Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00629/14.0BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 06/19/2020 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Helena Ribeiro |
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Descritores: | FURTO DE VEÍCULO APREENDIDO EM PARQUE DE VIATURAS DO ESTADO; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR FACTO ILÍCITO; CUMPRIMENTO DOS DEVERES DE GUARDA; |
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Sumário: | I- Nos termos do art.º 1187.º do Cód. Civil, o depositário é obrigado a guardar a coisa depositada, a avisar imediatamente o depositante quando saiba que algum perigo a ameaça ou que um terceiro se arroga direitos sobre ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante e a restitui-la com os seus frutos. Porém, se o depositário for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, o mesmo fica desonerado da obrigação de restituição da coisa, conforme prescreve o nº 1 do art.º 1188º do Cód. Civil. II-O dever de indemnizar que impende sobre o Estado em virtude do incumprimento das obrigações legais de guardar uma viatura apreendida no âmbito de um processo crime, emergem do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, que condiciona esse dever de indemnizar à verificação dos seguintes pressupostos: (i) facto, (ii) ilicitude, (iii) culpa, (iv) dano e, (v) existência de um nexo causal entre o facto e o dano. III- Os cuidados a observar de modo a dar como cumpridos os deveres de vigilância que impendem sobre o depositário de uma viatura apreendida têm de se considerar de conteúdo elástico e variável, consoante as circunstâncias. IV- O furto de um veículo apreendido, guardado num local murado a toda a volta, encimado de rede e arame farpado, cujo acesso se processa através de um caminho no qual está colocado um portão elétrico que barra a entrada e onde adicionalmente, perante qualquer movimento, são acionadas luzes no interior desse espaço bem como o sistema sonoro no interior da casa de habitação dos proprietários desse espaço que ali residem, ainda que desprovido da instalação de sistemas de segurança adicionais, designadamente, de sistema de videovigilância ou de vigilante 24 horas por dia, não permite que se conclua automaticamente pelo incumprimento dos deveres de vigilância que impendem sobre o Estado enquanto depositário do bem furtado. V- A circunstância dos indivíduos que procederam ao furto do veículo terem arrancado os braços do portão elétrico colocado no caminho de acesso ao depósito e cortado os fios do sistema elétrico que acionava as luzes e o sistema sonoro, e dos mesmos indivíduos terem movimentado veículos que se encontravam estacionados nas imediações do veículo furtado, com vista a retirarem este último, operação esta que necessariamente demorou tempo e que foi realizada de noite, revela que o furto foi perpetrado por indivíduos altamente especializados e experimentados na atividade delituosa, pelo que a existência de um sistema de videovigilância e a presença de um vigilante não teriam evitado a subtração do veículo. VI- Não se verificando a omissão dos deveres de vigilância por parte do Estado na guarda da viatura apreendida, o seu furto por terceiro exclui qualquer obrigação indemnizatória por parte do Estado. * * Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | M. |
Recorrido 1: | ESTADO PORTUGUÊS |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.1. H., residente na Rua (…), freguesia de (…), concelho de (…), moveu a presente ação administrativa contra o “ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, pedindo a que o tribunal declare que, com exclusão de outrem, o Autor é o dono e legítimo proprietário do veículo automóvel de marca Seat, matrícula XX-XX-XXe, bem assim, que condene o Réu Estado Português a: a- pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), correspondente ao valor comercial do veículo apreendido e que desapareceu quando se encontrava à sua responsabilidade; b- a pagar ao Autor a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros), a título de compensação pelos demais danos provocados ao Autor; c- a pagar juros moratórios sobre as peticionadas quantias, “contados à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento;” Alegou, para tanto, em síntese, ser proprietário do veículo automóvel de marca Seat, modelo Ibiza, por o ter adquirido a P. em 28 de outubro de 2010; O veículo em causa, foi apreendido em 03 de janeiro de 2011, ficando à ordem do processo n.º 10/11JABRG, que correu termos na segunda secção da Vara Mista do Tribunal Judicial de Braga, enquanto era conduzido pelo seu filho; Posteriormente o referido veículo foi furtado “do local onde havia sido depositado”. Na sequência daquela apreensão efetuada ao seu veículo ficou o Estado Português com a responsabilidade de guardar e conservar o referido bem; Ao permitir o seu desaparecimento, violou os deveres que sobre si impendiam, tornando-se responsável pelos danos provocados. 1.2. Regularmente citado, veio o Ministério Público, em representação do Estado Português, contestar, defendendo-se por impugnação. Alegou, em suma, que não houve qualquer omissão dos deveres de conduta ou qualquer falta de diligência por parte dos funcionários intervenientes no processo, pugnando pela improcedência da presente ação. 1.3. Em 31 de janeiro de 2014, proferiu-se despacho saneador (Cfr. fls. 160 a 167 do processo físico), no qual a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga se julgou materialmente incompetente para conhecer do pedido e, em consequência, absolveu o Réu da instância. 1.4. Por requerimento datado de 28 de fevereiro de 2014 (fls. 169 do suporte físico), o Autor requereu a remessa dos autos a este Tribunal, o que foi determinado por despacho de 18 de março de 2014 (Cfr. fls. 172 do suporte físico). 1.5. Em 20 de março de 2014 os presentes autos foram autuados e distribuídos na 1ª Espécie – Ação Administrativa Comum. 1.6. Proferiu-se sentença em que se julgou a presente ação totalmente improcedente e se absolveu o Réu dos pedidos formulados e que consta da seguinte parte dispositiva: «Nestes termos, e pelas razões aduzidas, julgo os pedidos formulados pelo Autor totalmente improcedentes e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada dos pedidos formulados. Custas a suportar pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (Cfr. artigos 527º nºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA e artigo 6º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais). Fixo o valor da ação em € 15.000,00. Registe e Notifique.» 1.7. Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: «I. Vem o presente recurso interposto da sentença que antecede, que julgou totalmente improcedente a ação proposta pelo Recorrente contra o Réu/Recorrido Estado Português. II. A sentença recorrida não deve manter-se, pois não consagra uma rigorosa e ajustada interpretação e aplicação ao caso «sub judice» das normas e princípios jurídicos competentes, as quais merecem, no entender do Recorrente, diferente interpretação e aplicabilidade daquela que a sentença em crise resolveu acolher. III. O art.º 22 da CRP consagra o princípio da responsabilidade patrimonial direta das entidades públicas por danos causados aos cidadãos resultantes do exercício das funções política, legislativa, administrativa e jurisdicional; e abrange quer a responsabilidade do Estado por atos ilícitos, quer por atos lícitos, quer pelo risco. IV. Para que terceiros possam ser ressarcidos dos prejuízos causados pelas ações ou omissões do Estado, basta a prova da existência do dano e do nexo de causalidade adequada entre esse dano e aquelas ações ou omissões. V. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por atos ilícitos está consagrada no art.