Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00160/14.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/05/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:IRC; NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO;
VALOR PROBATÓRIO DO RIT;
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL; FUNDAMENTO NOVO;
Sumário:
I. Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

II. O facto de a sentença transcrever o relatório na parte respeitante às correções tem o sentido de realçar o que esteve na base da liquidação e, assim, balizar o julgamento da legalidade das correções e consequente liquidação do imposto, podendo, em tese, ser discutível enquanto técnica usada na sentença certo é que não permite tem a virtualidade de invalidar só por si a sentença de molde a considerar incompreensível ou ininteligível, atribuindo-se-lhe o vício da nulidade.

III. Não cumpre o ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto previsto no artigo 640 nº2 .al. a) do CPC o recorrente que, para lá de indicar os concretos pontos daquela decisão que considera incorretamente julgados e apontar que resposta deveria ter sido dada se limita a alegar que a sua discordância decorre, para lá dos documentos que enumera, também dos depoimentos e testemunhos que indica apenas nos seus nomes remetendo para a totalidade dos mesmos sem qualquer indicação das partes ou das expressões que nesses depoimentos considera decisivas para se proceder à alteração da decisão da matéria de facto.

IV. Não se verifica a violação do princípio da descoberta da verdade se a AT recolheu os elementos probatórios necessários ao enquadramento factual da situação jurídica do sujeito passivo, realizando as diligências necessárias;

V. Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.

