

Na verdade, «no caso de concurso em que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço, apenas o preço constitui atributo da proposta pois é o único “aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” (artigo 56º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos)» (cfr. Ac. TCAN, 19/02/2021, Proc. nº 00731/20.9BELSB, www.dgsi.pt).

E, “ainda que as faltas detetadas – não relativas ao preço - fossem relevantes para o controle da execução do contrato, não seriam omissões insupríveis e relevantes para efeitos de exclusão da proposta” (cfr. acórdão citado).

De resto, o artigo 72º, nº 2 do CCP, na versão em vigor ao tempo da deliberação de abertura do procedimento pré-contratual (anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 78/2022, de 07/11), não se opõe a este entendimento. Com efeito, esse preceito legal admite que possam ser prestados esclarecimentos pelos concorrentes, a pedido do júri, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que constituem as suas propostas, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º.

Ora, o artigo 70º, nº 2, al. a) do CCP prevê apenas que sejam excluídas as propostas cuja análise revele que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 57º. Ou seja, não está incluída na referida hipótese legal a al. a) do nº 1 do artigo 57º do CCP que se refere justamente à Declaração do Anexo I do CCP.

Deste modo, a apresentação posterior da referida declaração não contraria os elementos constantes dos documentos que constituem a proposta da Autora, não altera nem completa os respetivos atributos nem visa suprir a falta dos documentos enunciados nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 57º do CCP.

Outra questão é se a entrega de um documento em falta se integra no conceito de prestação de esclarecimentos, sendo certo que o nº 3 do artigo 72º do CCP, na versão acima aludida, dá a entender o contrário.

De facto, esta norma legal prevê que “o júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento”.

Donde, pode concluir-se que uma coisa é o pedido de esclarecimentos sobre as propostas para efeitos da análise e da avaliação das mesmas e outra é o pedido de suprimento de irregularidades por falta de documentos, sendo certo que estas não podem traduzir-se, para este efeito, na preterição de formalidades essenciais.

A este propósito, note-se que «uma proposta apresentada com preterição de uma formalidade não essencial “trata-se de uma proposta apresentada… sem observar uma ou várias exigências formais, sobre o modo de apresentação ou sobre os documentos que a devem integrar, cuja regularização não atenta contra os princípios gerais da contratação pública, designadamente o princípio da igualdade entre os concorrentes. Além disso, dispõe este nº 3 que o processo de regularização aqui em causa apenas é válido para irregularidades que careçam de suprimento, podendo concluir-se que estão em causa “as formalidades cuja observância não tem de ter lugar no momento em que a lei exige que as mesmas sejam observadas, podendo ainda ser cumpridas em momento posterior, sem que tal ponha em causa os objetivos para que foram estabelecidas”» (cfr. GONÇALO GUERRA TAVARES, obra citada, pp. 320-321).

Deste modo, a questão da falta de cumprimento de determinada formalidade ser cominada legalmente com a exclusão da proposta é um mero indicador de que possa estar em causa uma formalidade essencial, mas não é decisiva, uma vez que tem de ser conjugada com o caráter material ou substancial da irregularidade em causa, isto é, tem que contender com os atributos da proposta.

É nesse sentido que se deve interpretar a afirmação constante do Acórdão do Tribunal de Contas nº 4/2022, citado pela Entidade Demandada, de que “devem também presumir-se como essenciais as formalidades relativamente às quais o legislador comina a sua inobservância com a exclusão da candidatura ou da proposta do concorrente”. Essa presunção pode, obviamente, ser afastada se a irregularidade não for material ou substancial, como se referiu antes.

Aliás, note-se que a questão que nos ocupa está hoje clarificada, uma vez que o artigo 72º, nº 3 do CCP foi entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº 78/2022, de 7 de novembro, passando a prever, nomeadamente, na sua alínea a), que o júri deve solicitar as declarações dos anexos I e V ao mesmo Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública, quando em falta.