º 22 da CRP e regulamentada na Lei n.º 31/2008, de 17/07, e assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto. VI. No que concerne à culpa, nos termos do nº 4 do artigo 10º da citada Lei n.º 31/2008, de 17/07, a mesma presume-se sempre que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância, e nos termos do n.º 4 do artigo 7º, considera-se existir funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos. VII. Vertendo ao caso em apreço, apurou-se que o veículo de matrícula XX-XX-XY, propriedade do Autor, foi apreendido 03 de Janeiro de 2011, tendo ficado à guarda do Réu Estado Português, que o transportou para um terreno localizado na Rua (...), freguesia de (...), concelho de (...), sucedendo que na noite de 16 para 17 de setembro de 2011, o referido veículo foi daí retirado por desconhecidos e não mais foi recuperado. VIII. A questão que se coloca nos presentes autos é se o Réu Estado Português teve culpa no desaparecimento do aludido veículo, e por inerência se violou o dever de vigilância que sobre si impendia enquanto depositário do bem, cuja resposta é afirmativa. IX. Atenta a matéria de facto provada, apurou-se, entre outros, que o local que albergou o veículo do Recorrente não possuía videovigilância (ponto 9 dos factos provados), e que a vigilância do espaço era exercida pela mulher do proprietário daquele imóvel, que permanecia diariamente no local, controlando os acessos ao mesmo, de forma não remunerada e sem qualquer vínculo com o Estado Português (ponto 13 dos factos provados). X. Decorre da sentença em crise que entendeu o Tribunal a quo que o facto de a esposa do proprietário residir nas imediações do respetivo espaço, sem qualquer vínculo com o Estado Português e de forma não remunerada, é o suficiente para demonstrar zelo e vigilância do Estado português na guarda e vigilância dos bens depositados naquele espaço, XI. Quando, na verdade, tal factualidade demonstra precisamente o contrário, ou seja, um amadorismo e uma irresponsabilidade evidente do Estado Português, que confiou a guarda e vigilância de dezenas de automóveis a uma pessoa de avançada idade, de forma não remunerada, sem qualquer obrigação ou vínculo contratual, e sem qualquer capacidade ou conhecimento para executar a vigilância do espaço em causa. XII. A violação do dever de zelo e vigilância por parte do Estado Português é tão evidente que, como resulta da prova produzida, o furto do veículo do Autor/Recorrente foi executado na madrugada dia 16 para 17 de Setembro de 2011, ou seja, num período temporal de várias horas em que não foi detetada a respetiva intrusão no espaço, XIII. Tanto mais que os autores do furto, de acordo com a prova produzida, entraram no espaço sem que tivessem acionado qualquer mecanismo de alarme ou campainha, bastando para o efeito um simples corte dos fios elétricos para colocar inativo o sistema de alarme, o que revela tratar-se de um mecanismo amador e sem qualquer segurança, XIV. E por outro lado, a crer na matéria de facto provada e respetiva motivação, os autores do aludido furto terão também arrombado e arrancado os braços do portão automático, e de seguida terão desviado outros veículos para aceder ao veículo do Autor, o que demonstra claramente que os autores do furto permaneceram no espaço por um considerável período de tempo, no qual se movimentaram a seu bel-prazer e sem qualquer interrupção ou estorvo por quem quer que fosse, atos esses claramente incompatíveis com o cumprimento dos deveres de zelo e vigilância do espaço pelo Réu Estado Português. XV. O que impunha ao Réu Estado Português, no cumprimento do dever de zelo e vigilância que sobre si impendia enquanto entidade a quem o veículo do Autor estava confiado, é que, no mínimo, o local em causa estivesse munido de um sistema de videovigilância contratado a uma empresa da especialidade, ou então que existisse vigilante em regime de permanência no local, sendo que em qualquer dos casos o furto teria sido facilmente detetado, ou inclusive não teria existido atendendo a que se tratam de sistemas de segurança claramente dissuasores de ilícitos, XVI. Sendo de todo anormal que a vigilância de um espaço com dezenas de veículos, como é o caso do local que albergava o veículo do autor, não dispusesse de qualquer dos aludidos sistemas de vigilância, estando a guarda do espaço a ser executada por uma pessoa de idade avançada, “por mero favor” e sem qualquer obrigação ou vínculo contratual, e sem qualquer propensão ou conhecimento para o exercício do zelo e vigilância que se impunha. XVII. Salvo o devido respeito pela opinião e ciência da sentença a quo, a factualidade considerada provada na sentença em crise demonstra de forma evidente que o Réu Estado Português descurou e negligenciou, de forma grosseira, os deveres de zelo e vigilância que se impunham no caso concreto. XVIII. A sentença em crise não credibiliza o sistema de justiça aos olhos da comunidade, na qual impera uma ideia generalizada de impotência e descrença quando a entidade demandada é o Estado Português. XIX. Deverá a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que considere que o Réu Estado Português violou os deveres de zelo e vigilância que se impunham como depositário do veículo automóvel propriedade do Recorrente, verificando-se a culpa (que se presume), a ilicitude da sua conduta, bem como o dano e o respetivo nexo de causalidade adequada entre aquele e a omissão, e, em consequência ser o Réu condenado a ressarcir o Autor/Recorrente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. XX: No que concerne aos danos patrimoniais, tendo-se apurado que o Autor/Recorrente despendeu, para pagamento do veículo de matrícula XX-XX-XX a quantia de 5.000,00 € em numerário, e entregou também um veículo de marca Toyota cujo valor não se logrou apurar, deverá o Réu ser condenado a restituir ao Autor a quantia de 5.000,00 €, acrescida do valor do veículo de marca Toyota entregue, a liquidar em execução de sentença, XXI. A título de danos não patrimoniais, atendendo ao facto provado sob o ponto 19 da sentença, donde resulta que o Autor/Recorrente ficou nervoso, agitado e aborrecido por ter ficado sem o veículo automóvel em causa, deverá a sentença que antecede ser revogada e substituída por outra que condene o Réu no pagamento, ao Autor, da quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros). XXII. A sentença em crise viola o artigo 22 da CRP, bem como os artigos 7º e 10º da Lei n.º 31/2008, de 17/07. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS A HABITUAL JUSTIÇA.» 1.8. O apelado contra-alegou mas não formulou conclusões. 1.9. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT. Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”. 2.2. Assentes nas enunciadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto ao mérito por nela se ter considerado que o Estado cumpriu o seu dever de vigilância em relação ao veículo do apelante, cuja guarda lhe estava confiada, nenhuma responsabilidade lhe tendo sido assacada no furto desse veículo. ** III.FUNDAMENTAÇÃOA.DE FACTO 3.1. O Tribunal a quo deu como provada, com relevo para a decisão a proferir, a seguinte factualidade: «1. Em outubro de 2010, o Autor celebrou um contrato de compra e venda com P., mediante o qual o Autor comprou e P. vendeu um veículo automóvel da marca Seat, modelo Ibiza, com a matrícula XX-XX-XX (Cfr. Doc. n.º1 junto com a Petição Inicial (PI) e documentos de fls. 66 e 68 do suporte físico). 2. A título de pagamento do preço da transação referida no ponto anterior, o Autor entregou a P. um veículo da marca Toyota de sua propriedade e €5.000,00 (cinco mil euros) em numerário [Cfr. Doc. n.º1 junto com a Petição Inicial (PI)]. 