Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01744/08.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:REVOGAÇÃO DE ATOS; ATOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS;
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO - ÓNUS IMPUGNATÓRIO;
DEPENDÊNCIA UMBILICAL;
Sumário:
I – Sendo o ato tácito um ato constitutivo de direitos, o mesmo pode ser revogado no prazo de um ano com fundamento em invalidade.

II- Tal revogação pode emergir da prática de ato de conteúdo incompatível com o conteúdo do ato tácito anterior, como é o caso de um ato de indeferimento expresso de pretensão.

III- A impugnação da matéria de facto que não observe os ditames da normação contida no artigo 640.º do CPC, n.º 1, a) a c), e n.º 2, a), do NCPC, é de rejeitar, por falta de requisitos, nos termos da normação indicada.

IV. Estando a demonstração do erro de julgamento de facto umbilicalmente dependente da validação da tese associada ao erro de julgamento de direito, a inverificação desta determina a improcedência daquele.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...], S.A. [doravante [SCom01...]], Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Entidade Demandada o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do T.A.F. de Viseu, editada em 03.08.2023, que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou “(…) a Entidade Demandada, MUNICÍPIO ..., a pagar à Autora, [SCom01...], S.A., o montante de € 5.331,64 relativo a juros de mora por atraso no pagamento de faturas relativas a trabalhos executados (…) [e] o valor de € 1.216,93, bem assim, ao pagamento do valor da taxa de juro de 4% sobre o montante de € 18.631,66 desde 13.12.2008 até efetiva e integral devolução dessa quantia ilegalmente retida (…)”.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

A) A Entidade Demandada não rescindiu o contrato de empreitada e a aplicação de multas foi feita de forma ilegal, como resulta da douta sentença já transitada em julgado e proferida no processo que correu termos no TAF de Viseu sob o n.º 148/08.3BEVIS, que a douta sentença recorrida consultou para efeitos de motivação de matéria de facto.

B) A celebração dos contratos adicionais relativos a trabalhos a mais e a trabalhos a menos implica, necessariamente, o reconhecimento ou a concessão de prazo para os executar, mesmo que tal não esteja especificamente previsto nos contratos adicionais.

C) Ao celebrar o 4.° contrato adicional em 21.07.2006, a Entidade Demandada reconheceu que a Recorrente dispunha ainda de prazo para executar tais trabalhos.

D) O dono da obra pode alterar, em qualquer momento, o plano de trabalhos em vigor, ficando o empreiteiro com o direito a ser indemnizado dos danos sofridos em consequência dessa alteração, entendendo-se que esta determinação do dono da obra não carece de ser ostensiva para produzir os seus efeitos.

E) A modificação do objeto contratual através da adjudicação de trabalhos a mais, de trabalhos a menos e de substituição de trabalhos comporta uma modificação relevante da obra e do plano de trabalhos não compatível meramente com o valor dos trabalhos.

F) A execução dos trabalhos a mais deve ser formalizada como contrato adicional ao contrato de empreitada.

G) A formalização do contrato adicional deve preceder a execução dos trabalhos a mais ou a menos que constituem o seu objecto.

H) O artigo 190.° do DL n° 59/99 de 2 de março aplica-se igualmente aos casos de suspensão total dos trabalhos da empreitada.

I) Apresentado um novo plano de trabalhos e o correspondente plano de pagamentos adaptado às circunstâncias, deve o dono da obra pronunciar-se sobre eles no prazo de 22 dias e, decorrido esse prazo sem que o dono da obra se pronuncie, consideram-se os planos como aceites.

J) O acto tácito é tratado pela lei como se fosse um acto administrativo, produzindo todos os seus efeitos, e, designadamente, podendo ser revogado, suspenso, confirmado, alterado, interpretado e executado.

