Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02155/06.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO, JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:
I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
IV – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AMCM
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, por inverificado erro de julgamento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, AMCM, NIF 20xxx44, na qualidade de revertido, deduziu oposição à execução fiscal n.º 3514200201522426, instaurado do Serviço de Finanças (SF) de Matosinhos-2, contra a sociedade SSTE, Lda., por dívidas de IRS, IVA e coimas, dos anos de 2001 a 2003, no valor global de €42.895,96.
Em 21.12.2016, foi proferido acórdão por este TCAN o qual ordenou a baixa dos autos ao tribunal à quo para realização das diligências atinentes ao apuramento da situação real e, após, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos.
Em 01.10.2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu sentença na qual julgou parcialmente procedente, absolvendo o Recorrente apenas na parte das dívidas provenientes de coimas.
O Recorrente inconformado interpôs recurso jurisdicional tendo formulado nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
I. A alínea b) do n.° 1 do artigo 24° da LGT preceitua que "os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
(...) b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento".
II. A norma faz, assim, uma delimitação negativa da responsabilidade dos membros dos corpos sociais, sendo que o legislador quis afastar do regime da responsabilidade tributária subsidiária, os gerentes exclusivamente de direito;
III. O recorrente era, à data dos factos, mero gerente de Direito;
IV. A sua função consistia exclusivamente na orientação e execução da vertente técnica da atividade empresarial, estando completamente alheado de quaisquer diligências administrativas, financeiras ou comerciais relativas á atividade da sociedade;
V. O que resulta da prova testemunhal carreada para os autos;
VI. Com efeito, a testemunha ALPS demonstrou, clara e inequivocamente, que o Recorrente tinha uma função meramente técnica na sociedade SSTE;
VII. E, ainda, salientou o facto de o Recorrente não ter um poder negocial sobre os preços e os descontos a fornecer aos clientes e que as questões relacionadas com as faturas, recibos, pagamentos e cobranças eram reservadas ao outro sócio e gerente JCSP;
VIII. A testemunha ACSAV confirmou, de forma clara, que o Recorrente era reconhecidamente o técnico de competências especializadas na sociedade SSTE;
IX. A testemunha MFC demonstrou que a gestão comercial da sociedade SSTE ficou a cargo do sócio e gerente JCSP, nomeadamente, quando referiu que na assistência técnica que a empresa prestava nas competições de "rally", era este o sócio e gerente o único responsável pelos contactos com os clientes;
X. O ónus da prova dos pressupostos da reversão fiscal incumbe à Fazenda Pública.
XI. "O Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.° 1132/06 (reiterado posteriormente pelo o acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.° 0474/12) considerou que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência»!" tal como proclamado pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de outubro de 2016 proferido no processo n.° 07665/14;
XII. Todavia a Fazenda Pública presumiu a gerência de facto uma vez que se verificava a gerência nominal, sem que tivesse logrado provar que o Recorrente exerceu, de facto, a gerência da sociedade SSTE;
XIII. O Tribunal a quo, não obstante ter dado como provado que o Recorrente exercia funções técnicas na SSTE, subsumiu os factos à gerência de facto, fazendo uma valoração extrapolada da prova testemunhal;
XIV. Fundou-se no facto do Recorrente assinar cheques em branco;
XV. Olvidando a jurisprudência dos Tribunais superiores no sentido de a assinatura de cheques por parte de um gerente não permite inferir que o Recorrente estivesse de forma consciente a contribuir para os destinos da sociedade, designadamente o acórdão de 25 de maio de 2016 do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.° 01389/04.8 BEPRT;
XVI. Consequentemente, por tudo o supra exposto, é de excluir a responsabilidade subsidiária do Recorrente, em sede de reversão fiscal, dado não se mostrarem preenchidos todos os seus pressupostos, sendo, por isso, parte ilegítima na execução.
XVII. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à decisão de reversão fiscal das dívidas de imposto, pois o Tribunal a quo considerou suficiente a assinatura dos cheques em branco por parte do Recorrente e valorou de forma extrapolada a prova testemunhal.