3. Em 03 de janeiro de 2011, o veículo identificado no ponto 1 foi apreendido no âmbito de operação levada a cabo por elementos da Esquadra de Investigação Criminal, Divisão Policial de Braga, da Polícia de Segurança Pública, dando origem ao NUIPC 10/11.2JABRG, cujo teor do “Auto de Notícia” se transcreve: “Hoje, por volta das 18H30. foi solicitada a nossa comparência na 2ª Esquadra, em Santa Tecla, em virtude de ali se encontrar o cidadão J., que momentos antes havia sido vítima de roubo com sequestro, a fim de realizarmos diligências tendentes â identificação doe dois suspeitos referenciados nos autos. Foi a vítima conduzida às Instalações da EIC e da seguida à Unidade de Polícia Técnica (UPT) onde lhe foram exibidos vários clichés fotográficos de indivíduos relacionados com a prática deste tipo de ilícitos, o qual de imediato a de forma inequívoca, reconheceu o individuo retratado no clichê nº 649 PCBRG, de seu nome M., o qual é sobejamente conhecido nesta Policia pelos mesmos motivos. O ofendido referiu ainda que os autores se faziam transportar num veiculo de cor azul escuro, sabendo apenas que as letras eram no fim a era XX. Através de consulta que efetuei no sítio da conservatória do registo automóvel, com a cor e as letras, supus tratar-se do veículo de matrícula XX-XX-XY, mas fiquei com algumas reservas, dado o mesmo não estar registado em nome do suspeito reconhecido, mas em nome de P.. Prosseguimos o turno do serviço e, por volts das 23H00, resolvemos subir ao miradouro do Monte do (...), local onde têm ocorrido crimes nas mesmas circunstâncias, e, quando já descíamos aquela artéria, verificamos que subia o veículo atrás identificado, facto que nos levou a inverter a marcha e interceptar o mesmo, o qual em conduzido pelo M. (referido pelo ofendido como tendo entre 1,60 e 1,70m) e no lugar ao lado do condutor seguia o A., que veste um casaco com capuz, em tons de branco, o qual apresenta alguns problemas de voz (GAGO) e tem de altura entre 1,75 e 1,80m. Foram os suspeitos sujeitos a revista, e o M. trazia no pulso o relógio que tinha sido roubado ao lesado, relógio esse que se encontra identificado em campo próprio. O condutor do veículo referiu que este é de sua propriedade e que o trocou peio tinha anteriormente, que era de matricula XX-XX-XW, só não o registou ainda em seu nome em virtude do anterior proprietário ter um problema de hipoteca do mesmo. Por tal motivo, foi o veículo usado na prática do Ilícito, apreendido, juntamente com o documento único. Não se procedeu ao reconhecimento pessoal dos suspeitos, devido ao facto do ofendido residir em Matosinhos. Junto se envia o relógio e veiculo apreendidos.” (Cfr. Documento constante de fls. 47 e 48 do processo físico) 4. Na sequência da apreensão o veículo XX-XX-XX foi transportado para um terreno localizado na Rua (...), freguesia de (...), concelho de (...), aí ficando guardado. 5. O terreno referido está integrado no imóvel, propriedade de J., constituído por um armazém com cerca de 260 m2 de área útil e um logradouro com cerca de 245 m2. 6. Todo o espaço do imóvel é destinado à recolha de veículos apreendidos em processos crimes, a correr termos no Tribunal Judicial de Braga, na sequência de um contrato de arrendamento celebrado entre o proprietário e o Estado Português há vários anos. 7. O armazém identificado no ponto 5 é construído em alvenaria, executada em blocos de cimento na fachada norte e em tijolo vazado nas restantes fachadas, que se encontram rebocadas e pintadas. 8. O logradouro mencionado no ponto 5 encontra-se vedado por muros, rede e arame farpado, com cerca de 1,80m de altura. 9. O acesso ao espaço identificado no ponto 5 efetuava-se por um caminho precedido de um portão em ferro, equipado com “braços elétricos”, para cuja abertura era acionado um comando elétrico. 10. O local identificado no ponto 5 não possuía videovigilância. 11. O proprietário do imóvel, mencionado no ponto 5 reside com a sua mulher numa habitação junto ao mesmo, cujo acesso é comum ao espaço, objeto de arrendamento ao Estado Português. 12. O local, mencionado nos pontos 4 e 5, estava equipado com um sistema elétrico que acionava a iluminação, bem como um sistema sonoro no interior da habitação do proprietário, logo que detetados movimentos no espaço. 13. A mulher do proprietário daquele imóvel permanecia diariamente no local, controlando os acessos ao mesmo, de forma não remunerada e sem qualquer vínculo com o Estado Português. 14. Na noite de 16 para 17 de setembro de 2011, indivíduos encapuzados, entraram no espaço, onde se encontrava guardado o veiculo XX-XX-XX, que daí retiraram e levaram consigo, tendo para o efeito arrancado da parede os “braços elétricos” do portão e cortado o fio da instalação elétrica. 15. Na data da ocorrência mencionada no ponto 14 encontravam-se no espaço exterior do imóvel identificado nos pontos 4 e 5 cerca de 70 veículos, alguns de valor consideravelmente superior ao veículo que foi retirado - veículo marca Seat com a matrícula XX-XX-XX (Cfr. documento de fls. 129 do suporte físico). 16. O local identificado nos pontos 4 e 5, tendo em conta a data dos factos descritos no ponto 14, era utilizado há mais de 18 anos para os fins descritos no ponto 5, não existindo, até à data da ocorrência referida no ponto 14, qualquer registo de furto ou roubo de veículos. 17. Os factos descritos no ponto 14 foram participados pelo Secretário de Justiça, em representação do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ao Sr. Procurador-Adjunto dos Serviços do Ministério Público junto daquele Tribunal (Cfr. documentos de fls. 91 e 92 do suporte físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) 18. A participação identificada no ponto anterior deu origem ao inquérito criminal que correu sob o NUIPC 2072/11.3 TABRG, no qual foi proferido despacho de arquivamento, por não terem sido recolhidos indícios bastantes. (Cfr. documentos de fls. 142, 143 e 144 do suporte físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 19. O Autor ficou nervoso, agitado e aborrecido por ter ficado sem o veículo automóvel descrito no ponto 1. Factos não provados 1. O veículo identificado no ponto 1 tinha o valor de €10.000,00 (dez mil euros).» III. DE DIREITO 3.2. O apelante não se conforma com a decisão recorrida que absolveu o Réu Estado Português dos pedidos formulados, pretendendo através deste recurso jurisdicional que o TCAN revogue essa decisão e a substitua por outra que considere que o Estado Português violou os deveres de zelo e vigilância que se impunham como depositário do veículo automóvel propriedade do apelante, dando como verificados os pressupostos da culpa, da ilicitude da sua conduta, bem como do dano e do respetivo nexo de causalidade adequada entre aquele e a omissão, e, em consequência que se condene o Réu a ressarcir o apelante pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. A questão essencial a decidir neste recurso é por conseguinte a de saber se a decisão recorrida errou ao considerar que o Réu Estado Português não teve culpa no desaparecimento do veículo propriedade da autora e se, por conseguinte, conforme sustenta o apelante, o Réu devia ter sido condenado nos pedidos que formulou porque teve efetivamente culpa, na medida em violou o dever de vigilância que sobre si impendia enquanto depositário do bem (o dito veículo automóvel). Na apelação o autor alegou, em síntese, ter sido apurado que o local onde se encontrava depositado o seu veículo não possuía videovigilância (ponto 9 dos factos provados), e que a vigilância do espaço era exercida pela mulher do proprietário daquele imóvel, que permanecia diariamente no local, controlando os acessos ao mesmo, de forma não remunerada e sem qualquer vínculo com o Estado Português (ponto 13 dos factos provados). Sustenta o apelante que esta