K) Na sua deliberação de 05.04.2007, a Entidade Demandada não revogou o acto tácito anterior, nem o reconheceu, limitando-se a "indeferir o pedido de prorrogação de prazo solicitada" como se o acto administrativo tácito não se tivesse já anteriormente formado de forma válida e produtora de efeitos.

L) O acto administrativo que se formou de forma tácita, aceitando a prorrogação legal do prazo até 30.10.2006, foi um acto válido e constitutivo de direitos para a Recorrente, pelo que, nos termos do artigo 140. ° n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CPA, na redacção anterior a 2015, não podia ser revogado.

M) Não sendo aplicável o disposto no artigo 141.° do mesmo CPA, quer porque o acto administrativo tácito não era inválido, quer porque a Entidade Demandada não arguiu a sua invalidade.

N) A Recorrente tem o direito a uma prorrogação legal do prazo contratual de 21.02.2006 até 30.10.2006, resultante de acto administrativo tácito, que não foi nem podia ser alterado, substituído ou revogado pela Entidade Demandada.

O) E essa prorrogação legal, pelos seus fundamentos, confere à Recorrente o direito a ser indemnizada pelos sobrecustos por si suportados nos períodos entre 25.02.2006 e 06.05.2006 e entre 04.07.2006 e 30.10.2006, ou seja, durante os períodos de 70 e de 118 dias de prorrogação sem suspensão, bem como entre 07.05.2006 e 03.07.2006, ou seja, durante os 57 dias de suspensão.

P) Tendo o termo do prazo contratual ocorrido em 30.10.2006, o crescimento da vegetação, que se verificou sobretudo no período da interrupção da obra, entre 08.05.2006 e 03.07.2006, foi da responsabilidade da Entidade Demandada, que, assim, deverá ser condenada a pagar a execução dos novos trabalhos de limpeza e desmatação de taludes no valor de € 15.454,88, acrescidos de € 772,74 de IVA e dos correspondentes juros de mora desde o vencimento da factura 03/n.º ...44 datada de 31.07.2006, de modo a possibilitar a conclusão dos trabalhos da empreitada.

Q) Revertendo-se a decisão relativa à prorrogação legal do prazo da empreitada e considerando-se que a mesma prorrogação resultou de factos imputáveis ao Dono da Obra —celebração dos contratos adicionais nas datas em que ocorreram e suspensões de trabalhos —serão suficientes os documentos juntos ao incidente de liquidação, bem como o depoimento das testemunhas «AA» e «BB», sumariados na douta sentença recorrida, para considerar provados os sobrecustos descritos nas alíneas A) a E) dos Factos Não Provados.

R) É irrelevante que a Recorrente tenha executado trabalhos contratuais durante o período da prorrogação de prazo porque o que releva, para efeitos do equilíbrio financeiro do contrato e para efeitos do direito à indemnização, é que a Recorrente considerou que, para fazer aquela obra durante um prazo de 60 dias, iria suportar custos indirectos (que são os que constam nas alíneas A) a G) dos Factos Não Provados) durante o prazo da obra, tendo incluído esses custos indirectos no seu preço, e ter continuado a suportar esses custos indirectos durante os períodos de prorrogação do prazo, o que configura um prejuízo, uma vez que tais sobre custos não estavam incluídos no preço da empreitada.

S) No que se refere às alíneas F) e G) dos Factos Não Provados, será sempre de aplicar o disposto no artigo 609.° n° 2 do Código do Processo Civil que dispõe que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condena no que vier a ser liquidado, facultando-se, assim, a oportunidade à Recorrente de apresentar os elementos que a douta sentença recorrida considera em falta.

T) Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 160.° n.ºs 1, 3 e 4, 163.° n.º 1 e 164.°, 26.° n.º 7, 186.°, 190.° e 194.° e 196.° do DL n.º 59/99 de 2 de março, aplicável à empreitada, o disposto nos artigos 147.°, 140.° n.º 1 alínea b) e n.º 2 e 141.° do CPA, na redacção anterior a 2015, e o artigo 609.° n.º 2 do CPC.

