Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00426/16.8BECBR-S1 |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/04/2025 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | TIAGO MIRANDA |
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Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE: DIREITO POTESTATIVO À SUA PRODUÇÃO; |
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Sumário: | I - A não ser que os factos indicados para serem objecto das declarações de parte sejam irrelevantes para a decisão da causa em qualquer das soluções plausíveis que se debatam, ou que a sua prova já esteja feita ou só possa ser feita, por força da natureza dos factos ou de exigência legal, por documento ou outro meio de prova não verbal, a produção de declarações de parte, posto que tempestiva em face do nº 1 do artigo 466º do CPC, é um direito potestativo da parte.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório “[SCom01...], LDA”, autora já devidamente identificada nos autos, nos quais é Réu o MUNICÍPIO ..., interpôs recurso de apelação autónomo do despacho proferido na audiência final, em 30/03/2023, pelo qual foi indeferida a tomada de declarações de parte ao seu legal representante. Rematou a alegação de recurso com as seguintes conclusões: «C. CONCLUSÕES 1) O requerimento para a tomada de declarações de parte do legal representante da autora foi apresentado antes, muito antes, do início das alegações em 1.° instância, mais concretamente depois de produzida parte da prova testemunhal arrolada pela demandante e antes de iniciada a produção de prova testemunhal arrolada pelo Réu; 2) A autora indicou "ab initio" o objecto das declarações de parte, por remissão para a matéria alegada no requerimento de injunção, concretizando-a, aliás; 3) O requerimento foi apresentado tempestivamente e não se verifica(va) qualquer motivo que pudesse conduzir ao indeferimento das requeridas declarações de parte, sem prejuízo da imposição legal de o tribunal "a quo" ter de proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento, caso entendesse existir alguma insuficiência, o que não se verificou; 4) O próprio tribunal "a quo" reconheceu a tempestividade do requerimento para a tomada de declarações de parte do legal representante da autora, mas acabou por indeferir aquele meio probatório com fundamento não previsto na lei e, por isso, salvo melhor opinião, o despacho é nulo e de nenhum efeito, por contradição entre o(s) fundamento(s) e a decisão. 5) Sem prescindir, o despacho "sub judice" padece de erro de julgamento, uma vez que, como se disse, foi apresentado tempestivamente e o mesmo não pode ser recusado com fundamento em prévio juízo de valoração de declarações de parte [ainda] não concretizadas; 6) Isto sem prejuízo de o requerimento ter sido efectuado logo após o Ilustre Mandatário do Réu ter previsto a possibilidade de poder vir a verificar-se contradições entre declarações de testemunha ouvida («AA») e a ouvir («BB»), ou seja, ao contrário do referido pelo tribunal "a quo", o momento processual era adequado para o tribunal, no futuro e no momento processual próprio [o da decisão sobre a matéria de facto], poder valorar livremente (mas sem arbitrariedade) as declarações de parte do legal representante da autora; 7) Em suma, o despacho "sub judice" violou, além do mais, o disposto no artigo 466.° do CPC, "ex vi" artigo 4.° do CPTA, e, por isso deve ser revogado e substituído por outro que defira o requerido pela autora. Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogada a decisão "sub judice", substituindo-a por outra que defira a tomada de declarações de parte do legal representante da autora à matéria oportunamente indicada, com todas as consequências legais.». Notificado, o Recorrido não respondeu à alegação. Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II - Do objecto do recurso Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações. Assim, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas em apelação consistem no seguinte: 1ª Questão O despacho recorrido é nulo, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por a decisão estar em contradição com a fundamentação, já que se reconheceu que o requerimento e a produção do meio de prova eram tempestivos, mas depois indeferiu-se a sua produção por causa do momento em que fora requerida? 2ª Questão O despacho recorrido viola o artigo 466º do CPC “ex vi” artigo 1º do CPTA, devendo ser revogado e substituído por decisão deferindo o requerido, pois o requerimento foi tempestivo e não podia ser indeferido com fundamento em prévio juízo de valoração de declarações de parte [ainda] não concretizadas? III – Apreciação do recurso Para apreciação desta questão relevam e bastam as ocorrências processuais seguintes: 1 No dia 30/03/2023 realizou-se a segunda sessão da audiência final da acção administrativa nº N.° 426/16.8BECBR. 2 Terminada a inquirição da sexta e última testemunha indicada pela Autora, o Mandatário desta pediu a palavra para apresentar um requerimento e usou dela nos seguintes termos: “… é o momento para requerer a prestação de Declarações de Parte do representante legal da Autora à matéria alegada em sede de requerimento de Injunção, nomeadamente, a matéria dos artigos 1.º a 29.º…” 3 Dada a palavra ao Ilustre Mandatário do Réu para, querendo, exercer o contraditório, por este foi declarado: “… no início da audiência poderia a parte ter requerido as suas declarações, de modo a que não [es]tivesse presente em toda a inquirição das testemunhas e não tendo conhecimento do teor desses depoimentos …” 4 Seguidamente, a Mma. Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO “Nos termos do disposto do art.º 466.º n.º 1 do CPC, as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações de sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo, aplicando-se com as necessárias adaptações o regime do depoimento de parte. Significa isto que o requerimento agora apresentado pelo Autor é tempestivo, porém não se pode olvidar que o seu Represente Legal esteve presente desde início na Audiência de Discussão e Julgamento e teve oportunidade de assistir ao depoimento de todas as testemunhas até agora ouvidas. O que significa ainda que as declarações de parte podem, neste caso, “servir” para complementar tais depoimentos e obviar eventuais “falhas”. Como resulta do n.º 3 do artigo acima referido o Tribunal aprecia livremente tais declarações, as quais para surtirem algum efeito útil e poderem ser valoradas com rigor, devem ser prestadas ou no início da Audiência de Discussão e Julgamento, antes da produção da prova testemunhal, ou então no final, mas sem a presença do Legal Representante no decorrer de toda audiência. Requeridas as declarações de parte, para ser ouvido neste momento, ficam as mesmas desprovidas de qualquer conteúdo que possa ser sujeito a um juízo de valoração pelo Tribunal. Em face do exposto indefiro a produção de prova por declarações de parte do Legal Represente do Autor.” Voltemos às sobreditas questões. 1ª Questão O despacho recorrido é nulo, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por a decisão estar em contradição com a fundamentação, já que se reconheceu que o requerimento e a produção do meio de prova eram tempestivos, mas depois indeferiu-se a sua produção por causa do momento em que fora requerida? A decisão recorrida está integralmente transcrita supra. Não se lhe detecta a menor contradição entre a fundamentação e a decisão. Em suma, considera-se que o requerimento e o seu objecto são legalmente tempestivos mas, uma vez que o representante legal da Autora estivera presente na produção de prova testemunhal por si indicada, o Tribunal, no uso seu poder de livre a apreciação desse meio de prova expressamente conferido no nº 3 do artigo 466º nº 3 do CPC, já não lhe reconhecia a potencialidade de vir a ser útil, pelo que não seria admitido. Na verdade, a Recorrente dá de barato o que de modo nenhum resulta do discurso do despacho, isto é, que para o requerimento ser deferido bastava serem legalmente tempestivos o requerimento e o meio de prova. Como assim, é negativa a resposta à primeira questão. 2ª Questão O despacho recorrido viola o artigo 466º do CPC “ex vi” artigo 1º do CPTA, devendo ser revogado e substituído por decisão deferindo o requerido, pois o requerimento foi tempestivo e não podia ser indeferido com fundamento em prévio juízo de valoração de declarações de parte [ainda] não concretizadas? Já a resposta a esta questão, essa, é positiva. A Mª juiz a qua arrogou-se poder adiantar um juízo sobre a valia concreta de um meio de prova verbal antes de ele ter sido produzido, para o que invocou o nº 3 do artigo 466º do CPC, que dispõe sobre a apreciação desse meio de prova, não sobre a admissão ou não admissão dele. É indiscutível que o juiz aprecia as declarações de parte em sua livre convicção, mas, obviamente tem de as produzir para as apreciar. É verdade que a valia objectiva de umas declarações de parte produzidas no termo da audiência ou da produção, na presença dela, de todos os meios de prova verbal indicados por si é, em abstracto e a priori, diminuta. Sem embargo, a livre convicção do juiz, na circunstância da imediação da apreciação desse meio de prova, pode acabar por valorizá-la em concreto, mais do que a priori se cuidaria poder acontecer. Na verdade, a não ser que os factos indicados para serem objecto das declarações de parte sejam irrelevantes para a decisão da causa em qualquer das soluções plausíveis que se debatam, ou que a sua prova já esteja feita ou careça de ser feita, dada a natureza dos factos ou por via exigência legal, por documento ou outro meio de prova não verbal, a produção de declarações de parte, desde que tempestiva em face do nº 1 do artigo 466º do CPC, é um direito potestativo da mesma parte. Conclusão Do exposto quanto à segunda questão resulta que o recurso merece provimento e que o despacho recorrido tem de ser revogado e substituído por decisão ordenando a produção do meio de prova indeferido, se a tanto nada mais obstar. Custas Vencido, o recorrido arcará com as custas do recurso: artigo 427º do CPC. Dispositivo Assim, acordam em conferência os juízes da subsecção de contratos públicos da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e ordenar que seja produzido o meio de prova indeferido, se a tanto nada mais obstar. Custas pelo Recorrido. Porto, 4/4/2025 Tiago Afonso Lopes de Miranda Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa Luís Cândido de Carvalho Monterroso Migueis de Garcia |