factualidade demonstra precisamente o contrário do que foi considerado pelo Tribunal a quo, ou seja, um amadorismo e uma irresponsabilidade evidente do Estado Português, que confiou a guarda e vigilância de dezenas de automóveis a uma pessoa de avançada idade, de forma não remunerada, sem qualquer obrigação ou vínculo contratual, e sem qualquer capacidade ou conhecimento para executar a vigilância do espaço em causa. Em seu entender, os factos apurados revelam de forma evidente que houve violação do dever de zelo e vigilância por parte do Estado Português o que é também revelado pelo facto do furto do veículo do Autor ter sido executado na madrugada dia 16 para 17 de Setembro de 2011, e terem decorrido várias horas em que não foi detetada a respetiva intrusão no espaço. Ademais, os autores do furto, de acordo com a prova produzida, entraram no espaço sem que tivessem acionado qualquer mecanismo de alarme ou campainha, bastando para o efeito um simples corte dos fios elétricos para colocar inativo o sistema de alarme, o que revela tratar-se de um mecanismo amador e sem qualquer segurança. E por outro lado, aduz ainda que a crer na matéria de facto provada e respetiva motivação, os autores do aludido furto terão também arrombado e arrancado os braços do portão automático, e de seguida terão desviado outros veículos para aceder ao veículo do Autor, o que demonstra claramente que os autores do furto permaneceram no espaço por um considerável período de tempo, no qual se movimentaram a seu bel-prazer e sem qualquer interrupção ou estorvo por quem quer que fosse, atos esses claramente incompatíveis com o cumprimento dos deveres de zelo e vigilância do espaço pelo Réu Estado Português. Conclui que para o dever de zelo e de vigilância que impendia sobre o Estado enquanto entidade a quem o veículo do Autor estava confiado tivesse sido cumprido era exigível que, no mínimo, o local em causa estivesse munido de um sistema de videovigilância contratado a uma empresa da especialidade, ou então que existisse vigilante em regime de permanência no local, sendo que em qualquer dos casos o furto teria sido facilmente detetado, ou inclusive não teria existido atendendo a que se tratam de sistemas de segurança claramente dissuasores de ilícitos. Para o apelante é de todo anormal que a vigilância de um espaço com dezenas de veículos, como é o caso do local que albergava o veículo do autor, não dispusesse de qualquer dos aludidos sistemas de vigilância, estando a guarda do espaço a ser executada por uma pessoa de idade avançada, “por mero favor” e sem qualquer obrigação ou vínculo contratual, e sem qualquer propensão ou conhecimento para o exercício do zelo e vigilância que se impunha. A seu ver, a sentença recorrida, não credibiliza o sistema de justiça aos olhos da comunidade, na qual impera uma ideia generalizada de impotência e descrença quando a entidade demandada é o Estado Português. Que dizer? 3.3. Antes de nos debruçarmos sobre as criticas que o apelante assaca à decisão sob sindicância, importa recordar a subsunção jurídica efetuada pelo Tribunal a quo para concluir pela absolvição do Réu dos pedidos que contra si vêm formulados na ação, e que foi a seguinte: «(…) Como já foi referido, o Autor vem alegar que, em virtude da apreensão do veículo, o Estado Português ficou com a obrigação de guardar e conservar o referido bem, e que, ao permitir que o mesmo desaparecesse, violou os deveres que sobre si impendiam e sendo responsável pelos danos que tal conduta lhe provocou. Não obstante o Autor não identificar à luz de que regime legal pretende ser indemnizado, pela sua causa de pedir, infere-se que a sua pretensão deverá ser analisada à luz do instituto da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, a quem imputa a conduta, ou mais precisamente a omissão, causadora dos alegados prejuízos que sofreu. Dispõe o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas” o seguinte: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”. Este artigo estabelece o Princípio Constitucional da responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas, responsabilidade essa, cujo regime legal se encontra atualmente previsto na Lei 67/2007, de 31 de dezembro que veio substituir a regulamentação introduzida pelo Decreto-lei 48051, de 21 de novembro, sendo igualmente este o regime legal em vigor na data da prática dos factos. Nos termos do artigo 1.º deste diploma, o mesmo rege a responsabilidade civil do estado e demais pessoas coletivas públicas por danos decorrentes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa. Como decidido no despacho saneador (Cfr. fls. 160 a 167 do processo físico), não obstante estar em causa uma apreensão realizada no âmbito de um Processo de Inquérito Criminal, o Autor não configura a presente ação com base em erros ou falhas na atividade decisória, desenvolvidas no âmbito da função jurisdicional, mas sim a uma culpa funcional dos serviços, em virtude de violação do dever de guardar e conservar o veículo apreendido no âmbito do referido processo. Está assim em causa o exercício da função administrativa definida no artigo 1.º n.º 2 para efeitos deste diploma como integrando “ações e omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. Para a efetivação desta responsabilidade incumbe ao lesado o ónus de alegar e provar os factos integradores dos seus pressupostos pela verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o dano [veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/06/2011 proferido no processo nº 0762/09 disponível para consulta em www.dgsi.pt]. Nos termos do artigo 7.º n.º 1 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. Ora, cumpre, antes de mais analisar se ocorreu alguma atuação ou omissão ilícita, para efeitos deste regime. O artigo 9.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas estabelece as três modalidades alternativas de verificação da ilicitude, quais sejam, a ilegalidade e a inobservância de deveres de cuidado, ambas previstas no nº 1, e o denominado “funcionamento anormal do serviço”, previsto no n.º 2. Da forma como o Autor configura ação, o mesmo imputa como causa da ilicitude a omissão de deveres objetivos de cuidado no armazenamento e conservação do veículo após a sua apreensão. Nas palavras de Rui Medeiros “(...) é frequente que, em situações decorrentes de ações materiais ou omissões da Administração Pública, que não da emissão ou recusa de atos jurídicos, a lesão dos direitos de outrem não resulte da violação de normas. Ora, ao assumir que, nesse tipo de situação, são ilícitas as condutas que envolvam violação de deveres objetivos de cuidado, o preceito assume que, para que exista ilicitude, as consequências da lesão do direito de outrem sem causa justificativa têm de ser imputadas à inobservância dos deveres objetivos de cuidado que ao agente se impunham para evitar a ocorrência da lesão. De outro modo, não haverá ilicitude.” [in Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Universidade Católica, Lisboa, 2013, pág. 246]. Ora, não resulta da alegação do Autor, ou da instrução realizada nos autos, a quem estava confiada a guarda do veículo apreendido, ou seja, não foi individualizado quem estaria incumbido dos deveres objetivos de cuidado alegadamente violados, não existindo uma imputação ao agente da prática do ilícito. Ora, o artigo 9.º n.