Deste modo, à luz da coerência do sistema jurídico (cfr. artigo 9º, nº 1 do Código Civil), é possível retirar desta alteração legal o entendimento de que, já antes da sua entrada em vigor, a apresentação posterior da Declaração do Anexo I não era suscetível de modificar o conteúdo da respetiva proposta e não desrespeitava os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, como agora a referida norma assume explicitamente. E isso é assim, porque não faz sentido sustentar que a mesma Declaração possa ter alterado os seus efeitos sobre o conteúdo da proposta e sobre os princípios acima citados somente por força da referida alteração legal.

Nessa medida, deste ponto de vista, o júri podia e devia ter pedido à Autora a apresentação da Declaração em falta, mesmo em face da redação então em vigor do artigo 72º, nº 3 do CCP, pelo que, face a essa omissão sua, devia ter valorado positivamente a sua entrega com o exercício do direito de audiência prévia por parte da Autora.

Todavia, a questão não é pacífica.

Assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20.10.2023, proferido no Proc. nº 00018/23.5BEMDL e disponível em www.dgsi.pt, propugna no sentido contrário, como se retira do respetivo sumário, que aqui se transcreve:

“I – Nos termos do artigo 57º, nº.1, alínea a), do CCP, a proposta é constituída, de entre outros, pela declaração do anexo I) do CCP, da qual faz parte integrante.

II – Apresentando distintivo que um dos candidatos não logrou apresentar tal declaração, deve concluir-se no sentido da existência de um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos do artigo 146º, nº.2, alínea d), do CCP, na redação anterior ao Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07.11.

III- Não pode ser objeto de “prestação de esclarecimentos” aquilo que não existe no procedimento concursal, sendo de qualificar como formalidade essencial” a exigência legal à qual o legislador comina com a sua inobservância com a exclusão da proposta.

IV- O que nos transporta para evidência da inaplicabilidade ao caso versado do disposto no artigo 72º, n.ºs 2 e 3 do C.C.P, na redação anterior ao Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07.11.

V- A redação dada ao CCP pelo Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07.11., não conforma qualquer lei interpretativa do C.C.P. em matéria de prestação de esclarecimentos e suprimento de irregularidades prevista no seu artigo 72º, mas antes configura uma lei disruptora da previsão legal até então estabelecida”.

No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de Novembro de 2011, proferido no Proc. 2389/10 e disponível em www.contratacaopublica.com.pt, sustenta que “a declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP, enquanto documento que integrante das peças da candidatura/proposta apresentada no procedimento concursal, deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar [art. 57.º, n.ºs 1, al. a) e 4 do CCP], sendo causa de exclusão da proposta a sua ausência [art. 146.º, n.º 2, als. d) e e) do CCP], consubstanciando-se esta, nomeadamente, nas situações não apenas de falta absoluta ou física da mesma declaração do processo concursal mas também das situações de junção da declaração sem assinatura nos termos legalmente exigidos”.

Por outro lado, em sentido diferente, na sentença proferida no Proc. nº 764/19.8BELSB, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.04.2020, que apreciou e decidiu o respetivo recurso de apelação (disponível em www.dgsi.pt), pode ler-se o seguinte:

«O artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, veio, à semelhança do que já fazia, catalogar de forma mais exaustiva e atualizar os impedimentos (ou “motivos de exclusão” utilizando a expressão prevista nas diretivas europeias – cfr. artigo 57.º da diretiva 2014/24/UE), situações essas que, uma vez verificadas, impedem as entidades, quer singulares, quer coletivas, de participarem em procedimentos de adjudicação e/ou de celebrarem o contrato. Essa mesma verificação encontra-se confiada às entidades adjudicantes [e não a qualquer outro ente] a tarefa de identificar os impedimentos à participação dos concorrentes, o que implica a formulação de um juízo quanto a atributos e qualidades pessoais (intersubjetivas) do concorrente que não se prendem com nenhum requisito quanto à habilitação profissional.

