Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00136/09.2BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:RESPONSABILIDADE;
ULTERIOR LIQUIDAÇÃO DO “QUANTUM” INDEMNIZATÓRIO;
Sumário:
I) – É, no caso, de relegar para ulterior fase de liquidação o “quantum” indemnizatório.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Município ... (Praça ..., ...) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que, em acção administrativa intentada por [SCom01...], S.A. (Lugar ..., ..., ..., ...), e no que ainda permanecia a dirimir, a julgou «parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o R. Município a pagar à A. a quantia de 200.000 €, acrescida de juros legais desde a citação até ao efectivo e integral cumprimento. Absolve-se o R. do remanescente».

Conclui:

A. Pelo douto acórdão do TCAN de 19 de outubro de 2021, foi decidido o seguinte: Pelo exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso; revogar parcialmente a sentença; e ordenar a baixa dos autos para que seja completada a decisão dos pedidos indemnizatórios formulados segundo os critérios definidos neste acórdão.
B. Tal decisão foi confirmada pelo STA, e, os autos baixaram à primeira instância, tendo a audiência de julgamento sido realizada aos 18/09/2023 e proferida a douta sentença ora em crise, pela qual o Recorrente foi condenado a pagar à Autora a quantia de € 200.000,00 € acrescida de juros legais desde a citação até ao efetivo e integral cumprimento.
C. A única questão a decidir seria apurar os custos da construção executada pela Autora até 24 de maio de 2007.
D. O Tribunal considerou, atenta a matéria dada como provada em SSSSSS. que tais custos ascendem a 200.000,00€, fundamentando tal resposta quer no depoimento da testemunha «AA», quer no relatório pericial junto aos autos a fls.1426 e seguintes.
E. O depoimento da testemunha «AA», ao contrário do considerado pelo Tribunal, revelou-se hesitante, inseguro e incredível. – vide passagens 1:20:39, 1:21:30, 1:25:00, 1:27, 1:35, 1:45, 2:05, 2:18, 2:19, 2:31, 2:32, 2:34, 2:36 da sessão de 18 de setembro de 2023.
F. A testemunha revelou incertezas, não sabendo se, no final de maio de 2007, estava na primeira ou segunda laje, e nem sabia se estava ou não betonada.
G. Em relação aos pagamentos disse que seriam efetuados laje a laje, quando o contrato de empreitada (fls 2296 dos autos) prevê pagamentos mensais fixos e, quando questionado sobre o custo, referiu “para aí € 200.00,00”, ou seja, disse um valor à sorte.
H. Assim, em relação ao valor, ao dizer “para aí 200.000,00” não releva credibilidade, tendo referido um valor completamente aleatório, o que não se compadece com o rigor que deve estar subjacente à prova, importando frisar que estamos perante sociedades comercias, e que sendo a Autora uma sociedade anónima, com TOC e ROC, tem a obrigação de fazer a conciliação documental, incluindo a bancária, em relação a todos os pagamentos, pelo que, não se percebe que, cabendo-lhe o ónus d aprova, não tivesse junto qualquer documento comprovativo.
Da errada apreciação do relatório pericial
I. Diz o Tribunal a quo que o Sr. Perito apurou, para a construção da cave: 193.600,00 € (v.p. 9 do relatório pericial), o que não é correto, pois que, tal valor respeita ao custo da construção da cave acabada, ou seja, seria a cave com portões, instalação elétrica, redes de telecomunicações, água e saneamento, alvenarias, rebocos, revestimentos cerâmicos, pinturas, sinalização, etc, quando, o que estava em causa era saber o custo do executado no momento do ponto DDD.
J. Da conjugação da matéria provada nos pontos DDD. e GGG. resulta, com força de caso julgado, que em 24 de maio de 2007 a obra se encontrava “(…) em fase de pedreiro ao nível da cave, com a estrutura dos pilares da cave, excepto os pilares junto ao passeio demolido, estando as vigas colocadas para carregamento da placa em cerca de metade da área dos pilares já construídos (fls. 529 do PA 1304/97)”;
K. Tal significa para qualquer leigo na construção civil que a cave não se encontrava acabada.
L. Acresce que, o valor de € 193.600,00 inclui os acessos verticais e horizontais (escadas, corredores, elevadores, rampas), os quais, considerando a matéria dada como provada, não estavam executados ou, dito de outra forma, não consta da matéria dada como provada que os acessos estivessem executados.
M. Atenta a matéria dada como provada no ponto GGG. pode se afirmar, com grau de certeza absoluto, que apenas estaria concluída parte da estrutura da cave.
N. Toda a estrutura do edifício representa 40% do custo total da obra – vide depoimento de «AA» e o relatório pericial.
O. Considerando a matéria provada em PP., o custo do prédio, na sua totalidade e no estado de acabado seria de 1.273.445,72 €, pelo que, 40% desse valor seria 509.378,00€.
P. Considerando a matéria dada como provada em K., o edifício teria 5 pisos, um piso abaixo da cota da soleira (cave) e quatro pisos acima, pelo que, o edifício teria 5 pisos e 5 lajes.
Q. Dividindo o custo total da estrutura (509.378,00€) pelos 5 pisos, o custo da estrutura da cave ascenderia a 101.875,60€.
R. Considerando a tabela constante do relatório pericial, a cave estaria executada a cerca de 70%, pelo que, o custo do edificado, à data do embargo, seria sensivelmente, de € 71.312,50 (€ 101.875,60 x 70%).
S. Ainda se chegaria sensivelmente ao mesmo montante, através da análise do contrato de empreitada e da faturação – vide cláusula oitava do contrato junto aos autos a fls 2269 e ss.
T. A primeira fatura é de 02 de maio de 2007 no valor de € 35.616,00 (fato provado em VV) e respeita a trabalhos executados no mês anterior.
U. A segunda fatura, emitida em 11-06-2007, respeita a serviços de construção civil efetuados no mês anterior, no valor de 35616,35 €,
V. Considerando que apenas serão devidos os trabalhos executados até 24/05, e que o mês tem 22 dias úteis, e, aplicando a regra de “três simples”, os custos até 24/05 ascenderiam a € 27.522,00€.
W. Importa aqui referir que do contrato de empreitada junto a fls.2269, documento junto pela Autora e que faz prova plena, consta “as prestações mensais serão referentes aos trabalhos executados durante os meses que se seguem, detalhando: (..)”.
X. Pelo que, não podem restar dúvidas que a Autora só pode ter direito ao montante da primeira fatura e parte da segunda.
Y. Fez, pois, o tribunal errada apreciação da prova, devendo a matéria dada como provada em SSSSSS ser alterada no seguinte sentido:
Os custos da obra realizada até 24/05/2007 ascendem ao montante máximo de € 63.138,00.
Z. Se alterada a matéria de facto, deve a douta decisão condenatória ser reduzida ao montante de €63.138,00.

Contra-alegou a Autora, rematando que “A douta sentença recorrida não viola qualquer normativo legal, julgando os factos provados, de forma irrepreensível, e apreciando os meios de prova, de forma incensurável, fazendo uma correta apreciação dos factos e aplicação dos mesmos ao direito, pelo que não merece o mínimo reparo, devendo, assim, ser dada a devida relevância e prevalência aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova”.
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



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A apelação.
O tribunal julgou a acção «parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o R. Município a pagar à A. a quantia de 200.000 €, acrescida de juros legais desde a citação até ao efectivo e integral cumprimento. Absolve-se o R. do remanescente».
A condenação teve umbilical dependência no que em termos fácticos vem agora impugnado, muito particularmente no que na decisão recorrida se teve como provado sob «SSSSSS. Até ao momento a que se refere o ponto GGG do probatório, a A. incorreu 200.000 € de custos com a construção do prédio (depoimento da testemunha «AA» e p. 18 do Relatório Pericial)».
O que se encontra fixado supra de NNNNNN. a SSSSSS., foi apurado após anterior aresto deste TCAN, onde - e para o que agora importa - foi decidida «a baixa dos autos para que seja completada a decisão dos pedidos indemnizatórios formulados, segundo os critérios definidos neste acórdão.».
Avulta na compreensão do julgado que daí emanou, contemplando obrigação tendo por fonte responsabilidade: «No caso concreto, o encadeamento causal, em termos da noção jurídica de nexo de causalidade adequada, foi quebrado pela conduta da Autora quando prosseguiu na realização da obra após o embargo de 24-05-2007, referido em DDD. Mas os custos da obra realizada até essa data foram suportados pela Autora na convicção de que a obra era legal, com sustento na conduta ilícita do Réu, Município ..., que licenciou uma construção incompatível com o PDM vigente à época. Custos que são inegáveis pois já existia obra realizada antes dessa data, como se constata em GGG da matéria de facto.».
[Recordem-se os pontos de referência:
- “DDD. Em 24.5.2007 a CMST embargou a obra iniciada pela A. – fls. 529 do pa 1304/97 – provado por sentença de 31-01-2020;
- “GGG. Nessa ocasião, a obra que a A. estava a realizar estava em fase de pedreiro ao nível da cave, com a estrutura dos pilares da cave, excepto os pilares junto ao passeio demolido, estando as vigas colocadas para carregamento da placa em cerca de metade da área dos pilares já construídos (fls. 529 do PA 1304/97);”]
Na apurada factualidade, foi exarada razão para formação de convicção do Mmº juiz do tribunal “a quo”:
«O ponto OOOOO do probatório [parece evidente para todos que o julgador quereria referir-se ao ponto SSSSSS.], foi julgado provado em face do depoimento da testemunha «AA», que se mostrou credível ao tribunal.
A testemunha «AA» disse que no final de Maio as lajes já estariam betonadas, e também indicou quais os pontos que estariam já construídos a partir do doc. 5 junto com a petição inicial.
Da soma do valor constante neste documento, dos pontos que a testemunha indicou estarem concluídos no final de Maio (ponto GGG do probatório) resulta o valor de 313.635,40 € (o ponto 3.14 foi contabilizado aqui apenas em 70% do seu valor, atendendo a que no depoimento a testemunha indicou que a laje não estaria betonada, e que o valor do betão corresponderia a cerca de 30% do valor da placa, mas a testemunha indicou que o valor do custo de construção no final de Maio de 2007 estaria à volta de 200.000 €. Esta explicou de forma convincente como funcionava a facturação e asseverou que pelo menos 200.000 € teriam sido pagos a respeito dessa parte da construção.
De todo o modo, sempre se deve acrescentar que o valor correspondente aos pontos do doc. 5 junto com a p.i., que a testemunha disse terem sido executados, de acordo com a própria testemunha (veja-se a inquirição realizada pelo R. Município), diziam respeito à totalidade da obra e não apenas àquilo que estava já construído à data do embargo, pelo que o valor de 313.635,40 € seria excessivo
O documento 5 junto com a petição serviu ao tribunal essencialmente como suporte para, na inquirição das testemunhas, se perceber o que estaria ou não executado no momento do ponto GGG do probatório, porque quanto ao seu valor probatório devemos notar que o referido documento foi emitido em 13-02-2009, quase dois anos depois do embargo e quando já poderia haver desfasamentos face aos custos de 2007. A testemunha «AA» também não esclareceu quem elaborou este documento, pelo que não se pode extrair deste documento 5 os valores efectivamente devidos pela A. à empreiteira.
Acrescentamos que o Tribunal não se baseou apenas no depoimento da testemunha – na verdade, este coincide em larga medida com o custo de custo de construção que o Exmo. Sr. Perito apurou para a construção da cave: 193.600 € (v. p. 9 do relatório pericial). A diferença de 6.700 € não é, no cômputo geral, substancial (corresponde a menos de 5% de diferença), perante a qual se decidiu dar credibilidade ao custo indicado de 200.000 € pela testemunha que teve conhecimento directo da causa («AA» foi o empreiteiro quem fez a obra).
Quanto à testemunha «BB», este declarou não ter conhecimento directo (memória) do que estaria ou não construído, e o seu depoimento consistiu essencialmente em indicar, relativamente aos pontos do documento 5 junto com a petição inicial, o que estaria contruído face no momento do ponto GGG do probatório. Notamos que a testemunha apontou essencialmente os mesmos pontos que «AA», com algumas divergências: o ponto 3.9 e os pontos 3.12 e seguintes «BB» indicou que não estariam realizados; quanto ao capítulo 4, «AA» excluiu que estariam terminadas as obras referidas no ponto 4.4 e ss.
«CC» não tinha conhecimento directo dos factos em causa, pelo que o seu depoimento não teve relevo para a fixação da matéria factual.».
Vejamos.
No julgamento da matéria de facto a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
O que não implica que realize um novo julgamento, como se antes não tivesse existido uma outra apreciação; o recurso tem sempre como ponto de partida a decisão da 1.ª instância – Ac. STJ, de 12-05-2016 - Revista n.º 1041/06.0TBCTX.E1.S.
Disso reflexo, esteia o recurso, também, em prova(s) com que o tribunal “a quo”, no ponto, apoiou julgamento: o testemunho de «AA» e o Relatório Pericial.
O princípio que rege a apreciação da prova é o da livre valoração: sempre que a prova não tenha um valor legal ou tarifado, a prova é apreciada segundo a prudente convicção do juiz (art. 607º, nº 5, do CPC); como se sabe e o determina o art. 396º do CC, “a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”; cabe também às instâncias, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos do artigo 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil.
A motivação com que o tribunal “a quo” procurou fundamentar a decisão da questão de facto, é certamente sensível à crítica.
Como se sabe, «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, proc. n.º 03B3893.
Sem extraímos a ideia de ter sido “incredível”, o depoimento testemunhal de «AA» foi, também assim o avaliamos, algo hesitante, inseguro; basta auscultar o registo e depoimentos transcritos em alegações e contra-alegações; especialmente no ponto que se refere ao estado da obra, com ou sem betonagem de lage.
O testemunho de «BB» também não revigora melhores certezas.
O tribunal “a quo” não se bastou pela prova testemunhal; atendeu também ao dito doc. n.º 5; mas, como observou, “foi emitido em 13-02-2009, quase dois anos depois do embargo”; e pela abrangência do seu conteúdo, sem contemporânea coincidência para com a realidade de tempo e estado de coisas a que se refere a factualidade levada a “DDD.” e “GGG. [como se assinalou logo na primeira sentença de 1ª instância, acresceu construção “realizada em desobediência ao embargo de 24-05-2007”].
Frise-se que é a esse tempo e estado a que há que atender.
A alguma menor definição nos testemunhos poderá contribuir o que mais tarde - pese o embargo, e não prejudicando o que consta sob “GGG.” - adveio (lage executada a 100%); como dá conta o relatório pericial “Analisando as fotografias anexas à informação da Secção de Fiscalização Técnica da Câmara Municipal ..., datada de 22 de julho de 2008, antes da demolição, verifica-se que o edifício se encontrava com a estrutura de betão armado e lajes aligeiradas concluída, estando numa fase avançada de aplicação de alvenarias de blocos e de tijolo. Estima-se a percentagem de obra executada, à época, em cerca de 40%, conforme folha de vistoria seguinte, formatada para edifícios multifamiliares com elevador:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(…)
O tribunal procurou encontrar conforto na coincidência ao valor de € 200.000 indicado por «AA», que “asseverou que pelo menos 200.000 € teriam sido pagos a respeito dessa parte da construção”, com a proximidade ao valor de € 193.600,00 constante do relatório pericial.
Mas essa aproximação é falha.
Como consta do dito relatório:
É objetivo da presente peritagem, conforme despacho, e em face dos elementos disponíveis:
• Estimar os custos que previsivelmente seriam suportados pelo Autor para edificação do imóvel objeto do processo de licenciamento 1304/97;
• Estimar o valor de venda das frações face aos valores de mercado vigentes à época;
• Estimar o lucro previsível à época resultante da alienação das frações.
O valor de € 193.600,00, flui aí assim:
3.1. Estimativa dos custos com a edificação do imóvel
Foi efetuada uma estimativa dos custos com a edificação do imóvel, tendo por base valores correntes à época. As áreas de construção foram medidas nas plantas anexas ao processo.

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(quadro em maiores dimensões no Anexo 1)
Obteve-se um custo de construção estimado em 1.558.320 euros, incluindo IVA à taxa de 21%.
De acordo com os elementos anexos ao processo as taxas camarárias de construção orçaram em 20.634 euros.
Estimaram-se custos com projetos, gestão e fiscalização de obra em 2,5% dos custos de construção, correspondendo a 38.958€. No entanto, considerando o valor da adjudicação da obra de construção civil (1.239.670€ + IVA), esta estimativa baixa para os 37.500€.
Partindo do pressuposto de que a comercialização seria efetuada diretamente pelo promotor, e por isso sem comissões imobiliárias, estimaram-se os custos de comercialização, incluindo taxas, solicitadoria, registos, e despesas com promoção, em 1,5% do valor estimado de venda das frações, correspondendo a 29.226€.
Serão ainda de considerar como custos os juros com eventual financiamento à construção.”.
Evidencia-se, na parte que agora nos interessa:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


O recorrente coloca em destaque que o juízo do tribunal “a quo” não tem boa base, conquanto o valor de € 193.600 respeitará/respeitaria ao “custo da construção da cave acabada, ou seja, seria a cave com portões, instalação elétrica, redes de telecomunicações, água e saneamento, alvenarias, rebocos, revestimentos cerâmicos, pinturas, sinalização, etc.” e “inclui os acessos verticais e horizontais (escadas, corredores, elevadores, rampas)”.
Contrapõe a recorrida que que se trata de uma mera conclusão do recorrente; aponta que a inclusão de tais elementos não vem referida no relatório pericial, que não tece qualquer consideração sobre os elementos que teve em consideração.
Verdade que os não especifica.
Mas é de todo evidente, no que aí desenvolve o juízo do perito, que o valor apontado recai quanto a custo de construção para obra acabada; “custos que previsivelmente seriam suportados”, custo de construção que toma em consideração o que seria de comum advir de projectos de especialidade, não revelados em sede de projecto de arquitectura; como é inequívoco num “Quadro de Avaliação com base no critério da Comparação de Mercado” (anexo 1), que supõe na serventia de uma obra acabada comuns e esperados elementos; bem que não dê pormenor, pressupõe sempre pelo menos boa parte desses elementos, pelo menos no necessário para um fim de utilização previsto de aparcamento colectivo, com seus acessos verticais e horizontais.
Não se olvida argumento da recorrida indicando que “para a construção da cave estava apenas prevista, em sede de projeto e consequentemente, de orçamento, pilares, completamente livre e aberta em toda a área, sendo por isso falso que o custo da construção da cave previsto no relatório pericial previsse portões, instalação elétrica, redes de telecomunicações, água e saneamento, alvenarias, rebocos, revestimentos cerâmicos, pinturas, sinalização, etc”.
Mas o argumento não vem a favor, pois, no valor indicado pelo perito, ou estão nele incluídos todos ou parte desses elementos, ou, se mal assim considerou, então o valor indicado deveria ser ainda mais baixo.
O tribunal “quo” acabou por equacionar um valor de € 200.000 para obra em tosco [“70% do seu valor, atendendo a que no depoimento a testemunha indicou que a laje não estaria betonada, e que o valor do betão corresponderia a cerca de 30% do valor da placa”].
Comparando com (i) o valor definido na perícia para (uma/a) obra “acabada” (quanto à parte da cave), (ii) que em Maio de 2007 até antes e apenas “a obra que a A. estava a realizar estava em fase de pedreiro ao nível da cave, com a estrutura dos pilares da cave, excepto os pilares junto ao passeio demolido, estando as vigas colocadas para carregamento da placa em cerca de metade da área dos pilares já construídos”, (iii) e o diferente valor a que então, nessa diferente premissa, haveria de se apontar pela bitola da perícia para um tal estádio da obra, (iv) não se encontra uma “aproximação” ao valor de € 200.000, e antes, em manifesto desencontro, o que se autoriza a supor é um valor bem mais baixo.
Assim, e nos dados do caso, balanceando a falibilidade da prova testemunhal e uma intocada robustez do juízo pericial, temos por prudente convicção que não poderá ser afirmado valor de € 200.000.
Donde, antes julgando tê-lo como não provado, merece ser eliminado o item que vem provado sob: «SSSSSS. Até ao momento a que se refere o ponto GGG do probatório, a A. incorreu 200.000 € de custos com a construção do prédio (depoimento da testemunha «AA» e p. 18 do Relatório Pericial)».
Aqui chegados.
Tendo por norte a orientação de jurisprudência que emana da mais alta instância da jurisdição (cfr. Ac. do STA, de 03-12-2020, proc. n.º 01140/04.2BEPRT 0745/16), julga-se dever relegar para liquidação em execução de sentença.
O recorrente aponta dois caminhos alternativos para encontro do “quantum” já no presente momento de instância; mas podem apontar-se fragilidades.
E se pela prova constituída fica alguma dúvida quanto ao sucesso de uma fase de liquidação que evite o recurso à equidade, certo também não temos definitivamente arredado um êxito que por elementos complementares em prova constituenda possa levar a bom porto.
Bem que não encerre instância, porventura, já alcançada uma melhor definição nos limites do pleito, estará mais facilitado rapidamente colocar-lhe termo.
Também assim o queiram as partes.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida ao condenar “o R. Município a pagar à A. a quantia de 200.000 €, acrescida de juros legais desde a citação até ao efectivo e integral cumprimento”, antes condenando, nos termos do art.º 609.º, n.º 2, do CPC, no que resultar em ulterior liquidação, acrescido dos respetivos juros de mora, desde a citação e até efetivo pagamento.
Custas: cada parte é responsável por metade, provisoriamente, podendo ser corrigido após a liquidação determinada, em função do vencimento/decaimento aí apurado.

Porto, 4 de Abril de 2025.

Luís Migueis Garcia
Celestina Caeiro Castanheira
Alexandra Alendouro, em substituição