º 1 remete a ilicitude a uma condutas de “titulares de órgãos, funcionários ou agentes”, ou seja, a ilicitude decorrente da violação de deveres objetivos de cuidado exige uma prévia identificação dos “obrigados” à conduta em causa, é necessário imputar especificamente a conduta alegadamente ilícita. Como refere Mário Aroso de Almeida “o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas pelo exercício da função administrativa assenta, primacialmente, no princípio da imputação direta às entidades públicas dos ilícitos cometidos pelos seus órgãos ou agentes, pelo que pressupõe a imputação de um concreto facto lesivo à conduta, ativa ou omissiva, de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado.” (sublinhado nosso) [“Teoria Geral do Direito Administrativo”, Almedina, Coimbra, 3ª Edição, reimpressão, 2016, pág. 496]. Nos termos do artigo 7.º n.º 3 da Lei 67/2007, de 31 de dezembro, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.” Ou seja, não sendo o comportamento de um particular agente a causa do dano, casos de “falta coletiva”, ou não sendo possível determinar a autoria pessoal da ação ou omissão, casos de “falta anónima”, existirá ilicitude verificado o funcionamento anormal do serviço. Nos termos do n.º 4 do mesmo normativo “Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos”. Assim, sendo, passemos à analise da ilicitude à luz da denominada modalidade de “funcionamento anormal do serviço”. Quais seriam, no caso os padrões médios de resultado, ou como se configuraria uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos? Vejamos no caso. O veículo do Autor foi apreendido num processo de inquérito criminal por ter sido “usado na prática do ilícito” (Cfr. ponto 3. da matéria assente) processo que correu os seus termos sob o número 10/11.2JABRG nos Serviços do Ministério Público do então Tribunal Judicial de Braga. Nos termos do artigo 178.º n.º 1 do Código de Processo Penal, com a redação aplicável á data dos factos, conferida pela Retificação 105/2007, de 09 de novembro “São apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.” Nos termos do artigo 2.º do mesmo normativo “Os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos apreendidos nos termos do número anterior são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto.” Demonstrou-se, nos presentes autos que o veículo em causa foi armazenado num prédio arrendado pelo Tribunal Judicial de Braga para parqueamento de viaturas apreendidas em processos criminais e no qual se encontravam, pelo menos, cerca de outras 70 viaturas. Assim sendo e como indica o próprio artigo 178.º n.º 2 do Código de Processo Penal, após a apreensão judicial do veículo, os Serviços do então denominado Tribunal Judicial de Braga funcionavam como “depositários” do mesmo, mais precisamente depositários judiciais. Nos termos do artigo 760.º do Código de Processo Civil, além dos deveres gerais do depositário, incumbe ao depositário judicial o dever de administrar os bens com diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas. Por sua vez, o artigo 1187.º do Código Civil fixa, como obrigações do depositário, guardar a coisa depositada e avisar imediatamente o depositante quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante. Será ainda obrigação do depositário restituir a coisa depositada com os seus frutos [Cfr. alíneas a) a c)]. Não obstante, o artigo 1188.º n.º 1 do mesmo diploma, determina que o depositário, se for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, devendo dar conhecimento imediato da privação ao depositante. Vejamos o que resultou provado. Nos presentes autos, após ter sido apreendido, o veículo ficou armazenado num espaço arrendado para o feito, pelo Estado Português, no qual se encontravam, pelo menos, cerca de 70 outros veículos. Este espaço integrava um armazém e um logradouro de grandes dimensões, estando integralmente vedado com muros, redes e arames farpados, os quais teriam cerca de 1.80 metros de altura. Provou-se igualmente que o acesso ao referido local se fazia por um portão elétrico, cuja abertura apenas operava através de comando elétrico (Cfr. pontos 6 a 13 e 15 da matéria assente). Não obstante não possuir sistema de videovigilância, estava equipado com um sistema de alarme acionado pela deteção de movimentos. Do mesmo modo, demonstrou-se que o acesso ao local era controlado e condicionado, sendo que a esposa do proprietário se encontrava no mesmo diariamente, dificultando o acesso por pessoas não autorizadas (Cfr. pontos 11 a 13 da matéria assente). Ou seja, demonstrou-se nos autos que o veículo, após a sua apreensão, foi aparcado num local arrendado especificamente para o efeito, de difícil acesso, cujas características demonstram zelo e diligência dos serviços do Tribunal Judicial de Braga nesta atividade. Do mesmo modo, o local tem sido utilizado há mais de 18 anos para o aparcamento de veículos apreendidos no âmbito de processos criminais, não existindo quaisquer registos de furtos ou roubos de veículos quer em data anterior, quer em data posterior (Cfr. pontos 16 da matéria assente). Acresce ainda que, para subtraírem aquele veículo, entraram no local dois homens encapuzados que, para o efeito, procederam à destruição do portão de acesso, ao corte dos fios elétricos respetivos, bem como danificaram os braços metálicos (Cfr. pontos 14 da matéria assente). Resulta, assim, claro que não foi imputável à atuação dos serviços da Entidade Demandada a subtração do veículo, estando em causa uma conduta criminosa de terceiros, que, nos termos do artigo 1188.º do Código Civil determina a exoneração do dever de guarda e restituição da coisa que impendia sobre os serviços do Tribunal Judicial de Braga, enquanto “depositários” do referido bem. Ainda no cumprimento dos seus deveres de depositário, o Secretário do Tribunal Judicial de Braga comunicou o furto aos serviços do Ministério Público, de forma a que o mesmo fosse investigado pelas autoridades competentes (Cfr. pontos 17 e 18 da matéria assente). Sempre se terá de acrescentar que a situação se configura como completamente anómala e atípica, tanto pelo facto de não terem sido registados, em 18 anos, outros incidentes semelhantes naquele local, como pelo facto de, tendo sido destruído o portão de acesso, apenas foi subtraído o veículo em causa nos autos e não outros que no local se encontravam, de valor mais elevado e de mais fácil acesso. Em face do exposto, é forçoso concluir que não ocorreu um funcionamento anormal dos serviços, nos termos configurados no artigo 7.º n.ºs 3 e 4 da Lei 67/2007, de 31 de dezembro e, como tal, na sequência do supra exposto, não se verifica a ilicitude da conduta dos serviços da entidade demandada. Nesta medida, uma vez que os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual do estado são de verificação cumulativa restará concluir pelo indeferimento da pretensão formulada nos autos.» 3.4. A Meritíssima juiz a quo enquadrou, e bem, a pretensão formulada pelo autor no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, prevista e regulada na lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, apreciando as obrigações que impendiam sobre o Estado português, à guarda de quem, nos termos do n.º2 do artigo 178.º do Cód. Proc. Penal, ficou legalmente confiado o veículo apreendido ao autor, e fê-lo à luz dos deveres que impendem sobre o depositário, previstos nos artigos 1187.º e seguintes do Cód. Civil, acrescidos dos que oneram o depositário judicial nos termos do art.º 760.º do Cód. Proc. Civil. Vejamos. 