Naturalmente que a matéria em causa, conforme resulta em grande medida das demais temáticas da contratação pública, é fortemente influenciada pelas diretivas europeias, embora o regime nacional não seja inteiramente coincidente com aquele, porquanto, desde logo, a diretiva 2014/24/EU, de 26 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos público e que revoga a diretiva 2004/18/CE, distingue entre motivos de exclusão obrigatória [previstos no artigo 57.º, n.º 1] e motivos de exclusão facultativa [previstos genericamente no artigo 57.º, n.º 4], enquanto o legislador nacional eleva todos os impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP como obrigatórios [não tem o órgão adjudicante a possibilidade de não excluir a proposta sempre que se verifique uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º], salvo [e sem prejuízo] se houver relevação do impedimento, nos termos do artigo 55.º-A do CCP.

Posto isto, e regressando aos autos, a questão fundamental é saber se a não apresentação da declaração prevista no anexo 1, relacionada com o referido artigo 55.º do CCP, é ou não causa de exclusão da proposta, e a resposta é manifestamente negativa.

Entenda-se, antes de mais que, nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 70.º, do CCP,

“São excluídas as propostas cuja análise revele […] [q]ue não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º”, não contemplando como causa de exclusão a alínea a), do n.º 1 do artigo 57.º do CCP”.

Por outro lado, é causa de exclusão a verificação de um impedimento, e não a falta de apresentação da declaração da inexistência daqueles impedimentos, sendo certo que, não sendo um documento relacionado com os atributos da proposta ou aspetos relacionados com a execução do contrato, a sua falta constitui um mera irregularidade não essencial, e bem assim passível de sanação, inclusivamente, até à celebração do contrato, designadamente na fase do entrega dos documentos de habilitação, momento aliás, no qual os adjudicatários concretizam a entrega dos comprovativos relacionados com os impedimentos, conforme resulta da alínea b) do n.º1 do artigo 81.º do CCP”.

Trata-se de uma posição jurisprudencial que tendemos a seguir, como flui do acima exposto, pese embora o respeito que nos merecem os acórdãos divergentes acima aludidos.

Aliás, note-se que, ainda que não fosse assim, não se poderia deixar de ter em conta que a Autora apresentou todos os documentos exigidos pelo Programa do Procedimento.

Ora, como entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão de 01.03.2019, proferido no Proc. nº 00829/18.3BEAVR e disponível em www.dgsi.pt, citado pela Autora, “em suma, de acordo com as normas citadas do CCP, lidas em conformidade com os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência que regem a contratação pública, nos termos do artigo 1º/4 do mesmo Código, tem que se concluir pela inadmissibilidade de prossecução de um procedimento concursal com exclusão seletiva de alguns concorrentes, por falta de apresentação de um documento pretensamente exigível por lei, mas não exigido pelo programa do procedimento”.

É certo que o artigo 51º do CCP prescreve que “as normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes”, mas não é isso que está em causa neste caso, uma vez que o programa do procedimento não contraria as normas legais, dado que não dispensa a apresentação da Declaração do Anexo I, sendo apenas omisso em relação à mesma, pelo que também não se opõe à sua apresentação posterior.

Pelo exposto, pode concluir-se que o júri não andou bem quando desvalorizou a apresentação da Declaração do Anexo I do CCP por parte da Autora, aquando do exercício do direito de audiência prévia, uma vez que devia ter pedido a mesma oportunamente, nos termos do artigo 72º, nº 3 do CCP.

Nesse sentido, o ato de adjudicação deve ser anulado, por incorrer em vício procedimental, consubstanciado em défice instrutório e, face à pronúncia da Autora, em vício de violação de lei, por ofensa do princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 72º, nº 3 do CCP e 7º e 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo). E, por tabela, o segundo pedido formulado pela Autora deveria ser também julgado procedente, na medida em que o contrato é um ato consequente do ato de adjudicação, cuja validade depende, em princípio, da manutenção deste último na ordem jurídica (cfr. artigo 283º, nº 2 do CCP).

No entanto, como decorre deste preceito legal, a anulabilidade do contrato não decorre automaticamente da anulação do ato de adjudicação, sendo também necessário ponderar se o vício invalidante deste é causa adequada e suficiente da invalidade do contrato, designadamente por implicar uma modificação subjetiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial.