U) Pelo que deverá ser parcialmente anulada e substituída, nas partes objecto do presente recurso, por outra, como é de LEI e de JUSTIÇA (…)”.


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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…)

I. O recurso a que ora se responde tem como objecto duas questões de direito: (i.) a decisão sobre o pedido de indemnização em consequência da prorrogação legal do prazo da execução da empreitada e (ii.) a decisão sobre o pagamento dos trabalhos a mais de limpeza e desmatação de taludes no valor de € 15.454,88, tendo, igualmente, como objeto, como questões de facto, (iii.) a decisão de se ter considerado não provados os factos constantes das alíneas A) a G) do ponto III.2 da douta sentença.

II. Como se demonstrará, entende-se, com o devido respeito, que o recurso interposto terá forçosamente de soçobrar, atenta a falta de fundamento dos argumentos invocados. Vejamos então.

III. Entende a Recorrente que como a ED apenas se pronunciou sobre o seu pedido de prorrogação de prazo da empreitada (apresentado por carta de 13.10.2006), indeferindo-o, em 05.04.2007, por força do artigo 160º n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 59/99 de 2 de Março, formou-se acto tácito de deferimento, aceitando a prorrogação legal do prazo até 30.10.2006 e, logo, essa prorrogação legal, pelos seus fundamentos, confere à Recorrente o direito a ser indemnizada pelos sobrecustos por si suportados nos períodos entre 25.02.2006 e 06.05.2006 e entre 04.07.2006 e 30.10.2006.

IV. Ora, quanto a esta concreta questão levantada no âmbito do presente recurso, a ora Recorrente limita-se – sem mais - a reiterar o que já havia dito, de forma brevíssima, na petição trazida a Juízo; não ataca, não belisca ou, tão pouco, refere o que quer que seja, o que quanto à mesma foi decidido pelo Mmº Tribunal a quo, não existindo, efectivamente, quaisquer fundamentos para atacar o decidido.

V. De facto, conforme se constata a páginas 127 e seguintes da douta Decisão em recurso, em face da matéria dada como provada, analisada e decidida de forma criteriosa e rigorosa, o Tribunal a quo faz um seu correcto enquadramento e subsunção legal, não havendo, de facto, nada a apontar.

VI. Conforme se constata, “o termo do prazo contratual ocorreu em 20.02.2006, pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo quando teve por certo que tal pedido de prorrogação – datado de 13.10.2006 - é completamente extemporâneo, não configurando qualquer direito indemnizatório.

VII. Mais, conforme decorre de toda a Decisão e não é posto em causa pela Recorrente, “não foi por motivos imputáveis ao Dono da Obra, aqui Entidade Demandada, que a empreitada em causa prolongou-se após o termo ocorrido em 20.02.2006.”

VIII. Acresce que, ainda que se entendesse que se formou acto tácito – o que, como decidido, não aconteceu - sempre o mesmo teria sido revogado implicitamente e substituído pela decisão da ED, aqui Recorrida, de 05.04.2007.

IX. E bem analisou e decidiu o Tribunal a quo quando conclui que a ora Recorrente tão pouco alegou - como lhe competia - que os factos que justificavam a requerida prorrogação de prazo não lhe eram imputáveis e, por isso, à mesma tinha direito.

X. Assim sendo, como efectivamente é, em conformidade com a análise correcta e irrepreensível feita pelo Tribunal a quo, e contrariamente ao alegado pela Autora e ora reiterado - uma vez mais sucintamente e sem qualquer alegação ou prova daquilo que defende - é manifesto que a Recorrente não suportou sobrecustos por motivos imputáveis à aqui Entidade Demandada, sendo também certo que nem sequer resultaram provados tais sobrecustos .