VI. Ou seja, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], Unipessoal, Lda., (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 01.03.2024, que julgando improcedente a impugnação judicial por si intentada manteve a liquidação adicional de IRC referente ao período de 2007 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €26.031,61, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
a) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 160/14.3BEPNF, U.O. 2, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente o pedido formulado pela Alegante que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2007 no montante global de € 26.031,61.
b) De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a improcedência da impugnação encontra-se ancorada na circunstância de a Impugnante não ter logrado provar: (i) que a efetividade das operações, nomeadamente quais os contratos em que cada emitente de ato isolado interveio, quanto auferiu de comissão nem em que datas ocorreram esses factos; (ii) demonstrar, nesta sede, que os gastos se mostravam comprovadamente indispensáveis à obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora não poderão estes gastos ser fiscalmente considerados (iii) nem abalar a consistência da prova produzida pela AT.
c) A Recorrente não se conforma com o decidido, porquanto o Tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto, assim como aplicou erradamente o direito aos factos dados como provados e considerou erroneamente factos como provados e factos como não provados.
d) Como se demonstrará, uma correcta ponderação da factualidade vertida e provada nos Autos evidencia uma conclusão distinta daquela a que chegou o Tribunal a quo.
e) Assim, e pelas razões que infra se alinharão, deverá a Sentença em crise ser alterada e substituída por outra que determine a procedência da presente impugnação.
ISTO POSTO
f) Os pontos da matéria de facto que, essencialmente estarão em causa no presente capítulo e sobre o qual o sujeito passivo não se pode conformar com a decisão sobre eles proferida, são os factos dados como provados, ou seja: Ponto 8); e todos os factos dados como não provados.
g) Está ainda em causa o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado e reproduzida toda a documentação constante dos anexos do processo administrativo apenso aos Autos e ter simplesmente omitido pronuncia quanto à validação da legalidade dos mesmos em clara violação do ónus probandi e do princípio da legalidade.
ERRO QUANTO AOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO DA FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO
h) Na fundamentação de facto da sentença a lei determina que o juiz declare “tome em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer.
i) A norma do artigo 123º n.º 2 do CPPT manda discriminar a matéria provada da não provada, cominando com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito (artigo 125.º n.º 1 do CPPT).
j) Do exposto resulta que se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que não sucede no caso concreto), deverá cuidadosamente seleccioná-los discriminando-os por alíneas ou números, reflectindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).
k) O que não foi feito no caso em concreto.
l) O que foi feito no caso dos presentes autos e isto porque o Tribunal a quo bastou-se a reproduzir no extenso ponto 8) dado como provado o teor do Relatório Final elaborado pela AT.
m) Face ao exposto resulta evidente que a sentença de que se recorre não cumpre as regras legais que presidem à elaboração da sentença pelo que a mesma padece de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (os artigos 125.º, nº1 do CPPT e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC).
n) Por tudo se conclui que também por esta razão a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (os artigos 125.º, nº1 do CPPT e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC), devendo ser substituída por outra que proceda ao exame de todas as provas produzidas.
ERRO DE JULGAMENTO
o) Toda a prova produzida em sede de inquirição de testemunhas bem como a prova documental junto aos autos demonstram que os actos isolados emitidos correspondem a serviços efectivos prestados em regime de comissionista que beneficiaram a sociedade impugnante pois possibilitaram o aumento exponencial do volume de negócios no período em análise,
p) E o custo suportado com as viagens e alojamento corresponderam efectivamente a benefícios concedidos a agentes [stands] com vista a potenciar uma maior angariação de negócios.
q) Não obstante a posição assumida pela AT, diga-se que foi com êxito que se produziu o contraditório do pressuposto factual, demonstrando-se a ilegalidade do acto tributário objecto de impugnação, porquanto a prova carreada para os autos esclareceu de forma inequívoca que ambos os custos são verdadeiros e correspondem a operações reais e que foram “indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora”,
r) Pelo que os mesmos sempre são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável relativamente ao período de tributação de 2007.
s) Em suma, para além de demonstrar a materialidade de operação, evidencia a falácia da argumentação desenvolvida pela AT.
t) Assim, em face de quanto sempre se alegou e demonstrou, é de concluir que os actos de liquidação objecto de impugnação estão inquinados de ilegalidade por erro quanto aos pressupostos.
NESTE ENFOQUE
u) Em face de quanto vem de se alinhar, sempre se dirá que, no sentido de sustentar a conjectura da AT deveria ter sido desenvolvido todo um conjunto de operações complementares tendentes a determinar a efectiva factualidade constante nos presentes autos.
v) De facto, a sentença a quo limitou-se a importar do Relatório Final que pelos indícios recolhidos seriam devidos juros pelos mútuos concedidos ao sócio.
w) Todavia, tal entendimento não pode proceder.
x) Pois, em rigor, os indícios enunciados no Relatório Final, numa análise concatenada e ponderada à luz das regras de experiência comum, não permitem (nem toleram) subscrever a referida conclusão.
y) Pelo que, incorrendo a sentença em erro de julgamento, impõe-se a sua revogação por via da procedência da presente impetrância de recurso.
z) Em face da prova testemunhal produzida, pelo conhecimento de ciência demonstrado pelas testemunhas relativamente ao modus operandi da Recorrente e do modus faciendi das operações em analise não podemos deixar de discordar dos factos dados como não provados devendo os mesmos, que ora se transcrevem, ser dados como provados:
A) Que o ato isolado emitido em 31/12/2007, por «AA», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
B) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «BB», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
C) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «CC», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
D) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «DD», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
E) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «EE», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
F) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «FF», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
G) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «GG», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
H) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «HH», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
I) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «II», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
J) Que as viagens referidas no ponto 08) na parte III.B.2 do RIT foram realizadas em destinos onde ocorria a concentração de potenciais clientes.
K) Que as viagens referidas no ponto 08) na parte III.B.2 do RIT tenham sido usufruídas por representantes da impugnante para eventual angariação de clientes.”
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
aa) Na formulação do artigo 58º da LGT, “a Administração Tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à (...) descoberta da verdade material.
bb) Assim, no caso dos presentes autos, como se explicará, a AT violou claramente o artigo 58º da LGT, posto que lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
cc) A AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, conforme se refere, argumentos que reputou como sendo suficientes para deles inferir, como inferiu, por um lado, que “(...) Os valores inscritos nos recibos não foram declarados para efeitos de IRS, por seis dos sujeitos passivos em questão e os restantes três que os declararam ou não apuraram IRS a pagar ou o valor apurado foi quase nulo;(...) Não existe na empresa fluxo financeiro correspondente e comprovativo do pagamento dos recibos, tendo sido referido pelo gerente que os valores foram pagos a dinheiro e de forma faseada”.concluindo que “(...) os valores em questão, registados como custo da empresa, no montante de €84.438,00, não são relevantes, isto é dedutíveis para efeitos fiscais ao abrigo do artigo 23º do CIRC.”,
dd) E por outro lado, que “Foram registados como custo do exercício «62227 – deslocações e estadas» (...) no valor global de € 3.543,38 relativos a viagens e alojamento no estrangeiro (...) Ora não se vislumbra a existência de qualquer relação económica entre os custos em causa e a actividade da sociedade, pelo que os mesmos não podem ser aceites para efeitos fiscais”.
ee) O que significa que a AT penalizou o sujeito passivo por valores incomportáveis e desajustados, sem sequer aferir do rigor dos valores declarados nas operações efectuadas no período de 2007 bem como da correspondência dos elementos reunidos, com a realidade da empresa.
ff) Tal desempenho da AT configura um comportamento ilegal, dado que o artigo 55º da LGT expressamente afirma que a AT deve procurar descobrir a verdade material, devendo, para tanto, utilizar todos os meios de prova em Direito permitidos,
gg) Ora, da prova produzida resulta inequivocamente demonstrado que inversamente do suscitado pela administração tributária e sufragado pelo Tribunal a quo houve clara violação do princípio da verdade material pelo que a mesma é ilegal por violação do artigo 58º da LGT.
VICIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
hh) Dispõe o n.º 3 do artigo 268º da CRP que “os actos administrativos estão sujeitos à notificação dos interessados (...) e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos”.
ii) De acordo com o respectivo relatório de fundamentação, extrai-se essencialmente a seguinte factologia: por um lado, quanto às comissões, “‐ Não existe na empresa fluxo financeiro correspondente e comprovativo do pagamento dos recibos, tendo sido referido pelo gerente que os valores foram pagos a dinheiro e de forma faseada” pelo que “(...) os valores em questão, registados como custo da empresa, no montante de €84.438,00, não são relevantes, isto é dedutíveis para efeitos fiscais ao abrigo do artigo 23º do CIRC.”, e por outro lado, quanto às despesas com viagens e alojamento, que “não se vislumbra a existência de qualquer relação económica entre os custos em causa e a actividade da sociedade, pelo que os mesmos não podem ser aceites para efeitos fiscais”.
jj) Tendo em atenção a fundamentação apresentada pela AT, só pode concluir-se que os factos que sustentam os actos de liquidação objecto de impugnação, não são claros nem suficientes para legitimar a realização de correcções à matéria colectável em sede de IRC para os períodos de tributação de 2007.
kk) No caso sub judice, e contrariamente ao que resulta da sentença do Tribunal a quo, a fundamentação apresentada pelo Fisco, não é nem clara nem suficiente, já que, um contribuinte normalmente diligente e razoável colocado na situação concreta de tal liquidação, não poderia reconstituir o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do agente administrativo Autor dos actos tributários, menos ainda, conseguiria entender as razões de facto e de direito que levaram AT a decidir neste sentido e não noutro.
ll) No caso sub judice, e em face da retórica argumentativa antecedente, está-se perante um vício de fundamentação, susceptível de à luz da alínea c) do artigo 99º do CPPT afectar a validade intrínseca do acto tributário stricto sensu, em que se traduz a liquidação adicional, que conduzirá à anulação do acto por vício de forma.
FACE AO EXPOSTO
mm) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, violando o disposto no artigo 99º do CPPT e nos artigos 58º, 77º e 78º da LGT.
nn) Razão pela qual e ao abrigo do disposto no artigo 637º, n.º 1 e 2 do CPC exvi artigo 2º, alínea e) do CPPT se requer reapreciação da prova documental junta com a PI de Impugnação Judicial, bem como da prova testemunhal gravada, produzida em sede de Audiência Contraditória, consignada em acta e, relativamente aos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, e cujos depoimentos constam de registo áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
oo) Assim, tendo-se evidenciado o erro na aplicação do direito aos factos conclusivos e anteriormente referenciados que integram os pontos 8) da matéria dada como provada e os TODOS os pontos dos factos dados como não provados, deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso.
pp) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, violando o disposto nos artigos 123.º n.º 2 e 125.º n.º 1 do CPPT, artigo 607.º n.º 4 do CPC, artigos 8.º, 55.º, 58.º e 74.º da LGT, artigos 17.º e 23.º do CIRC, artigo 99º do CPPT artigo 6.º do RCPITA.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual
JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
1.5. Objecto do recurso (questões a decidir):
Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].
In casu, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão [vide conclusões h) a n) das alegações de recurso], do erro de julgamento de facto decorrente da errada apreciação e valoração da prova produzida, a impor reapreciação dos depoimentos das testemunhas e aditamento dos factos que elenca e eliminação dos factos não provados [vide conclusões o) a z) das alegações de recurso], do erro de julgamento de direito ao considerar que: (i) a AT não violou o princípio da verdade material [vide conclusões aa) a gg) das alegações de recurso]; (ii) do vício de falta de fundamentação [vide conclusões hh) a ll) das alegações de recurso]; (iii) e do erro de direito a determinar a revogação da sentença inerente à alteração dos factos dados como não provados e dos factos conclusivos que integram os pontos 8) da matéria dada como provada [vide conclusões mm) a oo) das alegações de recurso.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A impugnante tem como atividade a angariação de crédito ao consumo, essencialmente para a compra de automóveis cf. extrato do RIT a p. 41 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2) A Impugnante foi objeto de um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, referente ao exercício de 2007, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI20......50 – cf. extrato do RIT a p. 40 do P.A. em suporte físico.
3) A ação inspetiva referida no ponto anterior foi espoletada com respaldo nos fundamentos seguintes:
«[...] II.2 Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
A) A acção de inspecção foi efectuada a coberto da Ordem de serviço n.º OI20......50.
B) Inspecção de âmbito geral, tendo como extensão o ano de 2007.
A acção de inspecção vem no seguimento de uma informação remetida pela Direcção de Finanças ..., onde se refere o seguinte:
• O sujeito passivo [SCom02...] Lda não envia as declarações periódicas do IVA desde o período de 2007-03T e não apresentou a declaração de rendimentos dos anos de 2007 e seguintes;
• O actual sócio-gerente da empresa “[SCom02...]”( «JJ») está identificado como sócio-gerente de várias empresas indiciadas como emitentes de facturação falsa, servindo este como mero “testa de ferro”, já que está identificado o verdadeiro responsável pela emissão das facturas.
• Dado que o sujeito passivo [SCom01...] Unipessoal Lda declarou no seu anexo “P” à IES que adquiriu mercadorias/serviços ao sujeito passivo “[SCom02...]”, no montante de € 70.000, foi efetuado um pedido de elementos àquele sujeito passivo;
• De acordo com a factura remetida o valor em causa refere-se à transacção de uma viatura de marca Mercedes no montante de € 57.851 mais Iva de € 12.149. A viatura foi registada em compras de mercadorias e o respectivo Iva foi objecto de dedução;
• Foi assumido por parte da representante da “[SCom01...]” que nunca fez qualquer negócio com a “[SCom02...]”, não conhece ninguém relacionado com a empresa e que todo o processo foi tratado pelo Sr.s «KK» e «LL», efectivos responsáveis pelo negócio;
• Junto da empresa “[SCom02...]” não foi possível recolher ou validar qualquer elemento relacionado com a viatura em questão pois não é exercida qualquer actividade há anos;
• Na sequência do pedido de elementos efectuado à empresa “[SCom01...]” verificou-se ainda que contabilizaram facturas dos sujeitos passivos [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda, as quais levantam dúvidas quanto à veracidade das operações nelas descritas. Foram promovidos procedimentos inspectivos externos os quais foram infrutíferos, pois não foi possível contactar com os responsáveis das empresas.
C)OUTROS
C.1-Situação fiscal
De acordo com os dados constantes do sistema de informática tributária, verifica-se o seguinte:
• Não constam declarações de Iva em falta;
• A declaração de rendimentos modelo 22 tem sido entregue, assim como a declaração anual de informação contabilística e fiscal;
• Não se verificam divergências negativas entre as guias de pagamento das retenções na fonte de IRS e os valores declarados na declaração modelo 10;
• Verificam-se desvios positivos nos anexos “O” e “P” à IES;
• Não constam operações intracomunitárias. (...)”
– cf. extrato do RIT, pp. 40 e 41 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4) Na sequência do procedimento inspetivo referido em 02), foi elaborado o projeto de relatório da inspeção tributária remetido à impugnante por ofício datado de 24/03/2011 – cf. p. 68 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 14/04/2011 a impugnante apresentou declaração de substituição do modelo 22 de IRC, corrigindo a favor do Estado o montante de € 56.300,00– cf. pp. 15 e 16 do PA em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6) Em 19/04/2011 foi emitida, pela Administração Tributária, a liquidação n.º ...33 no montante de € 16.668,23– cf. pp. 17 a 19 do PA em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7) Em 15/04/2011 a impugnante remeteu, aos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., um requerimento com o assunto “Direito de Audição em Inspecção Tributária”– cf. p. 66 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8) Em 27/04/2011 foi elaborado pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., relatório de inspeção tributária do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
«...] III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções de natureza meramente aritméticas à matéria colectável
(...)
B- No âmbito do IRC
1- Registaram como custo do exercício na conta “621-Subcontratos” os seguintes recibos de acto isolado, no valor global de € 84.438,00 relacionados com pretensas angariações de créditos:
DocumentoDataValorNIFNOME
Acto isolado2007-12-318.288,00...21«AA»
Acto isolado2007-12-3010.000,00...20«BB»
Acto isolado2007-12-309.800,00...76«CC»
Acto isolado2007-12-308.500,00...73«DD»
Acto isolado2007-12-309.600,00...01«EE»
Acto isolado2007-12-3010.000,00...18«FF»
Acto isolado2007-12-309.700,00...70«GG»
Acto isolado2007-12-308.500,00...31«HH»
Acto isolado2007-12-309.850,00...64«II»
SOMA84.438,00
Junta-se em anexo 3, fotocópias dos recibos.
Estranhou-se que por um lado, todos os recibos tenham sido emitidos no fim de Dezembro e por outro, que face ao valor e ao conteúdo dos mesmos (angariação de créditos) se estivesse na presença de prática actos Isolados, pelo que enviamos ofício para as pessoas identificadas nos recibos para informarem se realizaram os serviços em causa e se os mesmos foram recebidos.
O sujeito passivo «GG», compareceu nesta Direcção de Finanças e declarou em auto o seguinte:
• Não conhece a empresa [SCom01...], não emitiu o recibo em questão nem realizou qualquer serviço de angariação de créditos ou outro para a dita empresa ou qualquer outra empresa;
• Não recebeu o montante referido no recibo ou qualquer outro montante;
• Não sabe quem emitiu o recibo nem onde obtiveram os seus elementos identificativos;
• A assinatura que consta do recibo é idêntica à do seu bilhete de identidade pelo que suspeita que alguém obteve cópia do mesmo de forma ilícita;
O sujeito passivo «FF», por telefone informou o seguinte:
• A actividade que exerce é de jardinagem e não realizou qualquer serviço de angariação de créditos para a empresa em questão;
• Quando quis obter crédito para a compra de uma carrinha os responsáveis da [SCom01...] disseram-lhe que era mais fácil conseguir o crédito se entregasse uma declaração de IRS com rendimentos de € 10.000. Não tinha problema nenhum nem tinha de pagar nada.
Os restantes sete sujeitos passivos não responderam.
Consultado o sistema informático da DGCI, verificamos que três dos sujeitos passivos: «AA», «BB» e «II» entregaram a declaração de rendimentos com os valores indicados nos recibos, os restantes sujeitos passivos são não declarantes.
Questionado o gerente da empresa referiu que os valores em causa se referem à angariação de negócios de venda de automóveis por parte de várias pessoas que depois apresentaram os recibos em causa. Os valores foram pagos a dinheiro de forma faseada.
Dispõe o n.° 1 do artigo 23° do Código do IRC: "Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".
Ora os factos apurados apontam para que os custos em questão não foram efectivamente suportados pela empresa, logo não são verdadeiros nem reais, pois:
• Dois dos sujeitos passivos identificados nos recibos negam ter realizado os serviços em questão e os restantes não confirmam a realização dos mesmos;
• A tratar-se de angariação de créditos estariam identificados os contratos em que cada comissionista interveio, o que não foi feito;
• Os valores inscritos nos recibos não foram declarados para efeitos de IRS, por seis dos sujeitos passivos em questão e os restantes três que os declararam ou não apuraram IRS a pagar ou valor apurado foi quase nulo;
• Não existe na empresa fluxo financeiro correspondente e comprovativo do pagamento dos recibos, tendo sido referido pelo gerente que os valores foram pagos a dinheiro e de forma faseada;
Face ao exposto os valores em questão, registados como custo da empresa, no montante de € 84.438,00, não são relevantes, isto é dedutíveis para efeitos fiscais ao abrigo do disposto no referido artigo 23° do CIRC.
2- Foram registados como custo do exercício na conta "62227- Deslocações e estadas” os seguintes documentos no valor global de € 3.643,38, relativos a viagens e alojamentos no estrangeiro:
DocumentoDataValorNIF do fornecedorLocal da estadía
VD n. 07/01/002822007-08-091.179,1...87Salou - Barcelona
Factura 1229362007-06-11362,20ES-...72Sanxenxo (Pontevedra)
VD 10107232007-06-082.002,00...85México - Bala Príncipe
SOMA3.543,38
Junta-se em anexo 4, fotocópias dos documentos em causa.
Dado que por um lado, a empresa desenvolve actividade exclusivamente no mercado nacional, não tendo clientes nem fornecedores nos locais das deslocações e estadas e, por outro, os destinos e datas das deslocações coincidem com períodos normais de férias, solicitou-se ao sujeito passivo que indicasse se as mesmas foram realizadas ao serviço da empresa e em caso afirmativo a sua relação com os proveitos da empresa.
Questionado o gerente da empresa sobre as viagens em causa referiu o seguinte:
É prática normal no meio financeiro, realizar estas viagens para incentivar os pontos de venda e agentes, no sentido de se aumentar, não só o fluxo de encaminhamento de propostas de crédito, como também fomentar e promover um relacionamento mais próximo, para que assim se mantenha uma maior cumplicidade e um maior conhecimento e confiança com o ponto de venda. É no seguimento desta estratégia de mercado, que se revelou e revela sempre proveitosa ao longo de todos estes anos de actividade, que os contactos aí efectuados provocam um aumento de propostas/negócios apresentados nos mais variados pontos de venda do território nacional.
Mais não fizemos do que aproveitar esses encontros para estarmos presentes, e assim usufruir num só espaço da reunião com todos os agentes a nível nacional das várias instituições financeiras.
As viagens e estadias foram efectuadas ao serviço da empresa. A relação com os proveitos da empresa é notória, pois os números de produção conseguidos ao longo do ano de 2007 são a prova mais evidente do sucesso dessas campanhas junto dos agentes.
As viagens em questão, a tratarem-se de reuniões promovidas por várias instituições financeiras, com certeza que, face à importância das mesmas, seriam publicitadas através do envio pelas mesmas instituições de convites e divulgação dos programas, no entanto não foi exibida qualquer prova da realização das reuniões.
Dispõe o n.° 1 do artigo 23° do Código do IRC: "Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".
Ora não se vislumbra a existência de qualquer relação económica entre os custos em causa com a actividade da sociedade, pelo que os mesmos não podem ser aceites para efeitos fiscais.
3- Resumo das correcções para IRC:
Q5
DescriçãoValor
Subcontratos não aceites como custo84.438.00
Deslocações e estadas não aceites como custo31.543.38
TOTAL87.981,38
4- No quadro seguinte sintetiza-se o apuramento do lucro tributável corrigido.
Q6
Quadro 07 CamposAPURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
DescriçãoValores declaradoCorrecçõesValores
corrigidos
201Resultado líquido do exercício11.160.0111.160.01
205 a 225A acrescer6.832.7087.981,3894.814.08
227 a 237A deduzir5.594.785.594.78
Lucro Tributável/Prejuízo fiscal12.397,93'87.981,38100.379.31
(...)
VIII-Direito de audição-fundamentação
(...)
1- Fundamentos do direito de audição
O sujeito passivo alega o seguinte:
(...)
1.2- No âmbito do IRC, em concreto no ponto 1, é dito que não serão de considerar os actos isolados como custo. De facto, eles ocorreram, e só uma sobrecarga administrativa gerada pelo aumento exponencial da actividade contribuiu para limitações na sua fundamentação. Contudo há documentos assinados por terceiros a reconhecer os pagamentos. Sabemos agora que apenas três deles foram declarados pelos respectivos titulares, através da entrega do modelo 3 do IRS, conforme foi verificado. Inclusive, a contribuinte «AA», com o NIF ...21, actual funcionária da empresa confirmou que auferiu aquele rendimento, pelo que serão de considerar como custo. Quanto aos restantes, uma vez que a Administração Fiscal nos informou que não foram declarados para efeitos de IRS e não conseguiu constatar com os titulares, decidimos corrigir os custos respectivos para que o Estado não fique prejudicado. Para o efeito já entregamos a competente declaração de rendimentos de substituição.
1.3- Relativamente ao ponto 3, das deslocações ao estrangeiro, reitera-se a utilidade dessas viagens e juntam-se alguns prospectos dos incentivos promovidos pelas empresas de financiamento, que comprovam a existência desses encontros pelo que serão de considerar esses custos.
2-Análise dos fundamentos apresentados
(...)
2.2- Quanto à correcção proposta para efeitos de IRC, no montante de € 84.438, conforme descrito no ponto 2.2, o sujeito passivo corrigiu voluntariamente a favor do Estado o montante de € 56.300, entendendo que o valor restante no montante de € 28.138 (84.438-56.300) deve ser aceite como custo para efeitos fiscais, porque os sujeitos passivos em questão declararam o valor para efeitos de IRS. Embora o valor em questão tenha sido declarado pelos sujeitos passivos, entendemos que os fundamentos para a não aceitação do custo para efeitos fiscais se mantêm pois não foi provado que os mesmos tenham sido efectivamente suportados pela empresa, nomeadamente através da identificação dos contratos em que intervieram e do comprovativo do pagamento do valor mencionado nos recibos.
2.3- No que concerne à correcção proposta para efeitos de IRC, no montante de € 3.543,38, relativa às deslocações ao estrangeiro, conforme descrito no ponto 1.3, o sujeito passivo com intuito de provar que as viagens em questão foram efectuadas ao serviço da empresa junta alguns prospectos alegadamente alusivos às referidas viagens. Da análise dos prospectos verificamos que os mesmos se referem a incentivos indexados à realização de contratos ou seja seriam fornecidos descontos em programas de viagens pré definidos, de acordo com o valor dos contratos realizados. O beneficiário efectivo das viagens foi o sócio-gerente, não se comprovando que as mesmas tenham sido efectuadas ao serviço da empresa mas sim em benefício próprio.
(...)
3- Conclusão
Face ao exposto concluímos o seguinte:
• Não foi apresentada matéria susceptível de alterar as correcções constantes do projecto de relatório
• Dado que o sujeito passivo regularizou voluntariamente, para efeitos de IRC, o montante de € 53.200, através da entrega de declaração modelo 22 de substituição, o valor das correcções e respectivo lucro tributável é o seguinte:
Resumo das correcções para IRC:
Q8
DescriçãoValor
Inicial
Regularizações voluntáriasValor a corrigir
Subcontratos não aceites como custo64.438.0056.300.0028.138.00
Deslocações e estadas não aceites como custo3.543.380,003.543.38
TOTAL87.981,3856.300.0031.681,38
Lucro tributável corrigido:
Q9
Quadro 07 CamposAPURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
Descrição1.ª
Declaração
Declaração
substituição
(D.to audição)
Correcção
Devida
Valores corrigidos
201Resultado líquido do exercício11.160.0152.868.560.0052.138.00_
205 a 225À acrescer6.832,7021.424.1531.681.3853.105.53
227 a 237À deduzir5.594.785.594.780.005.594.78__
Lucro Tributável/Prejuízo fiscal12.397,9368.697.9331.681.38100.379,31
(...)” cf. extrato do RIT, de fls. 45 a 50 do P.A. em suporte físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9) Com os fundamentos constantes do relatório de inspeção tributária, mencionados no ponto antecedente, foram efetuadas correções à matéria tributável de IRC relativa ao ano de 2007, no valor global de € 87.981,38cf. extrato do RIT, de fls. 48 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10) Em resultado da ação inspetiva referida no ponto 02) foi emitida, em 16/05/2011, a liquidação adicional de IRC n.º ...75, relativa ao ano de 2007, no montante de € 26.031,61 cf. p. 20 do PA em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11) Em 03/11/2011 a impugnante remeteu, via correio eletrónico, ao Serviço de Finanças ..., reclamação graciosa das liquidações referidas no ponto anterior cf. fls. 3 a 10 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12) Por ofício datado de 05/09/2012 foi a impugnante notificada do indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anteriorcf. p. 89 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13) Em 10/10/2012 foi remetido, via correio eletrónico, pela impugnante, ao Serviço de Finanças ..., requerimento com o assunto “Recursos hierárquicos”- cf. pp. 2 a 14 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14) Por ofício datado de 25/11/2013 foi a impugnante notificada do indeferimento do recurso hierárquico referido no ponto anteriorcf. pp. 17 a 36 do P.A. em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos, não se provou que:
A) Que o ato isolado emitido em 31/12/2007, por «AA», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
B) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «BB», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
C) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «CC», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
D) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «DD», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
E) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «EE», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
F) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «FF», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
G) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «GG», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
H) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «HH», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
I) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «II», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
J) Que as viagens referidas no ponto 08) na parte III.B.2 do RIT foram realizadas em destinos onde ocorria a concentração de potenciais clientes.
K) Que as viagens referidas no ponto 08) na parte III.B.2 do RIT tenham sido usufruídas por representantes da impugnante para eventual angariação de clientes.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto enunciada nos pontos 01) a 14) estribou-se, em geral, na apreciação crítica do teor dos documentos juntos aos autos, conforme discriminado nos concretos itens numéricos do probatório, concatenados com a posição manifestada pela impugnante e pela Fazenda Pública nos respetivos articulados.
O Tribunal não se convenceu da veracidade dos factos contidos nos pontos A) a K) da matéria não provada, porquanto a impugnante não carreou para os presentes autos prova suficiente para que os mesmos fossem considerados provados.
Assim, no que concerne aos pontos A) a I) dos factos não provados a testemunha «MM» [contabilista da impugnante desde o ano de 2005], pese embora tenha demonstrado conhecimento acerca da contabilidade da impugnante e a sua atividade, o seu depoimento caraterizou-se por genérico, vago, e pouco concretizador acerca dos recibos de ato isolado que foram emitidos no final do ano de 2007.
A testemunha referiu, no seu depoimento, que a impugnante recorria a angariadores/comissionistas, dado o crescimento abrupto do seu volume de negócios no ano de 2007, no entanto não identificou nenhum angariador/comissionista, informou nunca ter presenciado pagamentos em numerário nem mesmo a emissão dos recibos de ato isolado.
O seu depoimento incidiu, maioritariamente, no modus operandi da atividade da impugnante em termos contabilísticos admitindo, inclusive, que ocorreram algumas falhas na organização da mesma.
Relativamente à testemunha «AA» [funcionária da impugnante desde o ano de 2007 e unida de facto com o sócio gerente da impugnante desde o ano de 2003], o seu depoimento foi vago, genérico e conclusivo, e apesar de ter tentado rebater alguns dos argumentos esgrimidos no RIT os mesmos não convenceram o Tribunal da sua veracidade.
Na verdade, apesar de referir que «FF» recebia o rendimento mínimo e com receio de deixar de ser beneficiário do mesmo declarou, no decurso do procedimento inspetivo, não ter trabalhado para a impugnante, e que «GG» declarou o mesmo pois o angariador era o seu marido que não podia passar o recibo de ato isolado pelo mesmo motivo que «FF», a verdade é que estas afirmações não foram confirmadas por nenhuma outra testemunha nem foi carreado para o presente processo qualquer prova desse facto.
Ademais, o seu depoimento revelou-se, nalguns aspetos, contraditório pois, quando questionada qual o motivo porque os pagamentos/comissões efetuados aos angariadores eram em numerário, referiu que eram “os angariadores que o exigiam” no entanto, posteriormente, mencionou que no ano de 2007 também era angariadora e que nunca exigiu que o pagamento fosse efetuado em numerário mas que “recebia em numerário”.
Seria razoável que a testemunha, sendo uma das visadas no RIT pela emissão de recibo de ato isolado, tivesse mencionado os contratos que angariou para a impugnante ou os valores auferidos a título de comissão, no entanto nada referiu a esse respeito.
Destarte, caraterizando-se os depoimentos destas testemunhas por genéricos, pouco concretizadores, nada tendo sido esclarecido nem concretizado quanto aos contratos celebrados por cada um destes supostos angariadores, nem sequer a própria testemunha «AA», à data angariadora, e que, adicionalmente, esta testemunha tem um interesse direto ou pelo menos indireto no desfecho desta ação, por se encontrar unida de facto com o sócio-gerente da mesma, o que enfraquece o seu depoimento e que, além do mais, as afirmações desta quanto aos angariadores «FF» e «GG» não foram corroboradas por mais nenhuma testemunha nem por prova documental, o Tribunal não se convenceu da veracidade das mesmas.
Também a testemunha, «NN» [inspetor tributário da Administração Tributária e Aduaneira, que inspecionou a impugnante no ano de 2007 e elaborou o RIT aqui em causa] contribuiu para que o Tribunal considerasse como não provados estes factos pois revelou ter um conhecimento direto dos mesmos e, de forma séria e assertiva, descreveu todas ações levadas a cabo durante o procedimento inspetivo que o levaram a concluir pela não prestação dos serviços aqui em causa nomeadamente o facto de ter sido requerido à impugnante que indicasse uma “relação dos contratos subjacentes aos créditos em questão” dos angariadores/comissionistas que emitiram o recibo de ato isolado bem como comprovativo do meio de pagamento dos valores em causa (documento junto pela testemunha na audiência a fls. 100 do processo físico), tendo a impugnante remetido uma listagem de contratos sem discriminar a que angariadores diziam respeito, nem juntando comprovativos de pagamento.
Assim, dada a ausência de prova documental (meios de pagamento comprovativos, contratos em que os emitentes dos recibos de ato isolado intervieram, montantes das comissões auferidas) e prova testemunhal carreada para os autos, o Tribunal deu estes factos por não provados.
No que concerne aos pontos J) e K) dos factos não assentes, o Tribunal baseou a sua convicção no depoimento da testemunha «OO» [funcionário da entidade [SCom05...] que no ano de 2007 passou a ser coordenador comercial da impugnante] que, de forma séria e congruente, esclareceu o Tribunal quanto ao modo de funcionamento das relações entre a instituição bancária e a impugnante mas que, em concreto, não conseguiu indicar nenhuma viagem atribuída à impugnante no ano de 2007, nenhum stand beneficiário ou até destino que tenha sido oferecido pela [SCom05...] no ano de 2007, acrescentando que quando a [SCom05...] oferecia as viagens “todas as despesas ficavam a cargo da [SCom05...]”.
Informou, ainda, o Tribunal que as viagens eram oferecidas às empresas como a impugnante para “premiar parceiros” que atingiam determinados objetivos comerciais e que havia uma viagem anual para parceiros ou potenciais parceiros, o que contraria a argumentação da impugnante de que nessas viagens ocorriam concentrações de potenciais clientes e que deslocava representantes seus para tentar angariar clientes.
Assim, o seu depoimento foi bastante genérico, mais focado no modo de funcionamento da [SCom05...], não tendo concretizado nenhuma viagem ou funcionários da impugnante que tivessem beneficiado dos incentivos promovidos por aquela entidade no ano de 2007.
Cumpre, ainda, referir que no âmbito do procedimento inspetivo a impugnante juntou panfletos de viagens, datadas de 2007, referentes a incentivos aos agentes para a celebração de contratos (fls. 70 a 72 do processo físico) no entanto, confrontados os mesmos com as viagens em causa nos presentes autos, o único destino coincidente é o México, não tendo a impugnante carreado para os presentes autos qualquer prova de que a viagem por ela realizada se refere a uma viagem de incentivo a agentes e, ainda que o fizesse, concluir-se-ia que a mesma não se destinava a angariar clientes, como por ela aventado, mas sim a ser usufruída pelo agente, como referido pela testemunha inquirida, o que levou o Tribunal a considerar que as viagens referidas na parte III.B.2 do RIT não foram realizadas em destinos onde ocorria a concentração de potenciais clientes nem usufruídas por funcionários da impugnante.
Destarte, o Tribunal não logrou formar uma convicção segura quanto à realidade dos factos invocados pela impugnante e, consequentemente, deu-os por não provados, respeitando, assim, o disposto no artigo 414.º do CPC segundo o qual a dúvida sobre a realidade de um facto deve resolver-se contra a parte a quem o facto aproveita.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser suscetível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito.
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, se sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados e não provados – cf. artigo 74º LGT, 76º nº 1 LGT e artigo 362º e ss do CC

2.2. De direito
Em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2007, acrescido dos respectivos juros compensatórios, no valor global de €26.031,61.
Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu que a contabilidade da ora Recorrente (sociedade que exerce actividade de “angariação de crédito ao consumo, essencialmente para a compra de automóveis”), com referência ao exercício de 2007, não merecia credibilidade, motivo por que procedeu à correcção do volume de negócios, com recurso a correções meramente aritméticas, desconsiderando como gastos os relativos ao pagamento de comissões que efectuou para angariação de clientela e o pagamento de viagens oferecidas a alguns clientes, à consequente liquidação adicional de IRC.
A Recorrente alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, (i) do erro nos pressupostos de facto e de direito, e de entre estes avocou argumentos que se reconduzem à violação do princípio do inquisitório e da verdade material, (ii) dos juros indemnizatórios, (iii) do pedido de restituição do valor das liquidações pagas e (iv) da indemnização compensatória.
O tribunal a quo realizou a prova testemunhal arrolada pela Impugnante (vide fls. 141, 147, 149 e 157 do SITAF) e, após alegações e emissão de parecer, conhecendo das questões enunciadas supras conclui pela improcedência da impugnação, ancorada na circunstância de a aqui Recorrente não ter logrado provar, assente do ónus de inversão operado pela posição da AT, que a efetividade das operações, nomeadamente quais os contratos em que cada emitente de acto isolado interveio, quanto auferiu de comissão nem em que datas ocorreram esses factos e, bem assim, de que os gastos com viagens se mostravam comprovadamente indispensáveis à obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora não poderão estes gastos ser fiscalmente considerados.
A Recorrente (Impugnante) insurge-se contra o assim decidido, invocando, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão [vide conclusões h) a n) das alegações de recurso], do erro de julgamento de facto decorrente da errada apreciação e valoração da prova produzida, a impor reapreciação dos depoimentos das testemunhas e aditamento dos factos que elenca e eliminação dos factos não provados [vide conclusões o) a z) das alegações de recurso], do erro de julgamento de direito ao considerar que: (i) a AT não violou o princípio da verdade material [vide conclusões aa) a gg) das alegações de recurso]; (ii) do vício de falta de fundamentação [vide conclusões hh) a ll) das alegações de recurso]; (iii) e do erro de direito a determinar a revogação da sentença inerente à alteração dos factos dados como não provados e dos factos conclusivos que integram os pontos 8) da matéria dada como provada [vide conclusões mm) a oo) das alegações de recurso]
Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cf. artigo 639º, do CPC e artigo 282º, do CPPT).
Cumpre, pois, apreciar e decidir.

2.2.1. Da nulidade
A Recorrente começa por assacar à sentença a nulidade prevista no artigo 125º, nº1 do CPPT e 615º, n.º 1 do CPC, por considerar que a mesma enferma de falta de fundamentação da matéria de facto, por referência ao preceituado no artigo 123º n.º 2 do CPPT.
Nas conclusões do recurso a Recorrente sustenta, em breviário, e transcrevendo parcialmente as conclusões j), l) e m), de que a sentença é nula por falta de fundamentação da matéria de facto pois “se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que não sucede no caso concreto), deverá cuidadosamente seleccioná-los discriminando-os por alíneas ou números, reflectindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).”, o que não fez, “O que foi feito no caso dos presentes autos e isto porque o Tribunal a quo bastou-se a reproduzir no extenso ponto 8) dado como provado o teor do Relatório Final elaborado pela AT.”, concluindo que “(...) resulta evidente que a sentença de que se recorre não cumpre as regras legais que presidem à elaboração da sentença pelo que a mesma padece de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (os artigos 125.º, nº1 do CPPT e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC..
Em suma, na sua perspectiva, a nulidade decorre da transcrição do RIT por via do item 8) dado como provado, técnica essa que não obedece aos ditames legais citados.
Vejamos.
Diz o artigo 125º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe Nulidades da sentença:
“1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
No que respeita à fixação da matéria de facto, estabelece o artigo 123º, nº 2 CPPT: “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
Tradicionalmente, para que a sentença padeça deste vício considera-se necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Ora, a falta de fundamentação como causa de nulidade da sentença não se confunde com o eventual erro da fundamentação de facto e de direito.
Como expende Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, II vol., pág. 360, “(...) deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado, ou seja, ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Desde logo, importa chamar à colação o artigo 607º n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, segundo o qual:na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Epilogando, no processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão como causa de nulidade da sentença está previsto no artigo 125º, nº 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (neste sentido cf. Jorge Lopes de Sousa, ob cit. pág.357 e seg.; acórdãos do STA de 24.02.2011 e 13.10.2010, in rec.871/10 e rec.218/10, respectivamente).
Como já dissemos, a exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de outra forma, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para o tribunal ad quem possa apreciar essas razões no momento do julgamento (neste sentido cf. acórdão deste TCAN, ainda inédito, proferido em 24.10.2019, no âmbito do processo nº 318/14.5BEMDL).
No que toca à falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença, tem-se entendido que esta nulidade abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC. Como bem refere Jorge Lopes de Sousa, in ob cit., pág. 358, “(...) esta falta não poderá deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código (leia-se, CPPT) e nele, ao contrário do que sucede no CPC (art.º 659º, nº3), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados. Trata-se de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no processo civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada. Na previsão desta norma, a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada, como se depreende da expressão “o juiz discriminará também a matéria de facto provada da não provada”, o que pressupõe que essa discriminação seja feita concomitantemente. Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no art.º 125º, nº1 do CPPT”.
Como é evidente, a exigência de tal discriminação dos factos provados e dos não provados só se justifica relativamente aos factos que se mostrem relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito [artigo 508º-A, nº1, al. e), 511º e 659º do CPC].
Daí que, como refere o autor citado, Jorge Lopes de Sousa, in obra e volume citados, pág. 358., “só existirá nulidade de sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não tenham sido dados como provados e que possam relevar para a decisão da causa”.
O Meritíssimo Juiz a quo sustentou a inexistência da alegada nulidade, nos seguintes termos:
«Tendo em conta a nulidade suscitada nas Conclusões de recurso, cumpre ao Tribunal pronunciar-se sobre a mesma.
Ora, tem sido jurisprudencialmente entendido pelos Tribunais superiores que o facto de o Tribunal transcrever parcialmente para o probatório o relatório de inspeção tributária não afeta a validade da sentença.
Considerando as questões suscitadas nos presentes autos e a matéria probatória fixada, em confronto com a decisão proferida, entendemos não se verificar qualquer nulidade.»
Como já vaticinamos, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre toda a matéria, tendo o dever, isso sim, de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito – artigo 508º-A, n.º 1, alínea e), 511º e 659º, todos do CPC e deste modo, relativamente aos factos provados e não provados no que concerne a matéria fáctica não relevante para a decisão, não há necessidade de fazer tal discriminação. Ora, no caso, a matéria de facto relevante para a decisão foi dada como provada e a demais matéria de facto alegada pela impugnante na petição inicial, revelou-se não ser provada (vide itens A) a K) da matéria de facto dada como não provada, e objecto de erro de julgamento de facto, como veremos a seu tempo).
Vejamos.
É certo que a técnica utilizada pelo julgador, em tese, pode ser discutível, mas não permite, de modo, algum afectar a validade da sentença e da sua compreensão no seu raciocínio jurídico-factual, muito menos no sentido proclamado pela Recorrente de infirmar a mesma de nulidade por falta de fundamentação de facto.
Aliás, temos vindo a entender, nestas circunstâncias de reprodução do relatório, que a extensa matéria de facto proveniente da reprodução integral dos relatórios, in casu, expressa pelo seu item 8) da matéria de facto dada por provada, actualmente preconizada com mais evidência por força dos meios técnicos informáticos de reprodução, desvirtuando o julgamento de facto nos termos aclamados pela Recorrente, não tem a virtualidade de invalidar só por si a sentença de molde a considerar incompreensível ou ininteligível.
É certo que foram transcritos longos enxertos do relatório inspetivo que poderiam ter sido omitidos porquanto não encerram factos essenciais para a apreciação da questão suscitada, em matéria de falsidade das faturas e/ou desconsideração dos custos nelas inscritos; mas, como se depreende, ela apenas torna a peça mais extensa, complexa e prolixa, quer na vertente dos factos quer no seu ajustamento ao julgamento da matéria de facto; mas não mais que isso.” (in acórdão deste TCA Norte de 12.11.2015 no processo 413/08.0PRT, ainda inédito).
Insurge-se a Recorrente pela transcrição por extracto do RIT e a sua conversão em factos –8) da matéria de facto provada, em sede de nulidade, mas indo mais longe afastada que se mostra a mesma, sempre cumpre referir nesta sede de que apesar da sua indignação não concretizou com a devida substanciação a roupagem de entre o conteúdo do item 8) quais os factos a merecerem destaque de autonomização, e de entre estes quais a reconduzir ao acervo fáctico seja pela negativa, seja pela positiva, o que per si, em sede de conhecimento do alegado em sede de erro de julgamento de facto, determinaria o desfecho do pretendido, pela sua rejeição.
Aderindo ao nosso recete acórdão de 29.05.2025, proferido no âmbito do processo n.º 1211/13.4BEBRG, atentemos ao ali discorrido sobre o valor probatório do RIT.
“Em conformidade com o disposto no artigo 76º, n.º 1 da LGT, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se, pois, especialmente regulada em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos.
Como na anotação 3 ao referido artigo referem Diogo Leite Campos e outros, «Relativamente a factos a […] força probatória [das informações oficiais] existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos. // No que concerne aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão.// É este o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1, do CC), aqui já estendido aos factos determinados segundo critérios objectivos, e não seria congruente com a opção legislativa e ele subjacente, a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia de isenção da prestação de informações.» (cfr. Lei Geral Tributária anotada e comentada, encontro da escrita editora, 4.ª edição 2012, pág. 670 e 671; no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 5).
Contudo, «Para terem a força probatória referida, as informações oficiais têm de ser fundamentadas e basearem-se em critérios objectivos (…)» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 11. Assim, conforme resulta do acórdão do TCAS nº 02800/08 de 13.04.2010 «2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.». Ou seja, a veracidade das informações prestadas pela inspeção tributária (“fazem fé”), relativa aos factos objetivos (informações) que são relatados no relatório, pelo que nos parece destituída de aderência legal a tese de que o RIT é documento sem qualquer valor probatório. Pelo contrário, esse valor probatório é expressamente assumido na lei para as informações fundamentadas e baseadas em critérios objectivos.
Trata-se de uma “fé” que a lei não estende às conclusões ou ilações retiradas pelo inspector, podendo o decisor, neste caso e partindo dos mesmos factos que assumem verídicos, deduzir e concluir de diferente maneira (assim, José Maria Fernandes e outros, in "Lei Geral Tributária" anotada, Almedina, 2015, pp. 826).
Em sede jurisprudencial, o acórdão do TCAS de 13.04.2010, processo nº 02800/08, reconhece força probatória plena ao relatório, ao sumariar que 2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.Com um alcance distinto, o acórdão de 26.06.2014, processo nº 07148/13 de 26-06-2014, refere que (i) O valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório. (ii). Assim, o valor probatório do relatório da inspecção tributária só poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas.
Valem para esta situação as judiciosas palavras de Manuel de Andrade: “Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.º do Código Civil” (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, p 207/208).”
Em suma, o relatório de inspecção tributária, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra (cfr. artigo 76.º, n.º 1, da LGT). Ademais, trata-se de um tipo de documento autêntico (cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC), com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne aos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Claro está que o sujeito passivo não fica impedido de demonstrar a falsidade parcial ou total do relatório ou de demonstrar que os factos que dele constam não conduzem ao resultado (fiscal) visado pela AT.
Este parêntesis sobre o valor probatório do RIT pretende tão só abalar a aclamada nulidade em sede da aclamada falta de fundamentação de facto, por certo olvida o Recorrente que em sede de petição imputou ao acto de liquidação do erro nos pressupostos de facto e de direito, e de entre estes avocou argumentos que se reconduzem à violação do princípio do inquisitório e da verdade material, pretendendo com os mesmos atacar não só os actos realizados no âmbito do procedimento inspectivo, o percurso cognitivo conducente ás conclusões constantes do RIT, da «invalidade da fundamentação da liquidação» porque contrária ao que alega, ou seja que os factos constantes dos mesmos não ocorreram, o que de per si impõe que o Tribunal conheça do exarado no RIT, enquanto acto fundamento da liquidação a impugnar e a percepção do teor do RIT. E, o mesmo se diga quanto à apreciação que era exigida ao Tribunal a quo no domínio dos pressupostos de facto das correcções determinadas em sede de IRC, sendo que a transposição do RIT vale enquanto tal, acto praticado e o seu conteúdo.
Todavia, de forma mais ou menos pormenorizada ou mais ou menos aprofundada, a sentença especificou os fundamentos de facto e de direito que assentou a decisão, pode-se não concordar com a mesma, mas não podemos imputar-lhe a nulidade invocada.
Não se pode confundir falta de especificação com falta de consideração de determinados factos nem com enunciação de fundamentos de facto que não ajustam às concretas circunstâncias.
De resto, só há nulidade da sentença quando a esta falte a absoluta fundamentação, ou nos casos em que a sentença não tenha relação percetível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação, pois que, como já se referiu supra, "(...) a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação." (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pág. 909).
Os problemas que a Recorrente pretende realçar por via do seu recurso, não respeitam a questões de formalidade ou nulidade da sentença, mas antes, e tão só, problemas de ordem substancial, do mérito substancial da decisão, em face do conjunto dos factos elencados, essencialmente dos factos dados como não provados e que comportam a alegação a seu cargo.
Temos, pois, que a sentença externou o processo logico-intelectual que serviu de suporte à decisão, já que na motivação, detalhada e prolixa, explicou as razões porque chegou àquele resultado, o que por si permite um efectivo controlo do juízo ou juízos que presidiram ao julgamento e bem assim como foi apreendida e justificada a realidade em discussão.
Improcedem, pois, as alegações da Recorrente tendentes a demonstrar a alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto.