E, além disso, nos termos do nº 4 do mesmo dispositivo legal, é ainda possível aproveitar o ato de adjudicação, apesar do vício invalidante em que incorre, “quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé”.

Ora, desde logo, no exercício da audiência prévia, a contrainteressada invocou, além da falta de apresentação da Declaração do Anexo I por parte da Autora, que a mesma não tinha apresentado uma lista completa de preços unitários, sem que o júri tenha apreciado essa alegação, na medida em que decidiu excluir a proposta da Autora com base na primeira irregularidade.

Por outro lado, o Tribunal não tem elementos que lhe permitam apreciar desde já essa questão, uma vez que o processo administrativo junto aos autos não inclui as propostas dos concorrentes, sendo certo, aliás, que a mesma excede o objeto da causa, até porque a contrainteressada limitou-se a contestar por impugnação, mas não deduziu pedido reconvencional, a título subsidiário, com esse fundamento.

Nessa medida, o Tribunal não pode antecipar-se ou substituir-se ao júri na apreciação dessa questão para condenar desde já a Entidade Demandada a admitir a proposta da Autora e a ordenar a mesma em primeiro lugar, adjudicando-lhe a referida empreitada.

Assim, anulado o ato de adjudicação, a Entidade Demandada terá de retomar o procedimento concursal para apreciar e decidir a alegação da contrainteressada quanto à outra irregularidade da proposta da Autora.

Deste modo, não é ainda possível concluir se a anulação do ato de adjudicação implica uma modificação subjetiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial, pelo que não pode ser desde já anulado o contrato.

Face ao exposto, a ação procede apenas parcialmente, concretamente quanto ao primeiro pedido deduzido pela Autora, improcedendo quanto aos demais pedidos, sem prejuízo do que vier a ser decidido no procedimento concursal sobre a eventual admissibilidade da proposta da mesma e respetiva ordenação em primeiro lugar (…)”.

13. A decisão que a 1.ª Instância proferiu preconiza, portanto, o entendimento nuclear de que a falta de apresentação da Declaração do Anexo I do CCP não é determinante da exclusão da proposta apresentada, já que só a falta de um atributo essencial da proposta da Autora - no sentido definido pelo artigo 56º, nº 2 do CCP - é que poderia conduzir à sua exclusão, o que não é o caso da Declaração do Anexo I do CCP, sendo que a normação contida no artigo 72º do CCP – em todo o seu alcance – não se opõe a este entendimento, de modo que o “(…) júri podia e devia ter pedido à Autora a apresentação da Declaração em falta, mesmo em face da redação então em vigor do artigo 72º, nº 3 do CCP, pelo que, face a essa omissão sua, devia ter valorado positivamente a sua entrega com o exercício do direito de audiência prévia por parte da Autora (…)”.

14. Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por manter a firme convicção de que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação da normação contida nos artigos 57º, nº. 1, alínea a), 72º, e 146º, nº. 1, alínea d), todos do CCP.

15. Realmente, e no mais fundamental, a Recorrente clama que o único comportamento por parte do Júri do Procedimento que permitia cumprir na íntegra o estatuído na normação supra referenciada ao caso concreto era o do excluir a proposta apresentada pela Recorrida em resultado da mesma não ter instruído a sua Proposta com a Declaração que consta do Anexo I ao CCP, revelando-se, por isso, “(…) merecedor de censura e de necessária revogação o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que a nosso ver, de forma equivocada, proferiu Sentença sobre esta matéria ao completo arrepio de todos os normativos legais supra mencionados bem como, da generalidade da Doutrina Portuguesa (…)”.

16. Antecipe-se, desde já, não acompanhamos o decidido pela 1.ª instância, por falta de certeza das premissas em que se baseia.

17. Na verdade, sobre o assunto agora trazido a litígio, pronunciou-se recentemente a Secção do Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos, deste T.C.A.N. no processo nº. 18/23.5BEMDL, por aresto datado de 20.010.2023.