XI. E assim, não podia ter o Mmº Tribunal a quo ter decidido de outro modo quando diz “não se encontram preenchidos os pressupostos previstos nos preceitos legais do RJEOP acima enunciados, pelo que concluímos que não assiste à Autora o direito a uma indemnização no valor peticionado de € 151.864,88 e, consequentemente, também não lhe são devidos juros de mora.”

Acresce que,

XII. Defendendo a Recorrente que o termo do prazo contratual ocorreu em 30.10.2006 (e não em 20.02.2006, como bem decidiu o Tribunal a quo) alega, de forma telegráfica, que como o crescimento da vegetação, que se verificou sobretudo no período da interrupção da obra, entre 08.05.2006 e 03.07.2006, foi da responsabilidade da Entidade Demandada, deverá a mesma ser condenada a pagar a execução dos novos trabalhos de limpeza e desmatação de taludes no valor de € 15.454,88, acrescidos de € 772,74 de IVA.

XIII. Uma vez mais, entende-se também, no que a esta matéria diz respeito, que a Decisão em recurso fez uma correcta análise e enquadramento legal, pelo que não pode proceder o alegado pela Recorrente.

XIV. Como bem refere o Mmº Tribunal a quo, o término do prazo contratual ocorreu em 20.02.2006, não sendo por motivos imputáveis ao Dono da Obra que os mesmos se prolongaram, ou que houve necessidade de se proceder à interrupção parcial dos trabalhos, pelo que o presente recurso, também nesta parte, deve improceder.

XV. Quanto à matéria de Facto, alega a Recorrente que revertendo-se a decisão relativa ao prazo de prorrogação da empreitada e considerando-se que a mesma prorrogação resultou de factos imputáveis ao Dono da Obra os documentos juntos ao incidente de liquidação, bem como o depoimento das testemunhas «AA» e «BB», sumariados na douta sentença recorrida, para considerar provados os sobrecustos descritos nas alíneas A) a E) dos Factos Não Provados.

XVI. Ora, ainda que a douta Decisão a proferir por este Venerando Tribunal viesse a reverter a decisão relativa ao prazo de prorrogação da empreitada como, também, a decisão de que a mesma prorrogação não resultou de factos imputáveis ao Dono da Obra – o que, com o devido respeito, não se concede – sempre teria de improceder a alteração da decisão sobre a matéria de facto pretendida pela Recorrente.

XVII. Como manifesta e fundamentadamente resulta da douta Decisão em recurso - que, sublinhe-se, não é, de todo em todo, contraditada pela Recorrente, que se limita a discordar com o decidido de forma genérica, sem qualquer concretização, contrariamente ao que lhe era legalmente exigido - os alegados sobrecustos descritos nas alíneas A) a E) dos Factos não Provados, nunca poderiam ter sido dados como provados, pelo que bem decidiu o Tribunal a quo.

XVIII. Por fim, e no que respeita ao entendimento da Recorrente quanto às alíneas F) e G) dos Factos Não Provados é manifesto que não há lugar à aplicação do artigo 609.º, n.º 2 do Código do Processo Civil, conforme pela mesma pretendido.

XIX. De facto, como a própria refere, prescreve o n.º 2 do artigo 609.º do CPC que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, o que significa, conforme entendimento unânime, que só nos casos em que, no momento da formulação do pedido ou da prolação da sentença, não haja elementos para fixar o objecto ou quantidade do pedido, se pode recorrer a esta norma, sendo também entendimento unânime que essa falta de elementos nunca poderá ser consequência da falta ou fracasso da prova.

XX. Ora, conforme resulta manifesto da douta Decisão impugnada, onde não foram provados quaisquer danos – cfr. pontos 2) e 3) da Motivação da Matéria de Facto - no caso sub judice não estamos, seguramente, no âmbito das situações previstas nesta norma. (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto nos artigos 160.° n.ºs 1, 3 e 4, 163.° n° 1 e 164.°, 26.° n° 7, 186.°, 190.° e 194.° e 196.° do DL n° 59/99 de 2 de março, aplicável à empreitada, o disposto nos artigos 147.°, 140.° n° 1 alínea b) e n° 2 e 141.° do CPA, na redacção anterior a 2015, e o artigo 609.° n° 2 do CPC (…)”.