3.5. Com efeito, entre o Estado Português e o apelante não existe qualquer relação contratual nos termos da qual o primeiro se tivesse obrigado a guardar o veículo automóvel com a obrigação de o restituir. A apreensão desse veículo e o consequente depósito deste é uma decorrência que emerge da própria lei. No caso, mais concretamente do Cód. Proc. Penal. Logo, qualquer incumprimento das obrigações que impendem sobre o Estado português de vigiar a viatura em causa apenas podem emergir do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que condiciona esse dever de indemnizar à verificação dos seguintes pressupostos: (i) do facto, enquanto evento controlável ou suscetível de ser controlado pela vontade humana; (ii) da ilicitude, porquanto violador de direitos subjetivos ou de normas destinadas a proteger interesses alheios; (iii) da culpa, na medida em que a conduta ilícita do agente merece censura ético- jurídica por se mostrar desconforme com as obrigações que impendem sobre um vigilante que atuasse no concreto condicionalismo em que se verificou o facto ilícito e que exigiam que o agente tivesse agido em conformidade; (iv) danoso porque causador de prejuízos que integram a esfera jurídica patrimonial do demandante ou lesivos de direitos cuja natureza é insuscetível de avaliação pecuniária como sejam as dores, a vida, o sofrimento etc…que, no entanto, dada a sua natureza e gravidade devam ser compensados e, (v) finalmente, a existência de um nexo causal entre o facto e o dano, o que exige que, em abstrato, o dano de acordo com o normal acontecer das coisas seja uma consequência natural, normal e, por isso, esperável do concreto comportamento ilícito e culposo do agente e em concreto, afirma-se esse nexo ( Cfr. Lei n.º 67/2007). Naturalmente que, apesar de se estar perante uma responsabilidade civil aquiliana que tem na sua base o incumprimento da própria lei por parte do agente e não quaisquer deveres contratuais ou acessórios que emergem de um contrato celebrado entre o agente e o lesado, consubstanciando os deveres que impendem sobre o Estado português o dever de vigilância sobre o veículo apreendido e a eventual restituição do mesmo ao respetivo proprietário em caso de aquele não vir a ser perdido a favor do Estado, prestações estas a que se reconduzem as obrigações principais que impendem sobre o depositário no contrato de depósito e sobre o fiel depositário no processo executivo, o recorte das obrigações legais que impendem sobre o Estado português há- de ser feito a partir das obrigações que impendem sobre o depositário e o fiel depositário, não obstante a fonte diversa em que assentam as obrigações de uns e outros, fonte essa que, quanto ao depositário tem, inclusivamente, origem contratual. 3.6. Posto isto, de acordo com o disposto no art.º 1187.º do Cód. Civil o depositário é obrigado a guardar a coisa depositada, a avisar imediatamente o depositante quando saiba que algum perigo a ameaça ou que um terceiro se arroga direitos sobre ela, sendo o facto desconhecido do depositante e a restitui-la com os seus frutos. E nos termos do disposto no nº 1 do art.º 1188º do mesmo Código, se o depositário for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, o mesmo fica desonerado da obrigação de restituição da coisa. Como observa Rodrigues Bastos Cfr. Notas ao Código Civil, IV, pág. 293; no mesmo sentido, cremos, o Ac. deste STJ de 21.1.03, proferido no Pº 02 A3963 (Rel: Ribeiro Coelho). no seu comentário ao preceito, o que há de particular no art.º 1188º é a obrigação posta a cargo do depositário de, quando tal se verifique, dar imediato conhecimento ao depositante da privação da detenção da coisa; não sendo a obrigação de aviso culposamente cumprida, o depositário responderá pelos danos causados pela falta ou demora na comunicação; nisto, e só nisto, reside a especificidade da norma, já que a perda, sem culpa, da detenção justifica desde logo a extinção da mencionada obrigação, nos termos gerais, por impossibilidade do cumprimento por causa não imputável ao devedor (art.º 790º, nº 1 C.C.). A respeito desta disposição legal também o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 21.01.03, proferido no Pº 02 A3963, acessível in base de dados da DGSI, escreveu que «Se esta disposição não existisse, dir-se-ia que a subtração da coisa por terceiro poria o depositário numa situação de impossibilidade de cumprimento da obrigação de restituição que, por aplicação das disposições gerais, ou extinguiria essa obrigação e também, naturalmente, as de guarda e de aviso ao depositante - já que, quanto a esta, se poderia entender que, consumada a subtração, nenhuma ameaça subsistia já - se a impossibilitação se devesse a causa que lhe não fosse imputável - cfr. art. 790º, nº 1 -, ou, no caso contrário, o faria incorrer em responsabilidade contratual por não cumprimento da obrigação de restituição - cfr. art. 798º -, mas sendo seu o ónus de prova da falta de culpa sua, culpa esta que, em princípio, se presume - cfr. art. 799º, nº 1. Assim, o interesse útil desta disposição - que, como se disse, exonera o depositário das obrigações de guarda e de restituição que, pelas regras gerais, sempre se extinguiriam também - parece reduzir-se à imposição de ser dada imediata notícia do facto ao depositante, assim reconfigurando e mantendo em novos moldes a obrigação de aviso pré-existente à subtração e impedindo que se tenha o contrato como extinto no caso de a privação da coisa não ser imputável ao depositário; daí a eventual responsabilidade contratual em que este poderá incorrer se essa obrigação não for cumprida.» Cfr. Ac. do STA, de 21.01.2003, processo 02A3963. 3.7. Não se ignora que o STJ, no seu Acórdão de 17/3/83, publicado no BMJ 325-564, começou por defender que em caso de furto da coisa depositada o depositário não teria que provar a sua falta de culpa, mas esta jurisprudência foi abandonada, por não traduzir a melhor interpretação da lei. Na verdade, conforme se refere no primeiro dos Acórdãos do STJ que citamos um tal entendimento «… entraria em rutura com o princípio geral vigente em matéria de responsabilidade contratual e sem que razões de fundo o impusessem ou aconselhassem, sendo, como é sabido, que muitas vezes os atos de desapossamento, violentos ou não, praticados por terceiros são facilitados pela negligência do esbulhado. Não valendo este artigo para os casos em que a coisa depositada é fortuitamente perdida pelo seu depositário - sempre enquadráveis, portanto, no art. 799º, nº 1, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, pg. 839 -, a unidade do sistema ficaria seriamente posta em causa se, em caso de subtração por terceiro, se não onerasse o depositário com o encargo de provar que a privação da coisa se deve a causa que lhe não é imputável. Aliás, sempre a letra do art. 1188º, nº 1 dá melhor apoio a esta ideia na medida em que a extinção por ela estatuída tem, como requisito, a privação da detenção por causa não imputável ao depositário, e não qualquer outra, pelo que só a verificação concreta de tal condicionalismo pela positiva é idónea para produzir semelhante efeito; e, extinguindo-se só naquele primeiro caso as obrigações de guarda e restituição e os correspondentes direitos subjetivos do depositante, também pelo art. 342º, nº 2 se concluiria caber ao obrigado o respetivo ónus probatório.» É claro que as considerações acabadas de enunciar neste Acórdão do STJ foram realizadas em relação a casos de responsabilidade contratual em que, por via do disposto no art.º 799.º, n.º2 do CC se presume a culpa do devedor/depositário de restituição da coisa em caso de incumprimento das suas obrigações contratuais de guarda do bem. 3.8.Pois bem, não obstante isso, entendeu-se naquele aresto que não obstante aquela presunção de culpa a mesma só existe na estrita medida em que se prove que o depositário incumpriu os seus deveres contratuais de vigilância sobre o bem e, por isso, que o mesmo agiu ilicitamente, prova essa que impende sobre o depositante ( lesado), uma vez que o art.º 799.º , n.º2 do CC estabelece uma presunção de culpa contra o depositário mas não uma presunção de ilicitude, ou seja, é preciso que se alegue e prove factos concretos dos quais decorra que o depositário incumpriu os seus deveres contratuais de vigilância, nisto se reconduzindo a ilicitude do seu comportamento por infração às obrigações contratuais a que se vinculou, presumindo-se, uma fez efetuada a prova da ilicitude, que esse incumprimento de tais deveres de vigilância são de imputar ao depositário a título de culpa. Resulta do que se vem dizendo que, em sede de responsabilidade contratual se o depositante/lesado está dispensado do ónus da alegação e da prova de factos concretos demonstrativos da culpa do depositário, já não está dispensado do ónus da alegação e da prova de factos demonstrativos em como o mesmo agiu ilicitamente, ou seja, em como incumpriu os deveres contratuais que o obrigavam a vigiar esse bem e, só feita a prova dessa ilicitude, é que se pode partir para a presunção da culpa. Assim, é que se compreende que naquele aresto se sustente que desaparecido ou danificado um veículo entregue a um depositário não se pode concluir, sem mais, que o depositante agiu com culpa uma vez que na base desse desaparecimento ou danificação podem estar múltiplas circunstâncias, incumbindo ao depositante o ónus da alegação e da prova dos factos demonstrativos do comportamento ilícito porque infrator dos deveres principais e acessórios que emergem do contrato de depósito e só feita essa prova é que se pode concluir pela aplicação da presunção da culpa. 3.9.Acontece que nos presentes autos não estamos, conforme referido, no âmbito da responsabilidade contratual mas no domínio da responsabilidade aquiliana em que não existe norma equivalente à do art.º 799.º, n.º2 do CC, o que significa que é sobre o depositante, no caso o apelante, que impende o ónus da prova de todos os pressupostos de cuja verificação o art.º 483.º, n.º1 do CC faz depender a constituição do Estado Português enquanto depositário, no dever de indemnizar, ou seja, é sobre o mesmo que impende o ónus da alegação e da prova dos factos constitutivos do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano. Sustenta o apelante que o furto do veículo perpetrado por indivíduos encapuzados na noite de 16 para 17 de setembro de 2011 é de imputar ao comportamento ilícito e culposo do Estado português que não cuidou em apetrechar o local onde guardava os veículos de um sistema de videovigilância ou então de ali ter em permanência um vigilante. A este propósito apurou-se que o veículo do apelante se encontrava depositado num terreno constituído por um armazém com cerca de 260 m2 de área útil e um logradouro com cerca de 245m2, espaço esse que se encontrava arrendado pelo Estado, sendo esse armazém construído em alvenaria e blocos de cimento na fachada norte e em tijolo vazado nas restantes fachadas. Mais se apurou que o logradouro onde o veiculo do apelante se encontrava depositado, era vedado por muros, rede e arame farpado, com cerca de 1,80m de altura, efetuando-se o acesso a esse local através de um caminho precedido de um portão em ferro, equipado com braços elétricos para cuja abertura era acionado por um comando elétrico. Esse local encontrava-se equipado com um sistema elétrico que acionava a iluminação bem como um sistema sonoro que disparava na habitação do senhorio, logo que detetados movimentos nesse espaço. Mais se provou que o acesso a esse local é comum à casa de habitação do senhorio cuja mulher permanecia diariamente no local, controlando os acessos ao mesmo de forma não remunerada e sem qualquer vínculo ao Estado Português. O furto do veículo ocorreu na noite do dia 16 para 17 de setembro de 2011, em que indivíduos encapuzados entraram naquele espaço e dele subtraíram o veículo automóvel do apelante tendo para o efeito arrancado da parede os braços elétricos do portão e cortado os fios da instalação elétrica. 3.10. Dir-se-á que atentas as condições do espaço em causa em que os veículos eram guardados, recorde-se, num espaço vedado por um muro, encimado de rede e arame farpado, em que o acesso àquele se processava através de um caminho vedado por um portão elétrico e onde adicionalmente, perante qualquer movimento, eram acionadas luzes no interior desse espaço e o sistema sonoro no interior da casa de habitação dos senhorios, não era, a nosso ver, exigível a instalação nesse local de sistemas de segurança adicionais, designadamente, conforme pretende o apelante acontecer, de sistema de videovigilância ou contratação de vigilante 24 horas por dia. Não se descortina na lei qualquer obrigação que vinculasse o Estado português a dotar aquele espaço com esse sistema de videovigilância ou com um vigilante, de onde resulta claudicar o requisito da ilicitude. 3.11. Acresce dizer que em termos de culpa esta carece de ser apreciada de acordo com o grau de diligência exigível ao funcionário zeloso quando colocado nas concretas circunstâncias em que o Estado português guardava aqueles veículos e ocorreu a subtração. Dir-se-á que embora no local não houvesse sistema de videovigilância, sequer um vigilante 24h por dia, o certo é que o local era dotado de sistemas de segurança equivalentes. Com efeito, tratava-se de um local vedado por muros, rede e arame farpado, cujo acesso se processava através de um portão que era acionado por sistema elétrico, o que, de acordo com as regras da experiência comum era apto a garantir a não introdução de estranhos nesse local. Acresce que esse local era dotado de um sistema que perante qualquer movimento no interior desse espaço acionava luzes elétricas que o iluminavam e, bem assim, um sistema sonoro no interior da residência dos senhorios que residiam junto a esse local, processando-se, de resto, o acesso à sua residência pelo mesmo acesso onde se processava o acesso ao depósito. Assim, tal significa, a nosso ver, que esse espaço estava dotado de um sistema que desempenhava funções similares á instalação de um sistema de videovigilância e que os senhorios desempenhavam funções similares às de um vigilante que fosse contratado com o encargo de vigiar esse espaço. Afigura-se-nos que perante o grau de diligência de um funcionário zeloso e cumpridor dos seus deveres, que tivesse por incumbência a vigilância desse espaço, e por conseguinte, a incumbência de dotar esse espaço de condições de segurança adequadas a impedir a introdução de terceiros nesse local e a subtração dos veículos automóveis aí depositados, o Estado português cumpriu todos esses deveres que sobre si impendiam e que lhe eram exigíveis, os quais, naturalmente, não impedem em absoluto a introdução ilícita nesse espaço, uma vez que inexistem sistemas com essas características. 3.12.Finalmente, dir-se-á que contrariamente á leitura feita pelo apelante, que da circunstância dos indivíduos que procederam ao furto do veículo terem arrancado os braços do portão e cortado os fios do sistema elétrico que acionava as luzes o sistema sonoro, e desses indivíduos terem movimentado veículos que se encontravam estacionados nas imediações do seu veículo, com vista a retirarem este último, operação esta que necessariamente demorou tempo, e que o leva a concluir e a apelidar o Estado português de amadorismo, a leitura que fazemos dos factos que se quedaram como provados a propósito das condições de segurança com que aquele espaço se encontrava dotado e do modo como se operou o furto, é que este foi levado a cabo, não por amadores mas por indivíduos altamente especializados e experimentados na atividade delituosa contra quem nenhum sistema de segurança seria apto a evitar o furto. 