2.2.2. Do erro de julgamento de facto
A Recorrente coloca em causa, em sede de erro de julgamento de facto, toda a factualidade dada como não provada constante do itens A) a K), sustentando que “Toda a prova produzida em sede de inquirição de testemunhas bem como a prova documental junto aos autos demonstram que os actos isolados emitidos correspondem a serviços efectivos prestados em regime de comissionista que beneficiaram a sociedade impugnante pois possibilitaram o aumento exponencial do volume de negócios no período em análise,” e, bem assim “o custo suportado com as viagens e alojamento corresponderam efectivamente a benefícios concedidos a agentes [stands] com vista a potenciar uma maior angariação de negócios.” porquanto “Não obstante a posição assumida pela AT, diga-se que foi com êxito que se produziu o contraditório do pressuposto factual, demonstrando-se a ilegalidade do acto tributário objecto de impugnação, porquanto a prova carreada para os autos esclareceu de forma inequívoca que ambos os custos são verdadeiros e correspondem a operações reais e que foram “indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora”, concluindo que “que os mesmos sempre são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável relativamente ao período de tributação de 2007.
Que dizer?
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Tal erro respeita a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica.
A alteração pelo Tribunal Central Administrativo da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC, sob pena de rejeição nesta parte do recurso (vide neste sentido entre muitos outros acórdão do TCA Sul de 13.03.3012, processo n.º 05275/12,).
Razão pela qual, para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.
Preceitua o aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida [António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181].
António Santos Abrantes Geraldes, in ob.cit, pp 165 e 166, sintetiza o sistema que agora vigora, que concretizou de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, alargando os poderes de cognição do tribunal de segunda instância, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O Recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente(...)”
Sendo que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC [vide neste sentido acórdão do STJ de 03.03.2016, proferido no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1. S.].
Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).
Por isso se entende que o princípio da livre apreciação da prova e o princípio da imediação de algum modo limitam o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pelo que o controle do Tribunal de recurso deve restringir-se aos casos de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso.
Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Recuperemos o exacto teor dos itens do probatório sobre os quais recai a indignação da Recorrente:
“(...)
A) Que o ato isolado emitido em 31/12/2007, por «AA», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
B) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «BB», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
C) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «CC», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
D) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «DD», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
E) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «EE», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
F) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «FF», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
G) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «GG», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
H) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «HH», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
I) Que o ato isolado emitido em 30/12/2007, por «II», tenha sido prestado no âmbito da angariação de clientes para a impugnante.
J) Que as viagens referidas no ponto 08) na parte III.B.2 do RIT foram realizadas em destinos onde ocorria a concentração de potenciais clientes.
K) Que as viagens referidas no ponto 08) na parte III.B.2 do RIT tenham sido usufruídas por representantes da impugnante para eventual angariação de clientes.”.
Ora de todo o exposto, decorre que o erro dever ser demonstrado pelo Recorrente, delimitando o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera incorrer em erro e fundamentar as razões da sua discordância, especificando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes do processo que, no seu entender, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida.
E, por força do artigo 640.º do CPC, para que o tribunal de recurso possa proceder alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No caso de se tratar de prova testemunhal, aquele ónus exige a indicação exacta das passagens da gravação bem como as concretas questões de facto controvertidas, com indicação, no seu entender, de qual a decisão alternativa deve ser proferida pelo tribunal de recurso, em sede de reapreciação dos meios de prova, relevantes, não sendo permitidos recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto.
Atentando às alegações e conclusões de recurso, temos por assente que a Recorrente enunciou qual a matéria de facto incorrectamente jugados [pontos A) a K) da matéria que constitui os factos não provados], indica o resultado concreto para cada um desses incisos probatórios, a inversão dos mesmos obedecendo à sua concreta redacção para provados, indica quais os concretos meios probatórios onde funda a sua impugnação, a saber, testemunhal e documental, mas é totalmente omisso quanto à indicação das passagens da gravação em que se baseia, limitando-se a citar extractos soltos do depoimento das testemunhas e sem identificar e precisar em concreto um qualquer documento constante dos autos.
E para que não exista equívoco, esta omissão de indicação não respeita tão só à concretização de onde, no registo de gravação, em que número, minuto ou segundo da pista, começa e termina a parte do testemunho ou depoimento que se proteste como relevante para a formação de diversa convicção. A qual por si só dificultava a tarefa quer da Recorrida, quer essencialmente deste Tribunal ad quem na compreensão e reapreciação que lhe é rogada [e atente-se que estamos perante o depoimento de três testemunhas, distribuídas por duas actas de inquirição que correspondem a dois momentos distinto da diligência].
Certo é que aquela indicação não está feita, mas o que falta decisivamente é a indicação das concretas passagens do testemunho ou depoimento que o recorrente devia assinalar, como sendo as significativas para o fim que persegue, as expressões tidas por decisivas.
Em limite de explicação, acrescentamos que, se porventura o recorrente sinalizasse nos diversos depoimentos e testemunhos as partes do que cada um deles disse, como se acabou de dizer numa formulação clara “as expressões tidas por decisivas pelo recorrente”, fosse por transcrição fosse por alusão temática, então, como tem sido decidido, à indicação das passagens da gravação, referida no preceito, bastaria aquela indicação segmentária do depoimento ou depoimentos e a identificação de quem os prestou, sem obrigatoriedade da sua transcrição.
Porém, o que a Recorrente fez (vide fls. 20 a 27 das alegações), foi segmentar o depoimento das testemunhas em função dos temas a tratar por ela identificados como (i) “actos isolados” e (ii) “deslocações e estadas”, reportando-se aos fundamentos das correcções, discorrendo em jeito de valoração alusões aos depoimentos sobre a forma de pagamento aos comissionistas com recurso a frases que transcreve do depoimento das testemunhas (que identifica pelo seu nome), sem contextualizar as mesmas em sede de pergunta (de quem, sobre o quê) e resposta. Razão pela qual faltou em absoluto a Recorrente foi contextualizar, na sua génese e no seu percurso cognitivo os testemunhos e depoimentos que pretendia e parte deles que interessavam à formação da convicção relativamente aos pontos que impugnou e direcionados quanto a estes.
Em suma, o que fez foi dizer: entendo que estes factos estão mal julgados, para estarem bem julgados deveriam ter sido os factos dados como não provados julgados provados, e para o efeito de averiguar e decidir da bondade do que alego deve o tribunal consultar os documentos e ouvir a prova testemunhal.
Pois que quando alude aos depoimentos mais não estabelece, como já referimos, que um discurso corrido usando segmentos, segundo alude, dos depoimentos das testemunhas inquiridas, sem os direcionar ao pretenso facto a dar como provado e sem identificar a sua concreta localização e fragmentação na gravação áudio [sendo certo que as actas constantes dos autos fls. 141, 149 e 157 do processo SITAF, contem a menção especifica para cada uma das testemunhas do exacto período temporal da gravação].

Com esta enunciação que pretende apenas reduzir ao coloquialmente simples o que, em termos da impugnação da decisão da matéria de facto a Recorrente pretende e como o diz pretender, cremos fica suficientemente esclarecido que ele não cumpriu o ónus de “indicar com exatidão as passagens da gravação” que permitiria ao tribunal ficar a saber substancialmente da razão do desacordo, a que acresce em termos práticos não situar no registo da gravação as passagens que se entendiam como relevantes e que, afinal, não foram mencionadas com alusão à convicção a formar sobre cada um dos factos impugnados.
Cumpre ainda, atentar à convocação da prolixa motivação delineada pelo Tribunal a quo cuja alegação da Recorrente omite e que aqui apelamos:
«O Tribunal não se convenceu da veracidade dos factos contidos nos pontos A) a K) da matéria não provada, porquanto a impugnante não carreou para os presentes autos prova suficiente para que os mesmos fossem considerados provados.
Assim, no que concerne aos pontos A) a I) dos factos não provados a testemunha «MM» [contabilista da impugnante desde o ano de 2005], pese embora tenha demonstrado conhecimento acerca da contabilidade da impugnante e a sua atividade, o seu depoimento caraterizou-se por genérico, vago, e pouco concretizador acerca dos recibos de ato isolado que foram emitidos no final do ano de 2007.
A testemunha referiu, no seu depoimento, que a impugnante recorria a angariadores/comissionistas, dado o crescimento abrupto do seu volume de negócios no ano de 2007, no entanto não identificou nenhum angariador/comissionista, informou nunca ter presenciado pagamentos em numerário nem mesmo a emissão dos recibos de ato isolado.
O seu depoimento incidiu, maioritariamente, no modus operandi da atividade da impugnante em termos contabilísticos admitindo, inclusive, que ocorreram algumas falhas na organização da mesma.
Relativamente à testemunha «AA» [funcionária da impugnante desde o ano de 2007 e unida de facto com o sócio gerente da impugnante desde o ano de 2003], o seu depoimento foi vago, genérico e conclusivo, e apesar de ter tentado rebater alguns dos argumentos esgrimidos no RIT os mesmos não convenceram o Tribunal da sua veracidade.
Na verdade, apesar de referir que «FF» recebia o rendimento mínimo e com receio de deixar de ser beneficiário do mesmo declarou, no decurso do procedimento inspetivo, não ter trabalhado para a impugnante, e que «GG» declarou o mesmo pois o angariador era o seu marido que não podia passar o recibo de ato isolado pelo mesmo motivo que «FF», a verdade é que estas afirmações não foram confirmadas por nenhuma outra testemunha nem foi carreado para o presente processo qualquer prova desse facto.
Ademais, o seu depoimento revelou-se, nalguns aspetos, contraditório pois, quando questionada qual o motivo porque os pagamentos/comissões efetuados aos angariadores eram em numerário, referiu que eram “os angariadores que o exigiam” no entanto, posteriormente, mencionou que no ano de 2007 também era angariadora e que nunca exigiu que o pagamento fosse efetuado em numerário mas que “recebia em numerário”.
Seria razoável que a testemunha, sendo uma das visadas no RIT pela emissão de recibo de ato isolado, tivesse mencionado os contratos que angariou para a impugnante ou os valores auferidos a título de comissão, no entanto nada referiu a esse respeito.
Destarte, caraterizando-se os depoimentos destas testemunhas por genéricos, pouco concretizadores, nada tendo sido esclarecido nem concretizado quanto aos contratos celebrados por cada um destes supostos angariadores, nem sequer a própria testemunha «AA», à data angariadora, e que, adicionalmente, esta testemunha tem um interesse direto ou pelo menos indireto no desfecho desta ação, por se encontrar unida de facto com o sócio-gerente da mesma, o que enfraquece o seu depoimento e que, além do mais, as afirmações desta quanto aos angariadores «FF» e «GG» não foram corroboradas por mais nenhuma testemunha nem por prova documental, o Tribunal não se convenceu da veracidade das mesmas.
Também a testemunha, «NN» [inspetor tributário da Administração Tributária e Aduaneira, que inspecionou a impugnante no ano de 2007 e elaborou o RIT aqui em causa] contribuiu para que o Tribunal considerasse como não provados estes factos pois revelou ter um conhecimento direto dos mesmos e, de forma séria e assertiva, descreveu todas ações levadas a cabo durante o procedimento inspetivo que o levaram a concluir pela não prestação dos serviços aqui em causa nomeadamente o facto de ter sido requerido à impugnante que indicasse uma “relação dos contratos subjacentes aos créditos em questão” dos angariadores/comissionistas que emitiram o recibo de ato isolado bem como comprovativo do meio de pagamento dos valores em causa (documento junto pela testemunha na audiência a fls. 100 do processo físico), tendo a impugnante remetido uma listagem de contratos sem discriminar a que angariadores diziam respeito, nem juntando comprovativos de pagamento.
Assim, dada a ausência de prova documental (meios de pagamento comprovativos, contratos em que os emitentes dos recibos de ato isolado intervieram, montantes das comissões auferidas) e prova testemunhal carreada para os autos, o Tribunal deu estes factos por não provados.
No que concerne aos pontos J) e K) dos factos não assentes, o Tribunal baseou a sua convicção no depoimento da testemunha «OO» [funcionário da entidade [SCom05...] que no ano de 2007 passou a ser coordenador comercial da impugnante] que, de forma séria e congruente, esclareceu o Tribunal quanto ao modo de funcionamento das relações entre a instituição bancária e a impugnante mas que, em concreto, não conseguiu indicar nenhuma viagem atribuída à impugnante no ano de 2007, nenhum stand beneficiário ou até destino que tenha sido oferecido pela [SCom05...] no ano de 2007, acrescentando que quando a [SCom05...] oferecia as viagens “todas as despesas ficavam a cargo da [SCom05...]”.
Informou, ainda, o Tribunal que as viagens eram oferecidas às empresas como a impugnante para “premiar parceiros” que atingiam determinados objetivos comerciais e que havia uma viagem anual para parceiros ou potenciais parceiros, o que contraria a argumentação da impugnante de que nessas viagens ocorriam concentrações de potenciais clientes e que deslocava representantes seus para tentar angariar clientes.
Assim, o seu depoimento foi bastante genérico, mais focado no modo de funcionamento da [SCom05...], não tendo concretizado nenhuma viagem ou funcionários da impugnante que tivessem beneficiado dos incentivos promovidos por aquela entidade no ano de 2007.
Cumpre, ainda, referir que no âmbito do procedimento inspetivo a impugnante juntou panfletos de viagens, datadas de 2007, referentes a incentivos aos agentes para a celebração de contratos (fls. 70 a 72 do processo físico) no entanto, confrontados os mesmos com as viagens em causa nos presentes autos, o único destino coincidente é o México, não tendo a impugnante carreado para os presentes autos qualquer prova de que a viagem por ela realizada se refere a uma viagem de incentivo a agentes e, ainda que o fizesse, concluir-se-ia que a mesma não se destinava a angariar clientes, como por ela aventado, mas sim a ser usufruída pelo agente, como referido pela testemunha inquirida, o que levou o Tribunal a considerar que as viagens referidas na parte III.B.2 do RIT não foram realizadas em destinos onde ocorria a concentração de potenciais clientes nem usufruídas por funcionários da impugnante.
Destarte, o Tribunal não logrou formar uma convicção segura quanto à realidade dos factos invocados pela impugnante e, consequentemente, deu-os por não provados, respeitando, assim, o disposto no artigo 414.º do CPC segundo o qual a dúvida sobre a realidade de um facto deve resolver-se contra a parte a quem o facto aproveita.» (fim de transcrição)

Em suma, tal motivação mantém-se incólume perante a extensa argumentação da Recorrente, que redunda na força probatória do RIT e em considerações sobre a contraprova produzida contra os indícios inerentes às correções operadas no sentido de que a mesma foi lograda por via da prova documental (que não indica, nem indentifica) e testemunhal, a que acresce um discurso na mesma linha, prolixo em valorações a retirar de citações soltas que transcreve do depoimento das testemunhas que identifica sem qualquer menção de qual o facto a que se reporta e sem qualquer apreciação critica por reporte à motivação de facto supra.
Sendo certo que a discordância sobre a valoração da prova testemunhal produzida e sobre a convicção do julgador, sem precisar ou identificar o vício lógico em que se incorre não permite a alteração da matéria de facto. A alteração da matéria de facto nos moldes pretendidos, pelo Tribunal de Recurso, só poderá ocorrer em situações de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado em lª instância.
Será interessante até ter presente que, a aceitar-se que bastava ao recorrente apontar qual a matéria de facto que queria ver alterada, em que sentido e, genericamente, que tal discorre de citações não concretizados podiam satisfazer a sua pretensão, tal permitiria precisamente o que desde o início, por via do Decreto Lei n.º 39/95 sempre a lei quis evitar, ou seja, que não fosse possível provocar um novo julgamento sem o cumprimento do respetivo ónus razão para tal [neste sentido entre outros acórdãos do STJ de 22.04.2014, revista no Processo m.º1825/09.7TBSTS.P1.S1 e 10.12.2020, revista no processo n.º 3782/18.0T8VCT.G1].
Em resumo, porque se entende que a Recorrente não cumpriu o ónus da impugnação, no segmento em que o artigo 640 nº2 al. a) do CPC o obrigava sob pena de rejeição, a indicar nos depoimentos das partes e testemunhos as passagens por eles declaradas e que impunham outra decisão, a consequência é, inelutavelmente, a rejeição.

2.2.3. Da violação do princípio da verdade material
Advoga a Recorrente que no âmbito do procedimento inspectivo a AT violou o princípio da verdade material contido no artigo 58º da LGT, posto que lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
Para tanto argumenta que “A AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, conforme se refere, argumentos que reputou como sendo suficientes para deles inferir, como inferiu, por um lado, que “(...) Os valores inscritos nos recibos não foram declarados para efeitos de IRS, por seis dos sujeitos passivos em questão e os restantes três que os declararam ou não apuraram IRS a pagar ou o valor apurado foi quase nulo;(...) Não existe na empresa fluxo financeiro correspondente e comprovativo do pagamento dos recibos, tendo sido referido pelo gerente que os valores foram pagos a dinheiro e de forma faseada”. concluindo que “(...) os valores em questão, registados como custo da empresa, no montante de €84.438,00, não são relevantes, isto é dedutíveis para efeitos fiscais ao abrigo do artigo 23º do CIRC.”, e por outro lado, que “Foram registados como custo do exercício «62227 – deslocações e estadas» (...) no valor global de € 3.543,38 relativos a viagens e alojamento no estrangeiro (...) Ora não se vislumbra a existência de qualquer relação económica entre os custos em causa e a actividade da sociedade, pelo que os mesmos não podem ser aceites para efeitos fiscais” concluindo que “a AT penalizou o sujeito passivo por valores incomportáveis e desajustados, sem sequer aferir do rigor dos valores declarados nas operações efectuadas no período de 2007 bem como da correspondência dos elementos reunidos, com a realidade da empresa”.
Vejamos.
Desde logo cumpre atentar que o princípio da verdade material, nos exactos termos em que surge na presente apelação está intrinsecamente ligado ao princípio do inquisitório, não podendo dele ser dissociado como resulta do preceituado no artigo 58º da LGT avocado pela Recorrente.
O princípio do inquisitório e da verdade material visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (artigo 6º do RCPIT). Tem assento constitucional (artigo 266º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a actividade administrativa, de que são exemplo, além do citado artigo 6º do RCPIT, os artigos 13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º/1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e segs. do CPA.
No procedimento tributário, a iniciativa da procura da verdade material pertence à própria administração tributária, mesmo nos casos em que os pedidos dos contribuintes fiquem aquém das diligências necessárias ao apuramento real dos factos e da aplicação do direito.
Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgão administrativos estão subordinados integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, vol. II, 4ª ed. pp 797).
Por força da aplicação deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão. Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário.
O princípio do inquisitório e da busca da verdade material é uma decorrência do princípio da legalidade. Os direitos dos contribuintes e do credor tributário derivam directamente da lei e dos factos a que esta se aplica. A administração tributária está vinculada à busca desses factos e dos direitos que deles derivam, sendo os procedimentos apenas o instrumento para os declarar. Nesse sentido acórdão do TCAS de 22.10.2015, proferido no âmbito do processo n.º 08843/15, em que se disserta que “9. O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo, tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. Uma das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é através do princípio da verdade material, enquanto concretizador dos princípios da prossecução do interesse público e da igualdade.
10. O princípio da verdade material está consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades.
Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.”.
O dever de a administração tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no
âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que
cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59° da LGT.

Pois tal como se referiu acórdão deste TCA Norte de 27 de outubro de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 00957/09.6BEVIS, “O dever de a administração tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59° da LGT”.
Feito este enquadramento dos princípios em questão, atentemos ao que na sentença recorrida se discorreu sobre a questão de não ter sido preterido o dever de investigação da verdade material acometido a AT (apesar de não delimitado como questão autónoma, a mesma foi abordada em sede de verificação dos pressupostos de facto e de direito), transcrevendo aquela fundamentação por extracto:
«Refira-se, ainda, não merecer acolhimento os argumentos da impugnante quanto à inexistência de qualquer fundamento fáctico-jurídico para a não aceitação dos gastos aqui em causa, não tendo a Administração Tributária e Aduaneira investigado ou aprofundado a realidade dos factos, não tendo encetado diligências para comprovar a situação tributária da impugnante e que ao entender que os custos não são essenciais para a obtenção dos ganhos para efeitos de IRC encontra-se ferida de falta de fundamentação por padecer de conteúdo válido pois que, desde logo, não só a sua não aceitação é fundada, como supra demonstrado, como procedeu a uma análise minuciosa da contabilidade da impugnante, ouviu as declarações dos emitentes dos recibos de ato isolado que manifestaram tal interesse e, ainda, requereu à impugnante esclarecimentos e pediu documentos comprovativos das operações
E mais discorreu em sede de ónus da prova a cargo da AT com relevo, quanto aos actos isolados que foram desconsiderados por não comprovados, que:
«Na situação trazida a Administração Tributária desconsiderou várias operações contabilizadas pela impugnante, relacionadas com os recibos de ato isolado que foram emitidos, pois entendeu tratar-se de operações simuladas por não corresponderem a operações efetivamente existentes, porquanto todos os recibos foram emitidos no final do mês de dezembro e dos nove emitentes dos recibos apenas dois [«GG» e «FF»] prestaram declarações afirmando nunca terem realizado qualquer serviço de angariação de créditos para a impugnante, três declararam os montantes dos recibos no IRS apresentado e os demais nada disseram nem declararam (ponto 08) da matéria assente).
Ademais, consta do RIT que não foram identificados os contratos em que cada angariador/comissionista interveio, inexistindo na empresa fluxo financeiro correspondente e comprovativo do pagamento dos recibos, tendo sido referido pelo gerente que os valores foram entregues em numerário e de forma faseada (ponto 08) da matéria assente).
Resulta, assim, do exposto que a Administração Tributária carreou prova bastante, consistente, coerente e credível da inexistência de operações económicas tituladas pelos recibos emitidos, registados na contabilidade da impugnante, consideradas como titulando operações simuladas por não corresponderem a operações económicas reais.»
E, quanto aos “custos não relevados com deslocações e estadia” – artigo 23º do CIRC, que:
«Informa o probatório que, no âmbito da ação inspetiva realizada, a Administração Tributária constatou que se encontravam registadas na contabilidade da impugnante despesas com deslocações e estadias no valor global de € 3.643,38, relativos a viagens e alojamentos no estrangeiro [Salou, Sanxenxo e México] conforme discriminado no quadro constante do ponto III.B.2. do RIT (ponto 08) do probatório).
A Administração Tributária desconsiderou estas despesas por entender que a empresa desenvolve a sua atividade exclusivamente no mercado nacional, não tendo clientes nem fornecedores nos locais das deslocações e estadas e que os destinos e datas em que as viagens foram realizadas coincidem com períodos normais de férias, além de que as justificações aduzidas pelo gerente para essas despesas [que serviram para incentivar os pontos de venda e agentes para aumento não só do fluxo de encaminhamento de propostas de crédito como fomentar e promover um relacionamento mais próximo tendo sido efetuadas ao serviço da empresa] não foram acompanhadas de prova documental que comprovasse a sua realização pois que os prospetos alusivos às referidas viagens que foram apresentados referem-se a incentivos indexados à realização de contratos sendo o sócio-gerente o beneficiário efetivo e não se comprovando que tenham sido efetuadas ao serviço da empresa.»
Efectivamente, in casu, verifica-se que a AT por via dos seus serviços inspectivos no âmbito do procedimento de inspecção que efectuaram à esfera da Recorrente, no âmbito dos seus deveres de fiscalização realizaram as diligências necessárias tendo em vista a descoberta da verdade material, procurando assim reunir os elementos probatórios necessários a aferir da concreta realização das operações subjacentes aos actos isolados e da indispensabilidade das despesas incorridas com estadias e deslocações.
Pois que ao inspecionar a contabilidade da Recorrente, ciente da sua actividade de angariação de crédito ao consumo, essencialmente para a compra de automóveis, suscitaram-se dúvidas perante duas situações concretas, a primeira relativa a um grupo de recibos registados como custos do exercício na conta “621 – Subcontratos” emitidos no fim de dezembro, atento o seu valor a rondar os 10.000,00€, ao conteúdo dos mesmos (angariação de créditos) que efectivamente estivessem em causa actos isolados, proveram o envio de ofício para as nove (9) pessoas identificadas naqueles mesmos recibos para informarem se realizaram os serviços em causa e se os mesmos foram recebidos, na posse de duas respostas (a negar a realização dos serviços) e na ausência de resposta dos demais, foi consultado o sistema informático da DGCI para aferir da declaração de rendimentos e da correspondência com os valores constantes dos recibos, mas foi notificado o gerente da empresa referiu que referiu os valores em causa se referem à angariação de negócios de venda de automóveis por parte de várias pessoas que depois apresentaram os recibos em causa, e bem assim que os mesmos foram pagos a dinheiro de forma faseada.
Estas as diligências lavadas a cabo quanto aos denominados “actos isolados”, não vislumbra este Tribunal ad quem, acompanhando o Tribunal a quo, que mais era exigido por parte da AT para dissipar a percepção que tinha que aqueles recibos não tinham correspondência com à realidade, em busca da aclamada verdade material e, mais se diga, que não aponta a Recorrente quais as diligências em falta e que se impunham à luz daquele princípio.
E, o mesmo se diga, quanto às despesas desconsideradas de “estadias e deslocação”, em que AT perante despesas inerentes à deslocação e estadia em “Salou – Barcelona”, “Sanxenxo – Pontevedra” e “México – Baia Príncipe”, em que AT se questionou o porquê das mesmas e dispensabilidade, pois o sujeito passivo desenvolve actividade exclusivamente no mercado nacional, não tendo clientes nem fornecedores nos locais das deslocações e estadas e, por outro, os destinos e datas das deslocações coincidem com períodos normais de férias, mais não lhe restou que questionar o sujeito passivo que indicasse se as mesmas foram realizadas ao serviço da empresa e em caso afirmativo a sua relação com os proveitos daquelas empresa, ao que foi informada que “É prática normal no meio financeiro, realizar estas viagens para incentivar os pontos de venda e agentes, no sentido de se aumentar, não só o fluxo de encaminhamento de propostas de crédito, como também fomentar e promover um relacionamento mais próximo, para que assim se mantenha uma maior cumplicidade e um maior conhecimento e confiança com o ponto de venda. É no seguimento desta estratégia de mercado, que se revelou e revela sempre proveitosa ao longo de todos estes anos de actividade, que os contactos aí efectuados provocam um aumento de propostas/negócios apresentados nos mais variados pontos de venda do território nacional. Mais não fizemos do que aproveitar esses encontros para estarmos presentes, e assim usufruir num só espaço da reunião com todos os agentes a nível nacional das várias instituições financeiras./ As viagens e estadias foram efectuadas ao serviço da empresa. A relação com os proveitos da empresa é notória, pois os números de produção conseguidos ao longo do ano de 2007 são a prova mais evidente do sucesso dessas campanhas junto dos agentes.”
Não tendo sido apresentada qualquer prova documental, a dar nota da realização das mencionadas reuniões de trabalho – fosse por via de convocatórias, brochuras promocionais, documentação coach, etc.... ou um qualquer registo, fotografias ou outro.
É certo, que em sede de exercício do direito de audição foram juntos prospectos que analisados naquela sede levaram AT a concluir que os mesmos “se referem a incentivos indexados à realização de contratos ou seja seriam fornecidos descontos em programas de viagens pré definidos, de acordo com o valor dos contratos realizados. O beneficiário efectivo das viagens foi o sócio-gerente, não se comprovando que as mesmas tenham sido efectuadas ao serviço da empresa mas sim em benefício próprio”.
Fica assim a crucial questão o que mais seria exigível à AT de sua iniciativa em sede de investigação? Não vislumbramos, e a Recorrente não concretiza quais os concretos actos de investigação que se impunham.
Mais se diga, se efectivamente existiam e estes estivessem adstritos a investigação a levar a cabo pela AT, os mesmos podiam e deviam ter sido requeridos desde que devidamente justificado o alcance da prova do pretendido lograr.
Não basta a Recorrente afirmar que AT devia ter praticado diligências no sentido de apurar a) qual o modus operandi da Recorrente; b) como é que ela angariava a cliente para obter os proveitos sujeitos a impostos; c) a (in)existência de comissionistas; d) a forma dos pagamentos feitos aos comissionistas; e) a essencialidade dos custos suportados para a realização dos proveitos [dedutibilidade fiscal], para se reconsiderar que à luz da verdade material tudo lhe era exigido, ficando esvaziado de conteúdo o ónus probatório do sujeito passivo, o que nos leva a questionar onde fica o princípio da boa fé e da participação do sujeito passivo
Assim, falece de razão a Recorrente quando alega que em face dos argumentos aduzidos pela AT facilmente se constata que a AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, conforme se refere, baseando a sua decisão na alegada inexistência de serviços de angariação prestados pelos comissionistas bem como a não dispensabilidade e essencialidade dos custos suportados com as viagens e alojamento nos termos do artigo 23.º do CIRC.
Cumpre concluir que os in casu os SIT procederam às diligências necessárias à descoberta da verdade material em cumprimento do princípio do inquisitório a que estavam vinculados, verificando-se que os elementos probatórios por estes reunidos permitiam certificar as conclusões a que chegaram no que em concreto respeita ao enquadramento dos factos e à respectiva subsunção normativa que deles é efectuada.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