9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663.º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. A Autora [SCom01...], aqui Recorrente, intentou a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO ..., aqui Recorrido, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser o Réu condenado no pagamento da quantia de € 371.311,84, acrescido de IVA à taxa legal em vigor e ainda juros de mora à taxa legal sobre a quantia de € 389.877,40 a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

12. O T.A.F. de Viseu, como é sabido, julgou parcialmente a presente ação, tendo condenado “(…) a Entidade Demandada, MUNICÍPIO ..., a pagar à Autora, [SCom01...], S.A., o montante de € 5.331,64 relativo a juros de mora por atraso no pagamento de faturas relativas a trabalhos executados (…) [e ainda] o valor de € 1.216,93, bem assim, ao pagamento do valor da taxa de juro de 4% sobre o montante de € 18.631,66 desde 13.12.2008 até efetiva e integral devolução dessa quantia ilegalmente retida (…)”.

13. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que o juízo de procedência parcial da presente ação mostra-se estribado no entendimento de que:

(i) “(…) nos períodos entre 25.02.2006 e 06.05.2006 e entre 04.07.2006 e 30.10.2006 a Autora não suportou sobrecustos por motivos imputáveis à aqui Entidade Demandada, sendo também certo que nem sequer resultaram provados tais sobrecustos [ não assistindo, por isso,] “(…) à Autora o direito a uma indemnização no valor peticionado de € 151.864,88 e, consequentemente, também não lhe são devidos juros de mora (…)”;

(ii) “(…) não foi por motivos imputáveis ao Dono da Obra que a vegetação cresceu e teve novamente de ser efetuada a respetiva limpeza, motivo pelo qual improcede o pedido de pagamento dos trabalhos em causa efetuado pela Autora, e, consequentemente, também não lhe são devidos juros de mora (…)“;

(iii) “(…) pese embora a Autora tenha considerado na sua proposta os diâmetros de 8 cm para os prumos horizontais e de 10 cm para os prumos verticais [cfr. ponto 60. do probatório], a verdade é que constava da peças do procedimento que os diâmetros seriam de 11 cm para os prumos horizontais e de 20 cm para os prumos verticais, motivo pelo qual resta concluir que não existia qualquer omissão da responsabilidade da Entidade Demandada [improcedendo, por isso,]o pedido de pagamento do montante de 35.878,66, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, e, consequentemente, também não lhe são devidos juros de mora (…)”;

(iv) “(…) a Entidade Demandada não procedeu ao pagamento das faturas supra identificadas no prazo de 44 dias de que dispunha para o efeito, razão pela qual, nos termos do disposto no artigo 213°, n° 1, do RJEOP, assiste à Autora o direito ao pagamento de juros de mora, cujo valor total ascende à quantia de € 5.331,64, cujas taxas de juro (que não foram impugnadas) e respetivos cálculos (…)”.

(v) “(…) ficou demonstrado que a Autora incorreu em custos da imobilização do valor de € 18.631,66 ilegalmente retido pela Entidade Demandada (…)” assistindo-lhe, por isso, o direito a percecionar “(…) o montante de € 1.216,93, valor a pagar pela Entidade Demandada à Autora, acrescido do pagamento à mesma taxa de 4% sobre o mesmo montante desde 13.12.2008 até efetiva e integral devolução da quantia de € 18.631,66 (…)”.

14. Ora, é precisamente contra o juízo decisório de improcedência firmado nos sobreditos pontos (i) – pedido de pagamento de uma indemnização em consequência da prorrogação legal do prazo da execução da empreitada – e (ii) pedido de pagamento de trabalhos efetuados pela Autora e limpeza e desmatação de taludes - que se insurge a Recorrente.

15. Realmente, e com reporte ao sobredito ponto (i), a Recorrente clama que “(…) A Entidade Demandada indeferiu o pedido de prorrogação de prazo da Recorrente na sua sessão de 05.04.2007, o que comunicou à Recorrente pelo seu ofício de 23.04.2007. (III. 1.25 da douta sentença recorrida) (…) Na sua deliberação de 05.04.2007, contudo, a Entidade Demandada não revogou o acto tácito anterior, nem, aliás, o reconheceu, limitando-se a “indeferir o pedido de prorrogação de prazo solicitada” como se o acto administrativo tácito não se tivesse já anteriormente formado de forma válida e produtora de efeitos. (…) O acto administrativo que se formou de forma tácita, aceitando a prorrogação legal do prazo até 30.10.2006, foi um acto válido e constitutivo de direitos para a Recorrente, pelo que, nos termos do artigo 140.° n° 1 alínea b) e n° 2 do CPA, na redacção anterior a 2015, não podia ser revogado. (…) Do alegado resulta que a Recorrente tem o direito a uma prorrogação legal do prazo contratual de 21.02.2006 até 30.10.2006, resultante de acto administrativo tácito, que não foi nem podia ser alterado, substituído ou revogado pela Entidade Demandada. (…) E essa prorrogação legal, pelos seus fundamentos, confere à Recorrente o direito a ser indemnizada pelos sobrecustos por si suportados nos períodos entre 25.02.2006 e 06.05.2006 e entre 04.07.2006 e 30.10.2006, ou seja, durante os períodos de 70 e de 118 dias de prorrogação sem suspensão, bem como entre 07.05.2006 e 03.07.2006, ou seja, durante os 57 dias de suspensão (…)”.

16. Já no que tange ao supramencionado ponto (ii), a Recorrente apregoa que “(…) a razão da divergência consiste no facto de a douta sentença recorrida considerar como termo do prazo contratual a data de 20.02.2006, quando, pelos motivos acima alegados, o termo do prazo contratual ocorreu em 30.10.2006. Deste modo, o crescimento da vegetação, que se verificou sobretudo no período da interrupção da obra, entre 08.05.2006 e 03.07.2006, como consta do ponto 51 do probatório, foi da responsabilidade da Entidade Demandada, que, assim, deverá ser condenada a pagar a execução dos novos trabalhos de limpeza e desmatação de taludes no valor de € 15.454,88, acrescidos de € 772,74 de IVA, conforme ponto 55 do probatório (…)”.

17. Outrossim, clama que “(…) Revertendo-se a decisão relativa à prorrogação legal do prazo da empreitada e considerando-se que a mesma prorrogação resultou de factos imputáveis ao Dono da Obra - celebração dos contratos adicionais nas datas em que ocorreram e suspensões de trabalhos - serão suficientes os documentos juntos ao incidente de liquidação, bem como o depoimento das testemunhas «AA» e «BB», sumariados na douta sentença recorrida, para considerar provados os sobrecustos descritos nas alíneas A) a E) dos Factos Não Provados (…) [sendo que no] que se refere às alíneas F) e G) dos Factos Não Provados, será sempre de aplicar o disposto no artigo 609.° n° 2 do Código do Processo Civil (…)”.

18. Vejamos, sublinhando, desde já, que três esteios argumentativos que se vêm de elencar, não obstante de natureza diversa, conexionam-se, pelo que serão objeto de análise conjunta.

19. Assim, e entrando em tal tarefa, cabe notar que dimana do probatório coligido nos autos, para o que ora nos interessa, que, em 18.07.2005, foi celebrado entre a Entidade Demandada, na qualidade de Dono da Obra, e a Autora, na qualidade de Empreiteira Adjudicatária, Contrato para a execução da empreitada “Reconversão do Corredor Ferroviário – Ecopista [cfr. ponto 1)].