XVIII. Consequentemente, deverá excluir-se a responsabilidade subsidiária do Recorrente pelas dívidas de imposto, em sede de reversão fiscal, por ilegal, dado não se mostrarem preenchidos todos os seus pressupostos, sendo, por isso, parte ilegítima na execução.
XIX. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo na parte que se refere à reversão fiscal pelas dívidas de imposto e, por conseguinte, a oposição à execução deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo na parte que se refere à reversão fiscal pelas dívidas de imposto, e, consequentemente, a oposição à execução apresentada pelo Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA! (…)”
*
A Recorrida não contra alegou.
*
O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, por inverificado erro de julgamento.
*
Colhidos os vistos das Exmªs Juízas Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter decidido que o Recorrente exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.
3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…)
1. No Serviço de Finanças de Matosinhos foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3514200201522426, contra a sociedade devedora originária (SDO) SSTE, com o NIPC 50xxx08 (fls. 18 e ss.);
2. Por despacho do Chefe do SF de Matosinhos, de 16/03/2006, foi ordenada a audição prévia do oponente para efeitos da reversão das dívidas daquela SDO (fls. 18 e ss.);
3. O oponente apresentou defesa (fls. 23 e ss.);
4. Por despacho do Chefe do SF de Matosinhos, de 02/05/2006, foi ordenada a reversão daquelas dívidas, referentes a IRS, IVA e coimas, dos anos de 2001 a 2003, no valor global de €42.895,96, contra o oponente AM (fls. 27 e ss.);
5. A sociedade devedora originária encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto (fls. 40 e ss.);
6. O oponente figura como gerente daquela SDO desde a sua constituição em 1986 (fls. 40 e ss.);
7. A forma de obrigar a sociedade era através da assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador (fls. 40 e ss.);
8. A actividade da sociedade executada consistia na comercialização de equipamentos de rádio telecomunicações bem como na assistência técnica aos equipamentos por aquela comercializados e outros;
9. O oponente na SDO prestava orientação e execução da vertente técnica da actividade empresarial;
10. O opoente cuidava da assistência técnica aos clientes;
11. O opoente dirigia a equipa dedicada à assistência técnica aos clientes;
12. Por vezes, o opoente prestava a actividade, relacionada com a assistência técnica aos clientes, nas instalações dos clientes;
13. O oponente deslocava-se aos escritórios da SDO, sitos na Praceta C…, uma ou duas vezes por semana;
14. Para entregar as folhas de obra, com vista à emissão da correspondente facturação aos clientes;
15. Ou para a assinatura de cheques;
16. Sendo que na maior parte das vezes o oponente assinava os cheques em branco, por regra um conjunto de cheques;
17. O plano de pagamentos das obrigações da sociedade era decidido em conjunto, pelo oponente e pelo outro gerente;
18. O opoente e o gerente SP analisavam a pasta com a documentação para entregar ao contabilista que a empregada, MFC, preparava e deixava na sala da gerência.
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não existem.
MOTIVAÇÃO.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516, do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74, da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76, n.º 1, da LGT e 362 e seguintes do Código Civil (CC)), nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório.
Os factos provados resultam ainda da aquisição processual e da confissão, nomeadamente, os factos de 8 a 16 que resultam da confissão do oponente.
Os factos indicados como 8 a 18 foram ainda provados com base na prova testemunhal, valorada da forma seguinte:
A testemunha MFC, que foi empregada administrativa da sociedade executada, esclareceu que o opoente era sócio-gerente da sociedade e geria a parte técnica, prestando serviços técnicos aos clientes e trazendo a chamada folha de obra, contendo a discriminação dos serviços prestados. A testemunha declarou que os cheques eram assinados por ambos os gerentes, sendo que as decisões quanto à prioridade dos pagamentos eram tomadas por ambos. Mais afirmou, que preparava a pasta para entregar ao contabilista e deixava na “sala da gerência”, para ser analisada por ambos os gerentes.