18. Uma das questões tratadas neste processo nº. 18/23.5BEMDL foi, precisamente, a de saber se a falta de apresentação da declaração que consta do Anexo I ao CCP a que alude o Artigo 57.º, nº. 1, alínea a) do CCP, assume-se ou não como um motivo para exclusão da proposta da Autora, nos termos do artigo 146.º nº. 2, alínea d), e, em caso afirmativo, se a mesma é ou não passível de suprimento com recurso ao disposto no nº. 2 do artigo 72º, nº. 3 do CCP, na redação anterior ao D.L. n.º 78/2022, de 07/11, tendo este T.C.A.N. firmado juízo decisório no sentido da determinabilidade de exclusão da proposta e da impossibilidade de salvação procedimental de tal patologia.

19. Por concordarmos o arrazoado jurídico que sustenta o sentido da decisão, limitar-nos-emos a reproduzir grande parte desse texto, procedendo às devidas e necessárias adaptações ao caso dos autos.

20. Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação expendida no mencionado aresto:

(…) os presentes autos respeitam a ação administrativa de contencioso pré-contratual envolvendo um procedimento concursal lançado pela [SCom01...], E.I.M, S.A., em 17.10.2022.

Quer isto tanto significar que o regime processual aplicável é o constante do Código dos Contratos Públicos, na redação dada pela Lei nº 30/2021, de 21 de maio, com a Retificação nº 25/2021, de 21 de julho 18ª versão], portanto, antes das alterações introduzidas pelo DL n.º 78/2022, de 07/11 [19º versão], e o que lhe sucedeu [D.L. nº. 54/2023, de 14.07].

É o seguinte o teor dos artigos 56º, 57º e 146º do CPC, na redação aplicável aos autos: “(…)

Artigo 56.º

Noção de proposta

1 - A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.

2 - Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos.

Artigo 57.º

Documentos da proposta

1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:

a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;

b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;

c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;

d) (Revogada.)

2 - No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por:

a) Uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução;

b) Um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;

c) Um cronograma financeiro, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução, contendo um resumo dos valores globais correspondentes à periodicidade definida para os pagamentos, subdividido pelas componentes da execução de trabalhos a que correspondam diferentes fórmulas de revisão de preços;

d) Um estudo prévio, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 43.º, competindo a elaboração do projeto de execução ao adjudicatário.

3 - Integram também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis para os efeitos do disposto na parte final da alínea b) do n.º 1.

4 - Os documentos referidos nos nº. s 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.

5 - Quando a proposta seja apresentada por um agrupamento concorrente, os documentos referidos no n.º 1 devem ser assinados pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos à proposta os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, devem ser assinados por todos os seus membros ou respetivos representantes.

6 - Nos procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, é apresentado, em substituição da declaração do anexo i do presente Código, o Documento Europeu Único de Contratação Pública.

(…)

(…)

Artigo 146.º

Relatório preliminar

1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.

2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:

a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;

b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;

c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º;

d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º;

e) Que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º;

f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido;

g) Que sejam apresentadas como variantes quando não seja apresentada a proposta base;

h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respetiva proposta base;

i) Que violem o disposto no n.º 7 do artigo 59.º;

j) (Revogada.)

l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;

m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;

n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;

o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º (…)”.

Conforme emerge grandemente do que sem de transcrever, após a análise das propostas apresentadas, o júri concursal, no relatório preliminar, deve propor a exclusão das propostas, designadamente e para o que ora nos interessa, que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º [cfr. artigo 146, nº. 2, alínea d)].

Pois bem, um desses documentos exigidos pelo nº. 1 do artigo 57º do C.C.P. é precisamente, a declaração do Anexo I) ao CCP, conforme se alcança manifestamente da sua alínea a).

Apresentando-se distinto que a Autora, aqui Recorrente, não logrou apresentar tal declaração conjuntamente com a sua proposta, deve concluir-se no sentido da existência de um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos do disposto no artigo 146º, nº.2, alínea d) do CCP.

A questão que se equaciona no imediato é a de saber se tal patologia procedimental é [ou não] suscetível de regularização procedimental, dessa forma evitando-se a exclusão da proposta da Autora.

Adiante-se, desde já, que a resposta é negativa.

Na verdade, a declaração do Anexo I) ao CCP não integra qualquer documento habilitante dos concorrentes, antes assumindo-se como uma verdadeira parte integrante da proposta.

É o que nos dá conta o artigo 57º, nº. 1, alínea a), e os n.ºs 1 e 2 do artigo 81º, ambos do CCP, e ainda o ponto 23 do Programa de Concurso.

Como tal, isto é, não sendo um documento habilitante dos concorrente, não resulta abrangido pela previsão procedimental prevista no nº.3 do artigo 86º do CCP, que impõe ao júri concursal o dever de notificação do “(…) adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia (…)”.

O que serve para atingir a inviabilidade de sanação da irregularidade patenteada nos autos ao abrigo do regime previsto para os casos de não apresentação dos documentos de habilitação na fase, prazo e forma legalmente previstas.

Idêntica asserção é atingível, desta feita, com base no regime previsto no artigo 72º do CCP, na redação aplicável, para a “prestação de esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas”.

De facto, estabelecia o artigo 72º, n.ºs 1 a 3, do CCP o seguinte: “(…)

1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.

2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º

3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento (…)” [destaque e sublinhado nosso].

No caso em análise, já vimos que se impunha a apresentação da declaração anexo I) ao CCP conjuntamente com a proposta da Autora, o não logrou ocorrer.

Como se colhe inequivocamente do disposto no artigo 72º, nº.1 do CCP, a faculdade de “prestação de esclarecimentos” mostra-se reservada para os elementos constantes das propostas apresentadas.

O que significa que não pode ser objeto de “prestação de esclarecimentos” aquilo que não existe no procedimento concursal.

Logo, a irregularidade patenteada nos autos não podia ser objeto da prestação de esclarecimentos, porque nada havia a esclarecer.

E também não podia ser objeto de suprimento.

De facto, o nº. 3 do artigo 72º do CCP, na redação aplicável, apenas permitia o suprimento das “(…) das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento (…)”.

Contudo, esse não é o caso dos autos.

De facto, por “formalidades não essenciais”, e na senda da jurisprudência tirada pelo Tribunal de Contas no processo nº. 04/2022 - que aqui se acolhe inteiramente -, deve entender-se aquelas que não colidam com os princípios gerais que regem os procedimentos concursais, mormente da transparência e da concorrência.

Já as “formalidades essenciais” serão aquelas que colidam com tais princípios, apontando-se neste patamar, desde logo, as exigidas pelo bloco legal aplicável relativamente às quais o legislador comina a sua inobservância com a exclusão da candidatura ou da proposta do concorrente.

Desta feita, sopesando (i) a natureza da declaração da declaração do Anexo I) ao CCP já afirmada no sobredito no parágrafo 30º e (ii) a cominação estatuída no artigo 146º, nº. 2, alínea d) do CCP, impera concluir pela qualificação da exigência de apresentação da referida declaração como [sendo] uma “formalidade essencial”.

O que nos transporta para a evidência da inaplicabilidade do artigo 72º, nº. 3 do C.C.P ao caso versado.

E nada disto bule com a posição acolhida no aresto do S.T.A. de 11.09.2019, tirado no processo nº. 0829/18.3BEAVR, e melhor evidenciada na sentença recorrida, já que, na redação aplicável aos autos, a falta de apresentação do “DEUCP” - contrariamente ao que sucede com a declaração do Anexo I ao CCP - não é objeto de expressa cominação de exclusão da proposta, podendo, portanto, degradar-se em “formalidade não essencial”, e, qua tal, suscetível de suprimento no decurso do pleito procedimental.

Neste domínio, saliente-se ainda que não se ignora que a redação posterior introduzida pelo Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07/11 [19º versão do CCP], veio expressamente prever a possibilidade de suprimento da “(…) não apresentação ou a incorreta apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da candidatura ou da proposta, incluindo as declarações dos anexos i e v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública (…)”.