20. Mais dimana que, por carta de 13.10.2006, a Autora requereu à Entidade Demandada a prorrogação legal do prazo contratual até 30.10.2006, bem como a correspondente aprovação do Plano de Trabalhos e do Plano de Pagamentos, adaptados às circunstâncias [cfr. ponto 24) do probatório].

21. Dimana ainda do probatório que, por ofício de 23.04.2007, a Entidade Demandada notificou a Autora de que “…, deliberou, em sua reunião ordinária realizada no dia 05 de Abril corrente, indeferir o pedido de prorrogação de prazo solicitada, bem como, com fundamento no artigo 201.º, nºs 3 e 5 do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, comunicar a intenção da aplicação de multas por violação dos prazos contratuais, sem prejuízo da satisfação dos condicionalismos expressos decorrentes da mesma informação” [cfr. ponto 25) do probatório].

22. Assente a realidade que se vem de expor, e sopesando que o teor da normação contida no n.ºs 3 e 4 do artigo 160.° do D.L. n° 59/99 de 2 de março, - que prevê que, apresentado um novo plano de trabalhos e o correspondente plano de pagamentos adaptado às circunstâncias, deve o dono da obra pronunciar-se sobre eles no prazo de 22 dias e que decorrido esse prazo sem que o dono da obra se pronuncie, se consideram os planos como aceites -, deve entender-se que, quando foi proferida a decisão final de indeferimento expresso da pretensão deduzida pela Autora, há muito já se havia formado acto tácito de deferimento da sua pretensão.

23. Sendo assim, tendo ocorrido uma situação de deferimento tácito, importa agora apurar se a decisão expressa de indeferimento é suscetível de revogar e de prevalecer sobre o deferimento tácito.

24. A resposta é, manifestamente, desfavorável às pretensões da Recorrente.

25. Na verdade, sendo o ato de deferimento tácito um ato constitutivo de direitos, o mesmo pode ser revogado no prazo de um ano com fundamento em invalidade.

26. Neste sentido, podem ver-se, de entre outros, o sumariado no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 19.12.2014, tirado no processo n.º 00483/11.3BEVIS, consultável em www.dgsi.pt: “(…)

1 – Os atos administrativos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, quando válidos, não podem, em princípio, ser revogados - b), nº 1 do artigo 140.º do CPA.

2- Mas se não forem válidos podem ser revogados com fundamento em ilegalidade, no prazo de um ano ou até à resposta da entidade recorrida em recurso contencioso - n.º 1 do artigo 141º do CPA (…)”.

27. Essa revogação pode emergir da prática de ato de conteúdo incompatível com o conteúdo do ato tácito anterior, como é o caso do ato de indeferimento da pretensão, entretanto, objeto de deferimento tácito.

28. Neste sentido, podem ver-se, de entre outros, o expendido no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 22.06.2006, tirado no processo nº. 01976/05.7, editado a propósito de diversa realidade, mas com plena valia para o caso em análise: “(…) É certo que a formação de acto tácito de deferimento concederia à recorrente o direito que a aqui reclama, mas a prolação do acto expresso de que a mesma recorre e impugna fez desaparecer da ordem jurídica o mencionado acto tácito. E fê-lo desaparecer porque o acto tácito constitui uma manifestação de vontade presumida. A lei, em determinadas circunstâncias, manda interpretar para certos efeitos a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou o indeferimento do pedido sobre o qual tinha obrigação de se pronunciar. Não obstante e, porque assim é, a manifestação expressa da vontade contrária à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, pelo que existindo vontade real expressa através de um acto administrativo deixa de haver vontade presumida. Contudo, a prolação de acto expresso não significa por si só que este seja legal e que, portanto, o acto tácito esteja definitivamente arredado da ordem jurídica. Na verdade, a revogação dos actos administrativos, ainda que estes sejam tácitos, está sujeita à disciplina decorrente dos arts. 138.º e segs. do CPA (em especial, arts. 140.º e 141.º) supra enunciados, pelo que essa revogação pode ser contenciosamente impugnada e desta impugnação pode resultar decisão judicial que anule o acto expresso revogatório, o que implicaria a repristinação do acto tácito. Nessa medida, o acto revogatório só se consolida na ordem jurídica se não for judicialmente impugnado ou se, sendo-o, essa impugnação não tiver êxito. Daí que o interessado, uma vez notificado do acto expresso de indeferimento, deve reagir à prolação deste, impugnando-o contenciosamente se o reputar de ilegal, pugnando pela manutenção do acto tácito (…)”.