A testemunha AV, contabilista da sociedade, afirmou que o opoente era também sócio-gerente, tendo de assinar os cheques, como resulta do pacto social, embora reunisse mais frequentemente com o sócio SP, que estaria mais ligado à parte administrativa. A testemunha admitiu que o opoente tinha funções mais técnicas, mas desconhecia ao certo quem assumia a parte financeira da sociedade, uma vez que apenas prestava serviços, não pertencendo ao quadro de pessoal da sociedade.
A testemunha, AL, gerente de uma empresa que era cliente da sociedade SSTE, referiu que era o opoente quem prestava assistência técnica aos clientes, gerindo a equipa técnica. A testemunha afirmou saber que o opoente era sócio e assumiu que entendia o opoente e o SP como “patrões” da sociedade.
A prova testemunhal referida foi valorada segundo a livre convicção do julgador, que a reputou de credível, tendo as testemunhas deposto de forma coerente e credível.
Assim, não obstante o órgão de execução fiscal não ter carreado para o PEF ou para os autos nenhum elemento probatório, com capacidade para sustentar a gerência de facto se a invocar a qualidade de gerente, constante da certidão de matrícula da sociedade, a verdade é que o opoente alegou factos susceptíveis de integrarem o conceito de gerência, tendo os depoimentos das testemunhas, confirmado a convicção do Tribunal de que o Oponente era gerente da devedora originária.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.
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4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1 A principal questão que cumpre a resolver, consiste em apreciar se houve erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida ao ter decidido que o Recorrente exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.
Importa referir que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva por dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, dos anos de 2001 a 2003, sendo que o Recorrente delimitou o recurso a essa parte.
Da leitura conjugada das alegações e das conclusões de recurso constata-se que o Recorrente insurge-se contra a valoração dos elementos probatórios carreados para os autos, com particular realce para a prova testemunhal produzida nos autos.
O Recorrente considera que a sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento de facto, ao não dar como provada a sua ilegitimidade para a execução, o que na seu entender resultou da prova testemunhal e documental por si produzida e, consequentemente, na aplicação do direito, uma vez que entende ter demonstrado plenamente que não foi gerente de facto da devedora originária no período em que terminou o prazo legal para pagamento ou entrega do imposto devido.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorretamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art.º. 712.° n.°1 als. a) e b) do CPC na redação vigente à data).
Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1 ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respetiva correção pelo tribunal de recurso.
Na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, exceto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É pela fundamentação invocada para a decisão que se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respetiva apreciação.
O Recorrente põe em causa a matéria de facto controvertida e julgada, com base em prova gravada, no entanto este Tribunal só pode alterá-la, desde que os elementos de prova produzidos e indicados imponham forçosamente, num juízo de certeza, outra decisão.
In casu, para além do Recorrente não ter procedido processualmente em conformidade com o que lhe é imposto, o que este efetivamente pretende com a sua alegação é discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão, ou seja, mais não faz do que retirar da prova produzida ilações distintas daquelas que a Mma Juiz a quo percecionou e que explicitou na sua fundamentação.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi aprendida e compreendida pela instância, só se justificaria se feita a reapreciação por este tribunal, fosse evidente a grosseira análise e valoração efetuada na instância recorrida, sendo de referir que o julgamento pelo tribunal a quo dispõe de um universo de elementos não apreensíveis em sede de recurso e que, naturalmente, são decisivos para o processo íntimo de formulação da convicção do julgador.
Como supra se referiu, no caso vertente, o Recorrente, não cumpriu minimamente o ónus que sobre si recaia, uma vez que, não concretiza os factos alegados na petição inicial que deveriam ter sido dado como provados, ou seja, não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação da prova que impunham decisão diversa, limitando-se a remeter de uma forma genérica para os documentos juntos e para os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas retirando daí as ilações que pretende.
Assim, não tendo o Recorrente dado integral cumprimento ao ónus que sobre si recaía, decorrente do regime ínsito no artigo 685.°-B, do CPC, na redação vigente à data, impõe-se rejeitar o recurso nesta parte.
4.2. Nas conclusões X a XI, o Recorrente alega que o ónus da prova dos pressupostos da reversão fiscal incumbe à Fazenda Pública o que significa que na senda da jurisprudência deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do art.º 676.º do CPC (ex . art.º 627.º ) que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“. (grifado nosso).
Da interpretação do n.º 2 do art.º 676.º do CPC o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Compulsados os autos, pelo Recorrente não foi equacionada a ilegalidade do despacho da reverão, por falta de verificação dos pressupostos da reversão nem a sentença recorrida se pronunciou sobre essa questão, pelo que trata-se de uma questão nova.
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas pelo que dela não se conhece.
4.3. A questão principal, consiste em verificar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Recorrente é parte legitima na execução, ao ter decidido que exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias, responsabilidade está prevista no artigo 24.º da LGT.
Estabelece aquele artigo 24.º da LGT que: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
A responsabilidade subsidiária dos administradores / gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo.
Na Lei Geral Tributária retira-se da interpretação do exórdio do n.º 1 do art.º 24.º, onde se menciona expressamente o exercício de funções. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”
A responsabilidade subsidiária aí prevista não exige a gerência nominal ou de direito quando refere que “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados” (destacado nosso).
Desde logo, resulta do citado normativo, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, no Código do Procedimento e Processo Tributário, (III volume, anotação 24 ao art.º 204.º, pág. 473). “ (…) O mesmo se pode afirmar relativamente ao CPT e à LGT, pois nos citados arts. 13.º e 24.º respectivamente, faz-se referência ao exercício efetivo de funções ou do cargo, o que leva a concluir que não basta a mera qualidade jurídica de administrador ou gerente para servir de base à responsabilização subsidiária.
Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.”(…).
E é esta também a jurisprudência pacífica deste Tribunal espelhada nos acórdãos n.ºs 00349/05.6 BEBRG de 11.03.2010, 00207/07.0 BEBRG de 22.02.2012, 001517/07.1 BEPRT de 13.03.2014, 01944/10.7 BEBRG de 12.06.2014 e 01943/10.9 BEBRG de 12.06.2014 e do Pleno da secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2 É notório que, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a Administração Tributária.
É jurisprudência do acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.02.2007 proferido no recurso n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respetiva alegação e subsequente prova.
Porém, embora o julgamento quanto ao efetivo exercício de funções de gerência “não pode [o juiz] retirá-lo mecanicamente, do facto de o revertido ter sido nomeado gerente, na falta de presunção legal” pode o julgador, caso a caso e com base no conjunto de prova produzida, com base nas regras da experiência e em juízos de probabilidade inferir a gerência efetiva de outros factos [acórdão do TCAN de 27/3/2008, Processo 00090/03].
Em suma, não existindo uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum [acórdão do STA de 10/12/2008, Processo 0861/08].
Tem entendido, a doutrina e jurisprudência, que a gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, principalmente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação da sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente.
Relativamente a esta questão a sentença recorrida decidiu que: (…) No caso em apreço, a gerência nominal resulta demonstrada, conforme decorre da factualidade assente, desde logo mediante a análise da certidão de matrícula da sociedade, onde consta que o opoente era gerente desde a sua constituição.
Por outro lado, resultaram provados diversos factos que levam a concluir que o opoente exerceu, em efectividade, o cargo de gerente, nomeadamente:
· Ter assinado reiteradamente vários cheques em nome e representação da SDO;
· O opoente participava nas decisões quanto aos pagamentos a efectuar, definindo, em conjunto com o gerente SP, o plano de pagamentos, ou seja, as prioridades nos pagamentos efectuados pela empresa, assinando os respectivos cheques;
· Era deixada uma pasta contendo documentos da contabilidade, na “sala da gerência”, para ser analisada por ambos os gerentes, entre os quais o Oponente;
· Da certidão de matrícula da sociedade, resulta que o opoente e o JCSP eram os sócios maioritários da sociedade e ambos gerentes, sendo que a sociedade se obrigava com a assinatura de dois gerentes, o que indicia que o opoente não quis deixar a direcção da sociedade entregue apenas a outro sócio.
Assim, não restam dúvidas que o opoente não era um mero trabalhador, que acatava ordens dadas por outrem, figurando no pacto social como gerente meramente nominal. Antes pelo contrário, presidia, em conjunto com outro gerente, aos destinos da empresa, tomando decisões que a vinculavam, embora se dedicasse sobretudo à parte técnica da empresa, estando o outro gerente mais vocacionado para a actividade administrativa.
Além do mais, a assinatura de cheques constitui um acto de gestão, pelo que não se pode concluir que o opoente estava apartado dos destinos da sociedade, antes praticou actos que normalmente são praticados pelos gerentes ou administradores, desta forma permitindo que com a sua intervenção em nome e por conta da mesma esta prosseguisse o seu giro comercial.
Deste modo, a qualidade de gerente de facto do opoente, resulta claramente demonstrada, sendo que o opoente nada alegou no sentido de afastar a culpa pela falta de pagamento das dívidas tributárias, ónus que sobre si impendia.
Com efeito, a responsabilidade que lhe foi atribuída pela AF foi ao abrigo do disposto no art. 24/1/b, da LGT, pelo que competia ao oponente alegar e demonstrar a sua falta de culpa, não tendo este feito qualquer alegação neste sentido.“(…)
Face à factualidade dada como provada e não impugnada com sucesso, a sentença recorrida não nos merece censura.
Como supra se referiu a gerência de facto caracteriza-se pela pratica de atos que indiciem que o oponente atuou, no exercício de poderes de gerência, sustentadas nas deliberações do administrando e representando a empresa realizando negócios e exteriorizando a vontade daquela perante terceiros, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação da sociedade.
Ou seja, que praticou atos, quer interna quer externamente, animada de um espírito de gestão e de administração própria de um responsável por uma sociedade e titulada pelas deliberações da mesma.
Resultando da prova que assinava reiteradamente cheques em nome e representação da executada originária, participava nas decisões quanto aos pagamentos a efetuar, definindo, em conjunto com o gerente SP, o plano de pagamentos, ou seja, as prioridades nos pagamentos a efetuar pela empresa, assinando os respetivos cheques; e deixada uma pasta contendo documentos da contabilidade, na “sala da gerência”, para ser analisada por ambos os gerentes, por si próprio.
Resulta ainda dos factos provados (8, 9,10, 11 e 12) que a atividade da sociedade executada consistia na comercialização de equipamentos de rádio telecomunicações bem como na assistência técnica aos equipamentos por aquela comercializados e outros.
O opoente dirigia a equipa dedicada à assistência técnica aos clientes, prestava orientação e execução da vertente técnica da atividade empresarial e cuidava da assistência técnica aos clientes, por vezes, nas instalações dos mesmos.
Ora tais atos, não deixam de ser atos de gestão, pois tomava decisões que vinculavam a empresa, dando cumprimento aos contratos por aquela assumida e contatava com clientes. Representava e executava negócios assumidos pela executada originária, embora na sua vertente técnica, para além das referidas decisões.
Assim, da concatenação de todos os factos e de acordo com as regras de experiência da vida e da natureza das coisas, ter-se-á de concluir que o Recorrente praticava atos em representação da sociedade, como forma de assegurar os compromissos e negócios com terceiros.
Destarte, improcede a pretensão do Recorrente.
E assim formulamos as seguintes conclusões:
I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
IV – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a sentença na ordem jurídica.
Custas pelo Recorrente, nos termos do art.º 527.º do CPC.
Porto, 4 de julho de 2019
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Maria da Conceição Soares
Ass. Maria do Rosário Pais