3.13. Na verdade, o furto ocorreu de noite. Tratava-se de indivíduos encapuzados. Esses indivíduos arrancaram os braços do portão que estavam presos à parede o que significa que os mesmos tinham de dispor de mecanismos, designadamente de ferramentas ou engenhos aptos a essa finalidade de permitir o referido arranque dos braços do portão, tarefa que naturalmente não é fácil de concretizar e muito menos sem fazer barulho ou alarido, que caso tivesse ocorrido, até porque era de noite, a situação teria necessariamente sido percebida pelos senhorios que residiam ali mesmo, e que também acediam pelo dito portão. Note-se que, trata-se de indivíduos cujo profissionalismo foi ao ponto de cortar os fios elétricos que acionavam o sistema de iluminação do espaço e o sistema sonoro existente no interior da habitação dos senhorios, o que reclama experiência e profissionalismo, além de conhecimento do local, não sendo manifestamente este ato um ato próprio de amadores, que não se lembrariam desse pormenor e que no medo de serem apanhados não cuidariam em adotar semelhantes cuidados que vão ao ponto de se não se esquecerem de cortar os fios elétricos. Dir-se-á que quem assim atua teria igualmente cortado os fios do sistema de videovigilância que eventualmente ali existisse e que o apelante alega ser apto a evitar o furto mas que conforme se vê do que se acaba de referir, é erróneo. Estes indivíduos movimentarem veículos automóveis para aceder ao concreto veículo do apelante a fim de o subtrair quando conforme resulta das regras da experiência comum os veículos são pesados não sendo facilmente movimentáveis, sequer arrastáveis, porquanto, ou são arrastados ao peso ou exigem conhecimentos técnicos necessários à abertura das respetivas portas e ao acionamento da respetiva ignição, o que tudo não é próprio de amadores, mas antes de profissionais experimentados na arte da “ subtração” deste tipo de bens que são os veículos automóveis, que como se sabe, são cada vez mais dotados de mecanismos complexos destinados a evitar a sua subtração. Dir-se-á que indivíduos com tamanha “artimanha”, verdadeiros profissionais que inclusivamente tiveram o cuidado de tapar o respetivo rosto naturalmente para o caso de, se detetados, não serem identificados, e que tiveram o engenho e a arte de levar a bom porto todos estes atos durante a noite sem serem descobertos, teriam também engenho e arte para, caso existisse naquele local um vigilante, se introduzirem sub-repticiamente nesse espaço e coartarem a liberdade de movimentos desse vigilante levando a bom porto os seus intentos delituosos, assim como levaram perante a presença dos senhorios na respetiva casa de habitação, sem que estes nada tivessem detetado. 3.14. Dir-se-á que mesmo que se entendesse que era obrigação legal do Estado português em manter aquele local dotado de um sistema de videovigilância e/ou de um vigilante e que ao não ter tido o cuidado de o fazer agiu ilícita e culposamente, o que não se subscreve, não existiria nunca o indispensável nexo causal entre esse pretenso comportamento ilícito e culposo e o dano, dado que, conforme demonstrado a existência desse sistema de videovigilância e a presença de um vigilante não teriam evitado a subtração do veículo assim como não evitaram as medidas de segurança existentes no local e a presença dos senhorios no interior da residência destes situada junto a esse local. Não podemos aqui deixar de invocar um Acórdão do STJ, de 18.04.2006, processo n.º 06A724 que a respeito de uma situação de furto de veículo depositado numa garagem, considerou não impender qualquer responsabilidade sobre o depositário com base na seguinte argumentação: «Para se apropriarem da viatura depositada, com efeito, tiveram os autores do furto que ultrapassar uma série de obstáculos postos pela depositária que em condições normais impediriam a consumação do crime, revelando, eles sim, um "profissionalismo" - vale por dizer: uma ousadia, uma determinação, uma persistência no desígnio criminoso - contra as quais a 1ª ré não tinha o dever de se precaver, quer no interesse próprio, quer no dos seus clientes. Não se vê como possam qualificar-se tais obstáculos como medidas de segurança apenas "primárias" quando é certo que o comportamento dos autores do furto, objectivamente analisado, faz presumir que de "tudo" lançariam mão para concretizar o seu intento, não sendo a presença dum guarda nocturno e de um cão de guarda, a ligação a uma empresa de segurança, ou, mesmo, a instalação de um qualquer sistema de vídeo vigilância que os demoveria. É de notar, a este propósito, que na fundamentação das respostas à base instrutória a julgadora consignou que a a segurada da autora, AA, mostrou "ter um conhecimento aprofundado e detalhado do modo de funcionar da garagem de recolha de veículos da ré e do modo cuidado e selectivo como os clientes eram aceites" (fls. 145). Este facto, como correctamente se observa na minuta da 1ª ré, revela que era do pleno conhecimento da interessada o nível de segurança incluído no serviço que aceitou contratar; e nada se provou que autorize a conclusão de que a depositária, à revelia da depositante, aligeirou unilateralmente aquele grau, aquele padrão de segurança. Sendo certo, portanto, que a correspectividade das obrigações assumidas foi afectada por um facto delituoso para cuja consumação a depositária em nada contribuiu, não se afigura razoável, na perspectiva da justiça comutativa que no caso deve prevalecer, responsabilizá-la por danos que, reflectindo embora uma quebra do equilíbrio contratual pretendido pelas partes, devem ser imputados exclusivamente ao terceiro que praticou o furto. Em conclusão, dir-se-á que o furto da coisa depositada, por si só, pode não ser suficiente para exonerar o depositário da responsabilidade por incumprimento da obrigação de guarda e restituição; sê-lo-á, no entanto, caso se prove que os autores do furto de um veículo recolhido numa garagem mediante certa retribuição tiveram, para o consumar, que arrombar a fechadura da porta de entrada do parque de recolha e do escritório onde estavam guardadas numa gaveta (que também forçaram) as chaves da viatura, além de desactivar o alarme sonoro existente. A ré Empresa-B, por consequência, ilidiu a presunção de culpa que sobre ela recaía, em conformidade com os artigos 799º, nºs 1 e 2, e 487º, nº 2, o que afasta a sua responsabilidade pelo incumprimento do dever de guarda e restituição da coisa (bem como, logicamente, a da 2ª ré).» Assim, não divisamos razões para nos afastarmos da subsunção jurídica que o Tribunal a quo efetuou e de ter considerado que o Estado Português, através dos seus serviços, guardou o referido veículo de acordo com o que impunham os deveres de cuidado e de vigilância, pelo que nenhuma culpa teve no facto de ter ficado sem a detenção do veículo do autor, tendo a privação do veículo ficado a dever-se á conduta criminosa de terceiros que o furtaram, não podendo ser assacada nenhuma responsabilidade ao estado português pelo desaparecimento da viatura que tinha sob a sua guarda. No caso, a previsão do art. 1188º, nº 1 do CC, entendida no sentido de que apenas abrange os casos em que se demonstrou que a privação da detenção da coisa depositada não é devida a causa imputável ao depositário, tem apoio nos factos assentes. A medidas de segurança que foram adotadas pelo Estado são de considerar bastantes para que se dê como cumprido o seu dever de vigilância como depositário do aludido veículo, sendo que os cuidados a ter de modo a dar como cumpridos os referidos deveres têm de se considerar de conteúdo elástico e variável, consoante as circunstâncias. Termos em que, porque não se encontram preenchidos os pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo causal bem andou a primeira instância em concluir pela improcedência da ação não padecendo a sentença recorrida de nenhum dos erros de direito que o apelante imputa á decisão de mérito nela proferida. IV-DECISÃO Nesta conformidade, acordam os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em julgar improcedente a presente apelação e em confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)* Notifique.* Porto, 19 de junho de 2020.Helena Ribeiro Conceição Silvestre Alexandra Alendouro |