29. Nada obsta, portanto, a que o deferimento tácito seja oportunamente revogado, nos precisos termos em que é permitida a revogação de qualquer outro ato administrativo constitutivo de direitos, ou seja, no prazo de um ano e com fundamento na sua invalidade [artigo 141.º do CPA].

30. No caso versado, assumindo o ato expresso praticado em 13.04.2007 um conteúdo incompatível com o conteúdo do ato tácito anterior, é de meridiana evidência que aquele procedeu implicitamente à destruição dos efeitos do ato tácito com fundamento em invalidade, ou seja, que o ato de 13.04.2007 procedeu à revogação anulatória implícita do ato tácito.

31. Considerando o contexto apresentado, e ponderando que a revogação do ato tácito de deferimento ocorreu antes de decorrido um ano após a sua formação, não sentimos hesitação em afirmar que tal revogação respeitou os requisitos substanciais e temporais delineados no artigo 141.º do Código de Procedimento Administrativo, sendo, portanto, plenamente válida e legítima à luz do ordenamento jurídico em vigor.

32. Consequentemente, por via dessa revogação, deixou de vigorar na ordem jurídica o ato de deferimento tácito do pedido formulado pela Autora de prorrogação legal do prazo contratual até 30.10.2006, o que serve para atestar plenamente a consistência do juízo afirmado pela 1.ª instância a este propósito.

33. Destarte, as conclusões expendidas nas alíneas A) a O) do recurso apresentado mostram-se desprovidas de qualquer razão de ser, com o que fica negada a sua improcedência.

34. E este julgamento tem direta repercussão nos demais vetores sustentadores do recurso interposto pela Recorrente.

35. Realmente, não vingando a tese da Recorrente quanto à formação de um ato tácito válido quanto ao pedido de prorrogação do prazo contratual da empreitada, não subsiste fundamento para considerar - por oposição à data firmada na sentença recorrida de 20.02.2006 - como termo do prazo contratual a data de 30.10.2006.

36. E se assim é, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir validade à alegação recursiva de “(…) o crescimento da vegetação, que se verificou sobretudo no período da interrupção da obra, entre 08.05.2006 e 03.07.2006, como consta do ponto 51 do probatório, foi da responsabilidade da Entidade Demandada (…)”, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à tese da Recorrente no domínio em análise.

37. Idêntica asserção é atingível no que tange à invocada impugnação da matéria de facto caracterizada nas alíneas R) e S) do recurso por duas ordens de razão, a saber:

38. A primeira ordem de razão prende-se com o facto desta impugnação da matéria não observar os ditames da normação contida no artigo 640º do CPC, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sendo, por isso, a mesma de rejeitar, por falta de requisitos, nos termos da normação indicada.

39. A segunda ordem de razão relaciona-se com a circunstância da demonstração deste erro de julgamento de facto estar umbilicalmente dependente da validação do erro de julgamento imputado ao juízo decisório firmado em matéria da prorrogação do prazo de execução de empreitada, pelo que a inverificação desta sempre determina a improcedência daquele.

40. Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.

41. Ao que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional subjudice e manter a sentença recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 17 de maio de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Miranda

Clara Ambrósio