Esta redação, porém, não conforma qualquer lei interpretativa do C.C.P. em matéria de prestação de esclarecimentos e suprimento de irregularidades prevista no seu artigo 72º, mas antes configura uma lei disruptora da previsão legal até então estabelecida.

Realmente, a lei nova não veio acolher uma interpretação já consentida pela lei anterior, antes visando acolher uma alteração do entendimento legal até então vigente quanto à possibilidade de sanação da falta de declaração do Anexo I) do CCP.

Neste enquadramento, sustentar-se - como se fez na sentença recorrida -, a possibilidade de sanação de tal patologia procedimental com recurso ao artigo 72º do CCP na redação anterior Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07/11, integra uma interpretação não consentida pelo Legislador, não sendo, por isso, de aceitar.

Tanto mais que a sentença recorrida começa por afirmar a “natureza inovadora” do Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07/11, o que se revela manifestamente paradoxal no tocante ao juízo decisório de possibilidade de suprimento ao abrigo da lei anterior.

De facto, qual a coerência e racionalidade em afirmar – como se fez na decisão recorrida - que a lei nova veio alterar o panorama legal com a introdução de um mecanismo de suprimento da falta de apresentação da declaração do Anexo I) do CCP para depois concluir-se que afinal já era possível proceder-se ao suprimento de tal patologia ao abrigo da lei antiga?

Nenhuma, como está bom de ver (…)”

21. Examinando o aresto parcialmente transcrito, verifica-se, sem qualquer margem para dúvida, que a mesmo versa sobre a problemática trazida a juízo.

22. Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida no referido processo, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos, ou seja, o Código dos Contratos Públicos, na redação dada pela Lei nº 30/2021, de 21 de maio, com a Retificação nº 25/2021, de 21 de julho [18ª versão], portanto, antes das alterações introduzidas pelo DL n.º 78/2022, de 07/11 [19º versão].

23. Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, não vemos razões sustentáveis para deixar de integrar tal labor jurisprudencial, tanto mais que o presente Tribunal Coletivo recolhe a intervenção do Juiz Relator que julgou em tal sentido.

24. Conclui-se, portanto, que a falta de apresentação da declaração que consta do Anexo I ao CCP consubstancia motivo de exclusão da proposta, não sendo tal patologia suscetível de “salvação procedimental” ao abrigo do disposto no artigo 72º do CCP, desde logo, por não ser a mesma passível de prestação de quaisquer esclarecimentos, nem sequer de eventual suprimento, por integrar uma formalidade essencial.

25. E nada disto bule com a posição acolhida no aresto do S.T.A. de 11.09.2019, tirado no processo nº. 0829/18.3BEAVR, nem com a alteração ao artigo 72º do CCP introduzida pela Decreto-Lei nº. 78/2022, de 07/11, por não conformar a mesma qualquer lei interpretativa do C.C.P. em matéria de prestação de esclarecimentos e suprimento de irregularidades prevista no seu artigo 72º, mas antes configurar uma lei disruptora da previsão legal até então estabelecida.

26. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado no despacho saneador-sentença recorrido, é mandatório concluir que este é merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige, não podendo, portanto, manter-se em juízo, com a consequente improcedência da presente ação.

27. E este julgamento tem repercussões na requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

28. De facto, nas situações em que o valor da causa ultrapasse o limiar de 275.000,00 €, a parte que não tenha sido condenada a final está agora desonerada de proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, que seria devido nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

29. No contexto que se vem assinalar no sobredito parágrafo 26), é de manifesta evidência que a resolução pretendida [determinação da possibilidade de despensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por parte da Ré/Recorrente] configura um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer utilidade processual, com que fica prejudicada a apreciação da mesma.

30. Concludentemente, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogado a decisão judicial recorrida e julgada totalmente improcedente a presente ação.

31. Assim que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional sub juditio, revogar o despacho saneador-sentença recorrido e julgar totalmente improcedente a presente ação.

Custas da ação e do recurso pela Autora/Recorrida.

Registe e Notifique-se.

Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio