Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00562/18.5BECBR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/30/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:MILITAR; COMISSÃO DE SERVIÇO.
Sumário:
I) – O EMFA, depois de aí particularmente regular hipóteses de comissão de serviço,
faz ressalva no seu art.º 148º que “O disposto nos artigos 144.º a 147.º
não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria.”.
Recorrente:Força Aérea Portuguesa
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de sentenças de anulação de actos administrativos - arts. 173.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimeno ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
Força Aérea Portuguesa interpõe recurso da sentença do TAF de Coimbra, que julgou procedente acção administrativa intentada por AA (Rua ..., ..., ... Coimbra)
A recorrente conclui:

A) O presente recurso jurisdicional vem interposto do Saneador-Sentença de 06.10.2020 – que decidiu anular o ato do BB de 14/09/2018 e condenar a Força Aérea à prática dos atos necessários à apresentação do então TEN Graduado/CC 137708-G AA no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária – com fundamento em errónea interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, do n.º 1 do artigo 146.º e do artigo 148.º do EMFAR e do n.º 2 do artigo 126.º da ... (Decreto-Lei n.º 275-A/2000).

B) A Força Aérea dá por reproduzida a matéria de facto constante da Decisão recorrida.

C) Em face do sentido real e efetivo do ofício referência n.º 0...25, de 14.09.2018, do Chefe do Gabinete interino do BB, que decorre do contexto formal e material que o enforma, tal comunicação não tem qualquer caráter decisório e, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, não constitui um ato impugnável – neste sentido vejam-se os Acórdãos do TCAN de 04.11.2016 e do TCAS de 30.04.2020.

D) Na verdade, o ofício referência n.º 0...25, de 14.09.2018, do Chefe do Gabinete interino do BB, consubstancia uma pronúncia administrativa que integra uma declaração de ciência sobre a situação do militar na Força Aérea e um juízo de valor sobre as competências da ....

E) Caso não se entenda que o ato anulado é um ato inimpugnável, sempre se dirá que a Sentença recorrida padece de errónea interpretação e aplicação dos artigos 146.º, n.º 1 e 148.º do EMFAR e do artigo 126.º, n.º 2 da ....

F) Decorre expressamente do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da LTFP que o regime jurídico-funcional dos militares das Forças Armadas consta de lei especial e não lhes são aplicáveis, para o que aqui interessa, o artigo 9.º (Comissão de serviço), nem os artigos 92.º a 100.º (Mobilidade), nem ainda os artigos 241.º a 244.º (Cedência de interesse público), todos da mesma LTFP.

G) Da mesma forma e também por efeito do expressamente disposto no mesmo n.º 2 do artigo 2.º da LTFP, o regime jurídico-funcional da Polícia Judiciária consta de lei especial, que, à data dos factos, eram a Lei n.º 37/2008 e o Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (...), com as alterações subsequentes.

H) Do que se trata, pois, é da aplicação de dois estatutos jurídicos especiais, que abrangem diferentes categorias de pessoas, são de diferente natureza, cujo regime é determinado em conformidade com as finalidades institucionais respetivas – no concreto caso em apreço são, por um lado, a defesa nacional e, por outro, a prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias – e apenas valem na medida do que seja necessário para assegurar a realização de tais finalidades.

I) O estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas é definido pela Constituição, pela Lei da Defesa Nacional, pela Lei do Serviço Militar, pelas Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, pela Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, pelo Estatuto dos Militares das Forças Armadas e pelo Regulamento da Disciplina Militar, uma vez que a «condição militar está associada a um referencial de valores e tem a ver com o exercício de direitos fundamentais, com deveres especiais dos militares na efetividade de serviço, com direitos especiais e, ainda, com o desenvolvimento das carreiras militares.» (DD, A condição militar e a sua tutela jurídica, Direito Militar – função militar e justiça militar, Academia Militar, Almedina 2019, pág. 53 e seg).

J) Tendo presente o estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas, tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional que, sem embargo de a Administração Pública abranger a administração militar e de o pessoal militar que nesta se integra não deixar de pertencer à Administração Pública, o legislador moldou para os militares um quadro normativo de algum modo fechado, ajustado à especificidade da condição militar, porque a instituição militar é uma «instituição onde a hierarquia e a disciplina assumem, em nome do superior interesse da eficácia e da eficiência da defesa nacional e das Forças Armadas, uma importância sem paralelo na generalidade dos domínios da Administração Pública» (vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 555/99, 662/99, 229/2012 e 404/2012).

K) Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR «os pedidos de militares para desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas são decididos pelo membro do Governo responsável pela área da defesa nacional, sob proposta do CEM do respetivo ramo.»

L) O n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR é, inequivocamente, uma norma especial, própria dos militares das Forças Armadas que, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 90/2015 – que aprovou o EMFAR – visa dar «primazia ao desempenho de cargos e exercício de funções na estrutura das Forças Armadas, incluindo restrições nas situações em que a colocação do militar noutro organismo causa perturbação na gestão das carreiras» (antepenúltimo parágrafo do preâmbulo).

M) Diversamente, o n.º 2 do artigo 126.º da ... operou a reprodução material da regra geral do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, tendo mesmo a Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária – pelo procedimento que adotou – considerado aplicável o n.º 4 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, que estatuía que a comissão de serviço extraordinária para a realização do estágio não carecia de autorização do serviço de origem do nomeado!

N) Relativamente à regra geral materialmente reproduzida no n.º 2 do artigo 126.º da ..., o n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR – aprovado, aliás, por decreto-lei posterior à ... – constitui inequivocamente uma norma especial.

O) A distinção substantiva que se encontra no n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR, e que exige a autorização do Ministro da Defesa Nacional para o exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas, é um corolário do estatuto especial dos militares das Forças Armadas que encontra o seu fundamento no princípio da unidade das Forças Armadas refletido no n.º 2 do artigo 275.º da CRP, nas vertentes da coesão, eficácia e disciplina.

P) É o princípio da unidade das Forças Armadas, que decorre do n.º 2 do artigo 275.º da CRP, que fundamenta a unicidade do estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas – no qual se inclui o EMFAR –, na dupla vertente de complexo de normas que são apenas aplicáveis aos militares das Forças Armadas e de serem apenas estas as normas que determinam e conformam o respetivo regime jurídico-funcional (vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 229/2012 e 404/2012).

Q) E, por consequência, o exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas está em primeira linha ordenado ao cumprimento do EMFAR, sobrepondo-se a especialidade do n.º 1 do seu artigo 146.º à regra geral materialmente reproduzida no n.º 2 do artigo 126.º da ....

R) Contrariamente ao entendido pela Decisão em crise, o artigo 148.º do EMFAR não permite a aplicação do n.º 2 do artigo 126.º da ..., desde logo porque esta não é legislação especial ou própria, mas reprodução material da norma geral em vigor à data na Administração Pública para todas as situações similares, ou seja, neste contexto e de acordo com o seu âmbito, o n.º 2 do artigo 126.º da ... é uma norma geral.

S) Acresce que o artigo 148.º do EMFAR não é uma norma de conflitos e o seu objetivo é esclarecer que a situação jurídico-estatutária do militar no ativo, enquanto tal e no ramo, é única e exclusivamente uma das previstas nos artigos 144.º a 147.º do EMFAR e que à situação de destino em que o militar se vier a encontrar é aplicável a norma civil que ao caso couber.

T) E também não está em causa o princípio da liberdade de escolha e de acesso à profissão!

U) Na verdade, o recrutamento militar para os ... é um recrutamento especial – artigo 131.º do EMFAR –, que obedece ao critério das necessidades estruturais e organizacionais de cada ramo para assegurar as missões que lhe estão atribuídas e da programação e desenvolvimento das carreiras nas categorias de oficiais, sargentos e praças (artigo 44.º do EMFAR), razão pela qual não está sujeito às restrições de admissão em vigor na Administração Pública.

V) Neste enquadramento, o interesse coletivo – visivelmente identificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 90/2015, que aprovou o EMFAR, e a que também não pode ser alheia a conjuntura financeira do Estado – impõe não só um rigoroso planeamento dos recursos humanos em função das missões cometidas a cada ramo e que, no caso da Força Aérea, têm vindo a ser sucessivamente alargadas, como impede que os ... dos ramos das Forças Armadas possam ser utilizados como veículo alternativo de ingresso e mobilidade na Administração Pública.

W) Por tudo o que fica exposto, não restam dúvidas que a frequência pelo Autor ora Recorrido do 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária dependia de autorização do Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do BB, autorização essa que não existiu, como resulta dos factos dados como provados sob os n.ºs 5), 6), 8), 10) e 11) da Sentença recorrida.

X) Razão pela qual, o entendimento que o Recorrido pode ser nomeado em comissão de serviço para frequentar o 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária, sem necessitar de qualquer autorização, é manifestamente ilegal por violação, designadamente do n.º 1 artigo 146.º do EMFAR e padece, ainda, de inconstitucionalidade por violação do artigo 275.º da CRP.
O recorrido contra-alegou, concluindo:

(1ª) Mediante o Ofício de 07.09.2018, a Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária requereu ao ..., tendo em consideração que o A. iria frequentar, em regime de comissão de serviço, o 41º Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária, com início em 17.09.2018, que remetesse à referida Unidade «declaração emitida pelo respetivo serviço, comprovativa do vínculo, guia de vencimentos, declaração de assiduidade onde constem os dias de férias a que tem direito no corrente ano e os que já foram gozados, declaração onde conste a antiguidade na categoria, carreira e função pública, bem como o respetivo absentismo», tudo conforme o facto 15, dado como provado pela douta Sentença recorrida;

(2ª) Atentos os argumentos da R., desde logo, de que «[à] Força Aérea não foi perguntado nada, nem pedido nada», julga-se que, salvo o devido respeito, é a própria R. que procede, nas respetivas alegações de recurso, a uma dispensável descontextualização da matéria de facto provada nos autos;

(3ª) Através do referido Ofício, os serviços da Polícia Judiciária solicitaram expressamente aos serviços da R. que fossem emitidos e remetidos os necessários elementos para possibilitar a participação do A. no referido curso, requerimento esse que, não obstante não tenha sido efetuado pelo A., foi dirigido à R. em seu claro benefício;

(4ª) Encontra-se provado nos autos que a eventual resposta ao Ofício da Polícia Judiciária, sempre consubstanciaria uma decisão em sentido material, atento o princípio ínsito no artigo 13º, nº 1, do CPA, independentemente do respetivo sentido, pelo que sempre a mesma teria eficácia externa, já que afetaria a esfera jurídica do A., positiva ou negativamente, consoante fosse deferida ou indeferida a remessa dos referidos elementos;

(5ª) Efetivamente, a decisão vertida no Ofício da R., de 14.09.2018, veio pronunciar-se no sentido de que «não poderá ser mandado apresentar ao Curso de Formação», ou seja, indeferiu o requerido pela Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária, em claro prejuízo do A., que viu gorada a viabilização da respetiva participação no referido Curso;

(6ª) Não se concebe de que forma se pode entender que o ato impugnado consubstancie uma mera declaração de ciência, quando expressamente nega ao A. o direito a participar no referido Curso e, de forma implícita, recusa a satisfação da solicitação da Polícia Judiciária;

(7ª) Em momento algum a Força Aérea responde à Polícia Judiciária que a Diretora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas «não possui competência legal – funcional e hierárquica – para o mandar apresentar ao curso de formação», sendo de rejeitar o argumento de que a resposta se limita a comunicar aos serviços da Polícia Judiciária que esta não tem quaisquer competências sobre os militares das Forças Armadas, tendo em consideração o elemento gramatical do referido ato;

(8ª) Atento o disposto nos artigos 148º do CPA e 51º, nº 1, do CPTA, bem como no artigo 268º, nº 4, da CRP no que diz respeito ao princípio da irrelevância da forma dos atos administrativos impugnáveis, estamos notoriamente perante um ato administrativo, perfeitamente impugnável nos prazos legalmente aplicáveis, porquanto o BB de 14.09.2018 afigura-se como uma verdadeira decisão, de indeferimento, relativamente ao requerimento formulado pela Polícia Judiciária, em manifesto prejuízo da esfera jurídica do A., motivo pelo qual bem andou a Sentença recorrida ao decidir pela improcedência da exceção dilatória invocada pela R.;

(9ª) Da posição expressa nas alegações da R., resulta que, não obstante se reconheça a especialidade de todo o regime da ..., à semelhança do que sucede com o regime do EMFAR, o artigo 126º, nº 2, daquele primeiro diploma legal afigura-se surpreendentemente como norma geral, pelo simples motivo de ter sido inspirado numa norma geral anterior, em concreto, no artigo 24º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de julho, diplomas que regiam a constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública;

(10ª) De acordo com o artigo 41º, nº 1, alínea b), subalínea i), da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, «[s]em prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantêm-se as carreiras que ainda não tenham sido objeto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e as de corpos especiais, bem como a integração dos respetivos trabalhadores, sendo que: b) Até ao início de vigência da revisão: i) As carreiras em causa regem-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31 de dezembro de 2008, com as alterações decorrentes dos artigos 156.º a 158.º, 166.º e 167.º da LTFP e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, na redação atual»;

(11ª) Este preceito é, ainda, salvaguardado pelo artigo 41º, nº 5, da mesma Lei que refere que «[o] regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excecionais, em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas»;

(12ª) Significa, por isso, que o regime do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de dezembro, que ainda se encontrava em vigor em 31 de dezembro de 2008, se aplica às carreiras especiais, mormente à carreira especial de Inspetor da Polícia Judiciária;

(13ª) Não colhe, por isso, o argumento de que o A. não poderia ir em comissão de serviço por não lhe ser aplicável a LGTFP;

(14ª) Considera, porém, o A. que estamos perante um estatuto próprio e específico, o EMFAR de 2015, à luz do qual o nº 2 do artigo 126º da ... não pode deixar de ser lido;

(15ª) Tal entendimento não, impede, porém, que não possam os militares abrangidos por este Estatuto serem nomeados em comissão de serviço, ao abrigo de um diferente Estatuto, também especial, ao abrigo do qual concorrem, repudiando-se o entendimento insustentado que a norma do Estatuto da Polícia Judiciária seja uma norma geral e não especial;

(16ª) A ressalva de legislação especial é feita pelo próprio EMFAR, que determina, no seu artigo 148º, que «[o] disposto nos artigos 144º a 147º [que regulam a comissão normal, comissão especial, desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas e cargos e funções no Ministério da Defesa Nacional] não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria»;

(17ª) De qualquer forma, mesmo que assim não se entendesse, hipótese que apenas se coloca para efeitos meramente argumentativos, e sem conceder, sempre teria de considerar-se que, o tratamento da norma prevista no artigo 126º da ... à luz da legislação atualmente em vigor, ou seja, à luz da LGTFP, ainda que tal Lei não seja aplicável aos militares das Forças Armadas, por força do disposto no nº 2 do artigo 2º, tal não prejudica, como refere a mesma disposição na parte final, a aplicação do disposto nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 8º, nem os princípios aplicáveis ao vínculo de emprego público, nomeadamente, a da continuidade do exercício de funções públicas;

(18ª) Assim, sempre ter-se-ia que defender que as normas que regulamentam o vínculo de emprego público se aplicam aos militares das Forças Armadas, da Guarda Nacional Republicana e ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública;

(19ª) Nessa medida, tendo o A. vínculo de emprego público, poderia frequentar o Curso de Formação de Inspetores da Polícia Judiciária, em regime de comissão de serviço, não lhe sendo exigível que requeresse, para tanto, o abate aos quadros das Forças Armadas ou a comissão especial (sujeita a uma avaliação discricionária do BB);

(20ª) E não é defensável que o A. fosse obrigado a requerer uma comissão especial, nos termos do disposto no artigo 146º, nº 1, do EMFAR, porquanto o próprio artigo 148º ressalva que «o disposto nos artigos 144º a 147º não prejudica o estabelecido em legislação própria ou especial», não havendo qualquer fundamento para a afirmação feita pela R. de que uma tal ressalva «tem por destinatário o subgrupo dos militares das Forças Armadas, aos quais possam vir a ser aplicáveis normas civis por efeito de situação em que venham encontrar-se»;

(21ª) Precisamente, as disposições da ... constituem normas especiais, e as mesmas não pressupõem qualquer autorização do “serviço de origem”, afastando, assim, igualmente, a necessidade de requerimento de uma comissão especial, que, provavelmente, face ao que foi oralmente dito ao Recorrido, seria negada;

(22ª) Nesse sentido, bem andou a douta Sentença recorrida quando considerou que «o disposto naquele normativo da Lei Orgânica da Polícia Judiciária se apresenta como “legislação especial ou própria” face à disciplina contida no EMFAR e, em particular, face ao regime constante dos seus art.os 144.º a 147.º, os quais, portanto, seriam de afastar na situação dos autos, dando lugar à aplicação exclusiva do disposto naquele art.º 126.º, n.º 2, da ...»;

(23ª) Por outro lado, tendo em consideração o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no processo cautelar apenso aos presentes autos, «[a] interpretação constitucional mais conforme, em particular para com a ‘Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública’ (art.º 47.º da CRP), contempla que o art.º 148.º do EMFA se não restrinja ‘a um subgrupo da mesma classe de pessoas, isto é, dos militares das Forças Armadas (…) a segmentos definidos como especiais no universo dos militares das Forças Armadas»;

(24ª) Neste contexto, mormente perante a interpretação das normas legais supra referidas em conformidade com o disposto no artigo 47º da CRP, entende o ora A. que, ao contrário do que propugna a R., não ocorre qualquer violação do disposto no artigo 175º da CRP, até porque se o nº 3 do referido artigo prevê que «[a]s Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei», é precisamente o princípio da juridicidade, previsto na parte final do referido preceito, que habilita a articulação da norma especial ínsita no artigo 126º, nº 2, da ... com o disposto no artigo 148º do EMFAR, no sentido de possibilitar ao A. frequentar o referido curso sem necessidade de solicitar ao BB a autorização especial a que se refere o artigo 146º, nº 1, do EMFAR;