2.2.4. Do vício de falta de fundamentação
Prosseguindo, alega a Recorrente, se bem interpretamos as suas conclusões e alegações de recurso, apelando ao artigo 268º, n. º3 da CRP, que a fundamentação apresentada pela AT que sustenta os actos de liquidação objecto de impugnação “(...) não são claros nem suficientes para legitimar a realização de correcções à matéria colectável em sede de IRC para os períodos de tributação de 2007.” e, referenciado o objecto de recurso, a sentença, apela que contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo “(...) a fundamentação apresentada pelo Fisco, não é nem clara nem suficiente, já que, um contribuinte normalmente diligente e razoável colocado na situação concreta de tal liquidação, não poderia reconstituir o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do agente administrativo Autor dos actos tributários, menos ainda, conseguiria entender as razões de facto e de direito que levaram AT a decidir neste sentido e não noutro.”.
Quid iuris?
A fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Ao nível dos atos tributários, encontra-se previsto no artigo 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Como salientam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675).
Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente [neste sentido, entre outros, vide acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14].
“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (in acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014)”.
É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.
Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.
Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.
Feitos estes breves considerandos, verificamos se efectivamente os actos objecto de impugnação foram sancionados pela Recorrente em sede de petição inicial quanto à aludida falta de fundamentação nos termos delineados em sede de recurso.
Feita essa prospeção, somos desde logo de concluir que em sede de petição ao longo dos seus 42º artigos em momento algum foi suscitada a falta de fundamentação nos termos preconizados ora em termos de recurso, pois a sua alegação naquele articulado inicial prende-se com o erro nos pressupostos de facto e de direito das correcções realizadas, porquanto os custos em causa se encontravam devidamente documentados e correspondem a efetivos e reais pagamentos. E, tão só nesse contexto alude no artigo 38º à falta de fundamentação fáctica da correcção proposta do RIT, pugnando pela ilegalidade do acto tributário, sem estruturar a falta de fundamentação enquanto vício próprio, mas sim enquanto invalidade por falta de pressupostos de facto para fundamentarem a liquidação, vide pág. 8 da petição..
Em sede de alegações pré sentenciais, apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT, a Recorrente conclui que “(...) é de concluir que o acto de liquidação objecto de impugnação está inquinados de ilegalidade por violação do principio da verdade material e vício de fundamentação”.
E, disso dá nota o mm.ª juíza ao referir que usando da prerrogativa para apresentação de alegações, a impugnante suscitou a violação do principio da verdade material e da falta de fundamentação, “(...) e quanto ao restante, tal como a Fazenda Pública, iteraram, em substância, os fundamentos aduzidos no respetivo articulado.”.
Apesar do assim contatado, e lhe estar negado o conhecimento de questões suscitadas pela primeira vez em sede de alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT, certo é que em concreto o Tribunal a quo conheceu do princípio da verdade material, razão pela qual este Tribunal ad quem do erro de julgamento de direito assacado aquele juízo formulado não rejeitou o seu conhecimento.
Mas o mesmo não ocorre quanto ao vício de falta de fundamentação.
Como já referido do cotejo do teor da petição inicial não lhe foi feito nenhuma alusão. Ora, no contencioso tributário de anulação a causa de pedir consiste nos “vícios específicos que se invocam para obter o pretendido efeito invalidante do acto impugnado”.
Assim, sabendo-se que “os vícios do acto tributário são simples formas específicas de ilegalidade, será sempre de atentar que, em contencioso de anulação, a causa de pedir consiste no facto ou factos integradores do vício ou vícios imputados ao acto impugnado, ou seja, consiste na concreta realidade de facto subsumível à invocada ilegalidade inquinadora da validade do acto impugnado.
Daí que o tribunal, sendo embora livre na qualificação jurídica dos factos, só possa conhecer de vícios do acto impugnado cujos factos constitutivos tenham sido alegados pelo impugnante, sob pena de cometer a nulidade [de excesso de pronúncia]” (cfr. acórdão do TCAS de 14.05.2002, proferido no processo nº 1707/99)
E no mesmo sentido, in acórdão do STA de 21.01.2015, proferido no processo nº 0152/13,se refere: “Com efeito, decorre do preceituado na parte final nº 1 do art. 108º do CPPT, que é na petição inicial do processo de impugnação que o autor tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido, salvo se supervenientes ou de conhecimento oficioso. É nessa peça processual que tem de alegar os factos integrantes da causa de pedir (que no contencioso de anulação consiste no comportamento concreto da Administração violador das normas jurídicas, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado) e de delinear o pedido que dessa causa de pedir decorre”.
Ora, não estando em causa factos subjectivamente supervenientes nem matéria de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo não estava obrigado a tomar posição sobre o vício de falta de fundamentação inovadoramente alegado em sede de alegações, pois como é consabido as alegações previstas no artigo 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que já são objecto do processo (cfr. acórdão do STA de 25.09.2013, proferido no processo nº 0895/13; vd., em sentido idêntico, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado. Vol. II, Áreas Editora, 6ª ed., pp. 297-298).
E, não estava obrigado a tomar posição, como efectivamente ocorreu [contrariamente ao ocorrido relativamente à violação do princípio da verdade material], dele não tomando conhecimento nos termos aludidos, apenas tendo tomado conhecimento do aduzido em sede de petição inicial do erro nos pressupostos de facto e de direito, aludindo a fundamentação enquanto conteúdo fáctico e jurídico válido à luz do invocado erro, sem erigir uma qualquer apreciação critica e valorativa do aqui aclamado vício de falta de fundamentação.
Ora, o artigo 627.º, n.º 1, do CPC dispõe: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.
Quer isto dizer que o recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria hierarquicamente superior.
O recurso tem assim por objeto a alteração total ou parcial da decisão recorrida que pressupõe que tenha incorrido em erro de julgamento, lato sensu, no qual o recorrente deve identificar as questões decididas e que pretende ver reapreciadas para o que deve enunciar e concretizar o que de errado fez a decisão recorrida; dito de outro modo, tem de desferir um ataque concreto à sentença e evidenciar, o que na sua perspetiva fez de errado e não renovar os mesmos argumentos e/ou de modo dissimulado pretender lograr o conhecimento por este Tribunal ad quem questões novas que não foram objecto de conhecimento, de pronúncia pelo Tribunal a quo.
Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise”, como se lê, no (acórdão do STJ de 17.11.2016, Proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S2).
Em suma, não tendo o Tribunal a quo emitido pronúncia sobre a questão, estamos perante uma questão nova e, por essa razão, não pode este Tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas, nos casos expressamente previstos, conforme os artigos 665º nº 2 e 608º, nº 2, parte final, do CPC, pode este Tribunal ad quem substituir-se ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Por conseguinte improcede este segmento do recurso por manifesta inadequação das suas conclusões do recurso por se tratar de matéria que aqui se apresenta ex novo, e, mais se diga, que o Tribunal a quo não estava obrigado ao seu conhecimento por tal vício só ter sido avocado em sede de alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT, o que a Recorrente bem sabe, razão pela qual não assacou a sentença de nulidade por omissão de pronúncia.

2.2.5. Das conclusões mm) e oo) das alegações de recurso
Em conformidade com a apreciação e o decidido nos pontos 2.2.1 e 2.2.2., resulta em suma, que este Tribunal ad quem manteve integralmente a convicção formada pelo Tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que assim se mostra inalterável.
Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, na sua totalidade, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do artigo 608º, n.º 2, aplicável ex vi do artigo 663º, n.º 2, in fine, ambos do CPC.
Termos em que, improcede na sua totalidade a apelação em presença.

2.3. Conclusões
I. Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II. O facto de a sentença transcrever o relatório na parte respeitante às correções tem o sentido de realçar o que esteve na base da liquidação e, assim, balizar o julgamento da legalidade das correções e consequente liquidação do imposto, podendo, em tese, ser discutível enquanto técnica usada na sentença certo é que não permite tem a virtualidade de invalidar só por si a sentença de molde a considerar incompreensível ou ininteligível, atribuindo-se-lhe o vício da nulidade.
III. Não cumpre o ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto previsto no artigo 640 nº2 .al. a) do CPC o recorrente que, para lá de indicar os concretos pontos daquela decisão que considera incorretamente julgados e apontar que resposta deveria ter sido dada se limita a alegar que a sua discordância decorre, para lá dos documentos que enumera, também dos depoimentos e testemunhos que indica apenas nos seus nomes remetendo para a totalidade dos mesmos sem qualquer indicação das partes ou das expressões que nesses depoimentos considera decisivas para se proceder à alteração da decisão da matéria de facto.
IV. Não se verifica a violação do princípio da descoberta da verdade se a AT recolheu os elementos probatórios necessários ao enquadramento factual da situação jurídica do sujeito passivo, realizando as diligências necessárias;
V. Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
VI. Ou seja, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.
Porto, 05 de junho de 2025


Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Graça Valga Martins
(1.ª Adjunta)
Paulo Moura
(2.º Adjunto)