(25ª) Assim, bem andou a douta Sentença recorrida, motivo pelo qual o decidido não merece qualquer censura e, consequentemente, deverá improceder o presente recurso, com todas as devidas e legais consequências.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, dando parecer no sentido do “recurso ser julgado improcedente”; ao que foi oferecida resposta.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que o tribunal “a quo teve como sumariamente provados:
1) O Requerente ingressou na Força Aérea Portuguesa (FAP), como recruta, em 13/05/2010 (cfr. doc. de fls. 65 a 70 do suporte físico do processo).
2) Em 14/06/2010 o Requerente celebrou com a FAP um “contrato para exercício de funções militares em regime de contrato”, tendo em vista o exercício das funções correspondentes à especialidade de técnico de informática da categoria de Oficiais da FAP, com uma duração inicial de três anos (cfr.doc. de fls.71 do suporte físico do processo.) 3) De 14/06/2010 a 17/07/2010 o Requerente frequentou a Instrução Básica militar e de 17/07/2010 a 03/12/2010 frequentou a Instrução Complementar (cfr. doc. de fls. 65 a 70 do suporte físico do processo).
4) Através de requerimento de 02/10/2013, o Requerente solicitou a renovação do contrato referido no ponto 2) pelo período de um ano, o que foi autorizado por despacho de 14/11/2013, para o período de 01/01/2014 a 31/12/2014 (cfr. docs. de fls. 72, frente e verso, e 73 do suporte físico do processo).
5) Através de requerimento de 03/03/2014, o Requerente solicitou ao BB (BB) “autorização para concorrer a organismo estranho à Força Aérea, com destino ao ingresso nos quadros permanentes das forças, corpos e serviços de segurança” (cfr. doc. de fls. 74 do suporte físico do processo).
6) Em 11/03/2014 foi proferido o seguinte despacho pelo ..., por delegação do BB: “Autorizado. Caso fique apto e pretenda alistar-se no organismo a que concorre, deverá requerer a rescisão do contrato em vigor, dentro do prazo estabelecido no parágrafo n.º 29 do ..., de 12NOV” (cfr. docs. de fls. 12, no verso, e 74, no verso, do suporte físico do processo).
7) Foi publicado o Aviso n.º 29 ...15 em Diário da República, 2.ª Série, n.º 56, de 20/03/2015, nos termos do qual foi publicitada a abertura de concurso externo de ingresso para admissão de 120 candidatos ao curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária (cfr. doc. de fls. 13 a 15 do suporte físico do processo).
8) Em 30/03/2015 a FAP emitiu declaração para efeitos de apresentação do Requerente no âmbito do concurso referido no ponto anterior, da qual consta, além do mais, que este foi autorizado a concorrer ao curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária, nos termos e nas condições fixados no despacho de 11/03/2014, que aí se transcreveu (cfr. doc. de fls. 15, no verso, do suporte físico do processo).
9) Em 09/10/2015 o Requerente solicitou a renovação do contrato com a FAP até 03/12/2016, o que foi autorizado (cfr. doc. de fls. 75 do suporte físico do processo).
10) Em 01/06/2016 o Requerente solicitou o ingresso no Estágio Técnico-Militar do ensino politécnico, especialidade técnico de informática, com vista ao ingresso nos Quadros Permanentes da FAP na categoria de Oficial, tendo concluído com aproveitamento, em 29/09/2017, o referido Estágio (cfr. docs. de fls. 75, no verso, e 76, do suporte físico do processo).
11) Por despacho de 23/10/2017, o Requerente ingressou nos Quadros Permanentes da FAP, na especialidade técnico de informática, com o posto de ... graduado em ..., com efeitos desde 30/09/2017 (cfr. doc. de fls. 77 do suporte físico do processo).
12) O Requerente está colocado no ... desde 09/10/2017, onde exerce funções militares correspondentes ao seu posto e especialidade (cfr. doc. de fls. 65 a 70 do suporte físico do processo).
13) Pelo Aviso n.º 38...18, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 59, de 23/03/2018, foi divulgada a afixação da lista dos 120 candidatos admitidos ao curso de formação de inspetores estagiários do mapa de pessoal da Polícia Judiciária, da qual faz parte o ora Requerente (cfr. doc. de fls. 16 a 18 do suporte físico do processo).
14) Por e-mail de 09/08/2018, o Requerente foi informado pela Polícia Judiciária de que o 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários teria início no dia 17/09/2018, mais lhe tendo sido pedida “informação sobre a sua situação profissional, nomeadamente se é trabalhador com vínculo à Administração Pública”, e solicitada, nesse caso, “declaração emitida pelo respetivo serviço, comprovativa do vínculo, guia de vencimentos, declaração de assiduidade onde constem os dias de férias a que tem direito no corrente ano, declaração onde conste a antiguidade na categoria, carreira e função pública, bem como o respetivo absentismo” (cfr. doc. de fls. 20 do suporte físico do processo).
15) Por e-mail de 20/08/2018, em resposta à solicitação da Polícia Judiciária referida no ponto anterior, o Requerente comunicou-lhe o seguinte:
“(…) Requeri ao serviço da Força Aérea Portuguesa pelo qual dependo uma declaração de assiduidade onde constem os dias de férias a que tenho direito no corrente ano e uma declaração onde conste a minha antiguidade na categoria, carreira e na função pública, bem como o respetivo absentismo. Assim que as declarações requeridas me forem entregues prontamente as farei chegar à URHRP.
No que se refere à minha ida para o Curso, será em Comissão de Serviço. Gostaria de saber se haverá algum tipo de comunicação formal da PJ para os serviços do qual dependo (Força Aérea Portuguesa) a informar da convocatória para o Curso de Formação de Inspetores Estagiários.
Isto porque a informação que tenho verbal dos meus serviços é que se o pedido de Comissão de Serviço for feito por mim o mais provável é que seja negado e que só possa ir fazendo abate aos quadros. Situação essa que seria incomportável para mim pois teria que pagar uma avultada indemnização” (cfr. doc. de fls. 19, no verso, e 20 do suporte físico do processo).
16) Em 07/09/2018 a FAP recebeu um ofício da Polícia Judiciária, sob o assunto “41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários”, informando-a de que, “de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 126.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09 de novembro, conjugado com o disposto no art.º 9.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, (…) AA (…) irá frequentar, em regime de comissão de serviço, o 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários, que terá início no próximo dia 17 de setembro de 2018 (…)” (cfr. doc. de fls. 77, no verso, do suporte físico do processo).
17) Por e-mail de 12/09/2018, a FAP informou o Requerente de que “o regime de comissão de serviço e a legislação invocada no ofício da PJ, nomeadamente a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não é aplicável aos militares das Forças Armadas”, sendo que “a autorização para concorrer a organismos estranhos à Força Aérea foi-lhe concedida, em 2014, enquanto militar do Regime de Contrato” (cfr. doc. de fls. 23 do suporte físico do processo).
18) Pelo ofício com a referência n.º 0...25 de 14/09/2018, a FAP informou a Polícia Judiciária de que “AA ingressou nos quadros permanentes da Força Aérea em 1 de outubro de 2016, encontrando-se na efetividade de serviço, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 10/2018, de 2 de março, pelo que não poderá ser mandado apresentar ao Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária” (cfr. doc. de fls. 78 do suporte físico do processo).
19) Por e-mails de 18/09/2018 e de 19/09/2018, a Polícia Judiciária informou o Requerente de que, atento o ofício que antecede, “procedeu à notificação para a frequência do Curso de Formação de Inspetores Estagiários, em sua substituição, da candidata seguinte na lista de ordenação da classificação final do concurso”, mais esclarecendo que não é possível o Requerente ficar em reserva de recrutamento (cfr. doc. de fls. 23, no verso, e 24 do suporte físico do processo).
20) Pelo Aviso n.º 13 ...18, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 184, de 24/09/2018, a Polícia Judiciária designou o Requerente para frequentar, em comissão de serviço, o 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários (cfr. doc. de fls. 78, no verso, do suporte físico do processo).
21) Por douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 25/01/2019, no âmbito do processo cautelar apenso n.º 562/18.6BECBR, foi julgado procedente o pedido do A. de admissão provisória ao 41.º curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária (cfr. acórdão de fls. 139 a 155 do suporte físico do processo cautelar apenso n.º 562/18.6BECBR).
22) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 14/12/2018 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
*
A apelação.
O tribunal “a quo” julgou “a presente ação administrativa procedente e, em consequência:
- anula-se o ato do BB de 14/09/2018, que decidiu que o A. não poderia ser mandado apresentar no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária;
- condena-se a R. à prática dos atos necessários, incluindo a emitir guia de marcha, para que o A. possa, em comissão de serviço, apresentar-se no aludido Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária, tudo com as legais consequências.”.
Vejamos, de entre as questões decididas, o que sofre a censura do recurso.
Reflectido sobre a oposta excepção de inimpugnabilidade do acto, escreveu-se:
«(…)
Alega a R. que inexiste qualquer ato proferido pelo BB em 14/09/2018, sendo que o que existe é, apenas e só, um ofício datado de 14/09/2018 e assinado pelo Gabinete, interino, do BB, que contém uma declaração de ciência relativa à situação do A. na FAP e um esclarecimento dedicado à ... no sentido de que, em virtude de ser um militar dos quadros permanentes na efetividade de serviço, o A. não podia ser mandado apresentar no curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária. Entende, por isso, que não foi emitida qualquer decisão materialmente administrativa, para além de que, no caso concreto, o ofício de 14/09/2018 é uma comunicação interorgânica, que não produziu quaisquer efeitos sobre a situação do A., que se manteve inalterada, pelo que estamos em presença de um ato sem conteúdo decisório e sem eficácia externa.
Não lhe assiste, porém, razão.
Como se sabe, a impugnabilidade ou recorribilidade do ato é um pressuposto processual específico das pretensões dedutíveis segundo a forma de ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos.
Segundo o n.º 1 do art.º 51.º do CPTA, “ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos” (sublinhado nosso).
Assim sendo, exige-se não só que o ato impugnado defina situações jurídicas e tenha, em si mesmo, um conteúdo decisório, como também que possua eficácia externa, isto é, que seja capaz de produzir ou constituir efeitos nas relações jurídicas externas, de que é exemplo a sua potencialidade lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos dos respetivos destinatários. Portanto, para ser contenciosamente impugnável, a decisão administrativa em causa não tem de ser lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, bastando-lhe ter eficácia externa atual, ou, pelo menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/02/2010, proc. n.º 01204/09.6BEBRG, publicado em www.dgsi.pt).
Ora, é isto que, precisamente, sucede com o ato impugnado nestes autos.
Extrai-se da factualidade provada que, pelo ofício com a referência n.º 0...25, de 14/09/2018, subscrito pelo Chefe do Gabinete, interino, do BB, a FAP informou a Polícia Judiciária, na pessoa da ... da respetiva Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas, de que “AA ingressou nos quadros permanentes da Força Aérea em 1 de outubro de 2016, encontrando-se na efetividade de serviço, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 10/2018, de 2 de março, pelo que não poderá ser mandado apresentar ao Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária” (cfr. ponto 18 dos factos provados).
De uma banda, ao determinar, no seu último segmento (sendo que essa determinação, note-se, como decorre do próprio teor do ofício, foi efetuada pelo BB, tendo o respetivo Chefe do Gabinete, interino, apenas sido encarregue de veicular tal informação), que o A. não poderá ser mandado apresentar ao curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária – curso ao qual o A. se candidatara e foi admitido –, não temos dúvidas de que estamos perante um ato que define situações jurídicas concretas (a situação do A.) e tem, em si mesmo, um conteúdo decisório, porquanto impõe uma determinada atuação ou, melhor, abstenção de conduta, traduzida na impossibilidade de o A. se apresentar, no imediato, ao aludido curso de formação e iniciar a sua frequência.
De outra banda, pese embora o ofício que veicula o ato impugnado se dirigir à ..., daqui não se retira, salvo o devido respeito, que o ato em crise se inscreve no âmbito das relações interorgânicas, por dizer unicamente respeito às relações entre a FAP e a Polícia Judiciária, sem quaisquer efeitos externos, sendo, por esse motivo, inimpugnável.
Pelo contrário, afigura-se-nos manifesto que o ato impugnado tem efeitos externos, que se projetam diretamente na esfera jurídica do A. e que são suscetíveis de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, uma vez que esse ato o impede, como vimos, de se apresentar, logo em 17/09/2018, ao curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária para assim iniciar a sua frequência, deste modo definindo, também, a sua situação jurídica, naquele momento, perante as duas entidades.
Tanto basta para se concluir que estamos perante um ato administrativo impugnável, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 51.º, n.º 1, do CPTA.
Improcede, assim, a exceção de inimpugnabilidade do ato.
(…)»
Na perspectiva da recorrente o acto impugnado circunscreve-se “uma declaração de ciência sobre a situação do militar na Força Aérea e um juízo de valor sobre as competências da ....”.
Mas não é assim.
Refutando toda a argumentação do recurso quanto ao ponto, e recorrendo à lição da doutrina: se, efectivamente, “do ponto de vista estrutural, é decisivo para que os actos jurídicos concretos da Administração possam ser objecto de reacção contenciosa — e, portanto, de impugnação contenciosa, quando tenham conteúdo positivo — é que eles possuam conteúdo decisório, no sentido, oportunamente explicitado, de que não se esgotem na emissão de uma declaração de ciência, um juízo de valor ou uma opinião, mas exprimam uma resolução que determine o rumo de acontecimentos ou o sentido de condutas a adoptar. E isto, mesmo quando intervenham no plano de relações intra-administrativas e inter-orgânicas” (Mário Aroso de Almeida, “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável”, in “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Marcello Caetano”, Vol. II, p. 285), certo é que, precisamente, e como a decisão recorrida explica, o acto aqui impugnado tem uma projecção que vai para além dessa feição redutora com que a recorrente o encara.
Já sobre o fundo da causa, na parte aqui sob censura, fundamentou-se:
«(…)
Alega o A. que o ato impugnado incorre em vício de violação de lei, por violação do art.º 126.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09/11, que previa a possibilidade de frequência do curso de formação para ingresso na carreira e do estágio, por parte dos candidatos que fossem funcionários ou agentes da administração central, regional e local, em regime de comissão de serviço extraordinária, figura que se encontrava regulada no Decreto Lei n.º 427/89, de 07/12, mas que desapareceu do ordenamento jurídico, apenas existindo a comissão de serviço prevista no art.º 9.º da LGTFP. Entende, por isso, e de acordo com o art.º 41.º, n.º 1, alínea b), subalínea i), e n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20/06, que o regime do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/12, que ainda se encontrava em vigor em 31/12/2008, se aplica às carreiras especiais, mormente à carreira especial de inspetor da Polícia Judiciária, pelo que não colhe o argumento de que não poderia ir em comissão de serviço por não lhe ser aplicável a LGTFP. Mais defende que a norma do art.º 126.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09/11, tem de ser interpretada à luz da legislação atualmente em vigor, isto é, à luz da LGTFP, cujos princípios relativos ao vínculo de emprego público, nomeadamente o princípio da continuidade do exercício de funções públicas, não deixam de ser aplicáveis aos militares das Forças Armadas, por força do disposto na parte final do n.º 2 do art.º 2.º da LGTFP. Refere, por fim, que, de acordo com o art.º 148.º do EMFAR, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária é uma norma especial face ao EMFAR e a mesma não pressupõe qualquer autorização do serviço de origem para que o candidato se apresente no curso de formação, afastando, pois, a necessidade de requerimento, pelo A., de uma comissão especial ou do abate aos quadros das Forças Armadas.
Vejamos.
Extrai-se da factualidade provada que o A. ingressou na Força Aérea Portuguesa (FAP), ora R., como recruta, em 13/05/2010, tendo sido celebrado entre as partes, em 14/06/2010, um “contrato para exercício de funções militares em regime de contrato”, para o exercício das funções correspondentes à especialidade de técnico de informática da categoria de Oficiais da FAP, com uma duração inicial de três anos, contrato que foi sendo renovado até que, por despacho de 23/10/2017, o A. ingressou nos Quadros Permanentes da FAP, na especialidade de técnico de informática, com o posto de ... graduado em ..., com efeitos desde 30/09/2017 (cfr. pontos 1 a 4 e 9 a 11 dos factos provados).
Sucede que o A., na sequência da publicação do Aviso n.º 29 ...15, concorreu ao concurso externo de ingresso para admissão de 120 candidatos ao curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária, tendo sido admitido ao referido curso, conforme lista divulgada pelo Aviso n.º 38...18. Para o efeito, já em 30/03/2015 a FAP emitira uma declaração, não assinada, tendo em vista a apresentação do A. no âmbito daquele concurso, da qual consta, além do mais, que este foi autorizado a concorrer ao curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária, nos termos e nas condições fixados no despacho de 11/03/2014, proferido pelo ..., por delegação do BB, segundo o qual, “caso [o A.] fique apto e pretenda alistar-se no organismo a que concorre, deverá requerer a rescisão do contrato em vigor, dentro do prazo estabelecido no parágrafo n.º 29 do ..., de 12NOV” (cfr. pontos 5 a 8 e 12 dos factos provados).
Ora, tendo sido convocado para se apresentar, em 17/09/2018, para efeitos de iniciar a frequência do aludido curso de formação na Polícia Judiciária, e após troca de diversa correspondência entre o A., a FAP e a Polícia Judiciária, veio a ser emitido o ato impugnado, constante do ofício com a referência n.º 0...25, de 14/09/2018, subscrito pelo Chefe do Gabinete, interino, do BB, nos termos do qual se decidiu que o A. “não poderá ser mandado apresentar ao Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária” (cfr. ponto 18 dos factos provados). Esta decisão, segundo resulta do probatório, apoiou-se no entendimento da R. de que “o regime de comissão de serviço e a legislação invocada no ofício da PJ, nomeadamente a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não é aplicável aos militares das Forças Armadas” (cfr. ponto 16 dos factos provados), razão pela qual, como defende a R. na contestação, para a constituição da situação pretendida pelo A., seria necessário, nos termos do EMFAR, um despacho de autorização do Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do BB, o que supõe a formulação de um pedido pelo A., o que não sucedeu, pois que o mesmo nunca requereu ao BB o que quer que fosse para efeitos de frequência do 41.º curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária. Pelo contrário, o A. entende, como vimos supra, que não há qualquer necessidade de requerimento de uma comissão especial ou do abate aos quadros das Forças Armadas, podendo e devendo a frequência do curso de formação na Polícia Judiciária ser realizada em regime de comissão de serviço, por aplicação do disposto no art.º 126.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09/11, conjugado com o art.º 9.º da LGTFP.
A questão a dirimir nos presentes autos reside, pois, em saber se o A. podia frequentar o aludido curso de formação em regime de comissão de serviço, sem necessidade de iniciar qualquer procedimento autorizativo junto da FAP, nos termos previstos no EMFAR.
E julgamos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
À data dos factos, encontrava-se, ainda, em vigor o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09/11, que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária (diploma que foi recentemente revogado pelo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13/09, que veio definir o Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária e o Regime das Carreiras Especiais de Investigação Criminal e de Apoio à Investigação Criminal), cujo art.º 126.º estabelecia que “o ingresso na carreira de investigação criminal faz-se na categoria de inspetor estagiário” (n.º 1), sendo que “os candidatos que sejam funcionários ou agentes da administração central, regional e local frequentam o curso de formação para ingresso na carreira e o estágio em regime de comissão de serviço extraordinária” (n.º 2).
Não há dúvidas de que o A., por já ter vínculo à Força Aérea, se mostra abrangido pela previsão normativa do n.º 2 do art.º 126.º, acabado de citar. Com efeito, de acordo com o art.º 23.º, n.º 1, da Lei de Defesa Nacional (Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 07/07, alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 5/2014, de 29/08), “as Forças Armadas integram-se na administração direta do Estado através do Ministério da Defesa Nacional”.
Por conseguinte, por ser um candidato que é detentor de vínculo prévio de emprego público com a administração central (in casu, com a FAP), o A. deveria ser admitido a frequentar o curso de formação para inspetores estagiários da Polícia Judiciária em regime de “comissão de serviço extraordinária”.
Não se ignora, é certo, que os militares das Forças Armadas, enquanto carreira especial, também se encontram sujeitos a uma regulamentação própria e específica – constante do Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29/05, que aprovou o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), regime especial e já revisto –, regulamentação essa que contém regras próprias quanto à situação e ao estatuto laboral do militar no ativo (como é o caso do A.).
Segundo o art.º 143.º do EMFAR, “o militar na situação de ativo pode estar, em relação à prestação de serviço, numa das seguintes situações: a) comissão normal; b) comissão especial; c) inatividade temporária; d) licença registada ou ilimitada”. De uma banda, “considera-se em comissão normal o militar na situação de ativo que desempenhe cargos e exerça funções na estrutura da defesa nacional”, como também “o militar na situação de ativo que desempenhe cargos e exerça funções militares fora da estrutura da defesa nacional” (art.º 144.º, n.os 1 e 2, do EMFAR). De outra banda, “considera-se em comissão especial o militar que desempenhe cargos ou exerça funções públicas que, não sendo de natureza militar, assumam interesse público” (art.º 145.º, n.º 1, do EMFAR). Acresce que “os pedidos de militares para desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas são decididos pelo membro do Governo responsável pela área da defesa nacional, sob proposta do CEM do respetivo ramo”, devendo tais pedidos ser “acompanhados dos correspondentes descritivos dos cargos e funções e, quando o cargo ou função seja fora da estrutura orgânica e da tutela da defesa nacional, do compromisso da assunção da correspondente remuneração” (art.º 146.º, n.os 1 e 2, do EMFAR).
No entanto, importa não esquecer, como bem ressalva o A., o estabelecido no art.º 148.º do EMFAR, nos termos do qual “o disposto nos artigos 144.º a 147.º não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria” (sublinhado nosso).
Ora, afigura-se-nos que esta ressalva, com apelo à intermediação de uma relação especial ou própria, pode efetivamente dar lugar à aplicabilidade do art.º 126.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09/11, no que especificamente concerne ao regime que se deve aplicar ao ingresso do A. no curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária e à frequência do mesmo. Isto é, partilhamos do entendimento de que, nesta matéria em concreto, o disposto naquele normativo da Lei Orgânica da Polícia Judiciária se apresenta como “legislação especial ou própria” face à disciplina contida no EMFAR e, em particular, face ao regime constante dos seus art.os 144.º a 147.º, os quais, portanto, seriam de afastar na situação dos autos, dando lugar à aplicação exclusiva do disposto naquele art.º 126.º, n.º 2, da .... Não se poderá dizer, aliás, como faz a R., que são absolutamente irrelevantes, para o caso, as normas aplicáveis à Polícia Judiciária e ao pessoal que nela exerça funções, isto porque não pode deixar de ser tido em consideração que o que importa aqui esclarecer é a situação e o estatuto jus-laboral do A., que, tendo um vínculo de emprego público prévio com a FAP, foi admitido e vai ingressar e frequentar o curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária.
Como se salienta no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que foi proferido no processo cautelar apenso, “o recorrido [a ora R.] entende que ‘a legislação especial ou própria prevista naquele artigo 148.º se reporta a um subgrupo da mesma classe de pessoas, isto é, dos militares das Forças Armadas (…) a segmentos definidos como especiais no universo dos militares das Forças Armadas. Mas não dá qualquer subsídio interpretativo que assim leve a julgar, mormente pela ‘condição militar’. E, pelo contrário, o que temos em princípio é que ‘Os militares gozam de todos os direitos e liberdades reconhecidos aos demais cidadãos, estando o exercício de alguns desses direitos e liberdades sujeito às restrições constitucionalmente previstas, com o âmbito pessoal e material que consta da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas’ (art.º 7.º da Lei n.º 11/89 de 1 de junho, Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar).
Reforçando que ‘Os militares na efetividade de serviço, dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de contrato, gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, com as restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição coletiva e a capacidade eleitoral passiva constantes da presente lei, nos termos da Constituição’ (Lei de Defesa Nacional - Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, e Lei Orgânica n.º 5/2014, de 29/08). A interpretação constitucional mais conforme, em particular para com a ‘Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública’ (art.º 47.º da CRP), contempla que o art.º 148.º do EMFA se não restrinja ‘a um subgrupo da mesma classe de pessoas, isto é, dos militares das Forças Armadas (…) a segmentos definidos como especiais no universo dos militares das Forças Armadas’”.
Temos, portanto, e salvo melhor opinião, que à situação do A. é aplicável o disposto no art.º 126.º, n.º 2, da ..., enquanto “legislação especial ou própria”, não sendo, por isso, aplicável o regime vertido nos art.os 144.º a 147.º do EMFAR. O que significa que, para se poder apresentar e iniciar a frequência do curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária, o A. não tem de pedir qualquer comissão especial, nem tem de iniciar qualquer procedimento ou pedir qualquer autorização ao BB para efeitos de frequência do aludido curso, o que apenas sucederia caso lhe fossem aplicáveis, neste concreto ponto, as referidas disposições do EMFAR (e, em concreto, o disposto no seu art.º 146.º, n.º 1, como defende a R.).
Aqui chegados, vimos, então, que o A. deve ser admitido a frequentar o curso de formação para inspetores estagiários da Polícia Judiciária em regime de “comissão de serviço extraordinária”, por aplicação do art.º 126.º, n.º 2, da ....
Acontece, todavia, que a figura da “comissão de serviço extraordinária” se encontrava apenas prevista no Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/01 (cfr. art.º 24.º, n.º 1, segundo o qual “a comissão de serviço extraordinária consiste na nomeação do funcionário para a prestação, por tempo determinado, do serviço legalmente considerado estágio de ingresso na carreira”), diploma que aprovou o regime da relação jurídica de emprego na Administração Pública mas que veio a ser revogado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27/02 (LVCR), a partir de 01/01/2009, lei que já não previa, contudo, a figura da “comissão de serviço extraordinária”. Este último diploma, por sua vez, foi revogado pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), atualmente em vigor, e que também não prevê tal figura jurídica.
Deste modo, se não é possível defender, como bem refere a R., a aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/01, à situação estatutária do A., por apelo ao disposto no art.º 41.º, n.º 1, alínea b), subalínea i), e n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20/06 – porquanto o atual regime estatutário do A. é um regime especial, já revisto (EMFAR) –, é forçoso proceder a uma interpretação atualista do art.º 126.º, n.º 2, da ..., considerando a legislação atualmente em vigor, isto é, a LGTFP, que prevê, no seu art.º 9.º, a figura da comissão de serviço (“normal”). Com efeito, segundo este preceito legal, “o vínculo de emprego público constitui-se por comissão de serviço nos seguintes casos: a) cargos não inseridos em carreiras, designadamente cargos dirigentes; b) funções exercidas com vista à aquisição de formação específica, habilitação académica ou título profissional por trabalhador com vínculo de emprego público por tempo indeterminado”.
Tal não significa, note-se, que se esteja a aplicar aos militares das Forças Armadas a disciplina constante da LGTFP, porquanto o seu art.º 2.º, n.º 2, é absolutamente claro ao dispor que “a presente lei não é aplicável aos militares das Forças Armadas (…), cujos regimes constam de lei especial, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 8.º e do respeito pelos seguintes princípios aplicáveis ao vínculo de emprego público: a) continuidade do exercício de funções públicas, previsto no artigo 11.º; b) garantias de imparcialidade, previsto nos artigos 19.º a 24.º; c) planeamento e gestão de recursos humanos, previsto nos artigos 28.º a 31.º, salvo no que respeita ao plano anual de recrutamento; d) procedimento concursal, previsto no artigo 33.º; e) organização das carreiras, previsto no n.º 1 do artigo 79.º, nos artigos 80.º, 84.º e 85.º e no n.º 1 do artigo 87.º; f) princípios gerais em matéria de remunerações, previstos nos artigos 145.º a 147.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 149.º, no n.º 1 do artigo 150.º, e nos artigos 154.º, 159.º e 169.º a 175.º” (sublinhado nosso). Por outras palavras, a aplicação à situação do A. da figura da “comissão de serviço”, como tal prevista no art.º 9.º da LGTFP, por determinação expressa do art.º 126.º, n.º 2, da ..., numa sua interpretação atualista, não invalida, em caso algum, o afastamento, como princípio e regra fundamental, da aplicação do regime geral da LGTFP aos militares das Forças Armadas.
Ante o exposto, impõe-se concluir que o art.º 126.º, n.º 2, da ... é “lei especial ou própria” para efeitos do disposto no art.º 148.º do EMFAR, no que concerne às condições de acesso e frequência, por trabalhadores com vínculo prévio de emprego público, do curso de formação de inspetores estagiários da Polícia Judiciária, pelo que, no caso concreto do A., esse acesso e frequência só poderão ser feitos, como este defende, em regime de comissão de serviço (“normal”), considerando que entretanto deixou de existir a figura da “comissão de serviço extraordinária” prevista naquele primeiro preceito. Findo o curso de formação e sendo o A. nele aprovado, estabelecerá o mesmo, naturalmente, e em princípio, vínculo com a Polícia Judiciária, mas esta é uma questão que, para já, não se coloca no âmbito desta ação.
De salientar, aliás, que esta é a solução do atual art.º 45.º, n.º 2, do novo Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária e Regime das Carreiras Especiais de Investigação Criminal e de Apoio à Investigação Criminal (Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13/09), segundo o qual, “no caso de candidato titular de prévia relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, a frequência do curso faz-se em regime de comissão de serviço, nos termos da LTFP, pelo tempo correspondente ao período de duração total estabelecido no respetivo programa” (sublinhado nosso).
Assim, tem razão o A. quando alega que o ato impugnado padece do vício de violação de lei, nomeadamente por violação do art.º 126.º, n.º 2, da ... (não se vislumbrando, porém, na verdade, violação do princípio da continuidade do exercício de funções públicas, porquanto a R., através do ato em crise, não visou propriamente impedir o A. de iniciar funções noutro organismo, ingressando na respetiva carreira, mas determinou que o mesmo não se poderia apresentar, de imediato, ao curso de formação por discordar do regime que seria aplicável ao A. nessas circunstâncias). E, de modo inverso, não tem razão a R. quando alega que a frequência do curso de formação pelo A., em comissão de serviço, viola o n.º 2 do art.º 2.º da LGTFP e os art.os 144.º, n.os 1 e 2, 145.º, n.º 1, 146.º, n.º 1, e 148.º do EMFAR.
Termos em que procede o vício de violação de lei invocado, o que conduz à anulabilidade do ato impugnado (art.º 163.º, n.º 1, do CPA).
(…)».
A recorrente situa em corpo de alegações:
O que está em causa nos presentes autos é, na sua essencialidade, a articulação entre normas constitutivas de dois regimes especiais em matéria de gestão dos respetivos recursos.
Como é referido pela Doutora EE, a ligação ao ordenamento global e a submissão ao princípio da legalidade, que abrange a universalidade da atuação administrativa, não tolhem a autonomia e a diversidade funcional da Administração, podendo justificar-se, em certos domínios, uma realidade regulada com maior ou menor densidade legislativa. (vd. Relação Jurídica de Emprego Público, 1999, pág. 84 e segs.).
Neste sentido, os estatutos jurídicos especiais ou “relações jurídicas especiais” abrangem tipos de relações ou categorias de pessoas, são de diferente natureza e o seu regime é determinado em conformidade com as finalidades institucionais respetivas.
Trata-se, pois, de um conjunto normativo que enforma um estatuto, com base na existência de um valor que justifica uma ordenação especial.
E tal estatuto apenas vale na medida do que seja necessário para assegurar a realização das finalidades e objetivos das instituições respetivas, que no concreto caso em apreço são, por um lado, a defesa nacional e, por outro, a prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias.”.
Com esta ideia base desenvolve a argumentação trazida a recurso, já antes sustentada e não acolhida neste TCAN, que no processo cautelar instrumental à presente acção, “Não negando que ofereça margem de discussão”, reflectiu do seguinte modo (Ac. de 25-01-2021, proc. n.º 562/18.5BECBR; objecto de Revista, não admitida):
«(…)
O actual regime do recorrente é regime especial, já revisto (DL nº 90/2015, de 29/05, e Lei n.º 10/18, de 2/3 – EMFA), pelo que nenhuma dúvida haverá que a sua situação estatutária já não se submete à aplicação do Decreto-Lei nº 427/89, de 7/1, que definia o “regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública”.
Mas, não sendo directamente aplicável, dele o recorrente entende poder recolher reflexo benefício, a respeito da modificação da relação jurídica de emprego.
O recorrente lembra que o Decreto-Lei nº 427/89, de 7/12, ainda “se aplica às carreiras especiais, mormente à carreira especial de Inspetor da Polícia Judiciária”, sendo que o seu estatuto, militar que é, “não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria” (art.º 148º do EMFA), aí vendo que se incluirá a previsão de frequência do “curso de formação para ingresso na carreira e o estágio em regime de comissão de serviço extraordinária” a que reporta o art.º 126º, nº 2, do DL nº 275-A/2000, de 09/11, diploma que rege a lei orgânica da Polícia Judiciária.
Não negando que ofereça margem de discussão, parece ser de acolher a ideia.
Nos próprios termos do aviso de abertura do concurso “Face ao disposto no n.º 1, alínea b), i), do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, as carreiras do pessoal da Polícia Judiciária regem-se, até à sua revisão, que deverá ter lugar nos termos legalmente previstos, pelas disposições normativas que lhe eram aplicáveis em 31 de dezembro de 2008.”.
Segundo o art.º 126º, nº 2, do DL nº 275-A/2000, de 09/11, “Os candidatos que sejam funcionários ou agentes da administração central, regional e local frequentam o curso de formação para ingresso na carreira e o estágio em regime de comissão de serviço extraordinária”.
Não é de duvidar da abrangência subjectiva quando o art.º 23º, nº 1, da Lei de Defesa Nacional (Lei Orgânica 5/2014, de 29/08), dita que “As Forças Armadas integram-se na administração directa do Estado através do Ministério da Defesa Nacional.”.
O EMFA, depois de aí particularmente regular hipóteses de comissão de serviço, faz ressalva no seu art.º 148º que “O disposto nos artigos 144.º a 147.º não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria.”.
Esta ressalva – com apelo à intermediação de uma relação especial ou própria – parece poder dar lugar à aplicabilidade do art.º 126º, nº 2, do DL nº 275-A/2000, de 09/11.
Em contrário ao juízo contrário ao tirado na decisão recorrida, de que “este último diploma não se assume como legislação especial face ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas” (não invalidando o afastamento do regime geral, que a “comissão de serviço para os casos previstos no art.º 9.º da LGTFP não se aplica aos militares das Forças Armadas e, portanto, ao ora Requerente).
O recorrido entende que “a legislação especial ou própria prevista naquele artigo 148.º se reporta a um subgrupo da mesma classe de pessoas, isto é, dos militares das Forças Armadas (…) a segmentos definidos como especiais no universo dos militares das Forças Armadas”.
Mas não dá qualquer subsídio interpretativo que assim leve a julgar, mormente pela “condição militar”.
E, pelo contrário, o que temos em princípio é que “Os militares gozam de todos os direitos e liberdades reconhecidos aos demais cidadãos, estando o exercício de alguns desses direitos e liberdades sujeito às restrições constitucionalmente previstas, com o âmbito pessoal e material que consta da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas” (art.º 7º da Lei n.º 11/89 de 1 de Junho, Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar).
Reforçando que “Os militares na olectivade de serviço, dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de contrato, gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, com as restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva constantes da presente lei, nos termos da Constituição” (Lei de Defesa Nacional – Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho, e Lei Orgânica n.º 5/2014, de 29/08).
A interpretação constitucional mais conforme, em particular para com a “Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública” (art.º 47º da CRP), contempla que o art.º 148º do EMFA se não restrinja “a um subgrupo da mesma classe de pessoas, isto é, dos militares das Forças Armadas (…) a segmentos definidos como especiais no universo dos militares das Forças Armadas.”.
(…)».
Os argumentos agora trazidos a recurso repetem-se e não inflectem.
Pertinentes os art.ºs. 146 e 148 do EMFAR:
Artigo 146.º - Desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas
1 - Os pedidos de militares para desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas são decididos pelo membro do Governo responsável pela área da defesa nacional, sob proposta do CEM do respetivo ramo.
2 - Os pedidos referidos no número anterior são acompanhados dos correspondentes descritivos dos cargos e funções e, quando o cargo ou função seja fora da estrutura orgânica e da tutela da defesa nacional, do compromisso da assunção da correspondente remuneração.
3 - O militar fora da estrutura orgânica das Forças Armadas tem direito a optar pela remuneração que lhe seja mais favorável.
Artigo 148.º - Legislação especial ou própria
O disposto nos artigos 144.º a 147.º não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria
A recorrente, a nosso ver, enfatizando na hermenêutica o que particulariza a sua “posição estatutária” (a expressão é nossa), acaba por contrariar a por si proclamada “ articulação entre normas constitutivas de dois regimes especiais em matéria de gestão dos respetivos recursos”, quando olvida aquilo em que o seu próprio estatuto, como supra se fez notar, cede/concede: «O EMFA, depois de aí particularmente regular hipóteses de comissão de serviço, faz ressalva no seu art.º 148º que “O disposto nos artigos 144.º a 147.º não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria.”.».
Se, na senda dos Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 229/2012 e 404/2012, “a instituição militar é uma «instituição onde a hierarquia e a disciplina assumem, em nome do superior interesse da eficácia e da eficiência da defesa nacional e das Forças Armadas, uma importância sem paralelo na generalidade dos domínios da Administração Pública» e «a eficácia de comando operacional sofreria afetações desvantajosas se, na esfera administrativa, o militar gozasse, sem restrições, de prerrogativas idênticas ao de qualquer trabalhador público», certo é que o seu Estatuto, e ao respeito, “não prejudica o estabelecido em legislação especial ou própria” (com tal feição também por si a escapar a uma indiferenciada coincidência às “prerrogativas idênticas ao de qualquer trabalhador público).
O militar goza de todos os direitos, liberdades e garantias reconhecidos aos demais cidadãos, estando o exercício de alguns desses direitos e liberdades sujeito às restrições constitucionalmente previstas, na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções, e nos termos previstos na LDN” (art.º 16º, n.º 1, do EMFA).
Acolhendo que aplicação ao caso como «interpretação constitucional mais conforme, em particular para com a “Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública” (art.º 47º da CRP), contempla que o art.º 148º do EMFA se não restrinja “a um subgrupo da mesma classe de pessoas, isto é, dos militares das Forças Armadas (…) a segmentos definidos como especiais no universo dos militares das Forças Armadas.”.».
Donde, sem as apontadas violações normativas.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 30 de Setembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa